domingo, 23 de julho de 2023

Se o Universo está repleto de vida, onde está todo mundo?

Por Fernando Castilho


Caso você viva perto de uma floresta escura, se decidir se aventurar por ela numa noite sem Lua, temendo que animais selvagens o ataquem, o mais prudente é ficar quieto e não fazer barulho para não chamar a atenção. Vários animais, temendo seus predadores, também fazem isso.


Em meu livro, Um Humano Num Pálido Ponto Azul, editora Mindrongo, abordo várias questões de ordem filosófica, antropológica, sociológica, mas também científica.

Um dos capítulos se chama HOMO EXTINCTUS e aborda a origem da vida na Terra e o risco de extinção que atualmente estamos correndo. Há também outras questões.

Uma das questões a serem respondidas pela Ciência é se já fomos visitados por alguma outra forma de vida alienígena. Se temos em um dos universos possíveis, um número infinito de planetas que suportam a vida em sua gigantesca variedade, podemos pelo menos não aceitar como verdade absoluta que nunca tenhamos sido ou venhamos a ser visitados.

O paradoxo de Fermi cria uma grande dúvida em nossas mentes: se existem tantas galáxias no Universo e se em cada uma delas existem tantas estrelas e se orbitando cada uma delas pode haver certo número de planetas e se em algum desses planetas existe vida e se em certa porcentagem desses planetas com vida pode haver vida inteligente, por que ainda não recebemos informações desses seres? Fermi teria perguntado certa vez: “onde está todo mundo?”

A resposta pode ter a ver com o tempo e o espaço. As distâncias são tão grandes que somente uma tecnologia muito avançada poderia vencê-las. Nossa civilização tem somente cerca de 6 mil anos, atingiu um certo grau de Ciência e tecnologia apenas nos últimos séculos, que nos permite até enviarmos uma sonda ao distante planeta anão, Plutão, mas por sermos a única conhecida, não temos referências quanto ao tempo que outras possíveis civilizações costumam durar até se extinguirem.

Pode ser que antes de conseguirem realizar o sonho de vencer grandes distâncias, as civilizações se extingam como se tivessem um prazo de validade. Hoje percebemos que inúmeras ameaças já nos rondam aqui na Terra e o risco de extinção só aumenta. Portanto, antes que consigamos um motor de dobra espacial para saltarmos a Alpha Centauri, a estrela mais próxima de nós além do Sol, distante 4 mil anos-luz, deixemos de existir.

Outra possibilidade é que simplesmente outras formas de vida não tenham ainda conseguido evoluir para sociedades organizadas e tecnológicas, como nossos seres microscópicos ou como nossos animais. Pode-se também especular que outras civilizações, diferentemente de nós, simplesmente não tenham interesse em explorar outros mundos.

Além disso, a Hipótese da Floresta Negra também deve ser considerada. Caso você viva perto de uma floresta escura, se decidir se aventurar por ela numa noite sem Lua, temendo que animais selvagens o ataquem, o mais prudente é ficar quieto e não fazer barulho para não chamar a atenção. Vários animais, temendo seus predadores, também fazem isso.

Caso uma civilização já tenha dominado a tecnologia de enviar mensagens ao espaço, pode ser mais prudente não o fazer, pois se o sinal for captado por outras civilizações a possibilidade de predação existe, afinal, a cobiça por minerais e fontes de energia pode ser muito grande por quem já exauriu seu planeta. Portanto, como afirmou Stephen Hawking, é melhor ficar quieto.

Um dos fatos que ainda intriga os cientistas é o sinal Wow!

O  Wow! foi um forte sinal de rádio recebido em 1977, pelo radiotelescópio Big Ear nos Estados Unidos. O astrônomo Jerry R. Ehman descobriu a anomalia alguns dias depois, quando estava revisando os dados registrados. Ele ficou tão impressionado que circulou a leitura na impressão do computador, "6EQUJ5", e escreveu o comentário "Wow!" no lado.

Toda a sequência de sinais durou a janela completa de 72 segundos durante a qual o Big Ear foi capaz de observá-la, mas nunca mais foi detectado. Muitas hipóteses foram criadas para explicar a origem do sinal, incluindo formas naturais e feitas por humanos, mas nenhuma delas explicou adequadamente o sinal.

Seria o sinal Wow! Originário de uma civilização extraterrestre tentando se comunicar com alguma outra?

Ehman não respondeu ao sinal, mas é possível que seu emissor seja capaz de detectar o recebimento da mensagem aqui na Terra.

Mas qual o risco?

O planeta mais próximo da Terra, além daqueles que compõem nosso Sistema Solar circunda uma estrela chamada Próxima Centauri, distante 4 mil anos-luz de nós. Caso o recebimento do sinal tenha sido detectado, revelando nossa existência e localização, teria que percorrer 4 mil anos para chegar ao planeta. Atenção: é o planeta mais próximo de nós. Qualquer outro dista muitos mais anos-luz.

Passados 4 mil anos do sinal Wow!, isto é, em 5977, os possíveis habitantes de Próxima Centauri, caso ainda existissem, teriam que se deslocar por milhares de anos com suas naves para chegar à Terra e nos sobrepujar.

O receio de Stephen Hawking só se justificaria caso civilizações altamente tecnológicas fossem capazes de viajar por buracos de minhoca para aqui chegar.

Portanto, o que podemos concluir é que certamente não estamos sozinhos no Universo, mas talvez impossibilitados de conversar com nossos vizinhos.

 


sexta-feira, 21 de julho de 2023

O que a Inteligência Artificial está fazendo com os Beatles e Elis Regina?

Por Fernando Castilho

Trabalho gráfico de Alper Yesiltas utilizando Inteligência Artificial e outros programas

Uma IA altamente desenvolvida poderá, num futuro bem próximo, produzir vídeos e áudios em que até peritos tenham dificuldade em atestar sua veracidade.


Em 1994 os remanescentes dos Beatles, Paul, George e Ringo, se reuniram para gravar algumas músicas que John Lennon havia deixado como demo em um gravador doméstico. Após esse trabalho, decidiram lançar somente duas músicas, Free as a Bird e Real Love, que seriam as últimas do quarteto. Como o som de Lennon estava ruim, tiveram que fazer um esforço para subtrair ruídos, além de fazer arranjos típicos dos Beatles.

Uma das músicas de Lennon, Now and Then, não foi incluída porque foi considerada ruim, principalmente por George. A última fase de John, antes de sua morte, não pode ser considerada das mais criativas.

Naquela época nem se cogitava que a ainda inexistente Inteligência Artificial pudesse promover milagres. Mas Paul McCartney percebeu a possibilidade de gravar essa última música utilizando justamente a IA que, no caso, só serviria para “limpar” a voz de Lennon sem mudar absolutamente nada.

E foi assim que surgiu a “nova” música dos Beatles. A guitarra do falecido George, gravada ainda em 1994, foi incluída, assim como a bateria de Ringo.

O resultado, com os típicos arranjos à la Beatles, é bom, embora, insisto, a música não é lá essas coisas.

Após isso, tem aparecido no YouTube alguns outros “milagres” utilizando a IA.

Ouvi duas músicas de McCartney, Band on the Run e Uncle Albert, na voz de Lennon, com resultados muito ruins. A IA talvez ainda não tenha aprendido como John Lennon se comportaria ao cantar músicas de Paul McCartney.

Há também uma gravação com a voz de Elis Regina cantando Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento. Ela nunca gravou essa música e, caso pudesse ouvi-la, acho que ficaria vermelha de raiva qual uma pimentinha. Pela primeira vez ouvi Elis desafinar e sair do tom.

Pode parecer divertido ouvir essas gravações, mas elas representam alguns perigos.

Primeiro, para quem conhece Beatles e Elis Regina, pode ser realmente interessante, mas para quem não conhece e está apenas começando a tomar conhecimento dos artistas, soa como fraude, já que serão enganados.

Pensando por outro lado, uma IA altamente desenvolvida poderá, num futuro bem próximo, produzir vídeos e áudios em que até peritos tenham dificuldade em atestar sua veracidade.

Provas de crimes poderão ser adulteradas enganando o sistema judiciário.

Tomemos como exemplo as três pessoas que agrediram com palavras o ministro do STF, Alexandre de Moraes e que desferiram um tapa em seu filho.

Um dos agressores, Alex Zanatta, apresentou à PF um vídeo gravado por ele, mostrando a reação do ministro, mas cortou a parte em que ele foi agredido.

Caso Zanatta tivesse feito uso de uma IA, o vídeo não poderia ser considerado autêntico por um perito e, por isso, jamais poderia ser considerado como prova. De qualquer forma, nesse caso, a prova definitiva virá das câmeras do aeroporto.

Outro exemplo são as gravações da Vaza Jato tornadas a público pelo hacker Walter Delgatti. Se ele tivesse a oportunidade de na época ter usado a IA, essas gravações jamais poderiam ter sido usadas para que o STF considerasse o ex-juiz Sergio Moro suspeito e cancelasse todos os processos contra Lula. Uso esses exemplos para demonstrar o risco que nosso sistema jurídico poderá correr daqui para frente.

A IA é um avanço da tecnologia e não pode ser renegada por quem não é conservador, mas, como em qualquer novidade, é preciso que seja usada para o bem, além de ser necessário que se criem mecanismos para conter abusos.

Como disse Lula, o que é crime na vida real, é crime na vida digital.

Ah, ainda prefiro ouvir Beatles e Elis no original.


Link para Band on the Run com John Lennon: 

https://www.youtube.com/watch?v=Qo6e_DrhxZU

Link para Uncle Albertt com John Lennon:

https://www.youtube.com/watch?v=7QNBDcY85ds

Link para Nos Bailes da Vida com Elis Regina:

https://www.youtube.com/watch?v=8xZJc2AzupQ






Augusto Aras, PGR de de Lula? Esqueçam!

Por Fernando Castilho


Alguém imagina Aras passando uma borracha em tudo e assumindo desta vez uma postura republicana?


O mandato de Augusto Aras, o procurador-geral da República e títere de Jair Bolsonaro, termina em setembro e, claro, é hora de várias especulações por parte da grande imprensa e também da alternativa em torno do nome que Lula escolherá para substituí-lo.

Segundo a grande mídia, o senador Jaques Wagner e o ministro Rui Costa, ambos baianos como Aras, lideram uma corrente que propõe que Lula dê mais 2 anos ao PGR.

