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terça-feira, 23 de maio de 2023

Porque os brancos também são negros

Por Fernando Castilho



Sim, nós, homens e mulheres brancos ou quase brancos, somos na verdade, negros e o estudo do DNA demonstra que as diferenças entre as raças são tão ínfimas que sequer podem ser consideradas.

Antes dos primeiros Homo Erectus que viveram no Pleistoceno entre 2 e 4 milhões de anos atrás, evoluírem para Homo sapiens, a cor da pele, por viverem entre as copas das árvores, protegidos pelas sombras das folhagens, era escura, mas num longo processo evolutivo, foi se tornando negra, já que ficavam expostos ao sol do continente africano, notadamente na região onde hoje se localiza a Etiópia.

Era uma época em que o recente ser humano se organizava em tribos nômades que se deslocavam à procura de regiões com fartura de caça e de alimentos coletáveis.

Aos poucos, algumas tribos lograram atingir as regiões onde hoje se localizam os países da Europa. O ambiente e o clima mais frio foram gradativamente tornando suas peles mais claras, já que não havia mais tanta necessidade da proteção garantida pela pele negra.

Na Europa já havia outros hominídeos que também evoluíram de um ancestral em comum, chamados de Neandertais. Estes já possuíam, devido ao ambiente, a pele clara.

Hoje a Ciência já sabe que, muito embora os Sapiens, por sua capacidade de cooperação, eliminaram muitos indivíduos neandertais, mas também acasalaram com eles, produzindo mestiços de pele mais clara.

Os indivíduos com a pele negra que viviam na África possuíam grande resistência a intensa radiação solar e conseguiam extrair dela adequada quantidade de vitamina D, responsável pelo cálcio que fortalece ossos e dentes. Por isso, somente aqueles que possuíam pele mais escura conseguiram sobreviver e passar adiante essa característica.

Mas, uma vez num ambiente com menos radiação solar como a Europa e a Eurásia, a pele negra se tornou inadequada para a obtenção da vitamina D. Era preciso que a pele se tornasse mais receptiva e, portanto, mais sensível a escassez dessa vitamina.

Desta vez, somente aqueles indivíduos que possuíam a pele menos negra conseguiram passar adiante essa característica e, aos poucos (estamos falando de muitos milhares de anos) foram se tornando brancos.

Esta história é muitíssimo mais complexa do que este texto, mas, de maneira muito simples, é ilustrativa de como alguns seres humanos se tornaram ignorantes de sua própria origem e de como reagem de maneira criminosa à vista de um semelhante que carrega consigo na pele as característica originais da espécie.

Sim, nós, homens e mulheres brancos ou quase brancos, somos na verdade, negros e o estudo do DNA demonstra que as diferenças entre as raças são tão ínfimas que sequer podem ser consideradas.

Se há um milhão de anos atrás, seres alienígenas chegassem a Terra, classificariam os negros como os legítimos representantes da espécie humana neste planeta.

Portanto, agressões como as feitas contra o jogador de futebol Vini Jr, além de inaceitáveis, demonstram o quão os seres humanos são ignorantes de sua origem.

 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

O que Monark, Bolsonaro e o assassinato de Moïse tem em comum?

Por Fernando Castilho



Todos sabemos do assassinato violento do congolês Moïse Kabagambe.

Há uma polêmica se o crime envolveu racismo e xenofobia, mas talvez a resposta seja a pergunta: se Moïse fosse um suíço loiro de olhos azuis, a história seria outra?

Claro que não.

Portanto, houve racismo e xenofobia sim. E o caso só teve grande reação devido a uma grande comoção nacional. Observem que o crime só foi divulgado dias depois e três homens envolvidos foram presos somente oito dias após o ocorrido. Foi graças a indignação do povo que a imprensa começou a dar maior destaque, senão, talvez passasse batido. Mais um preto morto, apenas.

Apesar da grande comoção, o presidente Jair Bolsonaro não se manifestou sobre o episódio, mas aproveitou para fazer campanha eleitoral ao se manifestar no cercadinho contra militantes ligados a partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Comunista Brasileiro (PCB), que entraram em uma igreja católica de Curitiba, no último final de semana: “É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o Comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis.”

Para o Capitão Morte, o assassinato violento de um imigrante negro não tem importância, mas a criminalização do Comunismo, sim.

É preciso agora estabelecer uma conexão com outro fato ocorrido na segunda-feira (07) para alinhavar o raciocínio.

Naquele dia o influencer Monark, em um podcast, entrevistou os deputados Tabata Amaral e Kim Kataguiri. À certa altura o rapaz afirmou que em sua opinião o nazismo deveria ser legalizado no Brasil: “Eu acho que tinha que ter um partido nazista reconhecido pela lei”, disse o apresentador. “Se o cara quiser ser um antijudeu, eu acho que ele tinha direito de ser”, acrescentou.

Kataguiri foi mais ou menos na linha dele ao afirmar que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo: “Qual é a melhor maneira de impedir que um discurso mate pessoas e que um grupo étnico racial morra? É criminalizar? Ou é deixar que a sociedade tenha uma rejeição social?”, perguntou o deputado.

