segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Sobre sorrisos em velórios

Por Fernando Castilho


Meu pai faleceu em janeiro de 2000, vítima de um câncer que o consumiu ao longo de cinco meses.

Embora tenha sido um período relativamente curto, nós, familiares fomos, ao vê-lo definhando todos os dias, nos acostumando à ideia de sua partida.

Mesmo assim, na semana de sua morte, quando já tomava injeções de morfina contra a dor insuportável, reuni a família e disse que deveríamos nos preparar para os próximos dias.

Lembro-me da revolta de minha mãe e de minha irmã com minha atitude. ''Não crê em Deus?'', ''não sabe que a fé move montanhas?''

A fé não moveu as montanhas e meu pai faleceu dias após.


O velório foi concorrido. Compareceram parentes e amigos que não se viam há bastante tempo.

Como hoje, recordo-me das pessoas velando o corpo num recinto onde haviam várias cadeiras. As conversas lá dentro eram em tom baixo, contido, respeitoso. Vez ou outra o silêncio era interrompido pelo choro de um bebê ou de um adulto ao se debruçar sobre o caixão aberto.

Minha mãe, minha irmã e minha esposa, talvez por serem mulheres, mais emotivas choravam muito. Eu também, à minha maneira também chorei.

Um ou outro familiar, como minha tia, por exemplo, aproximava-se do corpo e dizia algo em voz baixa, inaudível. Minha tia às vezes sorria, um sorriso como a rememorar tampos passados, talvez da infância alegre que passaram juntos. Conheço muito bem esse sorriso. Um sorriso nostálgico, distante, com os cantos da boca meio que retorcidos, e, quase que invariavelmente, acompanhado de uma lágrima. Morrera um homem muito importante, muito especial para nós. Nunca mais o veríamos. Por isso estávamos tristes. Era sincero.

Do lado de fora do recinto, longe do caixão, longe dos olhos e ouvidos dos que permaneciam lá dentro, crianças corriam, brincavam, indiferentes à tristeza que todos estavam passando.

Homens e mulheres aproveitavam o momento para conversarem numa animação contida. A conversa era sempre a mesma. ''A gente só se encontra nessas horas, né?'' ''Está trabalhando aonde?'' ''Sabia que fulana se casou?'' ''Nossa, como seus filhos estão grandes...'' ''Vamos tomar um café?'' Etc..

Depois desse velório, o último do qual participei foi há mais ou menos dez anos atrás. Falecera uma tia de minha esposa, já em idade avançada.
Não foi diferente.

Ou seja, há pelo menos dez anos atrás o comportamento das pessoas nos velórios era mais ou menos esse.

No último dia 13 faleceu o candidato a presidente pelo PSB, Eduardo Campos.

Ao contrário de meu pai e daquela tia, para cujos falecimentos os familiares estavam preparados, a morte do ex-governador foi repentina, brusca. Ninguém estava preparado.

Eduardo Campos não era candidato a presidente para agora, em 2014.

Até pouco depois de selada a aliança com Marina Silva, o pernambucano tinha realmente pretensões de ir para o segundo turno, amparado pela popularidade que supôs que a ex-senadora ainda mantivesse, quando obteve cerca de 20 milhões de votos na disputa de 2010. Mas os números das pesquisas eleitorais nunca lhe sorriram, motivo pelo qual deve ter optado por ''fazer nome'', ser conhecido no Brasil inteiro, visando, na verdade, 2018.

Mas 10% das intenções davam conta de sua relativa importância no cenário, até para uma possível aliança num hipotético segundo turno. Nada desprezível, tanto para Dilma Rousseff, quanto para Aécio Neves.

Passado somente um dia após a morte de Campos, seu irmão, Antonio Campos divulgou uma carta carta para agradecer o apoio dos brasileiros. Na mensagem, intitulada "Não vamos desistir do Brasil', ele, precocemente no entender do blogueiro, já defendia a candidatura de Marina Silva a presidente da República pelo PSB.

Marina Silva, através de matéria publicada na Folha de São Paulo e no O Estado de São Paulo, apesar de estar cumprindo luto no dia 15, em seu apartamento em São Paulo, aceitava ser a nova cabeça de chapa do PSB, assinando para isso, uma carta compromisso em que se comprometia a cumprir o estatuto do partido e a subir em palanques antes considerados malditos por ela, notadamente junto ao eterno governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), Beto Richa (PSDB) do Paraná e Lindberg Farias (PT) do Rio de Janeiro.

No dia 17, quatro dias após o acidente, aconteceu o velório de Eduardo Campos em Recife.

O caixão chegou num carro dos bombeiros ostentando a faixa ''Não vamos desistir do Brasil''. Em cima, junto ao caixão, motivados pela multidão (cerca de 150 mil pessoas nas imediações) que gritava ''Justiça'' e ''Campos'', seus três filhos maiores vestindo camisetas som os mesmo dizeres da faixa, levantavam o punho e também bradavam.

Chagavam notícias publicadas pelo UOL, dando conta de que todo mundo estava admirado com a serenidade da viúva Renata Campos, que organizara sozinha todos os preparativos para o velório. O UOL ainda noticiava que Renata aceitava ser a vice de Marina. Renata mudaria de ideia logo após, ou a notícia fora plantada...

O velório praticamente se transformaria num quase comício, onde não faltaram bandeiras do PSB nem camisetas distribuídas farta e gratuitamente aos jovens que lá compareceram.

Renata Campos e Marina Silva faziam selfies com várias pessoas presentes.


E, divulgada pelo Estadão, algumas fotos em que Marina Silva sorria...
Muita gente ao ver essas imagens divulgadas nas rede sociais, apressou-se a reagir, alegando que há circunstâncias em que pessoas sorriem em velórios, pelos mais variados motivos, até para consolar alguém.


Verdade.
Verdade também que o velório de Eduardo Campos estava sendo coberto nacionalmente pela mídia, o que obrigaria qualquer um que estivesse debruçado sobre o caixão a ter zelo com sua imagem. Notadamente a preferida para ser seu substituto.
Marina Silva, embora defenda a nova política, não é neófita no ofício. Foi senadora e ministra. Essa expressão no rosto deveria ter sido evitada.

Será que apenas dez anos fizeram as reações humanas perante um acontecimento tão trágico regredirem tanto?

Será que nesses momentos de dor não há mais a tristeza, a emoção daqueles que nunca mais verão um pai, um marido, um amigo?

Lembrei-me do sorriso de minha tia no velório de meu pai.
Aquele sorriso fora bem diferente...





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