A Santa Inquisição |
A
pessoa em questão soube argumentar com educação e respeito, o que
me motivou a escrever este novo texto.
Escreveu,
em resumo, que eu não deveria defender os presos de colarinho branco
enquanto existem tantos presos ladrões de galinha. É verdade. Ele
tem razão. Em parte.
Os
pobres e pretos que vão para as cadeias todos os dias, sem
julgamento, são a expressão viva da grande desigualdade social no
Brasil. E essa desigualdade se expressa também na justiça. Ninguém
nega.
Mas
vamos partir do começo.
Para
quem segue a Bíblia, há a convicção de que Deus nos deu o livre
arbítrio. Mas também nos impôs 10 mandamentos. Há um paradoxo
nesta questão. Mas isso deixa pra outra discussão.
O
livre arbítrio significa em última instância que não precisamos
ter alguém para nos dizer o que fazer, como fazer e o que não
fazer, certo?
Porém,
parece que não é da natureza humana, pelo menos da maioria,
conseguir viver com o livre arbítrio.
Por
isso a humanidade colocou reis no poder ao longo dos séculos. Reis
que representavam o divino aqui na Terra, mandando e desmandando,
tiranizando, sendo os primeiros a desvirginar crianças que mal tinham atingido a puberdade e empreendendo guerras crueis, etc..
A
existência de reis e ditadores, para muita gente proporcionava certo
conforto quando imaginavam que alguém estava trabalhando pelo seu
bem-estar, em nome do justiçamento, punindo aqueles a quem odiavam. É uma pena que para muitos o Super-Homem não possa nos restituir a glória...
Guarde
isto que depois alinhavo.
Desde
o começo da civilização sempre houve quem cometesse atrocidades
justificando-as como a busca pela justiça.
Os
cristãos empreenderam as sangrentas cruzadas para, em nome de Deus,
tentar recuperar o Templo de Salomão que lhes havia sido
''surrupiado'' pelos árabes e reparar uma grande injustiça a eles
cometida.
Antes
disso, Cristo, sem ter cometido crime algum, foi entregue pelo
Sinédrio judaico ao governador romano Pôncio Pilatos para que este
fizesse justiça. Que justiça? A de condenar Cristo a morte. Como
Pilatos resistira, o povo exigiu a crucificação sem nenhuma
justificativa. Fez-se ''justiça''.
Mais
tarde a Igreja Católica queimava pessoas condenadas pelo Tribunal da
Santa Inquisição, acusadas de blasfêmia, heresia, bruxaria, etc..
Torquemada, o inquiridor mor fazia sua justiça. O teólogo, filósofo e escritor
Giordano Bruno foi um dos condenados somente por defender o
heliocentrismo. Galileu Galilei escapou por pouco.
Podemos
citar Hitler, Mussolini, Stalin e outros que barbaramente fizeram
justiçamentos. No Brasil também com a Guerra dos Canudos em que 20
mil sertanejos foram mortos, ou na ditadura militar, com milhares de
presos, torturados, desaparecidos e mortos. Em nome da justiça.
Para
que a civilização caminhasse para frente, aprendendo com as
barbáries cometidas no passado, é que se criaram as constituições.
A
Constituição Federal do Brasil, chamada de Constituição Cidadã,
promulgada em 1988 elenca um cabedal de leis que devem ser seguidas
para que não se cometa injustiças.
Os
juizes, sejam eles da esfera federal, como Sérgio Moro, ou ministros
do STF, devem seguir somente as leis, sem preferências
partidárias, sem vaidades para se exporem na mídia, falando somente
pelos autos, evitando ao máximo vazamentos de informações desses
autos, enfim, tendo uma atuação o mais discreta possível.
O
que critiquei em outro texto foi tão somente a atuação de Sérgio
Moro na Operação Lava Jato, também criticada pela OAB e pelo
ministro do STF Teori Zavascki. Moro manteve empresários presos
durante 7 meses em cadeias frias e fétidas (não que eles não devam
ir para cadeias comuns como todos os outros vão) para obrigá-los a
falar qualquer coisa para se livrarem dessa situação. Este é o
ponto. É extorsão, quase tortura para extrair informações. É
contra a lei.
E
agora alinhavo.
O
que muita gente quer é que aquele sentimento por tanto tempo
reprimido de impunidade se extravase de repente numa cadeia geral
para todos. Uma grande catarse.
As
pessoas admiram Moro como um líder a quem seguirão sem refletir se
ele está agindo certo ou errado, somente porque elas se sentem
confortáveis por Moro estar cuidando dos seus desejos de justiça.
Ou justiçamento. São as pessoas que precisam de alguém que lhes
diga por onde ir e o que fazer.
O
que menos importa nesse caso é se há real culpa ou não. O delator
tem que provar. Se não precisar provar, estará violado o Estado de
Direito e a Constituição e nos tornamos terra de ninguém. Podemos
voltar à barbárie do início da civilização. Ou ao velho oeste.
No
Estado de Direito, quando a Constituição é seguida, o acusado tem
o direito a ampla defesa. Moro não permite a defesa. É só
acompanhar os vários vídeos que ele grava com os depoimentos. Para
ele, o acusado é que tem que provar sua inocência. Agora me diga,
se você for acusado de algum ilícito, conseguirá encontrar provas
para se inocentar? Como?
Finalizando,
não defendo nenhum dos empresários até porque sei que eles
investem muito dinheiro nas campanhas de políticos de TODOS os
partidos para obter vantagens futuras. Somente uma reforma política
que proiba o financiamento empresarial de campanhas poderia acabar
com isso. Mas defendo até o fim o direito desses cidadãos, assim
como dos acusados pobres que não tem condições de se defender.
E
que o STF se pronuncie mais fortemente contra a arbitrariedade do
juiz Sérgio Moro.
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