Quando
leio as mensagens furiosas que meus amigos de esquerda escrevem,
detonando o governo Dilma com frequência e intensidade cada vez
maiores, tenho o mesmo sentimento de quando me deparo com qualquer
injustiça.
Por
mais erros que este governo esteja cometendo, é preciso levar em
conta alguns fatos da vida real que esses analistas preferem ignorar
em sua santa e impotente ira.
Em
primeiro lugar, há de se levar em conta de que a Dilma foi eleita em
meio ao maior escândalo de corrupção da história deste país.
Falcatruas sempre ocorreram , mas estou me referindo à maneira como
o escândalo Lava-Jato, da forma como é conduzido e manipulado pela
mídia dominante, é percebido pela sociedade. Figuras chaves no PT,
como o Vaccari e o Zé Dirceu , estão presas, no contexto que tão
bem sabemos, e nem é preciso dizer mais.
É
óbvio que numa situação dessas o governo só pode mesmo estar
fragilizado, muito vulnerável mesmo, manobrando de toda forma para
sobreviver aos ataques. Fazendo concessões, sim. Será que os
críticos preferiam a renúncia? Ou, o que dá na mesma, alguma
arremetida politicamente suicida? Sair disparando, bradando sagrados
princípios aos quatro ventos, pode ser emocionante, mas tudo não
passaria de um blefe. Nesse caso, o day after chegará logo,
rapidinho, e com ele a ressaca, em forma de tucanos,caiados e
bolsonaros... Repressão, criminalização da esquerda, entreguismo,
destruição de direitos (pra valer!), retrocesso em toda escala e
grau.
Em
segundo lugar, não custa lembrar (mais uma vez!) que este Congresso
é o mais reacionário desde o fim da ditadura. Aliás, a bancada
parlamentar eleita em 1982, ainda durante a ditadura (em processo de
transição), era bem mais progressista que a atual e, se bobear, a
de 1978 também. Cunha e sua corja não sairão de onde estão só
com a força dos nossos gritos, ou posts no facebook. Na Argentina, a
Cristina Kirshner agiu de outro modo. Peitou os arautos do
neoliberalismo e está levando a melhor, ao menos até agora. Mas ela
tinha (ou tem) a maioria do Congresso. Existe aí um pequeno detalhe
chamado correlação de forças -- ai, que tédio repetir essa
expressão...
Por
fim, para não estender demais, vamos lembrar igualmente que a crise
econômica é real. Algum ajuste era necessário, cortes de despesas
teriam de ser feitos. E nesses casos quem paga a pior parte da conta
é mesmo a parcela mais pobre da população, os trabalhadores, de um
jeito ou de outro. Qualquer corte de investimentos gera desemprego.
Sem
dúvida, seria melhor se houvesse um imposto sobre as grandes
riquezas, e não há dúvida de que os juros foram elevados a um
patamar muito além do razoável, mesmo considerando a estreita
margem de escolha . Mas as mudanças que os críticos reclamam teriam
de ter sido feitas "lá atrás", quando muitos dos que hoje
se mostram indignados contra o governo o estavam aplaudindo... No
momento presente, que é o que importa, 1) não me parece que seria
viável algo assim tão diferente, com ou sem Levy (ou alguém acha
viável tentar taxar as grandes fortunas com o atual Congresso?
abolir o superavit fiscal com uma simples canetada?) ; 2) o risco de
um colapso financeiro e cambial existia de fato no contexto da posse
da Dilma e, nesse caso, os trabalhadores sofreriam um impacto
incomparavelmente maior. Até eu, que não sou economista, percebo
isso.
O
discurso do "estelionato eleitoral", sedutor em seu
simplismo, esconde a realidade da opção eleitoral do ano passado. É
verdade que Dilma não foi eleita para cortar gastos, mas tampouco
foi eleita para dar cavalo de pau.Não foi um voto pela "mudança",
pelo risco, pela audácia, pelo confronto social.
Nada
disso. O eleitorado dilmista queria, ao mesmo tempo, a estabilidade
econômica (inflação baixa, abastecimento normal etc) e a
manutenção dos níveis de emprego e crescimento do período
anterior. Ou seja, algo aparentemente impossível. Se a Dilma, com
propostas como as que alguns críticos esquerdistas têm defendido,
lançasse o Brasil na hiperinflação e deflagrasse uma guerra contra
a burguesia em seu conjunto (sem um bloco de forças do lado de cá
capaz de enfrentar a parada), isso também poderia ser chamado de
estelionato. Com muito mais motivo, ouso dizer.
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