Passados alguns dias após a procela do caso Maju, já dá para se fazer algumas reflexões.
Claro
que o racismo é uma das piores perversões que um ser humano comete
contra outro, não tenha dúvidas.
Mas
foi grande a comoção nacional em torno do caso. Até o Bonner e a
equipe do Jornal Nacional são todos Maju desde criancinhas, numa
espécie de desalinho com a opinião de seu diretor na Globo, Ali Kamel, sociólogo
de formação, que escreveu o livro "Não somos racistas",
em que critica a adoção de cotas raciais, sustentando a tese de
que, ao contrário de combater o racismo, elas podem dar origem ao
ódio racial, segundo ele, até aqui i-ne-xis-ten-te no Brasil.
Manuel
Castells recentemente afirmou: ''A imagem mítica do brasileiro
simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, [o
brasileiro] sempre foi violento. A sociedade brasileira não é
simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos
hoje na internet. Essa agressividade sempre existiu.'' Contra o negro
então, nem fale.
Darcy
Ribeiro em ''O Povo Brasileiro'' afirma que os portugueses ao
chegarem ao Brasil caçavam toda e qualquer índia para estuprá-la e
fazer-lhe filhos mestiços. Mais tarde os senhores das fazendas
faziam o mesmo com as escravas negras quando começavam a atingir a
puberdade. Elas eram coisas que antes de se estragarem e serem
substituídas por mais novas serviam inclusive para o rito de
passagem dos filhos da casa grande para a idade adulta.
As
negras não eram boas para se casar, mas sim para estuprar.
Os
escravos foram ''libertados'', todos sabem em que condições, e nem
é preciso falar aqui da dívida moral que temos com seus
descendentes, embora Kamel o negue.
O
ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa se referiu ao caso Maju
desabafando algo como isto: Ninguém tem ideia do que passei no STF.
Sim, ele também com certeza deve ter sido hostilizado pois não é
possível tolerar um negro (inserido pelas mãos de Lula que queria
porque queria um negro no STF) no mais alto grau do Poder Judiciário
brasileiro. Barbosa só foi admirado mais tarde pela casa grande por
ter se empenhado pessoalmente nas condenações do mensalão.
E
Maju é uma das negras que alcança uma certa projeção no horário
nobre da televisão, embora só apresente as previsões do tempo.
Maju
é bonita, simpática e fala muito bem. Pode ter futuro melhor que as
atrizes negras que geralmente fazem papel de escravas ou domésticas
nas novelas da própria emissora.
Mas
o que eu realmente quero dizer é que o ''somos todos Maju'' que
muita gente publicou e replicou nas redes sociais é da mais alta
hipocrisia que se possa conceber.
Muito
pouca gente é Maju. Quase ninguém. E mesmo aqueles que convivem com
negros, que procuram se abster do preconceito, acabam por revelá-lo
em algum momento.
Lí
outro dia o depoimento de um advogado negro que jura de pés juntos
que nunca enfrenta preconceito de brancos. Convive bem com eles em
várias rodas, seja entre seus pares de profissão, seja em outros
grupos sociais. Um (a) repórter acompanhou-o à academia de
ginástica constatando que realmente ele era muito popular. Porém,
após o advogado ter acabado de usar um aparelho, um de seus amigos
que iria utilizá-lo em seguida, cuidando para que ele não
percebesse, desinfetou-o cuidadosamente com álcool. Detalhe: ele nem
tinha começado a suar ainda.
Aconteceu
em minha vida. Tínhamos no escritório um engenheiro negro. Tão
negro que ele próprio dizia que era de raça pura e por isso
superior aos mestiços que pisavam muito na bola. Ele não sabia, mas
as checagens de seus projetos eram mais rigorosas do que as dos
outros, brancos, vários de raça não tão pura quanto a dele.
Uma
vez fui barrado em uma porta giratória de um banco. Como já tinha
tirado todos os objetos metálicos que carregava e mesmo assim não
conseguia adentrar ao recinto, passei a reclamar. Logo o gerente
ordenou que o segurança abrisse a porta que deveria estar com algum
defeito. Porém, logo em seguida um negro também tentou entrar em
vão. Dessa vez o segurança saiu e o revistou ainda na calçada à
frente dos passantes. Só depois ele pode entrar. Enão reclamou pois
esse devia ser seu dia a dia.
Existe
uma lei contra o racismo e ela não é nada branda, mas é fácil
perceber que nem sempre funciona. O Danilo Gentili praticamente
chamou de macaco um internauta, foi acionado por isto mas o juiz
entendeu que o crime não fora cometido. Hipocrisia.
Torcedores
do Barcelona atiraram bananas no jogador Daniel Alves. Em seguida Luciano Huck, que nunca se manifestou contra o racismo nem declarou
apoio às cotas, tentou faturar em cima para vender camisetas.
Diariamente
assistimos demonstrações de racismo, seja em piadinhas de stand up,
seja em zorras totais. São mais brandas do que na época de
comediantes como Costinha, especializado em piadas de gays, mas mesmo
assim sobrevivem pois os jovens de hoje em grande parte são
contrários ao políticamente correto e acham que vale tudo pela
liberdade de expressão. O mesmo acontece com relação à população
LGBTT.
Mas
por incrível que pareça há um lado bom (bom? Talvez útil) nessa
celeuma do caso Maju. Serve para nos alertar que racistas assumidos
existem aos borbotões e estão cada vez mais criando coragem para se
revelar. E são muitos. Ah, e não adianta denunciar páginas e
grupos racistas, nazistas e homofóbicos ao Facebook. A equipe de
análise de denúncias do senhor Zuckerberg, apesar da lei, não
considera as publicações ofensivas. Ofensivo é seio amamentando.
É
por isso que esses fascistas estão saindo do armário. É por isso
que por estes dias (talvez pessoas que são Maju) sacrificaram um
negro amarrado a um poste, exatamente o que faziam os capitães do
mato quando caçavam escravos fugidos, tivessem eles alguma culpa ou
não.
Ás
vezes precisamos de ocorrências como essa do caso Maju para nos
lembrarmos de que também somos racistas quando toleramos sem reagir,
brincadeiras do tipo: bem, vamos trabalhar porque hoje é dia de
branco.
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