Por Fernando Castilho
A partir do momento em que o Estado se desfaz de suas obrigações que lhe são precípuas desde a “assinatura” do Contrato Social, ele deixa de cumpri-las de maneira unilateral.Começa a existir, portanto, o risco da volta à barbárie.
E já começamos a observar os indícios aqui e ali.
O
filósofo Thomas Hobbes (além dele, John Locke e Jean Jacques
Rousseau) nos ensina que quando o homem (homo sapiens), que vinha de
um estado de natureza, começou a tomar posse de pequenos pedaços de
terra para se tornar agricultor, passando, portanto a ser sedentário,
atraiu para si indignação, ódio e cobiça.
Os
seres humanos, até então, eram caçadores-coletores, portanto, não
viam nenhum sentido em uma pessoa cercar um pedaço de terra e
assumir ser seu proprietário. A Terra era de todos os seres vivos.
A
partir daí, uma série de conflitos passou a existir entre os
homens, já que não havia o direito à propriedade.
Alguém
se aproximava e roubava um tubérculo, uma hortaliça ou até mesmo
um pequeno animal que o outro possuía.
A
resposta era violenta e desproporcional. Matava-se por algumas
batatas roubadas.
Aquele
que era o mais forte ou mais esperto prevalecia sobre o mais fraco,
dando início ao que Hobbes chama de guerra de todos contra todos.
Foi
preciso que os seres humanos buscassem segurança.
Mas
quem poderia garantir isso?
Somente
um Estado. Um Estado forte que produzisse leis e as executasse
punindo os infratores.
Só
assim, os seres humanos poderiam se sentir mais seguros e dormir em
relativa paz.
Estava
criado o Leviatã, como Hobbes chamou o Estado.
Não
defenderei aqui Estados totalitários, ok?
A
esta relação Estado-seres humanos, foi dado o nome de Contrato
Social.
Eu
pago um imposto a um rei e ele me garante a segurança.
O
Estado evoluiu com o tempo.
Agora
não é mais só a segurança que o Estado tem que garantir aos
homens, mas sim também moradia, alimentação, saúde, educação,
enfim Direitos Humanos.
Os
seres humanos, através do Contrato Social, pagam seus impostos e
recebem do Estado os Direitos Humanos. Ótimo. Perfeito, não?
No
Brasil o cumprimento do contrato pelo Estado sempre foi deficiente,
porém, apesar de ruins, a Saúde e a Educação públicas existem.
O
programa de construção de moradias para a população de baixa
renda, Minha Casa Minha Vida também vem dando uma resposta do Estado
ao deficit de habitações.
Políticas
de transferência de renda como o Bolsa Família, garantem a famílias
de baixíssima renda uma complementação para que possam se
alimentar um pouco melhor.
A
promoção de 35 milhões de pessoas que saíram da miséria
contribuiu, embora não se divulgue, à diminuição da violência,
uma vez que, pessoas melhor alimentadas tendem a não procurar outros
meios de complementação de renda.
Na
última década, portanto, pode-se dizer que o Estado brasileiro,
apesar de muitas falhas e muitos problemas, procurou cumprir o
contrato Social.
Antes
desse período, o neoliberalismo vinha destroçando o país com
privatizações extremamente danosas ao país.
É
este mesmo neoliberalismo que agora volta com força total.
Neoliberalismo,
por definição, é um sistema econômico que transforma o Estado em
estado mínimo.
Já
dá pra perceber.
A
partir do momento em que o Estado se desfaz de suas obrigações que
lhe são precípuas desde a “assinatura” do Contrato Social, ele
deixa de cumpri-las de maneira unilateral.
Quando
a classe média e a elite brasileiras adquirem imóveis em
condomínios fechados, pagando altos preços por segurança privada,
livram o Estado de sua obrigação de lhes garantir segurança;
Quando
essas mesmas classes colocam seus filhos em colégios particulares e
pagam planos de saúde, também liberam o Estado de suas obrigações.
Essas
classes, portanto, não percebem que elas mesmas descumprem o
Contrato Social e só perdem com isso pois têm que gastar mais
dinheiro.
O
Estado, por sua vez, ao propor privatizar serviços que deveriam ser
prestados por eles aos cidadãos, também rompem o Contrato.
Vivemos
no Brasil um processo atroz de destruição de um pacto de
convivência acordado há milênios.
O
neoliberalismo não deu certo em nenhum país do mundo, ao contrário,
está afundando as economias da Europa.
Foi
a sanha de voltar a tentar implantar o neoliberalismo que mandou no
Brasil durante o governo FHC que fez com que um grande consórcio
comandado pelos Estados Unidos, como muito bem foi denunciado pelo
grande cientista político, Moniz Bandeira, armasse e conduzisse o
golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
Quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, presidiu as sessões do Senado que consagraram o impeachment à presidenta Dilma Rousseff, sem que restasse provado crime de responsabilidade, ficou claramente demonstrado que o órgão que tem a responsabilidade de garantir que a Constituição seja respeitada, prevaricou. O ministro haverá de entrar para a História.
Uma
vez derrubada a presidenta, a grande pedra no sapato do projeto
neoliberalista, um títere seria alçado ao poder com mandato
provisório, com prazo de validade curto. Michel Temer.
Uma
vez rasgada a Constituição, todo o arcabouço legal passa a ser
desrespeitado. O juiz de 1ª instância de Curitiba foi um dos
primeiros a desrespeitar a Constituição e o Código Penal
Brasileiro ao manter empresários em prisão preventiva por mais de
um ano, quando eles não poderiam ser mantidos por mais de 10 dias! A
razão dessas prisões é óbvia. Eles, habituados à uma vida de
conforto, ficam privados de quase tudo.
Certamente,
uma hora hão de delatar até a mãe para fugir de seu “inferno”.
A isto se chama coação.
Moro
ao conduzir coercitivamente Lula para um depoimento feriu gravemente
a Lei pois o ex-presidente teria que ser intimado e, caso não
comparecesse, aí sim, teria que ser conduzido.
O
juiz ainda deixou vazar as conversas telefônicas entre Dilma e Lula,
procedimento totalmente irregular.
Agora,
Moro e os procuradores da Lava Jato querem adquirir poderes acima da
Lei.
Abuso
de autoridade é crime e tem que ser passível de pena.
Enfim,
depois de rasgada a Constituição, rasga-se também o contrato
Social entre o Estado e os brasileiros.
É
por isso que esses juízes e procuradores já começam a lutar.
É
guerra de todos contra todos e a barbárie lentamente voltando a ser
instaurada.
O
fato de uma manifestação ser convocada para dar apoio às medidas
antidemocráticas e autoritárias de Moro e dos procuradores têm
significado muito maior do que conseguimos captar no momento.
Trata-se
da volta do fascismo e impossibilidade de convivermos civilizadamente
com nossas diferenças.
Manifestações de ódio e misoginia cometidos no Natal e no réveillon não são fatos isolados.
O massacre de 60 homens no presídio de Manaus demonstra cabalmente a falência do Estado que, ao invés de garantir a integridade e segurança dos presos, repassou a responsabilidade para a iniciativa privada que, na sanha de aumentar seus lucros, colocou lá dentro 60% a mais de homens do que suporta sua capacidade.
Rolará
muito sangue ainda.
É
inevitável. Tudo conduz a isto.
(atualizado em 04/01/2017)