O presidente vem afirmando que não é obrigado a escolher um nome dentro de uma lista tríplice de procuradores que o próprio ministério público apresenta, mas isso não garante que ele não o faça.

O fato notório é que Augusto Aras, ao longo de 4 anos à frente da PGR, traindo o que respondeu à sabatina do Senado e traindo o presidente e o relator da CPI da Covid-19, quando prometeu levar adiante o relatório, serviu como escudo a praticamente todos os processos que lhe chegaram às mãos que poderiam incriminar Jair Bolsonaro junto ao STF. Portanto, não há como imaginar que Lula o reconduza.

É difícil pensar nos motivos que moveriam a grande mídia para iniciar uma espécie de lobby para que Lula se defina por Aras, mas parece evidente que há um movimento para isso.

Só está faltando decifrarem a mente de Lula, coisa que os colunistas de plantão parece que ainda não conseguiram.

Mas é simples.

Caso Lula se definisse pela continuidade de Aras, estaria indignando seus leitores em nome de quê? Para quê?

Alguém imagina Aras passando uma borracha em tudo e assumindo desta vez uma postura republicana? Claro que não.

Alguém imagina, indo mais a fundo, Aras blindando Lula, assim como fez com Bolsonaro? Será que Lula quer um PGR que se preste a esse papel? Afinal, Lula será um presidente com inúmeros crimes nas costas que precisará de um procurador-geral que arquive todos os processos contra ele?

Ademais, Lula não sabe que, uma vez reconduzido, Aras continuará trabalhando para Bolsonaro? Que passará toda e qualquer informação sigilosa ao capitão? Que, na primeira oportunidade, apunhalará Lula em caso de uma proposta de impeachment dos bolsonaristas? O presidente é macaco velho em política e não cairia nessa armadilha.

O que se passa na cabeça de Augusto Aras? Por que ele quer tanto continuar a ser PGR?

Porque ele ainda alimenta o sonho de ser ministro do STF, sua grande ambição, ora!

Mas durante o governo Lula? Obviamente, não. Primeiro, porque Lula indicará a partir de setembro um (a) substituto (a) para Rosa Weber que se aposentará. Segundo, porque não haveria motivos para essa indicação, pois ela premiaria um bolsonarista.

Aras trabalha com a hipótese remotíssima da volta de Jair Bolsonaro ao poder, talvez em 2026, caso consiga reverter a inelegibilidade, projeto praticamente impossível, embora não se possa descartar essa hipótese, uma vez que Nunes Marques substituirá Alexandre de Moraes na presidência do TSE. E aí só Deus sabe.

Caso Bolsonaro volte ao poder em 2026, Aras espera que seu chefe retribua os favores indicando-o para a vaga de Luiz Fux que se aposentará em 2028 ou de Cármem Lúcia que deixará a corte em 2029. Ainda haverá a chance de ocupar o lugar de Gilmar Mendes que se aposenta em 2030. É sua derradeira chance e é nela que ele se apega desesperadamente, mesmo que por pouco tempo, já que está com 64 anos.

Não nos deixemos enganar. Lula é extremamente experiente e perspicaz.

A grande imprensa pode falar o que quiser e o quanto quiser, mas Lula não reconduzirá Augusto Aras à PGR.

Podem esquecer!

 

 

 



quarta-feira, 19 de julho de 2023

Se houvesse alguns milhares de Mantovanis em 7 de setembro de 2021, o golpe teria sido um sucesso

Por Fernando Castilho

Reprodução: Internet


Desde a madrugada, apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram, sem sucesso, se aproximar do STF. Às 4h30, havia um grupo grande de bolsonaristas aglomerado em frente a uma barreira de 50 policiais que os contiveram.


O assunto 7 de setembro de 2021, o dia da primeira tentativa de golpe, ainda não se esgotou e é preciso que não seja esquecido pela justiça brasileira.

Vamos relembrar os terríveis fatos que ocorreram naquele dia para embasar a tese de que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional foram no mínimo pusilânimes ao não agirem em conjunto para conter a grande ameaça ao regime democrático que, por pura sorte, não se concretizou.

A manifestação realizada na manhã da terça-feira (7/9) na Esplanada dos Ministérios reuniu cerca de 105 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar do Distrito Federal. O ato contou com cidadãos vindos de diversas partes do Brasil. Na ocasião, inicialmente, as principais reivindicações do grupo foram a adoção do voto impresso e a destituição de ministros do STF, o que já era gravíssimo, mas não foi visto como uma tentativa de golpe de estado.

Desde a madrugada, apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram, sem sucesso, se aproximar do STF. Às 4h30, havia um grupo grande de bolsonaristas aglomerado em frente a uma barreira de 50 policiais que os contiveram. Vendedores ambulantes, entretanto, permaneceram no local comercializando produtos, como bandeiras, água e camisetas.

Caminhoneiros vindos de todo o país conseguiram entrar na Esplanada dos Ministérios causando forte tensão e criando um clima perigoso de confronto. A própria mídia noticiou em tempo real as pessoas chegando à Esplanada, mas em nenhum momento ligou o fato a uma tentativa golpista.

Pela manhã, o capitão sobrevoou a Esplanada em helicóptero militar, acompanhado de ministros do governo e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. O mandatário acenou para os manifestantes que pediam intervenção militar, enquanto a aeronave passava pela Praça dos Três Poderes e pela Esplanada dos Ministérios, fato gravíssimo que, por si só, já demonstrava as intenções golpistas do capitão.

Bolsonaro desfilou ainda pelas ruas em uma caminhonete aberta e depois discursou aos apoiadores em tom de ameaça: “[O Judiciário] pode sofrer aquilo que não queremos”.

“Juramos respeitar a nossa Constituição. O ministro específico do STF perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal. Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica continue paralisando a nossa nação. Não podemos aceitar. Ou esse poder [Judiciário] pode sofrer aquilo que nós não queremos. Sabemos o valor de cada poder da República”, assinalou. Estava claro que o capitão ameaçava Alexandre de Moraes e tentava insuflar seus seguidores para, num crescendo, criar as condições para um golpe.

Grupos então tentaram romper os bloqueios montados para proteger o STF e o Palácio do Itamaraty. Grades de isolamento foram derrubadas, e houve confusão e registro de um ferido no confronto. A Polícia Militar do Distrito Federal precisou usar spray de pimenta para conter os manifestantes. E conseguiu.

Bolsonaro afirmou que iria se reunir com o Conselho da República no dia seguinte. Compete ao conselho pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio; e questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. O anúncio da convocação, entretanto, surpreendeu autoridades, mas não houve uma reação por parte da mídia e das instituições a essa fala claramente golpista.

Os atos de apoio a Bolsonaro, por intervenção militar e contra o STF foram organizados em diversas cidades Brasil afora e tudo foi mostrado pelas TVs.

Mas a maior parte dos manifestantes se concentrou em São Paulo com caravanas vindas de diversos locais do país. Segundo a estimativa oficial da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, passaram cerca de 125 mil manifestantes pela avenida Paulista naquele domingo.

Foi em São Paulo que Bolsonaro elevou o tom de golpismo, que já estava presente em seu discurso em Brasília. Ele questionou a urna eletrônica e as eleições, citou novamente o voto impresso (que já havia sido rejeitado pelo Congresso) e disse que não poderia "participar de uma farsa como essa patrocinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

"Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso."

Bolsonaro criticou o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, sem citá-lo nominalmente. "Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta para desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação", disse ele, em referência a decisões da Justiça contrárias a bolsonaristas que espalharam notícias falsas sobre as eleições.

"A paciência do nosso povo já se esgotou! Nós acreditamos e queremos a democracia! A alma da democracia é o voto! E não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece segurança", afirmou Bolsonaro.

Bolsonaro concentrou suas críticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que havia determinado na segunda-feira (5/9) a prisão de apoiadores do capitão que publicaram ameaças ao tribunal e a seus membros.

"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil", disse Bolsonaro.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões de Moraes, algo que seria inconstitucional.

Em São Paulo, o capitão citou Moraes nominalmente e o chamou de "canalha", dizendo:"não posso mais admitir" que ele "continue açoitando o povo brasileiro."

Bolsonaro jogou suas cartas naquele 7 de setembro de 2021. Se houvesse um bom número de Mantovanis dispostos a bater em Barroso e Moraes, o golpe poderia ter se concretizado.

O ex-presidente estava decidido a dar a ordem, mas a não deu porque já devia ter sido informado pelo alto comando do exército que, caso os milhares de Mantovanis presentes em Brasília e nas capitais do país partissem para as depredações a exemplo do que os golpistas fizeram em 8 de janeiro de 2023, seriam contidos e não haveria adesão das forças Armadas.

O que aconteceu em seguida? Aos poucos, muitos seguidores e pessoas que compareceram ao que deveria ser uma festa cívica de comemoração ao Dia da Independência, perceberam o que estaria por vir, sentiram medo, ficaram decepcionados e foram se retirando. À tarde, em Brasília, havia menos da metade do público presente pela manhã. A tentativa de golpe foi frustrada.

No final da tarde veio o grande espetáculo da vergonha.

Bolsonaro, alertado por seus generais mais próximos, Ramos, Braga Netto e Heleno, de que o golpe havia fracassado e que, em retaliação, Alexandre de Moraes poderia mandar prender o 02, Carluxo, decidiu, por intermédio de Michel Temer, escrever uma carta ao ministro, a quem havia pela manhã chamado de canalha, para pedir-lhe desculpas.

Olha, eu poderia ter um ídolo na mais alta conta, mas, caso ele tomasse uma atitude como essa, trataria de execrá-lo na hora. Infelizmente, a patuleia que ainda seguia seu Jair, absorveu resignadamente a vergonha e tudo foi esquecido no dia seguinte. Preferiram achar que tudo fazia parte de uma estratégia de seu mito. Nem o Conselho da República foi reunido, como prometeu Bolsonaro.

Após aquele episódio, resta o “se”.

Se o capitão tivesse conseguido dar o golpe em 7 de setembro de 2021, não teríamos tido eleições em 2022 e Lula estaria preso ou até morto. Luís Barroso e Alexandre de Moraes poderiam estar presos. O STF, fechado com um cabo e um soldado e os parlamentares não bolsonaristas, cassados e presos. Parte dos jornalistas da grande mídia e da mídia alternativa, presos ou exilados. E teríamos, não 4 anos de governo do capitão, mas uma ditadura sem prazo para acabar.

