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Por Fernando Horta: Lula, se puder concorrer e se ganhar a próxima eleição, terá o maior desafio que um presidente brasileiro já teve. Reorganizar um país que está quase tão destruído quanto uma guerra civil deixaria.
O
discurso de Lula no congresso nacional do Partido dos Trabalhadores,
na quinta passada, foi mais curto e errático do que costuma ser. A
verdade é que o ex-presidente sente o peso que hoje tem, como única
figura de esquerda capaz de barrar o avanço conservador. O partido
tenta dar-lhe ao mesmo tempo apoio e abrigo. Não é pouco o que Lula
enfrenta. Afora uma caçada midiática diuturna, Lula ainda lida com
o lawfare da República de Curitiba e seus experts em Powerpoint,
pedalinhos e documentos sem assinatura. A perda de dona Marisa
Letícia (homenageada no Congresso) e o constante assédio aos
familiares do ex-presidente completam um quadro nefasto que o líder,
de 70 anos, impressiona ao enfrentar de forma tão aguerrida.
Não
há outra alternativa, dirão alguns. Eu discordo. Existem outras
alternativas para Lula, talvez não para a esquerda brasileira neste
momento. Para piorar as coisas, Guilherme Boulos escreve afirmando
que Lula não unificará as esquerdas “fazendo mais do mesmo”.
Permita-me discordar meu caro Boulos, diante da atual situação,
mais do mesmo de Lula estaria já de muito bom tamanho. Tentam
incitar o ex-presidente a um caminho de maior acirramento, de maior
enfrentamento. Tentam fazer do Lula de 70 anos um lutador por
reformas de base que lula não foi com 50 ou 60.
Lula,
em parte, aceita o desafio. Parte do discurso na noite da
quinta-feira passada foi dirigido a ataques à Rede Globo. É
compreensível que o ex-presidente esteja magoado. As vilanias da
Globo são conhecidas desde a destruição de Assis Chateaubriand e a
consolidação do império dos Marinho durante a ditadura. Mas parece
que a Globo perdeu a finesse com a morte do seu fundador. Os atuais
donos perderam o senso de tempo e oportunidade e estão gastando seu
capital político de forma muito acelerada. O custo dos ataques a
Lula tem subido vertiginosamente e pode ser visto nas pesquisas
eleitorais e na má vontade de vários anunciantes da Globo que já
percebem prejuízos aos seus produtos por conta da postura política
da emissora.
Lula
tem sido cobrado a fazer as reformas estruturais que a esquerda há
muito pede. Na última noite, Lula lembrou que presidente com
sessenta parlamentares não faz reforma. Com 70 anos, Lula ainda tem
que dar aula de política para uma parte da esquerda que parece viver
no Sítio do Pica Pau Amarelo (ou vermelho, se preferirem). Um lugar
onde o chefe do executivo tem o pó de pirlimpimpim e é capaz de
realizar tudo o que pensa. Sozinho. Se faz aliança é por puro
interesse, e se a aliança é com políticos de duvidosa moral então
a aliança é fisiológica, nefasta. Lula lembra que se faz aliança
não com quem se quer, mas com quem ganha eleição. Partidos que
nunca ganharam nada no executivo costumam esquecer-se disto.
Sem
um parlamento capaz de fazer mudanças, Lula não poderá fazer muita
coisa.
Enquanto
as bancadas de latifundiários, banqueiros e industriais forem
imensamente maiores que as de trabalhadores, professores e camponeses
Lula só fará algo se propuser o “mais do mesmo”. Colocando na
mesa seu imenso poder de negociação e chamando as forças políticas
para um grande pacto nacional. De novo. E não me entendam mal, isto,
hoje, já seria excepcional. O problema é que a esquerda ferida
pensa que a eleição de Lula seria uma reversão de forças. Teria a
capacidade de devolver todo o mal que tem sido infligido a ela.
Fala-se em “punir os golpistas”, num misto de devaneio com
esquizofrenia.
Lula
não pode tudo. Nunca pode, a bem da verdade. Governar não é um
exercício solitário da vontade. Tivemos algumas vezes presidentes
eleitos com minoria no congresso. E congresso hostil ainda. Vargas em
seu último mandato é um exemplo claro. A guinada à esquerda de
Vargas não surtiu efeito. As pressões eram demasiadas. Terminou
como sabemos. Um tiro no peito, o levante do povo e a continuidade do
modelo populista por mais dez anos.
A
verdade é que a esquerda brasileira é profundamente incompetente.
Não conseguiu construir alternativas eleitorais factíveis durante
todo o período que esteve no poder. E não falo apenas do PT, mas de
toda a esquerda. Quem bate no peito e exige “autocrítica” não é
capaz de fazer a sua e perceber que sem Lula e sem o PT não existe
esquerda brasileira hoje. E o pior é que sequer esta avaliação
realista são capazes de fazer. Continuam com discursos agressivos,
rompantes revolucionários sem sentido e cobranças anacrônicas.
Lula,
se puder concorrer e se ganhar a próxima eleição, terá o maior
desafio que um presidente brasileiro já teve. Reorganizar um país
que está quase tão destruído quanto uma guerra civil deixaria. E
sem base legislativa temo que Lula pouco ou nada possa fazer. Alguns
dirão que é culpa do próprio Lula e que ele tem a obrigação de
fazer a reforma A ou B. Eu me recordo de Churchill, durante a Segunda
Guerra, informando a Roosevelt e Stalin que o Papa exigia que se
libertasse Roma primeiro e que se protegesse todo o local da Santa
Sé. Stalin perguntou: “Quantas divisões comanda o Pontífice?”
Quantas
cadeiras no congresso comanda esta esquerda que está a exigir tantas
“reformas” do ex-presidente?