Preâmbulo verdadeiro
Gente que se faz sozinha desde 2003 (meramente ilustrativa) |
Antes
do assunto propriamente dito a ser tratado, quero contar uma história
ilustrativa.
Tenho
um amigo.
Não
me importo se ele, ao ler isto resolva romper relações comigo.
Confio mais que faça uma refllexão que o auxilie a encarar a vida
de outro modo. Seria bom para ele.
De
origem humilde, tornou-se microempresário herdando a empresa do pai
que falecera. Como todo mundo que inicia seus passos, jovem ainda,
dentro da livre iniciativa, passou maus bocados, mas fez sua vida
durante a última década.
Passando
a vestir só grifes e a gastar em caros restaurantes, chegou a ter
cinco carros, dois em sua garagem, outros nas de vizinhos.
Esquecera
de sua origem.
Embora
tenha sido beneficiado pelo crescimento econômico durante o governo
Lula, credita seu sucesso somente ao seu próprio esforço.
Esqueceu-se de que antes de 2003, ralava muito e nada acontecia.
Com
a firme ideia de que já não era mais pobre, mas que era quase um
rico, passou a frequentar rodas em que todos, a qualquer momento,
execravam o Partido dos Trabalhadores. Aderiu rapidamente a essa
turma. Agora odiava pobre.
Inflado
pelo consumo desenfreado de seus novos pares, passou a gastar mais do
que ganhava, contraindo enormes dívidas.
Um
dia, ao visitá-lo, mostrou-me seu sonho de consumo, enfim atingido.
Um daqueles jipões, importados de 6 cilindros, uma maravilha!
Porém,
algumas semanas mais tarde, fora convidado pelo pai da namorada rica
de seu filho mais velho, homem que, segundo ele, mantinha negócios
escusos, a passar um fim de semana em sua casa na praia, uma mansão
no Guarujá.
Segundo
ele próprio me contou, foram em dois carros.
O
pai da moça possuía um jipão de 8 cilindros e, durante a viagem,
ligou pelo celular ao meu amigo, dizendo em meio à gargalhadas, que
não o via pelo retrovisor.
Humilhado
pelo homem, na semana seguinte desfez-se do que ele próprio passou a
chamar de ''lixo''. Vendeu seu ''lixo'' por preço inferior ao de
mercado, somente para poder comprar outro igual ao de seu rival.
Fim da historinha.
Família aguardando o instrutor de pesca |
Há
décadas atrás, nos tempos em que Lula disputava com Collor e
Brizola as eleições de 1989, o que este blogueiro mais ouvia de
seus parentes e amigos, todos cristãos, era que o Brasil era uma
vergonha por ser um país tão cheio de gente pobre e miserável, que
precisava de atenção do governo, atenção esta que nunca lhes fora
dada.
Acredite,
as pessoas se diziam indignadas com a desigualdade!
A
Sudene e a Sudam eram uma vergonha por não conseguirem melhorar a
vida de nossos irmãos lá de cima.
A
seca impedia ao homem do sertão qualquer iniciativa de prosperar, e
os coronéis o explorava ao máximo.
As
famílias, sem ter quem as amparasse, eram expulsas de suas terras
por grileiros, e vinham parar nos grandes centros urbanos, passando a
viver em condições sub-humanas nas favelas.
Tudo
isso sob os olhares da ditadura, depois, sob Sarney, depois sob
Collor, depois sob FHC.
Lula
chegou e iniciou o processo de mudança dessa situação, ele próprio
tendo sido um dos expulsos de sua terra natal, Guaranhuns.
Após
doze anos, dois governos de Lula e um de Dilma Rousseff, 36 milhões
de pessoas (18% da população), deixaram a linha de miséria e de
pobreza, através de programas sociais como o bolsa-família.
Com
o crédito consignado, isenção de IPI para automóveis e linha
branca de eletrodomésticos, uma nova classe média aflorou no país,
sedenta de consumo. Foi isso que movimentou a roda da economia mesmo
depois da crise internacional iniciada em 2008, da qual o mundo ainda
não se recuperou.
O
Brasil mudou, e gente como meu amigo ganhou com isso.
Mas,
e agora?
Não
só meu amigo, mas parentes e outros amigos de longa data em geral,
todos cristãos, agora se posicionam contra o Bolsa-família porque
acham que já que se fizeram na vida devido ao seu próprio esforço,
nossos irmãos lá de cima também tem que fazer o mesmo. Abraçaram
a meritocracia, uma das coisas mais injustas e menos cristãs que o
capitalismo inventou.
Alguém
lhes disse que o programa é eleitoreiro. E nisso, a mídia teve um
papel fundamental.
Sim,
é eleitoreiro, mas só na medida exata em que seus beneficiários
normalmente cumprem a lógica de, gratos, reconhecer os responsáveis
pela melhoria de suas vidas. Nada mais natural.
Qual
o argumento? O de sempre:
-
O governo tem que ensinar a pescar e não dar o peixe, bradam eles.
O
blogueiro pergunta:
-
Ensinar a pescar o que, se no sertão não dá peixe?
-
Ora, retrucam eles, falamos em linguagem figurada. O governo deveria
ensinar a plantar.
-
Plantar eles já sabem. Mas onde e como? No sertão não vale o dito
''em se plantando tudo dá!''
-
Ah! Deveria então pô-los para trabalhar na enxada!
-
Eles já fazem isso há séculos, mas mal dá pra sobreviver...
-
Ah, não sei, então o governo deveria fazer alguma coisa!
-
Mas já faz. O Bolsa-família é uma ajuda para complementar a mesa
das famílias e fazer com que possam ter três refeições por dia,
conforme quis Lula.
-
Ah, mas outro dia vi um recibo de um banco de uma pessoa que recebeu
2500 reais de Bolsa-família. As mulheres estão tendo mais filhos
para ganhar mais! Um absurdo!
-
Isso não é verdade. Não se deixem iludir por quem quer acabar com
o programa. O benefício é repassado às famílias com renda entre
70 e 140 reais por pessoa, sendo que cada membro recebe o valor médio
de 97 reais. Ninguém vai fazer filho para ganhar 97 reais. É
ilógico.
- Ah, mas é muito pouco...Então Aécio tem razão quando dizia que é bolsa-esmola!
- Urrrrrrrgh!
Pois
é, meus amigos. Essa gente é instruída, tem curso superior e faz
parte daquele contingente de pessoas ''bem informadas'' que FHC
citou: os moradores do sudeste e sul.
É
interessante notar que todos se acostumaram a viajar para o exterior
nas férias, coisa que não tinham condições de fazer há dez anos
atrás. Quando voltam, revelam-se impressionados por quase não
encontrar mendigos ou favelas na Europa. Daí o blogueiro diz que nos
países da Europa há programas específicos para impedir que
famílias tenham que viver embaixo de pontes ou passar fome.
-
Ah, mas lá é primeiro mundo, né?
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