Mas, se as instituições tivessem reagido mais fortemente, talvez Bolsonaro tivesse sido deposto e preso já naquele dia - o que seria o mais correto – e a tentativa de golpe de 8 de janeiro nem ocorresse. O Brasil teria sido poupado de mais um ano de desgoverno. Mas uma reação forte não tivesse sido possível porque faltava, à época, a forte liderança de um presidente eleito democraticamente, como Lula.

Portanto, para encerrar, Bolsonaro não deve ser condenado pelo crime que dizimou milhares de vidas na pandemia, somente. Ele tem que ser preso por tentar o golpe já naquele 21 de setembro de 2021!

Que o STF não fraqueje diante da enxurrada de ações que estão tramitando.

Que a velha característica de nosso povo de colocar uma pá de cal sobre o assunto e virar a página, não seja cogitada desta vez.

E que não se hesite em dar a esse golpista que tanto mal fez ao país, a pena máxima.


terça-feira, 18 de julho de 2023

Bolsonaro parece morto, mas o bolsonarismo sobrevive

Por Fernando Castilho



O capitão morte já deu inúmeras mostras de que não é nenhum mito, mas apenas um praticante de delitos como rachadinhas, roubo de joias, insuflador de golpes e por aí vai. Como ainda seguem um reles bandido?


O ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi alvo de agressões verbais no aeroporto de Roma na sexta-feira, 14. Justo quem?

Os xingamentos partiram inicialmente de uma mulher que o chamou de bandido, comprado e comunista. O filho de Moraes teria levado um tapa de um dos agressores.

Embora, em depoimento à Polícia Federal, os três neguem, é quase certo que o crime foi realmente cometido. As câmeras do aeroporto dirão.

Persiste a necessidade de uma análise sociológica e psicológica profunda dessa extrema-direita que ficou órfã de Jair Bolsonaro. É incompreensível que ousem admoestar justamente o ministro que tem prendido tantos golpistas. Essa insanidade se compara ao ato de implorar a ajuda de Ets e à oração a um pneu.

O capitão morte já deu inúmeras mostras de que não é nenhum mito, mas apenas um praticante de delitos como rachadinhas, roubo de joias, insuflador de golpes e por aí vai. Como ainda seguir um reles bandido?

Bolsonaro é como a Covid que tanto desprezou. Já foi embora, mas as sequelas ainda permanecem e talvez demorarão a passar.

O ato de molestar verbal ou fisicamente autoridades é prática comum entre os fascistas que não toleram o pensamento diferente. Vejam que a mulher chamou Moraes de comunista, talvez porque tenha cumprido a legislação eleitoral que tornou Bolsonaro inelegível por oito anos e por cumprir a Constituição prendendo malfeitores que insistem em cometer crimes.

Esse comportamento sempre existiu no Brasil, porém, começou a ser mais frequente quando o ex-ministro Guido Mantega foi agredido verbalmente no hospital em que sua esposa, paciente com câncer, se encontrava internada.

Dilma Rousseff também sofreu agressões verbais nos EUA por parte de um homem que chegou a ameaçá-la de morte.

Mas a esquerda também cometeu seus erros.

O ex-juiz Sergio Moro também foi xingado por petistas no que se passou a chamar de “esculacho”. O esculacho seria um eufemismo para práticas fascistas?

É claro que quando autoridades que cometem crimes e permanecem impunes não passam desapercebidas pelas pessoas que se sentem aviltadas pelos altos impostos que pagam e que lhes são surrupiados. Mas há uma diferença gritante entre Alexandre de Moraes, um magistrado que vem cumprindo as leis e Sergio Moro, um juiz parcial que, movido por vários interesses financeiros e de poder, condenou e prendeu o candidato que teria vencido Bolsonaro com facilidade em 2018.

Vem agora a lembrança da fala do ministro lavajatista do STF, Luís Roberto Barroso no congresso da UNE, em que afirmou que “derrotamos o bolsonarismo”.

Ora, ministro, o bolsonarismo só existe por causa de Lava Jato e de seus protagonistas maiores, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, justamente aqueles que vossa senhoria tanto admirava.

Barroso ajudou a criar o monstro bolsonarismo e agora vem dizer que ajudou a derrotá-lo.


segunda-feira, 17 de julho de 2023

Um olho vagueia num bolso

Por Jarbas Capusso Filho


"Eu amo vê-la sem prótese, gente. Eu sei que seu trabalho é esse, amiga, mas tira"


Semana passada, a dublê de primeira-dama, Michelle (significado: aquela que fala em línguas e mata carpas) esteve no trending topics do Twitter. Por que apresentou um programa político para o país, pautas específicas para as áreas de educação, moradia, saúde, economia, etc.? Não. Mesmo porque, por ser uma bolsonarista raiz, não existe a menor possibilidade. Ela foi tão citada porque se valeu, mais uma vez, de pirotecnia, do bizarro e do sensacionalismo que é tão peculiar ao bolsonarismo, o mundo cão, aquela vibe bem notícias populares. 

Esta semana, num evento para mulheres do PL, (mulheres do PL, nunca deveria estar na mesma frase) Michelle Bolsonaro pediu à deputada federal Amália Barros (PL-MT) para tirar a sua prótese ocular no palco, na frente de todos, gerando um constrangimento calculado, impactante e muito desconforto. Afinal, para que tudo isso? Notícia! E não bastasse a deputada tirar a própria prótese ocular, a ex-primeira-dama a coloca no próprio bolso!

"Eu amo vê-la sem prótese, gente. Eu sei que seu trabalho é esse, amiga, mas tira", disse uma Michelle metendo um Jacinto Figueira Junior (o homem do sapato branco) de frente. Não via coisa assim desde o famigerado O Povo na TV.

Sorrindo o seu melhor sorriso amarelo e fazendo uma esforçada cara de azulejo, a exposta deputada balbuciou: "ela sempre faz isso, e eu ainda não aprendi a vir sem prótese". Ou seja, denunciou que o freak show de Michelle já é vaca fria. Lembram das centenas de imagens de um pretenso moribundo, Bolsonaro, no leito de um hospital? A fakeada? Sua última foto exibindo uma pança mal ajambrada, com suas cicatrizes de IML? Percebem que é o mesmo método? Causar. Causar de tal forma que a ausência do debate político, o debate de ideias e projetos, fique esquecido pela patuleia, como nas arenas romanas, excitadas com o sangue e o circo. Porém, um pão e circo piorado. Porque uma coisa que o bolsonarismo não entrega, é justamente o pão.

Michelle é infinitamente mais perigosa e perniciosa que o seu conje, Bolsonaro. Parece que tem mais capacidade sináptica que ele e, ainda, passa por uma evangélica fervorosa. Valdemar, já a vê como candidata. Eu? Eu não duvido de mais nada!


Enganando jornalistas enganados

Por Josué Rodrigues Silva Machado


“A ignorância não duvida porque desconhece que ignora”.


O homem continua tentando responder à pergunta fundamental de Pôncio Pilatos ao bom Jesus: "O que é a verdade?"

Em página inteira, o jornal publicou o seguinte título:

“Enganar jornalistas é fácil, diz cientista.”

E abaixo, no subtítulo:

“Americano publica artigo falso para mostrar que imprensa não avalia robustez estatística antes de divulgar estudos.”

Pois é, “americano publica artigo falso...”, diz o subtítulo da notícia sobre a “descoberta” do doutor em biologia molecular John Bohannon de que é fácil enganar jornalistas.

Claro que Bohannon espera que o jornalista competente submeta a informação técnica recebida a outros especialistas da área. Ou confirme de algum modo se os dados inusitados que recebeu têm fundamento – coisa essencial, principalmente em questões científicas.

Mas essas questões básicas em jornalismo não importam aqui e, sim, a afirmação do subtítulo de que “americano publica artigo falso”.

Por que artigo falso?

Tolice das grandes!

Claro que o artigo não é falso. Ele existe, e o Bohannon o gerou e publicou. Se o escreveu e publicou, é verdadeiro, coisa óbvia. Falsa foi a premissa do texto-pegadinha: ele baseou o artigo em fundamentos falsos, usou argumentação fictícia para enganar os distraídos jornalistas.

Fez o que fazem os hackers, os mistificadores e muitos políticos. (Aliás, mistificador não fica bem como sinônimo de político? Pelo menos da maioria do nível de Boçalnato, Arthur Lira e muitos outros.)

Outro texto verdadeiro, mas baseado em premissa falsa, foi o publicado já faz tempo em “Veja” com a acusação de que o senador Romário tinha 7,5 milhões de reais não declarados no Banco BSI suíço. A reportagem foi chamada de falsa.

Por que falsa?

Romário foi à Suíça comprovou a falsidade do extrato bancário e passou a exigir uma gorda bufunfa dos responsáveis pela revista como indenização por danos morais.

Foi, portanto – para ser bem óbvio --, um texto verdadeiro, porque alguém o escreveu e publicou, mas baseado em documento falso – coisinha das mais feias.

Onde está a verdade? Que é a verdade?

E daí? Daí que é fácil se enganar com a certeza fácil, porque, como disse o Marquês de Maricá abraçado a Sócrates:

“A ignorância não duvida porque desconhece que ignora”.

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(Para a revista "Língua Portuguesa")


quinta-feira, 13 de julho de 2023

Após a CPMI, Mauro Cid ganhará mais uma medalha?

Por Fernando Castilho

Reprodução: redes sociais


Quando ouvia questões acerca da destruição de sua brilhante carreira no exército, havia um sutil esboço de sorriso em seus lábios. Cinismo?


Na última terça-feira, 11, o tenente-coronel Mauro Cid deveria depor na CPMI dos atos golpistas. Compareceu, mas não respondeu a nenhuma pergunta dos deputados e senadores, munido de um habeas-corpus da ministra do STF, Carmem Lúcia.

A deputada Jandira Feghali, à certa altura, decidiu testar Mauro Cid ao perguntar sua idade. Naturalmente, o habeas-corpus serviria apenas para que ele não respondesse a perguntas que pudessem incriminá-lo, mas esta certamente não o comprometeria em nada. Mesmo assim, ele se recusou a responder.

Ficou claro naquele momento que o militar estava ali apenas para fazer com que todos os parlamentares perdessem seu tempo. Mais, ficou flagrante o desrespeito com Carmem Lúcia, o STF e a própria CPMI.

