quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Igor Fuser: Nota dissonante

Por Igor Fuser

Quando leio as mensagens furiosas que meus amigos de esquerda escrevem, detonando o governo Dilma com frequência e intensidade cada vez maiores, tenho o mesmo sentimento de quando me deparo com qualquer injustiça.

Por mais erros que este governo esteja cometendo, é preciso levar em conta alguns fatos da vida real que esses analistas preferem ignorar em sua santa e impotente ira.

Em primeiro lugar, há de se levar em conta de que a Dilma foi eleita em meio ao maior escândalo de corrupção da história deste país. Falcatruas sempre ocorreram , mas estou me referindo à maneira como o escândalo Lava-Jato, da forma como é conduzido e manipulado pela mídia dominante, é percebido pela sociedade. Figuras chaves no PT, como o Vaccari e o Zé Dirceu , estão presas, no contexto que tão bem sabemos, e nem é preciso dizer mais.

É óbvio que numa situação dessas o governo só pode mesmo estar fragilizado, muito vulnerável mesmo, manobrando de toda forma para sobreviver aos ataques. Fazendo concessões, sim. Será que os críticos preferiam a renúncia? Ou, o que dá na mesma, alguma arremetida politicamente suicida? Sair disparando, bradando sagrados princípios aos quatro ventos, pode ser emocionante, mas tudo não passaria de um blefe. Nesse caso, o day after chegará logo, rapidinho, e com ele a ressaca, em forma de tucanos,caiados e bolsonaros... Repressão, criminalização da esquerda, entreguismo, destruição de direitos (pra valer!), retrocesso em toda escala e grau.

Em segundo lugar, não custa lembrar (mais uma vez!) que este Congresso é o mais reacionário desde o fim da ditadura. Aliás, a bancada parlamentar eleita em 1982, ainda durante a ditadura (em processo de transição), era bem mais progressista que a atual e, se bobear, a de 1978 também. Cunha e sua corja não sairão de onde estão só com a força dos nossos gritos, ou posts no facebook. Na Argentina, a Cristina Kirshner agiu de outro modo. Peitou os arautos do neoliberalismo e está levando a melhor, ao menos até agora. Mas ela tinha (ou tem) a maioria do Congresso. Existe aí um pequeno detalhe chamado correlação de forças -- ai, que tédio repetir essa expressão...

Por fim, para não estender demais, vamos lembrar igualmente que a crise econômica é real. Algum ajuste era necessário, cortes de despesas teriam de ser feitos. E nesses casos quem paga a pior parte da conta é mesmo a parcela mais pobre da população, os trabalhadores, de um jeito ou de outro. Qualquer corte de investimentos gera desemprego.

Sem dúvida, seria melhor se houvesse um imposto sobre as grandes riquezas, e não há dúvida de que os juros foram elevados a um patamar muito além do razoável, mesmo considerando a estreita margem de escolha . Mas as mudanças que os críticos reclamam teriam de ter sido feitas "lá atrás", quando muitos dos que hoje se mostram indignados contra o governo o estavam aplaudindo... No momento presente, que é o que importa, 1) não me parece que seria viável algo assim tão diferente, com ou sem Levy (ou alguém acha viável tentar taxar as grandes fortunas com o atual Congresso? abolir o superavit fiscal com uma simples canetada?) ; 2) o risco de um colapso financeiro e cambial existia de fato no contexto da posse da Dilma e, nesse caso, os trabalhadores sofreriam um impacto incomparavelmente maior. Até eu, que não sou economista, percebo isso.

O discurso do "estelionato eleitoral", sedutor em seu simplismo, esconde a realidade da opção eleitoral do ano passado. É verdade que Dilma não foi eleita para cortar gastos, mas tampouco foi eleita para dar cavalo de pau.Não foi um voto pela "mudança", pelo risco, pela audácia, pelo confronto social.

Nada disso. O eleitorado dilmista queria, ao mesmo tempo, a estabilidade econômica (inflação baixa, abastecimento normal etc) e a manutenção dos níveis de emprego e crescimento do período anterior. Ou seja, algo aparentemente impossível. Se a Dilma, com propostas como as que alguns críticos esquerdistas têm defendido, lançasse o Brasil na hiperinflação e deflagrasse uma guerra contra a burguesia em seu conjunto (sem um bloco de forças do lado de cá capaz de enfrentar a parada), isso também poderia ser chamado de estelionato. Com muito mais motivo, ouso dizer.


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