segunda-feira, 13 de julho de 2015

Francisco e uma metáfora biomimética

Por Fernando Castilho
Por Mustafá Ali Kanso


Foto: Reuters
Lógico, não leio a Veja. Até há 15 anos atrás, lia, mas depois que a revista tristemente se tornou um panfleto destinado somente a atacar um partido, o PT e a elogiar outro, o PSDB, ficou claro que a isenção e a obrigação de informar se perderam no espaço-tempo e não mais existe.

Porém, alguém publicou no Facebook um texto do Reinaldo Azevedo em que o Tio Rei, em nome dos valores cristãos, dizia que Papa bom era Bento XVI (que nunca se preocupou com os pobres, acobertou denúncias de pedofilia, foi homofóbico, etc..) e que Francisco não o representa. Mais: espera ansiosamente pelo novo Papa, alguém com a visão conservadora e injusta de mundo que o contemple.

Mas por que Francisco não representa Reinaldo Azevedo?

Porque o Papa em recente viagem à América Latina, afirmou que o atual sistema global “que impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza (…) é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.

Quando o capital se converte em ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez pelo dinheiro tutela todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, coloca povo contra povo e, como vemos, até põe em risco esta nossa casa comum”, disse o sacerdote. Quem pode discordar? Só o Tio Rei mesmo.

No mês passado Francisco já havia publicado a chamada ''Encíclica Verde'' onde pede ao mundo que reconheça as lastimáveis verdades sobre como os seres humanos têm afetado o meio ambiente, e, assim, prejudicado todos os seres, incluindo animais.

Reinaldo, movido pelo seu papel subserviente de defender a direita, o capitalismo e o conservadorismo, demonstra total ignorância sobre o futuro do planeta a se continuar com esse sistema exploratório e predatório.

Desta vez não são esquerdistas abilolados, bolivarianos, lulopetistas, petralhas ou o Papa comunista, como ele diria, que defendem um novo sistema para o mundo, mas sim o escritor e professor paranaense Mustafá Ali Kanso (autor de A Cor da Tempestade), muito mais preocupado com a questão científica do para onde o mundo vai, do que com política partidária rasteira como Reinaldo Azevedo.

Kanso vai um pouco na esteira da Hipótese de Gaia, do cientista britânico James E. Lovelock, que defendeu em 1972 que o planeta deveria ser tratado como um organismo vivo. Hoje em dia vários cientista sustentam que a hipótese deva ser considerada uma teoria científica.


James Lovelock


Mas vamos ao texto



Na esteira do artigo da semana passada foi possível pontuar: nesses 3,8 bilhões de anos de evolução, os processos naturais testaram, por tentativa e erro, o que funciona e o que não funciona na preservação de uma espécie e de seu habitat.

Daí é imperativo destacar a importância de incorporarmos em nossa metodologia de criação e projeto de materiais e objetos as mesmas constatações.

Em outras palavras:
Nosso atual modelo de produção que valoriza essencialmente o capital em detrimento do trabalho e da natureza está completamente equivocado.

A nossa gestão da ciência e da tecnologia precisa urgentemente de uma revolução. O trabalho e a natureza não podem mais ficar no último plano de valorização em nossas escalas de prioridade.

E se realmente pretendermos, enquanto espécie, uma maior longevidade — essas mudanças drásticas precisam ocorrer urgentemente.

É justamente nesse viés, pelo qual o valor dado aos ganhos de capital supera — e em muito — aos ganhos sociais e ambientais, que a história humana vem, nesses últimos séculos, construindo um resultado quantitativo inquestionável: além de exaurir recursos naturais, depredar e poluir o ambiente, o somatório da riqueza de apenas 1% da população mundial está superando o somatório dos bens dos 99% restantes.
Evidentemente a política macroeconômica mundial é ditada por esses 1% com uma equação fácil de entender:

cada vez mais para eles mesmos e cada vez menos para o resto do mundo.
Por essa razão esse modelo é definido simplesmente como predatório: ao mesmo tempo que está exaurindo o ambiente natural, está gerando pressões insustentáveis no ambiente social.

Não há solução a curto prazo que não passe necessariamente por essa constatação.
Enquanto o modelo for consumista, ditado simplesmente pelas necessidades do mercado — que joga com cartas marcadas — essas e outras contradições não serão resolvidas.
Para apoiar essa avaliação, quero aproveitar o tema — biomimética — e propor uma analogia.

Imagine um organismo que possua em sua constituição células ricas e pobres.

As células ricas recebem muito mais sangue do que precisam para se manterem vivas e por necessidades ainda não muito compreendidas represam e armazenam esse sangue, que representa, nessa metáfora, a riqueza desse organismo.

Evidentemente, por conta disso, as células pobres estão recebendo pouco ou nenhum sangue.

Ora, valendo-se dos conceitos da biologia fica fácil entender que o conjunto de células ricas, ao represar e acumular o sangue estão gerando um tumor enquanto que as células pobres que estão morrendo sem alimento e oxigênio caracterizam a necrose do órgão que constituem.

Um organismo com esses sintomas — infelizmente — não possui muito tempo de vida.
Simples assim.






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