Cid compareceu à sessão vestindo farda militar e ostentando diversas medalhas no peito, o que simbolizou para todos que o exército estaria reforçando seu apoio e apreço pelo depoente e demonstrando ser ele digno de ser chamado de herói. Afinal, militares conquistam medalhas por atos heroicos, não é mesmo?

Vale lembrar que o deputado Marco Feliciano chegou a chamar Mauro Cid, aquele que está sendo justamente investigado pela Polícia Federal por tramar o golpe de 8 de janeiro, de herói, vejam só.

Outro simbolismo que quem acompanhou com atenção o “depoimento” percebeu foram as expressões faciais utilizadas por Mauro Cid. Quando inquirido por parlamentares acerca das conversas telefônicas golpistas, o militar os encarava firmemente com olhos brilhantes e parecia até que pularia na garganta deles a qualquer momento. Tática militar? No entanto, quando ouvia questões acerca da destruição de sua brilhante carreira no exército, havia um sutil esboço de sorriso em seus lábios. Cinismo?

O pai de Mauro Cid é general com voz forte na caserna. Não ficará conformado em ver seu rebento, que estaria sendo preparado para um dia ser talvez comandante do exército, perder sua farda e suas medalhas.

O quase sorriso do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro deixa antever que ele não será punido pelo exército, talvez até pelo contrário.

Mauro Cid recebeu em apenas 19 dias, 71 visitas de militares e políticos. Um deles, o coronel Jean Lawand, investigado pela PF. Outros, pombos-correios de Bolsonaro, certamente, levaram a ele orientações dos advogados do ex-presidente.

Ouso, então, dizer que o tenente-coronel na verdade não se encontra preso num quartel do exército, mas sim, está hospedado como em um hotel, com direito a todas as regalias de quem não está sob o escrutínio da caserna.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes limitou as visitas, mas deveria enviar assessores ao quartel para verificar as condições da prisão de Mauro Cid.

Ouso, mais ainda, a dizer que o exército não abandonará o ex-ajudante de ordens e fará gestões junto a justiça para que ele seja inocentado (o que parece impossível) ou que pelo menos cumpra uma pena reduzida em prisão domiciliar.

Mauro Cid, após isso será reintegrado ao exército, receberá mais uma medalha da ala golpista e dará uma banana aos parlamentares que o inquiriram duramente na CPMI.


Ignorância ou mau-caratismo? Ou os dois?

Por Fernando Castilho

Reprodução: redes sociais


Tarcísio avisou que a extrema-direita e Bolsonaro seriam derrotados e acertou. A grande mídia ficou eufórica com ele por despontar como uma alternativa a um quarto mandato de Lula.


Há várias definições para ignorância: desconhecimento, desinformação e inocência são algumas delas. Todas aludem a um estágio anterior ao conhecimento e parecem sugerir que a pessoa ignorante é aquela que não teve acesso ao conhecimento, razão pela qual não se pode atribuir culpa a ela por isso.

Já, para o mau-caratismo, há também inúmeras definições: cafajestismo, canalhice e desonestidade são algumas delas. Todas remetem a um comportamento inadequado dentro de um determinado grupo social. Aquele que exibe mau-caráter é aquele que busca incessantemente enganar ou ludibriar o outro para obter vantagens em detrimento dele.

Na semana passada vimos como a ignorância e o mau-caratismo quase se amalgamam, embora este último predomine sobre o primeiro.

Foi o caso da reunião do Partido Liberal (PL), em que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi hostilizado, não só por uma plateia raivosa, mas também pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Tarcísio, aliado por 4 anos do capitão, entendia que a reforma tributária proposta por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, seria algo benéfico para o país, mas seu ex-patrão (e é aqui que entra a ignorância), sem ter lido uma linha sequer da proposta, incitou os presentes a atacarem o governador. Além disso, como se fosse o presidente do partido, praticamente ordenou que os deputados do PL votassem contrariamente ao projeto simplesmente porque (e é aqui que entra o mau-caratismo) seria algo que daria pontos ao governo Lula.

A reforma tributária não é a reforma dos sonhos dos progressistas, mas é a reforma possível e, com certeza, será muito benéfica para o país, pois, dentre inúmeros avanços como a unificação de alguns impostos que beneficiarão as empresas, pela primeira vez os jatinhos, helicópteros, iates, lanchas e jet-skis dos milionários pagarão impostos. Além disso, os produtos da cesta básica não serão mais taxados, o que barateará a alimentação dos mais pobres.

À parte a possibilidade de uma estratégia de Tarcísio para romper o cordão umbilical com Bolsonaro e se apresentar aos brasileiros como uma direita de sapatênis, aproveitando o vácuo deixado por João Doria, o governador que tenta herdar o espólio dos tucanos demonstrou que de ignorante não tem nada. É muito astuto. Previu e avisou que a extrema-direita e Bolsonaro seriam derrotados e acertou. A grande mídia parece ter ficado eufórica com Tarcísio por despontar como uma alternativa a um quarto mandato de Lula.

Os vídeos com as falas de deputados bolsonaristas, tanto no plenário da Câmara, como em seus canais, logo irromperam numa torrente de mentiras (é aqui que também entra o mau-caratismo) em que não faltaram acusações de que o projeto é comunista (o conceito que atualmente serve para tudo aquilo que contraria o extremismo de direita) e que iria levar o país para o abismo. Na verdade, estávamos à beira do abismo, ou até dentro dele, até o fim do governo Bolsonaro. Agora, passados 6 meses de governo Lula, o ambiente já está consideravelmente mais despoluído e um bom futuro começa a ser construído para a nação.

Se há várias formas de definir o mau-caratismo, mais uma pode ser incorporada: a maldade.

Um dos maiores representantes da prática da maldade para atingir objetivos próprios é o senador Magno Malta. Em vídeo, transparece a quem não é incauto, (outra possível definição de ignorante) essa maldade. Esse senhor, cuja marca da maldade parece estar estampada em sua testa, NÃO QUER um bom futuro para as pessoas mais pobres do país, mas tão somente, fazer crescer seu nome para conseguir mais rebanho (rebanhos são ignorantes, puros, incautos, inocentes conduzidos por alguém mais esperto).

Um demônio incorporado numa figura humana, assim como seu mito.

Outro que parece tentar passar uma imagem de ignorante é Eduardo Bolsonaro. Ao afirmar em evento de defensores do armamento que professores são piores que traficantes, não passou somente por ignorante no assunto educação, mas expôs todo seu mau-caratismo além de seu posicionamento fascista. Todos sabemos que fascistas odeiam a educação, a cultura e a ciência.

Ah, quase ia me esquecendo, a reforma tributária foi amplamente aprovada pela Câmara. Vitória dos bons.


sábado, 8 de julho de 2023

A mídia já tem seu nome para 2026. E não é Lula.

Por Fernando Castilho



A grande mídia rapidamente balançou suas penas e se aprumou. Estava ali, diante dela, a opção de direita para ser construída como oposição a Lula e a esquerda!


Há apenas alguns dias escrevi um texto em que imaginava, apenas imaginava, que a grande mídia já estava procurando um nome para as eleições de 2026 para chamar de seu.

Bingo! Ela já tem esse nome. E ele é oriundo das bases bolsonaristas, porém, embora até outro dia integrasse as hostes da extrema-direita, agora se apresenta como um Bolsonaro aberto ao diálogo, menos impulsivo a falar besteira e mentiras e o homem perfeitamente adequado a ocupar o espaço vazio deixado pelo PSDB.

Parece certo que, até outro dia, suas pretensões não incluíam a disputa ao governo federal porque teria que, caso o governo continue a ser tão exitoso, disputar com Lula ou com quem quer que seja o indicado por ele. Derrota na certa.

Então, o mais seguro seria tentar a reeleição ao governo do estado de São Paulo, já que conseguiu boa penetração no espólio deixado por Geraldo Alckmin e João Doria nas prefeituras do interior. Vitória na certa.

A candidatura a presidente ficaria, então, para 2030. Lula, enfim, se aposentaria e o caminho estaria aberto para a volta da extrema-direita, talvez disfarçada de direita, ao poder.

Mas o evento do PL que contou com ele e com Jair Bolsonaro, mexeu com a cabeça de nossa mídia.

Defender a reforma tributária dentro de um ambiente bolsonarista-raiz, contrário à proposta, acabou por redefinir sua posição dentro do espectro da extrema-direita. Para ela, ele se converteu ao comunismo, vejam, só.

A grande mídia, rapidamente balançou suas penas e se aprumou. Estava ali, diante dela, a opção de direita para ser construída como oposição a Lula e a esquerda!

Os colunistas, influenciados pelos editoriais dos grandes jornais, se apressam a incensar seu nome para governar o país num cenário em que imaginam algum tropeço do governo.

Logicamente, como todo ser humano, embora demonstre ser racional e pragmático, o homem deve estar refletindo e revendo sua estratégia. Quem sabe, não dá pra ser já em 2026?

Com uma bela ajuda da grande mídia a esconder os feitos do governo e amplificar seus possíveis erros, é possível que já estejamos a assistir a ascensão de um novo mito.

Esse é o jogo e é ele que tem que ser jogado.


sexta-feira, 7 de julho de 2023

Documentos indicam que aliança da Folha com a ditadura foi mais forte do que jornal admite

Por Vasconcelo Quadros




Documentos e testemunhos obtidos pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), ligado a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e analisados com exclusividade pela Agência Pública indicam que a colaboração da Folha de S. Paulo com a ditadura foi mais profunda do que se sabia. 

Segundo a pesquisa, o grupo Folha teria emprestado carros de distribuição de jornais para que agentes da repressão os usassem para disfarçar operações do regime nas ruas e que teriam resultado em prisões, assassinatos e desaparecimento de militantes da esquerda armada. Um dos testemunhos mais importantes obtidos pela Unifesp/Caaf foi uma entrevista dada aos pesquisadores pelo ex-agente de informação do Exército, Marival Chaves do Canto, que atuou no DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) do Exército, em Brasília.

Ele afirma que os carros eram usados como cobertura de pontos (encontros) entre militantes da esquerda armada que na maioria das vezes eram presos, torturados e assassinados: “Era um contato feito dentro da direção. Essa direção escalava um carro para tal lugar, tal hora, para estar ali naquele local. Ali, entrava-se em contato com pessoas, dirigentes da operação, posicionava o carro no local mais adequado e, a partir daí, o processo se desenvolvia. Para que não houvesse testemunha, o motorista era dispensado”, diz ele.