Tabata se opôs aos dois evocando o holocausto dos judeus e ao final do podcast posou para uma foto ao lado deles, quando poderia ter-lhes dado voz de prisão.

A reação foi muito negativa, principalmente da comunidade judaica e suas associações, a ponto de Monark ser defenestrado da sociedade mantenedora do podcast e ainda, junto a Kataguiri, ter que prestar esclarecimentos à PGR.

Curioso é que ontem (09), Adrilles Jorge, comentarista da Jovem Pan, foi demitido por fazer uma saudação nazista, ao melhor estilo Hitler. É, o pessoal está saindo das sombras, estimulado por três anos de um governo autoritário, preconceituoso e intolerante com as minorias.

Agora, voltando a Bolsonaro.

Na sua fala ao cercadinho, o capitão aproveitou para nivelar o nazismo ao comunismo, ostentando aos seguidores sua mais completa ignorância (ou má-fé) sobre o assunto.

O Manifesto Comunista de Marx e Engels, publicado em 1848 não prega discriminação, perseguição ou execução de quaisquer minorias (embora Stalin tenha promovido execuções em massa de opositores), ao contrário, considera-as integrantes do proletariado, enquanto o nazismo faz exatamente o oposto, caracterizando-se como um partido de supremacistas brancos que se sentem destinados a dominar todo o resto da humanidade.

Mas, abraçar teses nazistas não é uma das características de Bolsonaro?

Não foi ele que, em campanha à presidência, conclamou, utilizando um tripé de fotógrafo para imitar um fuzil, o povo do Acre a metralhar os petralhas?

Não foi o capitão, ainda em campanha, que afirmou que, ou as minorias se subjugavam às maiorias, ou seriam exterminadas e que a ditadura deveria ter matado trinta mil pessoas?

Então, por que falou contra o nazismo no cercadinho?

Foi por medo da reação da comunidade judaica. Ele que sempre tem flertado com o governo de Israel e que tem entre seus seguidores, evangélicos que ostentam bandeiras daquele país nas manifestações pró volta da ditadura, imagina que seus votos irão pra ele.

Para finalizar a conexão, lembro que, ainda durante a campanha, Bolsonaro esteve num evento no Clube Hebraica no Rio de Janeiro. “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”.

O desprezo não é exatamente pelos quilombolas, mas pelos negros, como Moïse.

E para concluir, é por isso que o capitão não deu nenhuma atenção para o assassinato de Moïse Kabagambe. Não tem a mínima empatia.

Mas tem de sobra oportunismo para utilizar o repúdio a uma defesa do nazismo para fazer campanha eleitoral antecipada.

O consolo é que essa coisa amarga, indigesta, esse astral negativo, essa nuvem escura está com os dias contados, vai passar e teremos a chance de redirecionarmos o Brasil de volta para a civilização.

 


 

 


sábado, 22 de janeiro de 2022

O bolsonarismo sem Bolsonaro



Por Fernando Castilho





O Capitão Morte, por sua estratégia de falar e fazer somente aquilo que os 30% do cercadinho querem dele, nos permite projetar que chegará às eleições com esse mesmo número ou até menos e será derrotado.


A mais nova pesquisa Poderdata mostrou que Lula está à frente com 42% e Bolsonaro com 28% das intenções de voto para as eleições presidenciais de 2022.

Já assimilamos tanto esses 28 a 30% com naturalidade que nem nos apercebemos mais o que esse número significa.

Por mais que o Capitão Morte tenha sabotado a compra de vacinas sendo responsável indireto pela morte estimada de pelo menos 400 mil pessoas, tentado dar um golpe no 7 de setembro, agido para protelar a vacinação de crianças, usado dinheiro público para se esbaldar por duas semanas enquanto a Bahia e Minas Gerais enfrentavam o caos com as enchentes que desabrigaram mais de 600 mil pessoas, a verdade é que ainda há cerca de 30% de pessoas que aprovam seus mal feitos e votariam de novo nele em 2022. Isso representa cerca de 44 milhões de eleitores!

Recentemente a Folha publicou um artigo de Antônio Risério que falava de um tal racismo reverso que, segundo ele, existe no Brasil. Algo como um branco ser abordado e espancado por um grupo de PMs negros ou um branco ser vigiado desde sua entrada num supermercado ou um shopping até sua saída. Pode ser que Risério não seja bolsonarista, mas a maneira como ele entende o racismo é. Portanto, existe bolsonarismo sem Bolsonaro.

Há no Brasil (e também no resto do mundo) um certo contingente de pessoas contrárias à vacina e, mais ainda, à vacinação de crianças. O que isso tem a ver com conservadorismo e ideologia de extrema-direita? Aparentemente nada, mas 100% dessas pessoas votam em Bolsonaro e o chamam de mito.

O Capitão Morte, por sua estratégia de falar e fazer somente aquilo que os 30% do cercadinho querem dele, nos permite projetar que chegará às eleições com esse mesmo número ou até menos e será derrotado.

