Por Fernando Castilho
Quando, em 2023, um colunista da Folha resolveu
cunhar o termo “bolsonarista moderado” para definir Tarcísio de Freitas, muita
gente torceu o nariz. Mas a senha estava dada: a grande imprensa, sempre ávida
por um novo rosto palatável à elite, adotou o governador de São Paulo como seu
queridinho para a sucessão de Lula. Afinal, nada como um “moderado” para manter
o bolsonarismo.
Logo depois, foi a vez do mercado. Pesquisas mostravam que,
embora os empresários estivessem nadando em lucros, o desprezo pelo governo
Lula atingia níveis olímpicos. Já Tarcísio era visto como a joia rara — aquele
que promete entregar o Estado em fatias generosas e, de quebra, mandar os
pobres para o rodapé da história.
O tempo passou e o barco de Tarcísio navegava em águas
calmas. Nenhuma onda, nenhuma notícia negativa. Nem mesmo as mortes causadas
pela truculência policial conseguiram furar o bloqueio midiático. Tudo seguia
conforme o script.
Mas eis que o julgamento de Jair Bolsonaro se aproximava, e
o filho 03, Eduardo, resolveu cobrar fidelidade explícita de Tarcísio. O
bolsonarismo, sempre faminto por lealdade cega, virou-se contra o governador.
Tarcísio, então, fez o que qualquer político com ambições faria: colocou tudo
na balança. De um lado, a moderação que agradava à imprensa. Do outro, os votos
do bolsonarismo raiz.
Foi nesse clima que estourou uma operação revelando conexões
entre o crime organizado e a Faria Lima — com possíveis ramificações que
chegavam até o governador. A imprensa, que até então fazia vista grossa, entrou
em pânico. Até quando esconder o escândalo? Continuar apoiando Tarcísio
significaria, mais cedo ou mais tarde, parecer cúmplice.
Então veio o movimento audacioso: Tarcísio declarou que, se
eleito presidente, seu primeiro ato seria conceder indulto a Jair Bolsonaro, em
perfeita sintonia com o que preconizava o filho 01, Flávio. Ora, todos sabem
que esse indulto seria barrado pelo STF por inconstitucionalidade. Mas Flávio
já havia avisado: se isso acontecer, o presidente herdeiro do legado
bolsonarista deve usar a força contra o tribunal.
Tarcísio, por sua vez, afirmou não reconhecer Justiça no
Brasil. Para bom entendedor, isso soa como um aviso: seu governo, tal como o de
Jair, seria pautado pelo confronto com o STF — e quem sabe até pela destituição
de ministros ou pelo fechamento do tribunal, como sonha Eduardo.
Não por acaso, os editoriais dos grandes jornais agora
estampam críticas ferozes a Tarcísio. A lua de mel parece que acabou. Nenhum
desses veículos vive apenas de imprimir jornais — são conglomerados de mídia
com interesses em tecnologia, publicidade, entretenimento e serviços digitais. O
Globo, Estadão e Folha de S.Paulo pertencem a grupos
empresariais que dependem de estabilidade econômica e previsibilidade
institucional. E, convenhamos, uma ditadura não costuma ser boa para os
negócios — a menos que se esteja do lado certo da baioneta.
O que se vê no horizonte é preocupante. Se Tarcísio
conseguir libertar Jair em meio a uma crise com o Judiciário, quem governaria
de fato? E qual seria o tamanho da insegurança jurídica que isso provocaria?
Por ora, os ventos sopram a favor da grande mídia, graças ao
crescimento econômico. Mas será que ela está disposta a trocar estabilidade e
previsibilidade por caos, só para manter um flerte com o bolsonarismo?
Hora de desembarcar da candidatura Tarcísio — antes que o
barco afunde e leve junto a democracia.