A pesquisa aprofunda também a compreensão sobre as relações íntimas do Grupo Folha no período mais agudo dos anos de chumbo com policiais que perseguiam a esquerda e, ao mesmo tempo, de acordo com testemunho colhido na pesquisa, estavam contratados pelo jornal, ora como repórteres e redatores ou prestando serviços de segurança à empresa. Entre eles estavam dois delegados do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), os irmãos Robert e Edward Quass, além do nome mais forte da repressão política no país, Sérgio Fleury, o delegado que chefiou o “esquadrão da morte” e depois recebeu carta branca do regime militar para torturar e matar oponentes políticos.

O nome de Fleury surgiu num depoimento de outro investigador do DOPS, Messias Ayrton Scatena, em 1973, que também trabalhou como jornalista do grupo e acabou sendo processado na auditoria militar paulista por ter vazado informações sigilosas para a namorada, uma jornalista que trabalhava na mesma empresa. Scatena diz em depoimento que Roberto Quass era do serviço secreto do DOPS e, junto com o irmão, chefiava os “serviços de segurança de toda a empresa Folha de S. Paulo”. Scatena faz a afirmação no mesmo trecho que relata que “outro delegado, Dr. Sérgio Fleury também participa dos mesmos serviços e mais especificamente relativamente a subversão e terrorismo”

A Agência Pública teve acesso à íntegra das declarações de Marival. Ex-sargento que por 17 anos, entre 1968 e 1985, conheceu por dentro as engrenagens da ditadura, ele contradiz a principal versão dos antigos donos da Folha, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, que sempre negaram ter dado apoio material à repressão.

Perguntado pelos pesquisadores se o empréstimo dos carros poderia ter ocorrido sem o conhecimento dos dois principais dirigentes da Folha, o ex-agente foi taxativo: “Em hipótese nenhuma. (…) É uma atividade super arriscada. (…) Já pensou surgir na imprensa, como isso ia depor contra o nome da empresa, se acontecesse um negócio desses sem a anuência dos dirigentes, do seu Frias e outras pessoas da direção da Folha? Em hipótese alguma”, sustentou Marival. “Alguém estava apoiando porque queria a perpetuação do regime (…), consequentemente estava levando algum tipo de vantagem econômico-financeira”, afirmou. Aos pesquisadores da Unifesp/Caaf, pelo menos outros 12 entrevistados, entre jornalistas, ex-agentes de repressão e ex-presos políticos, confirmam, em diferentes abordagens, o uso dos carros.

Reprodução/Veículos da Folha que teriam participado da repressão foram incendiados pela ALN



Reprodução/Veículos da Folha que teriam participado da repressão foram incendiados pela ALN


Emboscada com caminhão da Folha

Segundo relatos, o episódio mais emblemático ocorreu no dia 23 de setembro de 1971 em frente ao número 2.358, da Rua João Moura, Sumarezinho, Zona Oeste da capital paulista, quando três guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN) foram atraídos para uma cilada e acabaram surpreendidos por policiais que repentinamente teriam saltado de dentro de uma camioneta baú da frota da Folha. Sobrevivente da emboscada, a militante Ana Maria Nacinovic Corrêa, então com 25 anos, assassinada dez meses depois, contou a dirigentes da ALN, que o grupo guerrilheiro, como havia feito em outras ocasiões para se apossar de armas de policiais descuidados, cercou um jipe do Exército aparentemente quebrado e com apenas um soldado vigiando, sem dar importância para um pequeno caminhão da Folha que estaria estacionado próximo.

Assim que renderam o soldado, que portava displicentemente uma arma longa (fuzil ou metralhadora), os militantes da ALN teriam sido surpreendidos pelos agentes. Eles teriam descido atirando, ferindo três militantes da organização que constam nas listas de desaparecidos políticos: Antônio Sérgio de Matos, Eduardo Antônio da Fonseca e Manoel José Nunes Mendes de Abreu. A pesquisa da Unifesp acrescenta ao episódio o depoimento que Suzana Lisboa, ex-militante da ALN, ex-integrante da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e viúva de um ex-militante da mesma organização, Luiz Eurico Tejera Lisboa, morto pela polícia em 1972, deu à Comissão Nacional da Verdade em 2014. “(…) um carro baú […] da Folha de São Paulo. Esse é um dos momentos em que há participação direta da empresa “Folha de São Paulo” no assassinato de militantes da ALN. Na época eu convivia aqui em São Paulo e ouvia essa informação de dirigentes da ALN”, afirma ela.

Marival diz que com poucos recursos oficiais à época, os órgãos de repressão buscavam apoio material de empresas. As camionetas baú da Folha eram práticas porque as portas abriam toda a parte traseira, permitindo mobilidade aos agentes. “A Folha participava, dava colaboração às operações de rua, especialmente aquelas (…) de cobertura de pontos, onde as pessoas que entravam morriam”, afirma o ex-agente, lembrando de apenas um dos episódios que teve sobrevivente. “(…) houve um caso, por exemplo, no restaurante Varela, na Mooca (…) de Antônio Carlos Bicalho Lana. Ele conseguiu romper o cerco com uma metralhadora, a tiros etc. Mas a maioria morreu”, relata.

Na emboscada, em 16 de julho de 1972, morreram Ana Maria Nacinovic, Iuri Xavier Pereira e Marcos Nonato da Fonseca. Lana seria assassinado em São Vicente, litoral Sul de São Paulo, em outro cerco, em 30 de novembro de 1973 junto com a também militante da ALN Sônia Angel Jones, nora da estilista Zuzu Angel, morta em acidente misterioso enquanto procurava pelo paradeiro do filho, Stuart Angel Jones, também executado.

A informação de que carros da Folha foram usados nas operações policiais surgiu depois que a ALN investigou caminhões de distribuição da Ultragaz, que também se envolveu no apoio ao regime militar. A denúncia partiu de uma militante da organização que, presa em 1970, viu que outro empresário, o dinamarquês Henning Albert Boilesen, integrante do GPMI (Grupo Permanente de Mobilização Industrial) criado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) para fornecer insumos e equipamentos à ditadura, era presença frequente na sede da Operação Bandeirantes (OBAN), centro de tortura no Bairro Paraíso, Zona Sul da capital paulista.

Sônia Hipólito Lichtsztejn contou à Pública que percebeu tratar-se do mesmo homem que vira várias vezes andando de uma sala a outra, assistindo sessões de tortura e dando ordens como se estivesse fiscalizando as atividades policiais na Oban quando deixou a prisão, sob condicional, em julho de 1970. “Estava em casa, folheando uma revista quando vi uma foto dele numa reportagem. Levei um susto. Mostrei a revista a outra amiga e ela confirmou”, conta Sônia, que alertou seu contato mais próximo na ALN. Ela mesma participou do levantamento, que demorou meses até que o empresário fosse plenamente identificado e executado numa ação da ALN e Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) no dia 15 de abril de 1971 na Alameda Casa Branca, Jardins, a poucas quadras da casa do empresário, na Rua Estados Unidos. Ela relata que não participou do “justiçamento”. 

Reprodução/Henning Albert Boilesen, da Ultragaz, foi morto a tiros em São Paulo: empresário defendia ajuda financeira e logística ao aparato da repressão política





O levantamento da ALN apontou que Boilesen apoiava ostensivamente a polícia com equipamentos, dinheiro arrecadado de outros empresários, era presença assídua nos porões e cedia para a polícia os caminhões da empresa Ultragaz, de distribuição de gás na cidade. Esse detalhe levou a ALN a confirmar através de checagens e pelo relato de militantes presos ou sobreviventes, que os carros da Folha também teriam sido usados como disfarce em circunstâncias parecidas. Boilesen e Frias de Oliveira entraram na mira da organização no mesmo período. “O Frias ficou com medo, mas não seria assassinado. O plano era sequestrá-lo e trocá-lo por companheiros presos”, contou à Pública o jornalista e ex-preso político, Ivan Seixas, que pertencia ao MRT e hoje é ativista dos direitos humanos.

Em duas ações distintas, uma em 21 de setembro de 1971 e a outra no dia 26 do mês seguinte, com o objetivo de denunciar os donos da Folha, a ALN incendiou três camionetas do jornal. Num comunicado publicado no periódico Venceremos, da organização, também acusou a Folha de entregar ao CODI uma “lista suja” com nomes de funcionários suspeitos de subversão demitidos. 

A reação da Folha foi um editorial com o título de “Banditismo”, publicado na primeira página, escrito e assinado de forma inédita pelo próprio Frias, afirmando que as ameaças não alterariam “a linha de conduta” do jornal e argumentando que o país tinha “um governo sério, responsável e com indiscutível apoio popular”. Quando o segundo carro foi destruído, o dono da Folha afirmou que as ações da ALN seriam reações à “firme e consciente posição” do jornal na “veemente condenação do terrorismo”. A ALN reforçaria as ameaças, alertando que seu “justiçamento” era uma questão de tempo. Frias mudou-se, então, com toda a família para o prédio da Folha, na Barão de Limeira, e teria passado a contar com um aparato de segurança do próprio Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), o que reforçaria a relação íntima do jornal com policiais iniciada bem antes das ameaças. 

Reprodução/Editorial inédito assinado por “seu Frias”, dono do jornal, foi publicado na primeira página em 1971


Os pesquisadores da Unifesp/Caaf entrevistaram outras três testemunhas que viram os carros da Folha em diferentes ações dos órgãos da repressão nas ruas. Ivan Seixas, que foi preso aos 16 anos, junto com o seu pai, Joaquim Alencar Seixas, contou ter estranhado a presença de carros de distribuição de jornal da Folha estacionados na rua em frente à OBAN, na Rua Tutóia. “Carro de transporte de jornal parado na frente de uma delegacia? Tem alguma coisa errada. E a reincidência foi muito grande. Depois, vários companheiros relataram que foram até transportados por carros da Folha”, disse ele. Relato semelhante foi feito pelo jornalista Francisco Carlos de Andrade, que afirmou ter visto carros do jornal enfileirados no pátio da OBAN. O ex-deputado Adriano Diogo, detido junto com sua mulher, Arlete, contou aos pesquisadores que um carro da Folha ficou estacionado próximo à sua casa várias horas antes da invasão da polícia.

Na direção de jornalismo do grupo, embora o assunto fosse incômodo, a maioria sabia da colaboração, indicam documentos e depoimentos. “(…). A Folha ajudava a fazer isso materialmente, não era ideologicamente. A história não pode ignorar isso, embora a Folha negue. […] a Folha apoiou os atos mais escabrosos [da ditadura], mais desumanos. Nada retirará esse caráter essencial do papel da Folha”, disse o jornalista Jorge Okubaro que, como secretário de redação da Folha da Tarde, participava das reuniões de pauta diárias. A versão é confirmada por outros três jornalistas, Antônio Carlos Fon, Wianey Pinheiro, à época repórter da Folha e presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, e José Luiz Proença, assim como dois agentes dos órgãos de repressão, os delegados Cláudio Guerra e Carlos Alberto Augusto, este conhecido como Carteira Preta e Carlinhos Metralha. Carteira foi homem de confiança do delegado Sérgio Fleury.

Em entrevista aos pesquisadores, o policial valoriza o trabalho realizado pelo Grupo Folha e defende que os dirigentes sejam recompensados por conta de seus préstimos à ditadura: “Todo mundo que ajudou na repressão tem que ser indenizado (…) Sem sombra de dúvidas. E com muito dinheiro. Porque o que estão fazendo com ele aqui agora, estão querendo denegrir a empresa dele (…) Tem que ser indenizado sim. E com muito dinheiro, tem que levantar o jornal”. 

Coordenadora da pesquisa, a jornalista Ana Paula Goulart, historiadora e professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), frisa que não tem nenhuma dúvida que o Grupo Folha emprestou seus veículos às operações de caçada aos militantes de esquerda e diz que embora Caldeira tenha sido responsável pela frota de veículos do jornal e personagem tão próximo ao regime militar que acabou sendo indicado prefeito biônico de Santos, no litoral Sul de São Paulo, a pesquisa aponta que a responsabilidade é dos dois sócios. “Tentam jogar para o Caldeira, mas os dois sabiam o que cada um fazia. O Caldeira não tomaria uma decisão dessa sem a anuência dos Frias”, conclui.

A pesquisadora sustenta, também, que a colaboração acabou sendo atestada de forma contundente pelo filho do dono do grupo, o ex-diretor de redação da Folha, Otavio Frias Filho, conhecido no meio jornalístico como Otavinho, num depoimento para a biografia do pai ao jornalista Engel Paschoal, autor de A trajetória de Octavio Frias de Oliveira, publicado em 2007 pela editora do jornal, a Publifolha, trecho resgatado pela pesquisa. “Depois de conversar com o meu pai (e) até com gente que teve ligações com a guerrilha naquela época, eu diria que sim: os caminhões de transporte da Folha foram usados por equipes do DOI-Codi para fazer campana e até prender guerrilheiros, ou supostos guerrilheiros”, disse Otavinho, conforme consta na página 157 da obra.

Os “supostos guerrilheiros” deve-se, naturalmente, à recusa de Frias pai em reconhecer o caráter político das ações armadas de oponentes do regime, como o empresário deixou claro num editorial de 30 de junho de 1972, com o provocador título “Presos Políticos?”. Nele, critica seu concorrente, o jornal O Estado de S. Paulo, por defender tratamento especial a “criminosos” que “mais não são que assaltantes de bancos, sequestradores, ladrões, incendiários e assassinos”. A declaração de Otavinho, que morreu em 2018, é a única da família Frias reconhecendo a colaboração. Seu pai, Frias de Oliveira, faleceu em 2007 sem nunca ter admitido a cessão dos carros. Numa reportagem do próprio jornal por ocasião dos 100 anos da Folha, em 2021, foi reproduzida uma entrevista antiga de Frias de Oliveira em que havia afirmado que “se isso ocorreu”, foi à sua revelia, e negou ter colaborado com os órgãos de repressão.

Reprodução/Declaração de Otávio Filho reconhecendo a colaboração com a ditadura em 2007


Atrelamento da linha editorial à ditadura


A pesquisa é parte do projeto “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a ditadura”, que além da Folha incluiu outras nove empresas e envolveu, no total, 55 pesquisadores selecionados através de edital pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), da Unifesp, em parceria com Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de São Paulo, material que foi obtido com exclusividade pela Pública

No caso da Folha, a pesquisa durou quase dois anos, ao longo dos quais, entre jornalistas, militantes políticos, ex-agentes e empresários, foram entrevistadas mais de 40 pessoas, além de terem ocorrido buscas em arquivos públicos, bibliografia e em jornais. Boa parte das informações sobre a colaboração da Folha com a repressão e a relação íntima da redação do jornal com policiais constam no livro Cães de Guarda – jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988, publicado em 2004 pela pesquisadora Beatriz Kushnir, que contou parte desta história, também listado na bibliografia da pesquisa da Unifesp/Caaf. As informações coletadas pela pesquisa da Unifesp reforçam as presenças de Frias e Carlos Caldeira na conspiração para o golpe, no apoio material à repressão política, no atrelamento da linha editorial à ditadura por um longo período. Demonstram ainda que os negócios de Frias e Caldeira cresceram no período.

Documentos encontrados no Arquivo Nacional, aos quais a Agência Pública teve acesso, indicam que Octavio Frias de Oliveira mantinha relações muito próximas com as entidades que conspiraram pelo golpe de 1964 e depois apoiaram sem restrições a ditadura. Trata-se de um recibo de contribuição de Frias ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), entidade que conspirou pelo golpe e atuou na manutenção do regime militar, em valores da época, de Cr$ 12.000 [em valores atuais, pelo IGP-DI, R$ 207 mil], com data de 16 de julho de 1967, e de um outro papel em que o dono da Folha é identificado como “Sócio do IPES” no período “pré-64”. Ao jornalista Oscar Pilagallo, autor do livro História da Imprensa paulista: jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma, Frias não negou a relação com a entidade golpista, mas argumentou que havia participado apenas de uma única reunião com outros ipesianos na casa do banqueiro José Adolpho da Silva Gordo, do Banco de Investimento do Brasil. 

Reprodução/Recibo de contribuição de Frias ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)


Reprodução/Documento em que o dono da Folha, “seu Frias”, é identificado como “Sócio do IPES”


Numa análise às edições da Folha de S.Paulo anteriores ao golpe, os pesquisadores debruçaram-se sobre um material para contextualizar o período: um suplemento de 44 páginas, intitulado 64 – Brasil continua, publicado como encarte do jornal exatamente no dia do golpe, 31 de março de 1964, cujo conteúdo, afirma a pesquisadora Ana Paula Goulart “é repleto de anúncios e textos opinativos que evidenciam um claro protagonismo exercido pela Folha nas articulações golpistas e a forte sintonia político-ideológica do grupo com o empresariado local, nacional e internacional”. 

Reprodução/Suplemento de 44 páginas publicado como encarte do jornal no dia do golpe, 31 de março de 1964


Reprodução/Suplemento de 44 páginas publicado como encarte do jornal no dia do golpe, 31 de março de 1964

Reprodução/Suplemento de 44 páginas publicado como encarte do jornal no dia do golpe, 31 de março de 1964


A pesquisa destaca que, nos dez primeiros anos do regime, o jornalismo da Folha também produziu significativas campanhas conclamando a população a “seguir com otimismo os preceitos da assim chamada ‘revolução democrática’ e assumiu um papel ativo no que foi denominado de ‘caça aos terroristas’”. A oposição armada, segundo o jornal, “ameaçava a soberania nacional e deveria ser combatida a partir de um esforço coletivo”. Na ocasião das comemorações de 50 anos da empresa, em 1971, a Folha afirmava se manter “profundamente identificada” com os rumos da nação, ao acompanhar “os esforços da Revolução de 64 para a reconstrução do Brasil”.

Reprodução/Segundo os pesquisadores, Jornal assumiu um papel ativo na ‘caça aos terroristas’


A manchete antecipada de um assassinato


Todos os jornais do grupo seguiram a linha editorial da Folha de apoio à ditadura. Mas nenhum teria chegado ao nível da Folha da Tarde em colaboração e subserviência ao regime militar, segundo depoimentos de jornalistas que trabalhavam no veículo consultados pela Pública. No dia 17 de abril de 1971, em sua manchete o jornal noticiou em letras garrafais: “Morto o assassino do industrial Boilesen”. O texto da chamada informava que no dia anterior, os órgãos de segurança interna, “agindo com rapidez identificaram no dia anterior” Joaquim Seixas como um dos participantes da execução de Boilesen, ocorrida dois dias antes.

 A notícia informava que, cercado pela polícia, Seixas reagiu e acabou sendo morto no tiroteio com a polícia. O problema é que no dia anterior vários presos viram Joaquim e Ivan, então com 16 anos, serem retirados do interior de uma viatura, espancados já no pátio da Oban e depois torturados. O jornal começou a circular na manhã do dia 17, mas Seixas só morreria em consequência de choques e espancamentos por volta das 19h do mesmo dia 17. À Pública, Ivan Seixas conta que viu, de dentro de uma viatura, a manchete num exemplar pregado à parede de uma banca de jornal em frente ao bar em que os policiais pararam para tomar café no retorno de uma simulação de seu próprio fuzilamento. “Quando cheguei de volta à Oban, vi meu pai sentado na cadeira do dragão [assento de choque elétrico] sendo torturado, mas vivo”, conta o jornalista. A Folha da Tarde, segundo ele, pesava a mão contra a esquerda, mas ele faz questão de lembrar que outros jornais também publicavam falsas notícias produzidas pela polícia. 

Reprodução/Folha da Tarde noticiou em letras garrafais um assassinato que ainda não havia ocorrido


As pesquisas indicam que a Folha da Tarde se tornou no período o veículo mais próximo dos órgãos de repressão, publicando em profusão, sem o menor filtro, versões oficiais que interessavam à polícia política. Isso ocorreu também com outros presos, como no caso envolvendo Eduardo Collen Leite, o Bacuri, da mesma ALN, detido em 21 de agosto de 1970 no Rio e levado para São Paulo, onde a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury o matou em 8 de dezembro, depois de um longo calvário de torturas.

