quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Excomungado

 Por Fernando Castilho


Então, de repente, os astros iluminaram o filósofo e ele enfim, viu essa luz.
Numa inspiração astral, de um fôlego só, como que tangido pela súbita sabedoria, escreveu o LIVRO! A obra que guiaria os homens de bem por todo o restante da eternidade.
O LIVRO atrairia corações e mentes e ditaria o comportamento dos seres humanos para que escapassem da tentação de lutar pelos menos favorecidos ou pela igualdade social num país essencialmente pobre e desigual. Não, não mais se falaria em ideias de liberdade, de soberania, de democracia a partir dele. Lá estaria tudo o que os inferiores seres humanos precisavam saber para não serem idiotas.
O filósofo, alçado a quase uma divindade, tratou de pregar, qual messias.
Em suas pregações atingiu milhares, milhões talvez, de discípulos que espalhariam a nova boa nova a todos os brasileiros. A gravidade não existe, o Sol e as estrelas giram em torno da Terra que é plana. Há uma guerra sendo travada no Brasil e o risco de sermos dominados por outras ideologias é enorme.
E assim foi.
Em verdade, em verdade vos digo que o filósofo foi exitoso em espalhar a palavra. O LIVRO é ainda sucesso de vendas.
Vários discípulos decidiram ir mais longe com a palavra. Chegaram a altos cargos no governo brasileiro. Um deles fez-se Rei e seus filhos, conselheiros influentes. Outros, nobres. Todos eles lutariam batalhas épicas contra as ideologias que pretendem libertar o povo.
Mas o discípulo em que o filósofo depositava maior esperança, o que se fez Rei, traiu sua confiança. Nunca trabalhou e fingiu que leu o LIVRO!
O filósofo, então decidiu falar! Falou para milhões virem e ouvirem com muita atenção. E fez a grande revelação!
O Rei está com seus dias contados, disse ele. Na verdade, perdeu a batalha.
Não leu meu livro, nem um pedaço!
És, a partir de agora, excomungado para todo o sempre!
Que a desgraça se abata sobre tua cabeça!
Todos se entreolharam e sentiram o poder da palavra atingir suas mentes culpadas.
Feito isso, o filósofo descansou no Estado da Virgínia.

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