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domingo, 25 de junho de 2023

Lula, a borboleta que deveria ter morrido como lagarta, voa longe.

Por Fernando Castilho



Ao ver Lula discursando em Paris criticando os países ricos, me lembrei de Chico Buarque: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta."


Não estive na primeira assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (hoje, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), realizada no estádio de Vila Euclides em 13 de março de 1979, com a presença de Lula, desafiando o governo ditatorial de então, mas estive numa das primeiras das cerca de 18 naquele mesmo local.

Tinha recém completado o curso de Arquitetura e Urbanismo na USP, em meio ao movimento estudantil da época e estava particularmente interessado no que aquele líder operário, então uma grande novidade no cenário político paulista, tinha a dizer.

O carisma era mágico, a oratória era mágica, os cabelos e barbas desgrenhados alteando uma barriguinha apertada dentro de uma camiseta ilustravam a figura de um típico operário, mas o que me fez ficar vidrado em sua fala foi o conteúdo, sobre o qual me faltaram argumentos discordantes.

Lula era absolutamente necessário naquele período.

O operário foi o estopim do que viria a ser o grande comício pelas Diretas Já, realizado em 10 de abril de 1984, que só logrou êxito no ano seguinte com o fim da ditadura.

Já, durante a abertura democrática, Lula, junto com outros companheiros operários e intelectuais, fundaria o Partido dos Trabalhadores porque sua figura já não mais cabia somente dentro de uma estrutura sindical. Ele enxergou que os trabalhadores brasileiros só poderiam conquistar maiores direitos se marcassem presença na estrutura de poder.

Dali em diante, a figura de Lula já não cabia mais somente na atuação partidária. Ousou ser presidente. Porém, a atuação do PT no cenário político nacional não conseguiu garantir a eleição de Lula à presidência nas três vezes em que disputou porque ele era visto com muita desconfiança e preconceito por uma elite e por uma imprensa que preferiam ver o país no fundo do poço, como aconteceu após a eleição do letrado e bonito presidente Collor, do que ser governado para o povo mais pobre, sob a batuta de um ex-operário.

Em 2003, Lula, enfim, conseguiu se eleger e foi presidente por dois mandatos.

Por mais que os órgãos de imprensa tentem esconder dos mais novos e tentem negar, foi ele o único presidente que realmente reduziu a desigualdade social tirando o Brasil do mapa da fome. Isso, porque ousou desafiar o sistema até então excludente ao criar o Bolsa-Família.

As reações, vindas de todas as partes foram imediatas, mas com o tempo o programa foi sendo aceito e, quando Jair Bolsonaro, num lance puramente eleitoral, mudou o nome do Bolsa-Família para Auxílio Emergencial, não houve quem criticasse.

Lula governou por dois mandatos e não faltou na mídia quem o crucificasse por qualquer coisa que falasse. Se falasse “sim”, deveria falar “não” e vice-versa. Agora está, de maneira inédita, apesar de tudo, em seu terceiro mandato.

Com a idade ficamos mais resistentes a ídolos e tendemos a criticar aqueles que mais admirávamos no passado, afinal, falsos ídolos têm pés de barro.

Sabemos que Lula também tem suas falhas como todo ser humano, mas as qualidades as superam em muito.

Votei nele nos dois turnos das últimas eleições, ou seja, fiz o L. Mas confesso que esperava muito mais dificuldades do que as que Arthur Lira, o presidente da Câmara está criando para inviabilizar seu governo.

Se Lula venceu a fome ao se deslocar com a família num caminhão pau-de-arara para São Paulo, fez curso no Senai, foi metalúrgico, perdeu um dedo numa máquina, foi líder sindical, esteve preso durante a ditadura, disputou, sem êxito três eleições a presidente, se elegeu por duas vezes presidente, foi preso injustamente por um juiz que cometeu lawfare e se elegeu novamente para um terceiro mandato, tudo isso já seria muito mais que significativo para aplaudirmos de pé essa trajetória impressionantemente exitosa.

Mas Lula é Lula, o ousado. E que bom termos um presidente ousado para o bem, já que tivemos um ousado para o mal.

Para grande surpresa deste que escreve, Lula, qual borboleta, se liberta de seu casulo e alça voos maiores do que poderíamos imaginar. Ele já não cabe mais como líder de um país, somente. Ousa combater as desigualdades a nível mundial.

O presidente foi a Paris. Quando os grandes jornais, os comentaristas de sempre e mesmo a oposição esperavam que ele fosse fazer um discurso da mesmice (lembro que a jornalista Eliane Catanhede chegou a afirmar que Lula não tinha o que falar em Paris!), eis que o sapo barbudo, ou, como os amigos mais próximos dos tempos de São Bernardo ainda o chamam, o baiano, surpreendeu e criticou os países ricos.

Oh! Que afronta, apressaram-se em criticar os colunistas dos jornalões. Isso vai na contramão da diplomacia! O Brasil pagará um alto preço por isso!

Exatamente nesse momento me lembrei de um trecho de uma música de Chico Buarque: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta.”

Os representantes dos países mais pobres adoraram a fala de Lula que criticou os ricos por não cumprirem o Protocolo de Quioto (os EUA sequer assinaram) e o Acordo de Paris. Todos perdem tempo e dinheiro preciosos comparecendo a convescotes para enganar o povo dizendo que estão adotando medidas para reverter as mudanças climáticas. Enquanto isso, o planeta caminha resoluto para um cenário catastrófico.

Lula, com muita sabedoria histórica, denunciou o anacronismo da ONU que, desde 1945 não se recicla e já não tem grande importância no cenário mundial. Alguém se lembra de quantas vezes uma votação da ONU que dava 191 votos a favor da suspensão do bloqueio econômico de Cuba, contra somente os votos dos EUA e Israel, foi desrespeitada?

Por quantas vezes os EUA, e agora a Rússia, invadiram países sem consultar a ONU? Para que ela serve, afinal?

Lula, um ancião de 77 anos discursou em praça pública em frente à Torre Eiffel para milhares de jovens ávidos a ouvi-lo e foi enormemente aplaudido.

Mas o que os grandes jornais noticiaram? Deram pequenas notas quando deveriam, se tivessem compromisso com a verdade e com o país, darem grandes manchetes, afinal, Lula recupera nossa imagem no cenário mundial, destruída por seu antecessor, conclama os países a se unirem para combater de fato as mudanças climáticas e denuncia que, se essas medidas não forem tomadas para ontem, os pobres é que pagarão o preço, já que os ricos têm como se salvaguardarem.

Lula está diferente, fisicamente. Mas como evoluiu nessas décadas!

Concluo aqui refletindo em como todo o resto dos políticos brasileiros e estrangeiros são pequenos diante da estatura do operário.

E como seu antecessor, de agora em diante, só pode ser visto através de um microscópio, tão pequeno que é.