A manchete de 9 de dezembro de 1970 não deixava dúvidas sobre a posição da Folha da Tarde. “Terror: Metralhado e morto outro fascínora”. Linha de frente da esquerda armada, o militante havia participado do sequestro de embaixadores que seriam trocados pela libertação de presos políticos, entre os quais estava sua mulher, Denise Crispim, grávida. A matéria informou que o “bandoleiro” morrera num confronto com a polícia em São Sebastião, no litoral Sul de São Paulo, embora seus companheiros de cárcere tenham protestado com gritos e muito barulho nas ferragens das grades quando ele foi retirado da cela em estado físico deplorável no dia 27 de outubro, dois dias depois de mais uma falsa notícia de que teria fugido. A Folha da Tarde se superava a cada edição na adjetivação, denominando militantes políticos de “facínoras”, “assassinos”, “maníacos” e “loucos”.

Reprodução/Folha da Tarde chamava militantes políticos de “facínoras”, “assassinos”, “maníacos” e “loucos”


Por mais que a família Frias tenha tentado separar a Folha da Tarde da linha que viria a ser adotada pela Folha a partir de 1974, a pesquisa mostra que, resguardada as peculiaridades de cada veículo, “havia uma direção editorial uniforme no interior do conglomerado jornalístico liderado pelos empresários Octavio Frias e Carlos Caldeira” no período. Além disso, o nome de Frias de Oliveira se destacava como diretor-presidente no cabeçalho da primeira página da Folha da Tarde.


Policiais jornalistas na Folha


Um dos méritos da pesquisa da Unifesp foi reunir informações que estavam soltas em livros, jornais e testemunhas da época para demonstrar que os jornais do grupo estavam infestados de policiais atuando como jornalistas nas redações, ao menos 11, identificados pelos pesquisadores. O diretor da Folha da Tarde, no período, foi o jornalista Antônio Aggio Júnior que era, ao mesmo tempo, funcionário da Secretaria de Segurança Pública e, mais tarde, mas ainda no período repressivo, assessor de imprensa do delegado e ex-senador Romeu Tuma, braço direito de Fleury na área de informação do DOPS. Quando deixou a Polícia Civil para construir carreira e perfil novos na Polícia Federal, Tuma era diretor do departamento.

Reprodução/Delegado Sérgio Fleury teria atuado na segurança da Folha ao lado dos irmãos Quass


Segundo a pesquisa, Aggio também teria se utilizado de um carro de reportagem da Folha para camuflar a entrada de conspiradores num quartel às vésperas do golpe de 1964. Repórter da Folha à época, ele teria usado aparelho de telex da sucursal da Folha no Rio para passar mensagens cifradas como senha do levante do II Exército em São Paulo, seguindo instruções do coronel Antônio Lepiane, chefe do Estado Maior da 2ª Companhia do Exército em São Paulo, que era seu padrinho e foi o comandante da OBAN quando esta foi criada, em 1969, no início do governo Emílio Garrastazu Médici.

Aggio assumiu a direção de redação da Folha da Tarde em 1969 imprimindo uma mudança radical na linha editorial. Saíam de cena jornalistas progressistas, como Jorge Miranda Jordão e o frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Beto, ao mesmo tempo em que a redação contratava dois delegados, Carlos Antônio Guimarães Sequeira, agente do DEOPS, e Antônio Bim, os investigadores Carlos Dias Torres e Horley Antonio Destro, e um major da PM paulista, Edson Corrêa, que chamava a atenção por circular pela redação com uma pistola automática à mostra como se estivesse numa operação de rua.

A linha do jornal, que antes cobria segmentos como o movimento estudantil, passou a ser de apoio irrestrito à ditadura militar e às forças de repressão. A combinação de comando e linha editorial levou o jornalista Claudio Abramo, ex-diretor da Folha, em seu livro de memórias, A Regra do Jogo, de 1988, a qualificar a Folha da Tarde como “o jornal mais sórdido do país”. Mais bem humorado, o jornalista Carlos Brickmann, que assumiu a redação ao lado de Adilson Laranjeiras em substituição ao grupo de Aggio, escreveu em tom de fina ironia que a grande conquista do novo comando foi ter conseguido “reduzir a tiragem do jornal”, uma alusão a expressão “tiras”, como eram chamados os policiais da época. Era também jocosamente qualificado como alusão “o jornal de maior tiragem”, como registraria Beatriz Kushnir em Cães de Guarda. 

A relação íntima entre polícia e jornalista não era, entretanto, exclusividade da Folha da Tarde. Outro periódico do grupo, o Notícias Populares, o sensacionalista NP, campeão de vendas em banca no período, era dirigido por Jean Mellé, anticomunista de carteirinha e notório entusiasta das Forças Armadas. Waldemar Ferreira de Paula, assistente de Jean Mellé, era policial. Armando Gomide, que substituiu Mellé depois da sua morte, em março de 1970, era policial e ligado ao Serviço Nacional de Informação (SNI).

Sobre ele, segundo a pesquisa, pesava a suspeita dos próprios colegas de que “nas horas vagas” trabalhasse como agente secreto e informante dos militares. No Departamento de Interior, Correspondentes e Sucursais (Dics) do Grupo Folha o diretor era Paulo Nunes, que se dizia agente da PF. Na Agência Folha, que substituiu o Dics, o comando foi entregue em junho de 1972 a Luiz Carlos Rocha Pinto, delegado da Polícia Civil paulista contratado como jornalista, tornando-se no período o principal interlocutor entre a empresa e a censura. Depois de dez anos na Agência Folhas (departamento cujo nome depois perderia o “s”), Rocha Pinto foi transferido para o departamento de circulação, desligando-se do jornal só em 1995. Em 2005, ou seja, dez anos depois, ele continuava recebendo o mesmo salário, mas sem trabalhar. A pesquisa registra que a quem perguntava como conseguira tal privilégio, a resposta era lacônica: “sou herói de guerra”.

A partir da retaliação da ALN, com sua inclusão na lista de “justiçáveis”, Frias mudou-se para o 6º andar do prédio que abrigava os jornais, na Alameda Barão de Limeira, Campos Elíseos, região central da capital e, segundo versão difundida pela Folha, conforme a pesquisa, passaria a contar com proteção de dois delegados do DOPS, os irmãos Robert e Edward Quass.

A pesquisa mostra, no entanto, que a relação dos Quass com a Folha seria bem anterior à destruição dos carros pela ALN: Robert havia sido contratado em janeiro de 1961, antes, portanto de Frias comprar a empresa, mas não apenas como datilógrafo e recepcionista de noticiários como informou o jornal.

Num comunicado interno encontrado nos arquivos do DOPS, o responsável pelo setor de transporte da Folha relata o furto de um dos veículos do grupo se referindo a Quass como auditor da empresa. Outros dois membros da família, Joseph Quass e Joseph Quass Filho, respectivamente, auxiliar de auditoria e auxiliar de escritório, ambos ligados diretamente à direção da Folha, haviam sido contratados em 1971 e 1970. Ainda de acordo com a pesquisa, os delegados passariam a fazer a segurança da família, cuidando, entre outras tarefas, da escolta dos dois filhos de Frias nas idas e voltas à escola, Otavinho e o atual diretor do grupo, Luís Frias. Contratado como chefe de segurança patrimonial da Folha, Edward passou a cuidar de todo o patrimônio do grupo e tinha uma sala dentro do jornal.

Reprodução/Comunicado interno do jornal sobre o furto de um dos veículos do grupo


A pesquisadora Ana Paula Goulart anota no relatório: “A presença de tais indivíduos atesta uma problemática relação de proximidade entre o Grupo Folha e agentes que cumpriam funções significativas na engrenagem repressiva da ditadura. A ameaça a Octavio Frias de Oliveira poderia justificar uma atenção especial por parte da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, mas não explicava a contratação, com vínculo trabalhista e remuneração direta, de delegados do DEOPS para atuarem como funcionários da empresa jornalística”. 

O nome de outro agente, Messias Ayrton Scatena, carcereiro do DEOPS e jornalista que começou no grupo pelo jornal Última Hora surgiria num rumoroso caso que tramitou no Superior Tribunal Militar (STM), em 1973. Acusado de vazar informações sigilosas de operações contra a subversão para sua namorada, a também jornalista do grupo Helena Miranda de Figueiredo, Scatena chegou a ser preso. Em seu depoimento ele afirmou que além de trabalhar no Grupo Folha, “participava de serviços de repressão, combate a subversão e terrorismo”, tendo atuado entre cinco a dez diligências no período de três anos em que exerceu o cargo na delegacia”. O policial-jornalista dizia possuir, àquele momento, uma relação próxima com Octavio Frias de Oliveira e os membros de sua família, uma vez que ficou encarregado de trabalhar como seu motorista pessoal, além de atuar como segurança de seus filhos. Disse também que os diretores do jornal depositavam nele “grande confiança”, ao ponto de ter sido liberado da função de jornalista da empresa “para se dedicar integralmente à segurança da família […] sem prejuízo dos vencimentos”. 

De acordo com o documento, a contratação de Scatena foi recomendada pelo seu chefe, o delegado Edward Quass. É nesse depoimento, nas páginas 130 e 131 da ação penal 829/73 aberta pela justiça militar, que ele cita o nome do delegado Sérgio Fleury, afirmando que ele também atuava na segurança da Folha ao lado dos irmãos Quass. O que se sabia era que Fleury tinha sido visto algumas vezes na Folha, mas a justificativa é que era convidado de Aggio para algum evento festivo.

A atenção de Frias aos militares ficaria clara também quando este, segundo a pesquisa, a pedido de um major de relações públicas do II Exército, que falava em nome do general Ernani Ayrosa da Silva, fundador da Oban, contratou como jornalista da Folha da Tarde um ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Rômulo Fontes, que durante os 18 meses em que permaneceu preso, entre 1979 e 1971, se tornou um dos arrependidos de participar da luta armada, prestando depoimentos contra a esquerda divulgados pela ditadura. Fontes conseguiu o emprego e depois confirmaria: “Entrei para a Folha manu militari”, conforme citação no livro de Pilagallo.


Licença na prisão


A pesquisa aponta perseguição política e violação aos direitos trabalhistas contra jornalistas que trabalhavam no Grupo Folha e foram presos sob a acusação de participarem de organizações da luta armada. O caso mais emblemático é o da jornalista Rose Nogueira, que trabalhava como repórter da Folha da Tarde e, ao ser detida em casa no dia 4 de novembro de 1969, estava de licença maternidade 34 dias depois de um complicado parto em que deu à luz seu primeiro filho.