Certamente festejaremos a saída do pior presidente que o Brasil já teve, mas temos que admitir que o bolsonarismo veio pra ficar e poderá aflorar novamente caso apareça algum outro líder para preencher o espaço deixado vazio. Foi assim com o fascismo e o nazismo, mesmo após sete décadas sem Mussolini e Hitler.

Definitivamente aquelas pessoas com as quais convivíamos em alegres churrascos aos domingos, que faziam piadas homofóbicas e racistas e que hoje são bolsonaristas, não voltarão mais a nos ser próximas.

Bolsonaro pelo menos teve o mérito de explicitar a nossos olhos que estávamos dormindo com o inimigo.

           

 


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Existe racismo reverso?

Por Lia Vainer Schucman

 

Essa semana alguns veículos de noticias me procuraram para perguntar sobre o BBB21 e o tal de “racismo reverso”. Eu havia jurado não comentar sobre o BBB21, mas como acredito que a produção acadêmica deve estar no debate público, aqui estou eu para tentar responder um pouco o porquê não existe racismo reverso contra branco no Brasil contemporâneo.

Vou partir daqui do exemplo que me perguntaram, se uma pessoa negra trata mal uma pessoa branca apenas por ela ser branca isso não é racismo? Não, isso não é racismo pode até ser preconceito e discriminação! Ops, mais qual a diferença Lia? Preconceito e discriminação estão sempre ligados às relações entre indivíduos, já o racismo à estrutura social de dominação.

E Racismo, Lia o que é? Racismo pode ser pensado como uma dominação baseada em uma doutrina que acredita que há uma raça superior e a partir desta doutrina há uma política em que pessoas desta raça têm privilégios e acessos no poder econômico, político, jurídico, ou seja, na estrutura social. Em geral para que haja racismo contra um grupo é preciso que haja uma história de longa duração de dominação de um grupo contra o outro, baseado na ideia de raças superiores e raças inferiores.

Quer dizer então que branco nunca pode sofrer racismo? Pode. Para que um branco possa sofrer racismo é preciso que historicamente os brancos sejam considerados inferiores aos negros, ou indígenas ou asiáticos ou qualquer outro grupo humano que se disser superior e a partir daí escravizar, matar, dominar, discriminar e diferenciar fazendo que todos os brancos ocupem lugares de subalternidade na estrutura social. Isso já aconteceu na humanidade? Não. E porque não? Porque até agora, na história da humanidade quem usou o poder da ciência para inventar a ideia de superioridade racial foram os brancos.

Ou seja, existiu em nossa história um momento em que brancos tornaram os africanos e os indígenas em mercadorias, venderam, escravizaram, coisificaram, criminalizaram, subjugaram, classificaram, nomearam, mataram, fetichizaram, roubaram terras em nome da raça superior. Essa é a nossa história e o resultado disso é o que temos agora. Nunca houve na história da humanidade um grupo que fez algo próximo a isto com pessoas classificadas como brancas.

Preconceito e discriminação são componentes individuais que funcionam para legitimar o racismo, mas não são o racismo. Assim pessoas de qualquer grupo social podem discriminar, ter preconceito, ser escrota, humilhar e etc. qualquer pessoa de outro grupo. Infelizmente isso é possível de ser feito por qualquer ser humano. Mas racismo, hoje, no Brasil contemporâneo só existe contra negros e indígenas.

Racismo então é só contra negros e indígenas Lia? Não, judeus, por exemplo, foram racializados (naquela época judeus não eram classificados como brancos), assassinados e mortos na segunda guerra por serem judeus. Se durante o nazismo um judeu chamasse um alemão de escroto e o humilhasse isso seria o que? Racismo? O alemão iria para câmera de gás? Teria um país inteiro preparado para mata-lo? Não.

Assim como hoje no Brasil uma pessoa negra xingando uma pessoa branca por ela ser branca não caracteriza racismo, caracteriza apenas um xingamento. Não move as estruturas. Já um xingamento contra um negro, remete a todo o processo histórico descrito anteriormente. Ou seja, racismo pode acontecer contra qualquer grupo que passar por um processo de racialização e a partir daí ser subjugado a outro grupo. Isso vai depender da história social.

Resumindo: racismo é uma forma de legitimar as estruturas sociais de poder. Se um grupo não tem poder na estrutura o sujeito deste grupo não consegue praticar racismo. Portanto, no Brasil de hoje onde os negros são os que ocupam os piores índices sociais. NÃO HÁ RACISMO REVERSO".

Lia Vainer Schucman é doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (2012) com estagio de Doutoramento no Centro de Novos Estudos Raciais na Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Em 2014 publicou o livro Entre o Encardido o Branco e o Branquissimo: Branquitude Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo, fruto de sua tese.

Realizou sua pesquisa de pós-doutoramento pela USP/FAPESP e como resultado irá lançar em 2018 seu novo livro: Familias Interraciais: Tensões entre cor e amor (EDUFBA).