Meu
pai faleceu em janeiro de 2000, vítima de um câncer que o consumiu
ao longo de cinco meses.
Embora
tenha sido um período relativamente curto, nós, familiares fomos,
ao vê-lo definhando todos os dias, nos acostumando à ideia de sua
partida.
Mesmo
assim, na semana de sua morte, quando já tomava injeções de
morfina contra a dor insuportável, reuni a família e disse que
deveríamos nos preparar para os próximos dias.
Lembro-me
da revolta de minha mãe e de minha irmã com minha atitude. ''Não
crê em Deus?'', ''não sabe que a fé move montanhas?''
A
fé não moveu as montanhas e meu pai faleceu dias após.
O
velório foi concorrido. Compareceram parentes e amigos que não se
viam há bastante tempo.
Como
hoje, recordo-me das pessoas velando o corpo num recinto onde haviam
várias cadeiras. As conversas lá dentro eram em tom baixo, contido,
respeitoso. Vez ou outra o silêncio era interrompido pelo choro de
um bebê ou de um adulto ao se debruçar sobre o caixão aberto.
Minha
mãe, minha irmã e minha esposa, talvez por serem mulheres, mais
emotivas choravam muito. Eu também, à minha maneira também chorei.
Um
ou outro familiar, como minha tia, por exemplo,
aproximava-se do corpo e dizia algo em voz baixa, inaudível. Minha
tia às vezes sorria, um sorriso como a rememorar tampos passados,
talvez da infância alegre que passaram juntos. Conheço muito bem
esse sorriso. Um sorriso nostálgico, distante, com os cantos da boca
meio que retorcidos, e, quase que invariavelmente, acompanhado de uma
lágrima. Morrera um homem muito importante, muito especial para nós. Nunca mais o veríamos. Por isso estávamos tristes. Era sincero.
Do
lado de fora do recinto, longe do caixão, longe dos olhos e ouvidos
dos que permaneciam lá dentro, crianças corriam, brincavam,
indiferentes à tristeza que todos estavam passando.
Homens
e mulheres aproveitavam o momento para conversarem numa animação
contida. A conversa era sempre a mesma. ''A gente só se encontra
nessas horas, né?'' ''Está trabalhando aonde?'' ''Sabia que fulana
se casou?'' ''Nossa, como seus filhos estão grandes...'' ''Vamos
tomar um café?'' Etc..
Depois
desse velório, o último do qual participei foi há mais ou menos
dez anos atrás. Falecera uma tia de minha esposa, já em idade
avançada.
Não
foi diferente.
Ou
seja, há pelo menos dez anos atrás o comportamento das pessoas nos
velórios era mais ou menos esse.
No
último dia 13 faleceu o candidato a presidente pelo PSB, Eduardo
Campos.
Ao
contrário de meu pai e daquela tia, para cujos falecimentos os
familiares estavam preparados, a morte do ex-governador foi
repentina, brusca. Ninguém estava preparado.
Eduardo
Campos não era candidato a presidente para agora, em 2014.
Até
pouco depois de selada a aliança com Marina Silva, o pernambucano
tinha realmente pretensões de ir para o segundo turno, amparado pela
popularidade que supôs que a ex-senadora ainda mantivesse, quando
obteve cerca de 20 milhões de votos na disputa de 2010. Mas os
números das pesquisas eleitorais nunca lhe sorriram, motivo pelo
qual deve ter optado por ''fazer nome'', ser conhecido no Brasil
inteiro, visando, na verdade, 2018.
Mas
10% das intenções davam conta de sua relativa importância no
cenário, até para uma possível aliança num hipotético segundo
turno. Nada desprezível, tanto para Dilma Rousseff, quanto para
Aécio Neves.
Passado
somente um dia após a morte de Campos, seu irmão, Antonio Campos
divulgou uma carta carta para agradecer o apoio dos brasileiros. Na
mensagem, intitulada "Não vamos desistir do Brasil', ele,
precocemente no entender do blogueiro, já defendia a candidatura de
Marina Silva a presidente da República pelo PSB.
Marina
Silva, através de matéria publicada na Folha de São Paulo e no O
Estado de São Paulo, apesar de estar cumprindo luto no dia 15, em
seu apartamento em São Paulo, aceitava ser a nova cabeça de chapa
do PSB, assinando para isso, uma carta compromisso em que se
comprometia a cumprir o estatuto do partido e a subir em palanques
antes considerados malditos por ela, notadamente junto ao eterno
governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), Beto Richa (PSDB) do
Paraná e Lindberg Farias (PT) do Rio de Janeiro.
No dia 17, quatro dias após o acidente, aconteceu o velório de Eduardo
Campos em Recife.
O
caixão chegou num carro dos bombeiros ostentando a faixa ''Não
vamos desistir do Brasil''. Em cima, junto ao caixão, motivados pela
multidão (cerca de 150 mil pessoas nas imediações) que gritava
''Justiça'' e ''Campos'', seus três filhos maiores vestindo
camisetas som os mesmo dizeres da faixa, levantavam o punho e também
bradavam.
Chagavam
notícias publicadas pelo UOL, dando conta de que todo mundo estava
admirado com a serenidade da viúva Renata Campos, que organizara
sozinha todos os preparativos para o velório. O UOL ainda noticiava
que Renata aceitava ser a vice de Marina. Renata mudaria de ideia
logo após, ou a notícia fora plantada...
O
velório praticamente se transformaria num quase comício, onde não
faltaram bandeiras do PSB nem camisetas distribuídas farta e
gratuitamente aos jovens que lá compareceram.
Renata
Campos e Marina Silva faziam selfies com várias pessoas presentes.
E,
divulgada pelo Estadão, algumas fotos em que Marina Silva sorria...
Muita
gente ao ver essas imagens divulgadas nas rede sociais, apressou-se a
reagir, alegando que há circunstâncias em que pessoas sorriem em
velórios, pelos mais variados motivos, até para consolar alguém.
Verdade.
Verdade
também que o velório de Eduardo Campos estava sendo coberto
nacionalmente pela mídia, o que obrigaria qualquer um que estivesse
debruçado sobre o caixão a ter zelo com sua imagem. Notadamente a
preferida para ser seu substituto.
Marina
Silva, embora defenda a nova política, não é neófita no ofício.
Foi senadora e ministra. Essa expressão no rosto deveria ter sido evitada.
Será
que apenas dez anos fizeram as reações humanas perante um
acontecimento tão trágico regredirem tanto?
Será
que nesses momentos de dor não há mais a tristeza, a emoção
daqueles que nunca mais verão um pai, um marido, um amigo?
Lembrei-me
do sorriso de minha tia no velório de meu pai.
Aquele
sorriso fora bem diferente...
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