Ela só descobriria anos depois que a demissão por justa causa, escrita à mão em sua ficha funcional, tinha sido por “abandono de emprego”, uma justificativa duplamente falsa, conforme relataria na entrevista concedida em maio de 2022 aos pesquisadores da Unifesp. “Foi uma das maiores dores da minha vida, ver que a Folha me deu abandono de emprego enquanto eu estava presa! Quem preso vai trabalhar no jornal? Quem, na licença maternidade vai? Eu estava com as duas coisas: licença maternidade e prisão. Eu senti como uma punição. A Folha me machucou muito. Eu já estava sendo punida. A Folha fica a duas quadras do DOPS. Alguém poderia ter ido lá saber se era verdade. Eles me ignoraram e publicaram o que a polícia mandou”, disse ela.

A matéria da Folha da Tarde relacionava Rose e seu ex-marido, Luís Roberto Clauset, como pessoas próximas ao líder da ALN, Carlos Marighella, que havia sido executado pela polícia no mesmo dia em São Paulo e, em ocasiões anteriores, se refugiara na casa da jornalista. Ela não participava da luta armada, mas nunca negou que deu apoio logístico a Marighella. Ficou nove meses presa e, no final, acabou absolvida. Havia, no entanto, algo mais grave. “A Folha falseou a data do nascimento do meu filho. Meu filho nasceu em 30 de setembro de 1969. A Folha escreve (no ato de demissão) que meu filho nasceu em 9 de agosto (…) para me dar o abandono de emprego no começo de dezembro”, disse.

Reprodução/Reportagem do jornal associou Rose e seu ex-marido ao líder da ALN, Carlos Marighella


Em outros casos, como o de José Maria Domingues dos Santos, que também trabalhava na Folha da Tarde e era acusado de ligações com a ALN, preso também em 04 de novembro de 1969, o jornal igualmente “antecipou” a data da demissão para o dia anterior para descaracterizar o vínculo com a empresa. A matéria sobre a prisão de Rose e José Maria informava no título que “Contra a subversão, polícia arma jogo de paciência”. A empresa sabia que as prisões tinham motivação política e ainda assim carimbou as demissões em suas fichas funcionais como “abandono” e “dispensado”, sem maiores explicações. 

No período, em 05 de novembro, foi preso o fotógrafo Carlos Penafiel, que trabalhava na Folha da Tarde, o que não evitou o tratamento policialesco da notícia sobre sua detenção: “Terror: prisão preventiva para jornalista implicado”, dizia o título da matéria, que também citava Rose e Luis Roberto como integrantes da ALN próximos a Marighella. Outros dois jornalistas da Agência Folha, Sérgio Gomes da Silva e José Vidal Pola Galé, presos em outubro de 1975 por ligações com o PCB, também amargaram meses de prisão, e tiveram seus nomes citados numa matéria de duas páginas de 23 de dezembro, com o título “DOPS arrasa bando do nazismo vermelho” onde o jornal divulgava uma lista de “comunistas” com idade, nome dos pais, data de nascimento, estado civil e endereço residencial completo dos suspeitos. Só que ignorava que trabalhavam no jornal ou no grupo. 

Preso entre 05 de outubro de 1975 e 05 de abril de 1976, Sérgio seria demitido em janeiro também por abandono de emprego enquanto esteve encarcerado. Solto, tentou reaver o emprego, mas diz ter sofrido assédio moral do então diretor da Agência, o delegado Luiz Carlos Rocha Pinto, e pressão do diretor do departamento pessoal do grupo, Antônio Pison, para que se demitisse. Os pesquisadores também apontam perseguição política da Folha na demissão de um grande número de jornalistas que participaram da greve de maio de 1979 por melhores salários. O SNI, que monitorou o movimento, informou que dos 128 demitidos de vários veículos, 43 eram do Grupo Folha, enquanto o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo sustentou que na verdade teriam sido 64. 


Folha e o “milagre”


A trajetória do grupo mostra, segundo os pesquisadores, que o apoio à ditadura teria proporcionado expansão e crescimento da Folha já no chamado milagre econômico, entre 1968 e 1973, período em que o jornal estaria mergulhado na mais intensa fase de colaboração com os militares. No final desse ciclo a Folha iniciava um tímido distanciamento para, em meados da década 1980, sob o comando do filho do dono, Otavinho, implantar o Projeto Folha, marcado por mudanças internas e uma guinada forte na linha editorial.

Em 1984, o jornal engajou-se na linha de frente da campanha pelas Diretas-Já, estratégia que lhe rendeu o papel de protagonista e porta-voz dos anseios pela redemocratização do país. Não foi uma transição sem ruído: no dia 1º de setembro de 1977, um texto considerado ofensivo à imagem de Duque de Caxias, publicado pelo colunista Lourenço Diaféria forçou Octávio Frias de Oliveira, pressionado pelo então chefe da Casa Militar do governo, general Hugo Abreu, a pedir que seu então diretor de redação, o jornalista Cláudio Abramo, se demitisse para serenar uma das poucas crises registradas até então entre o jornal e a ditadura.

O texto, “Herói. Morto. Nós.”, comparava um sargento que morreu ao se jogar num poço de ariranha para salvar um menino a uma estátua de Duque de Caxias, na qual populares urinavam, o que foi considerado uma ofensa punível com a prisão do jornalista e de fechamento do jornal caso a coluna continuasse sendo publicada em branco. Frias de Oliveira cedeu e, segundo anotam os pesquisadores, “decidiu afastar o chefe da redação Cláudio Abramo e tirar o seu próprio nome do cabeçalho do jornal”. Abramo foi substituído por Boris Casoy, escolhido por seu bom trânsito na área militar à época, conforme admite o próprio jornalista na entrevista aos pesquisadores.

Reprodução/Coluna “Herói.Morto.Nós” de Lourenço Diaféria (no canto direito da imagem)


O relatório da Unifesp destaca que o jornal chegou ao fim da ditadura com identidade reformulada, o que permitiu que se tornasse o veículo impresso de maior circulação do país, alcançando um recorde de tiragem com mais de 1,5 milhão de exemplares. “Não se trata apenas de uma história de sucesso empresarial. Seu crescimento esteve estrategicamente ligado aos interesses do regime”, diz Ana Paula Goulart. Em 1974, entre o encerramento do governo Médici e início do mandato de Geisel, Frias de Oliveira foi chamado pelo general Golbery do Couto e Silva, eminência parda nos dois governos, para discutir o processo de distensão e, é claro, o crescimento da Folha diante de seu principal concorrente, o Estadão, algo que interessava ao regime.

Naquele momento o lucro líquido da Folha havia dobrado em relação a 1973, e nos anos seguintes, até 1977, triplicaria, saltando, em valores da época, de Cr$ 47.564.807 para Cr$ 210.844.987, conforme balanços acessados pelos pesquisadores. Em valores atuais, pelo IGP-DI, o montante do lucro de 1977 equivale a mais de R$ 330 milhões. 

O material sobre a Folha com documentos e testemunhos faz parte de um relatório enviado ao Ministério Público Federal e que pretende servir de base para ações de reparação a vítimas da repressão na ditadura militar. “Um dos objetivos era reunir elementos, indícios e provas para que o MP pudesse abrir ações judiciais, inquéritos ou procedimentos administrativos contra essas empresas”, diz Edson Teles, coordenador do projeto pela Unifesp/Caaf.

Reprodução/Resposta publicada pela Folha sobre a trajetória do grupo na ditadura no último domingo, 2 de julho


Outro lado


Procurado pela Agência Pública no dia 23 de junho, o superintendente do Grupo Folha, Carlos Ponce de Leon não quis dar entrevista. Pediu, através de sua secretária, que as perguntas fossem enviadas. As respostas chegaram apenas na tarde de sexta, 30 de junho. Dois dias depois, a Folha publicou “Documento abordará trajetória do Grupo Folha na ditadura”, em duas páginas do caderno “Ilustrada Ilustríssima” do domingo, 2 de julho. 

A matéria da Folha antecipou a posição do jornal em “resposta” a esta reportagem que ainda não havia sido publicada, procedimento estranho ao próprio manual da Folha e que não explica os questionamentos sobre os principais pontos da pesquisa da Unifesp abordados pela reportagem.

 

Eis a íntegra da nota do Grupo Folha encaminhada à Pública

“Os temas das perguntas enviadas, que versam sobre um período já distanciado no tempo, deram ensejo a indagações parecidas no passado e hoje são objeto de uma investigação de historiadores, sob os auspícios do Ministério Público Federal, para a qual a Folha tem colaborado, franqueando aos pesquisadores amplo acesso à documentação remanescente que esteja em seu poder. Foram também objeto de extensa apuração empregada pelo próprio jornal, cujos resultados têm sido publicados em suas páginas e em livros nas últimas décadas. Embasado numa dessas apurações, por exemplo, o então diretor de Redação, Otavio Frias Filho, respondeu em 2018 ao blog do jornalista Fernando Morais sobre a acusação de que carros do jornal teriam sido utilizados pelo aparato de repressão da ditadura.

Escreveu então: “Em 2011, solicitei que uma pesquisa exaustiva fosse realizada para esclarecer o episódio. Seus resultados constam do livro ‘Folha Explica a Folha’ (2012; págs. 49 a 61), da jornalista Ana Estela de Sousa Pinto.

Não foram encontrados registros que comprovem essa utilização nem nos arquivos da ditadura, nem nos jornais clandestinos mantidos pela luta armada na época. A acusação se baseia no depoimento de dois militantes presos que afirmaram ter visto veículos do jornal no prédio do DOI-Codi (Vila Mariana, SP). Os atentados terroristas contra veículos da Folha, praticados pelo grupo ALN, ocorreram quatro dias depois da morte pela repressão do guerrilheiro Carlos Lamarca no interior da Bahia, sugerindo que o motivo do ataque foi a cobertura, bastante hostil, que a Folha da Tarde fez daquele fato.

A Folha sempre afirmou que, se a cessão de veículos ocorreu, foi de forma episódica e sem conhecimento nem autorização de sua direção”.

A Folha manterá a mesma disposição de publicar tudo o que saiba sobre essa época.

GRUPO FOLHA”


Esta reportagem pertence ao especial As empresas cúmplices da ditadura militar que revela 10 empresas que teriam algum grau de participação no aparato de repressão que perseguiu, prendeu, torturou e assassinou opositores durante o regime. A cobertura completa está no site do projeto.


Agradecimento à Agência Pública.