A
educação dos jovens dos países que adotam o sistema capitalista
serve para prepará-los para serem os reprodutores e continuadores
desse sistema. Assim, os futuros profissionais de nível superior
resolverão, cada um em sua área, os problemas de quem detém o modo
de produção ou de quem chegou lá, como dizem.
Engenheiros,
médicos e advogados construirão, curarão e processarão e
defenderão a quem possa lhes pagar bem, alimentando seu sonho de
ascensão social que um dia, enfim, poderá realizado.
A
relação custo-benefício que está no bojo da Teoria do
Utilitarismo de Jeremy Bentham é que costuma ditar ao jovem, mesmo
sem ele ter consciência disso, como será sua vida profissional após
a faculdade. Útil ao sistema.
As
escolas, notadamente as particulares, que preparam os alunos
prioritariamente para passar no vestibular, não se preocupam em dar
a importante formação intelectual que lhe possibilite refletir,
discutir, argumentar, debater, questionar e discordar. Filosofia e
Sociologia são disciplinas secundárias em relação à Matemática
ou a Física, estas sim, necessárias à criação de tecnologia e
bens de consumo.
Por isso ficamos indignados ao ver casos de estudantes de medicina humilhando e estuprando colegas.
A universidade deve ser encarada como espaço de produção intelectual e dela devem sair, além dos profissionais de praxe, historiadores, filósofos, sociólogos, etc., que pensarão e refletirão sobre a vida do ser humano preparando-o para o futuro, dentro de uma perspectiva histórica.
E também por
isso a surpresa do ENEM deste ano.
Jovens
que talvez preferissem que o tema para redação fosse algo como
''Como manter a produção de automóveis em tempos de crise'' ou ''O
que esperar do próximo modelo de i-phone'', foram pegos de surpresa
por um tema sobre o qual talvez não tenham refletido ou sequer
discutido em rodas de amigos, nos cursinhos ou em casa: o feminismo e
a violência contra a mulher.
Quem
foi Simone de Beauvoir, que teve um trecho de um livro de 1949 citado
para desenvolver o tema?
Talvez
alguém já tenha lido isso no Facebook, já que costuma circular por
lá, mas desenvolver esse tema é esforço de raciocínio e reflexão.
Muitos
candidatos saíram reclamando, deputados ficaram irados e até a
mídia ficou um tanto indignada.
Não
deveriam.
A
garotada teve um espaço único para pensar sobre um assunto que
talvez não tenha merecido sua atenção até então. Alguns talvez
tenham ''entrado no jogo'' do ENEM, tentando emitir opiniões
contrárias à sua própria misoginia e exaltando os direitos da
mulher. Outros talvez já tenham discussão acumulada sobre o tema e
outros ainda, talvez tenham se revoltado com o assunto e chutado o
balde. Espero que as moças tenham, algumas delas vítimas também de
violência, preconceito e humilhação, tido seu dia de redenção.
Os
deputados conservadores que sempre revelam seu ódio contra a mulher,
preferiram ao invés disso atacar o exame, simploriamente chamando-o
de petralha. Pobreza.
E
a mídia teve a dura missão de, fazendo malabarismo, tentar criticar
a prova sem ofender as mulheres.
O
feminismo e a violência contra as mulheres não agrega ao consumo ou
aos bens de produção, portanto não faz o jogo do capitalismo e da
direita. O que vão fazer com isso? Lucrar?
Porém,
embora majoritariamente a esquerda se preocupe com o tema, é certo
também que homens de esquerda misóginos se encontram aos montes,
portanto, que ninguém reivindique para si esse monopólio que deve
fazer parte da evolução da humanidade, quer conservadores queiram
ou não.
Outra
contribuição que o tema ofereceu à Educação está no fato de que
no próximo ano os colégios devem se debruçar sobre outras
temáticas menos ''utilitárias'', o que poderá ser fator importante
de combate à tendência fascista que tentam todos os dias incutir em
nossos jovens.
Espero
que o ENEM do próximo ano avance ainda mais e possibilite a reflexão
sobre outros temas como homofobia e aborto, por exemplo. Ou até
mesmo o fascismo.
Até
lá.