sexta-feira, 3 de julho de 2015

Ou defendemos a Constituição ou voltamos à barbárie

Por Fernando Castilho


A Santa Inquisição
Um leitor comentou um texto meu, num trecho em que digo: Percebam que no caso da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro ignora totalmente o direito à defesa dos envolvidos, extorque delações, faz vazar delações para a mídia e seleciona livremente quem tem que ser investigado ou punido.

A pessoa em questão soube argumentar com educação e respeito, o que me motivou a escrever este novo texto.

Escreveu, em resumo, que eu não deveria defender os presos de colarinho branco enquanto existem tantos presos ladrões de galinha. É verdade. Ele tem razão. Em parte.

Os pobres e pretos que vão para as cadeias todos os dias, sem julgamento, são a expressão viva da grande desigualdade social no Brasil. E essa desigualdade se expressa também na justiça. Ninguém nega.

Mas vamos partir do começo.

Para quem segue a Bíblia, há a convicção de que Deus nos deu o livre arbítrio. Mas também nos impôs 10 mandamentos. Há um paradoxo nesta questão. Mas isso deixa pra outra discussão.

O livre arbítrio significa em última instância que não precisamos ter alguém para nos dizer o que fazer, como fazer e o que não fazer, certo?

Porém, parece que não é da natureza humana, pelo menos da maioria, conseguir viver com o livre arbítrio.

Por isso a humanidade colocou reis no poder ao longo dos séculos. Reis que representavam o divino aqui na Terra, mandando e desmandando, tiranizando, sendo os primeiros a desvirginar crianças que mal tinham atingido a puberdade e empreendendo guerras crueis, etc..

A existência de reis e ditadores, para muita gente proporcionava certo conforto quando imaginavam que alguém estava trabalhando pelo seu bem-estar, em nome do justiçamento, punindo aqueles a quem odiavam. É uma pena que para muitos o Super-Homem não possa nos restituir a glória... 

Guarde isto que depois alinhavo.

Desde o começo da civilização sempre houve quem cometesse atrocidades justificando-as como a busca pela justiça.

Os cristãos empreenderam as sangrentas cruzadas para, em nome de Deus, tentar recuperar o Templo de Salomão que lhes havia sido ''surrupiado'' pelos árabes e reparar uma grande injustiça a eles cometida.

Antes disso, Cristo, sem ter cometido crime algum, foi entregue pelo Sinédrio judaico ao governador romano Pôncio Pilatos para que este fizesse justiça. Que justiça? A de condenar Cristo a morte. Como Pilatos resistira, o povo exigiu a crucificação sem nenhuma justificativa. Fez-se ''justiça''.

Mais tarde a Igreja Católica queimava pessoas condenadas pelo Tribunal da Santa Inquisição, acusadas de blasfêmia, heresia, bruxaria, etc.. Torquemada, o inquiridor mor fazia sua justiça. O teólogo, filósofo e escritor Giordano Bruno foi um dos condenados somente por defender o heliocentrismo. Galileu Galilei escapou por pouco.

Podemos citar Hitler, Mussolini, Stalin e outros que barbaramente fizeram justiçamentos. No Brasil também com a Guerra dos Canudos em que 20 mil sertanejos foram mortos, ou na ditadura militar, com milhares de presos, torturados, desaparecidos e mortos. Em nome da justiça.

Para que a civilização caminhasse para frente, aprendendo com as barbáries cometidas no passado, é que se criaram as constituições.

A Constituição Federal do Brasil, chamada de Constituição Cidadã, promulgada em 1988 elenca um cabedal de leis que devem ser seguidas para que não se cometa injustiças.

Os juizes, sejam eles da esfera federal, como Sérgio Moro, ou ministros do STF, devem seguir somente as leis, sem preferências partidárias, sem vaidades para se exporem na mídia, falando somente pelos autos, evitando ao máximo vazamentos de informações desses autos, enfim, tendo uma atuação o mais discreta possível.

O que critiquei em outro texto foi tão somente a atuação de Sérgio Moro na Operação Lava Jato, também criticada pela OAB e pelo ministro do STF Teori Zavascki. Moro manteve empresários presos durante 7 meses em cadeias frias e fétidas (não que eles não devam ir para cadeias comuns como todos os outros vão) para obrigá-los a falar qualquer coisa para se livrarem dessa situação. Este é o ponto. É extorsão, quase tortura para extrair informações. É contra a lei.

E agora alinhavo.

O que muita gente quer é que aquele sentimento por tanto tempo reprimido de impunidade se extravase de repente numa cadeia geral para todos. Uma grande catarse.

As pessoas admiram Moro como um líder a quem seguirão sem refletir se ele está agindo certo ou errado, somente porque elas se sentem confortáveis por Moro estar cuidando dos seus desejos de justiça. Ou justiçamento. São as pessoas que precisam de alguém que lhes diga por onde ir e o que fazer.

O que menos importa nesse caso é se há real culpa ou não. O delator tem que provar. Se não precisar provar, estará violado o Estado de Direito e a Constituição e nos tornamos terra de ninguém. Podemos voltar à barbárie do início da civilização. Ou ao velho oeste.

No Estado de Direito, quando a Constituição é seguida, o acusado tem o direito a ampla defesa. Moro não permite a defesa. É só acompanhar os vários vídeos que ele grava com os depoimentos. Para ele, o acusado é que tem que provar sua inocência. Agora me diga, se você for acusado de algum ilícito, conseguirá encontrar provas para se inocentar? Como?

Finalizando, não defendo nenhum dos empresários até porque sei que eles investem muito dinheiro nas campanhas de políticos de TODOS os partidos para obter vantagens futuras. Somente uma reforma política que proiba o financiamento empresarial de campanhas poderia acabar com isso. Mas defendo até o fim o direito desses cidadãos, assim como dos acusados pobres que não tem condições de se defender.

E que o STF se pronuncie mais fortemente contra a arbitrariedade do juiz Sérgio Moro.


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