Por Boaventura de Sousa Santos
26
de agosto de 2015
Quando
um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior
será que se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a
causalidade pela simultaneidade, a história pela notícia, a memória
pelo silêncio, o futuro pelo passado, o problema pela solução.
Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os
agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as
agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos
puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a
enormidade das consequências das suas decisões. Foi uma época de
excessos vividos como carências; a velocidade foi sempre menor do
que devia ser; a destruição foi sempre justificada pela urgência
em construir. O ouro foi o fundamento de tudo, mas estava fundado
numa nuvem. Todos foram empreendedores até prova em contrário, mas
a prova em contrário foi proibida pelas provas a favor. Houve
inadaptados, mas a inadaptação mal se distinguia da adaptação,
tantos foram os campos de concentração da heterodoxia dispersos
pela cidade, pelos bares, pelas discotecas, pela droga, pelo
facebook.
A opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio.
A opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio.