quinta-feira, 10 de março de 2022

A mídia ocidental fez de Putin um boneco de vodu

Por Fernando Castilho




Enquanto aguardava que lhe trouxessem o café quente, tentou se acalmar e refletir. Precisava extravasar sua ira, exorcizar os demônios que tinham tomado conta de sua mente naquela manhã. O dedinho inchado do pé doía muito e alguém precisava pagar por isso.

De repente, gritou: JÁ SEI! UCRÂNIA!


Era uma típica manhã de inverno em Moscou. O céu estava encoberto e o vento frio e cortante, castigava as pequenas e blindadas janelas do Kremlin.

Vladimir Putin havia dormido bem naquela noite. Sonhara que era verão, estava de bermudas, o Sol já estava alto e a piscina de águas límpidas, convidativa.

Abriu a janela, viu a paisagem cinza e percebeu que acordara. Fim do sonho. Se quisesse nadar um pouco teria que ser na piscina aquecida do palácio. Muito chato, pensou.

Logo o mau-humor se instalou nele.

Fechou a janela, deu meia volta, topou com o dedinho do pé na quina da enorme cama, e tropeçou nas pantufas. Caiu de nariz na pele de urso que fazia as vezes de tapete e gritou: Сукин сын!

Nisso, o ajudante de ordens entrou no aposento trazendo o café.

Estava frio.

Putin esmurrou a mesa de 8 metros com raiva. Nada dá certo por aqui, Блядь!?

Mandou executar o pobre homem.

Enquanto aguardava que lhe trouxessem o café quente, tentou se acalmar e refletir. Precisava extravasar sua ira, exorcizar os demônios que tinham tomado conta de sua mente naquela manhã. O dedinho inchado do pé doía muito e alguém precisava pagar por isso.

De repente, gritou: JÁ SEI! UCRÂNIA!

Sim, ordenaria que seu exército invadisse a Ucrânia para aplacar seu mau-humor. Em seguida, já mais calmo, dominaria todos os demais países da Europa e, mais tarde, todo o planeta!

Deu um sorrisinho maligno dos tempos da KGB, do James Bond e do agente 86.

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Tirando a galhofa, parece que é essa a impressão que a mídia ocidental tenta vender. Putin, o ditador sanguinário, o novo Hitler, o bicho-papão, invadiu a Ucrânia somente para se divertir e dominar o mundo.

Não só os brasileiros, mas todo o Ocidente parece acreditar nisso. Basta ver as reportagens da televisão.

É preciso que o novo herói do mundo, Volodymyr Zelensky, juntamente com a OTAN, destruam Putin.

 

Embora não tenhamos a clareza necessária para analisar as causas do conflito, já que manipulações de informações acontecem dos dois lados, não devemos adotar a visão simplória e maniqueísta do mundo propagada pela mídia ocidental com seus interesses econômicos. Tudo tem sempre uma motivação.

Para tentar desatar esse nó, precisamos voltar um pouco no tempo para uma melhor compreensão desse imbróglio.

Com a queda da União Soviética, o então presidente Mikhail Gorbachev fez um trato verbal com o então secretário de Estado norte-americano James Baker. Foi acordado que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não avançaria “nem uma polegada em direção ao Leste da Europa”, afinal, o Ocidente, comandado pelos EUA, havia vencido a guerra fria.

Com o fim do Pacto de Varsóvia, seu oponente, a OTAN, havia perdido a razão de existir.

Mas a Rússia nunca foi convidada a integrar a aliança, continuando a ser tratada como inimiga. Além disso, havia ainda outro inimigo silencioso, a China.

Em 1997, a OTAN, enfim, decidiu desrespeitar o acordo entre Gorbachev e Baker, iniciando sua expansão e anexando, aos poucos, Polônia, Hungria e República Tcheca.

Mais tarde, agregaria mais 10 países, totalizando os 30 membros atuais.

A Rússia, aos poucos, se viu acuada pelos países membros da aliança, mas a Ucrânia ainda vinha se mantendo como o último obstáculo entre a OTAN e ela, servindo-lhe como uma espécie de barreira.

Putin assistia a isso sempre preocupado e com um olho no país vizinho.

Em 2014, os EUA decidiram iniciar uma manobra mais agressiva, enviando o então secretário de estado, John Kerry para Kiev, para manifestar o apoio dos EUA aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.

Durante os anos que se seguiram, milícias neonazistas surgiram e assassinaram cerca de 14 mil russos, entre eles, muitas crianças, como foi noticiado à época, mas sem ter provocado a mesma comoção dos acontecimentos atuais.

Era preciso que os EUA impedissem a construção do gasoduto Nord Stream 2 porque ele seria responsável por dobrar a capacidade de fornecimento de gás para a Europa, tornando-a ainda mais dependente da Rússia e aumentando a entrada de vultosas divisas para o país de Putin.

O comediante Zelensky foi eleito presidente fantoche dos EUA para justamente trabalhar para que se iniciassem as tratativas para integrar seu país a OTAN, o que seria o mesmo que apontar uma arma para a cabeça da Rússia, tamanha a proximidade de Kiev com Moscou (800 km em linha reta). A barreira deixaria de existir.

O timing preciso de Putin para impedir esse ingresso se deu quando Zelensky manifestou publicamente que iria tornar a Ucrânia um país membro. Não foi antes nem depois.

Se Putin agisse depois de firmado o acordo, o conflito não ficaria restrito a Ucrânia, mas ganharia proporções mundiais com uma guerra entre a Rússia e a OTAN.

É preciso lembrar que há centenas, talvez milhares de ogivas nucleares espalhadas pela Europa, todas apontadas para Rússia, China e Coreia Popular. E numa eventual guerra, todas entrariam em ação.

Por que a China apoia as ações de Putin?

Se a Rússia for tomada, todas as suas mais de 6 mil ogivas passarão para a OTAN, o que a tornará uma força inexpugnável até para a  China. É isso que Xi Jinping teme.

Será que há dúvidas de que Putin está realizando uma ação preventiva e com visão de longo alcance? Não se trata somente de defender a Rússia contra possíveis ataques da OTAN, mas talvez de também salvaguardar o planeta contra uma quase inevitável guerra nuclear em que perderíamos todos.

Já se passaram mais de duas semanas desde a invasão da Ucrânia e nada, absolutamente nada, foi feito por Zelensky para por fim ao conflito. Pelo contrário. Ele convoca a população civil a lutar como uma espécie de linha de frente contra os preparadíssimos soldados russos, apoia ações terroristas das milícias neonazistas que têm matado conterrâneos para culpar a Rússia e o tempo todo exige a entrada da OTAN na guerra.

A mídia brasileira deixou de se importar com a ética jornalística, esquecendo seus manuais de redação. Ela não diz que “a Ucrânia alega que foi a Rússia que bombardeou uma maternidade”, mas sim, que “foi a Rússia a autora do bombardeio”, incorporando a versão de Zelensky, sem o contraditório. Tornou-se icônica a divulgação do G1 de que um tanque russo esmagou o carro de um civil, quando, na verdade, o veículo militar era ucraniano. O portal de notícias nunca se retratou.

A OTAN, por outro lado, envia armamento pesado para a Ucrânia, prolongando ainda mais o conflito e enriquecendo os EUA pelo aumento da produção e comercialização desses artefatos bélicos que precisam ser repostos. Além disso, convida a Finlândia e a Suécia para engrossarem suas fileiras, num sinal inequívoco de provocação.

Para por fim à guerra, segundo Putin, a Zelensky bastaria tão e somente a assinatura de um acordo abrindo mão de se tornar país membro da OTAN, o reconhecimento de que a Crimeia é território russo e a independência de Donetsk e Luhansk (que já são independentes).

Embora não se possa cravar que, mesmo com um acordo assinado, a Putin não interessa incorporar a Ucrânia como parte da Rússia, isso a tornaria ainda muito mais próxima das ogivas da OTAN. Seria ilógico.

Estaria, ainda, Putin montando uma estratégia para reviver a antiga União Soviética, como Joe Biden afirmou?

Possível, mas improvável devido justamente ao gigantesco poderio bélico da aliança.

Na verdade, não está tão difícil acabar com esse conflito, mas ele só está se estendendo justamente porque o plano dos aliados americanos, que agora parece se  confirmar, era mesmo sufocar a Rússia num futuro próximo. Isso, a cada dia parece estar sendo demonstrado.

Será que daria certo?

Faltou combinar com os russos.


Também publicado no Jornal GGN:

https://jornalggn.com.br/cronica/a-midia-ocidental-fez-de-putin-um-boneco-de-vodu-por-fernando-castilho/


Também publicado no Piauí Hoje:

https://piauihoje.com/blogs/e-o-que-eu-acho/a-imprensa-ocidental-esta-fazendo-de-putin-um-boneco-de-vodu-394518.html

 

Também publicado no Medium:

https://medium.com/@fernandocastilho/a-m%C3%ADdia-ocidental-fez-de-putin-um-boneco-de-vodu-995c96647562

 


terça-feira, 8 de março de 2022

Mamãe, não devia ter falado, mas falei...

Por Fernando Castilho


Charge: Aroeira


Mamãe Falei foi um dos grandes responsáveis pelo golpe contra Dilma Rousseff, na medida em que o enorme alcance de seu canal instigava jovens a saírem às ruas junto com os rapazes do MBL para protestar contra a ex-presidenta e exigir sua saída


O deputado estadual paulista e pré-candidato ao governo do estado de São Paulo, Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, foi pego com a boca na botija.

Muita gente já escreveu sobre o fato, mas gostaria de dar meus pitacos, pois, quem sabe, haja ainda mais algumas coisas a serem comentadas.

Antes de mais nada, vamos rememorar algumas coisas.

Em 2015, Arthur criou um canal no YouTube chamado Mamãe Falei. Com uma câmera de vídeo nas mãos, o rapaz caminhava pelas ruas para ouvir a população sobre temas políticos e econômicos. O canal hoje tem mais de 2,7 milhões de inscritos.

Não demorou para o pessoal do MBL perceber seu potencial e cooptá-lo.

Mamãe Falei foi um dos grandes responsáveis pelo golpe contra Dilma Rousseff, na medida em que o enorme alcance de seu canal instigava jovens a saírem às ruas junto com os rapazes do MBL para protestar contra a ex-presidenta e exigir sua saída.

Durante as manifestações da esquerda, Arthur costumava inquirir petistas sobre assuntos polêmicos, justamente para tentar expor suas contradições. E é claro que as edições dos vídeos deixavam à mostra somente as respostas incoerentes, discrepantes ou fora da realidade.

Em 2018, aproveitando o grande engajamento que Jair Bolsonaro obtinha em sua campanha à presidência do Brasil, Arthur se candidatou a deputado estadual, obtendo mais de 470 mil votos, ficando atrás somente de Janaína Paschoal, mais uma que se aproveitou da maré bolsonarista. Foi um período em que qualquer um que causasse polêmica, desde que estivesse junto com o capitão, se elegia a algum cargo.

Como deputado, Mamãe Falei segue o exemplo do presidente quando ainda era parlamentar, trabalhando pouco, criando polêmicas, ofendendo colegas e ferindo o decoro.

Em 2019, Arthur, assim como Janaína, rompe com Bolsonaro, mas não com o bolsonarismo, corrente de extrema-direita que já se materializou e sobrevive sem seu principal mentor. Aliás, muitos parlamentares, sejam estaduais ou federais, que romperam com Bolsonaro, como Alexandre Frota e Joice Hasselmann, ainda compartilham de ideias semelhantes a seu ex-mito.

Em 2020, Arthur foi condenado pela Justiça Eleitoral por ataques ao padre Júlio Lancellotti.  Em campanha eleitoral antecipada, o parlamentar não hesitou em  caluniar, difamar e injuriar o abnegado Padre que desenvolve um trabalho muito importante junto aos moradores de rua.

Bem, esta é a ficha do Mamãe.

Vamos ao acontecimentos recentes.

Sentindo-se à vontade ao gravar um áudio, Arthur afirmou, entre outras coisas,  que as ucranianas "são fáceis porque são pobres", e que a fila de refugiados teria mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil". Entre várias outras coisas, alega, ainda, que Renan Santos, do MBL, viajava pelos países europeus "só pra pegar loira".

Reprodução: Instagram

O áudio foi vazado e compartilhado para o mundo todo ouvir o que pensa um parlamentar que representa 470 mil paulistas.

Nunca assisti a nenhum vídeo de Mamãe Falei, mas duvido que em nenhum deles ele já tenha manifestado sua maneira de pensar em relação às mulheres ou demonstrado seus preconceitos. Mesmo assim, ele tem 2,7 milhões de inscritos.

A namorada de Arthur apressou-se em dizer que rompera com ele.

Pergunto: será que nunca, nem uma vezinha sequer, o Mamãe demonstrou ser o que é com ela? Será que nunca foi machista?

Hipocrisia.

Ele tentou se explicar em um vídeo, mas como não tinha explicação nenhuma para dar, ficou mais do mesmo.

O inferno astral do bolsonarista apenas começou.

Sergio Moro, candidato da terceira via, que vem avançando para trás nas pesquisas, dizendo-se surpreendido, foi obrigado a romper com Arthur. Pode ser que os dois nunca tenham conversado sobre mulheres, mas todos sabemos que, em conversas informais, as personalidades de alguma forma se revelam e, em apenas alguns minutos já sabemos com que tipo de pessoa estamos conversando.

Mamãe já renunciou à candidatura ao governo de São Paulo.

O atual partido dele, o Podemos, presidido por uma mulher, pode expulsá-lo nos próximos dias e só não o fará se for muito hipócrita. É possível que ele seja obrigado a se adiantar e pedir sua desfiliação. Mas não pensem que ele ficará sem partido, pois sempre haverá algum disposto a acolhê-lo. Afinal, o Podemos não acolheu o ex-ministro que vinha destruindo o meio ambiente, Ricardo Salles, candidato a deputado federal?

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo tem o dever moral de iniciar processo por quebra de decoro parlamentar. Vamos acompanhar pra ver se isso realmente acontece.

Por fim, aqueles eleitores que fizeram vaquinha para que ele viajasse para socorrer ucranianos, têm que cobrá-lo sobre como os valores foram empregados.

Ah, mas há ainda a curiosa manifestação do presidente da República no cercadinho.

Bolsonaro condenou a fala de Mamãe Falei com a cara mais lavada do mundo. “É tão asquerosa que nem merece comentário”, disse.

O comentário é tão falso como uma nota de 3 reais, pois em várias ocasiões o presidente se referiu às mulheres de forma desrespeitosa, como quando, ainda deputado, afirmou que só não estupraria a deputada Maria do Rosário por ela ser feia.

Arthur do Val é um avatar do capitão. Uma espécie de genérico mais jovem, ou um filho não consanguíneo. Não há muita diferença entre ele e os 01, 02 ou 03, podem reparar.

Mas, no que diz respeito ao que pensa sobre as mulheres (ou como Bolsonaro diz, no tocante a isso daí), compartilha com o capitão o mesmo DNA.



Publicado também no Jornal GGN: 


 

 


sábado, 5 de março de 2022

A paz... invadiu o meu coração...

Por Fernando Castilho


Obra de Susan Boerner



A paz... invadiu o meu coração...

Give Peace a Chance.

War Is Over, If You Want It.

Os poetas sempre são os primeiros a pedir paz.

Nestes tempos temos ouvido falar muito em paz. NÃO À GUERRA! DEEM UMA CHANCE À PAZ! Vejam como sai muito fácil das bocas.

Todos nos tornamos pacifistas, mesmo que nem sempre sejamos, não é?

A Rússia invadiu a Ucrânia e até parece que é a primeira vez em que o mundo assiste a uma guerra.

Durante a guerra fria, havia duas forças antagonistas: a OTAN, patrocinada pelos Estados Unidos, e o Pacto de Varsóvia, liderado pela hoje extinta União Soviética. E esse termo “extinta” é muito importante para que possamos compreender o que está em jogo hoje, 31 anos após.

O Pacto de Varsóvia, que impunha um equilíbrio no mundo, apesar do temor constante de que um dos loucos apertasse o botão vermelho que destruiria o mundo, acabou.

Mas a OTAN permaneceu, apesar dos protestos de Mikhail Gorbatchov, o homem que deu início à queda da URSS e do Pacto de Varsóvia e que foi traído pela aliança.

Naquela época, ela congregava 16 países e de lá pra cá, embarcou mais 14.

A pergunta que não quer calar é: se não existe mais o Pacto de Varsóvia, qual o sentido de uma OTAN cada vez mais forte?

Seria pelo fato de que podemos ser, a qualquer momento, atacados por alienígenas?

Não, porque nesse caso, o mundo todo teria que se unir, inclusive a Rússia e a China.

Então, qual é o inimigo da OTAN? E por que cresce cada vez mais?

QUAL É O INIMIGO DA OTAN?

Sabem o que ela prega? Pois é, a paz!

Mas o que é que ela está neste momento fazendo no Iêmen? Promovendo a paz, enquanto apoia a Arábia Saudita na matança de milhares de civis? O que ela fez quando os EUA promoveram uma matança na Síria? O que ela fez quando os americanos invadiram o Iraque e exterminaram 600 mil pessoas?

Então temos uma contradição aqui.

Será que a OTAN está mesmo se empenhando para pacificar o conflito na Ucrânia?

Em vez de ajudar nas negociações de paz, a aliança envia armas para o país de Zelensky, o que prolongará o conflito e causará mais mortes.

Em vez de redigir uma declaração abrindo mão da adesão da Ucrânia para contribuir para o fim das animosidades, convida a Finlândia e a Suécia para se tornarem membros.

Na realidade, sem hipocrisia, como se luta pela paz?

Com ações concretas para isso.

Mas fica claro que não é a paz que a OTAN deseja, afinal, é preciso vender armas e construir mais bases pelo mundo inteiro. E isso enriquece muita gente.

Enquanto nós, simples mortais, junto com os poetas, esperançosos de verdade pela paz, acompanhamos horrorizados os resultados do conflito e acreditamos que a ONU está empreendendo grandes esforços para dar um basta nas lutas, o que a aliança quer na realidade é arrastar esse conflito até o máximo possível para enfraquecer tanto a Rússia quanto a Ucrânia, afinal, a estratégia dos EUA sempre foi a de dividir para conquistar.

Se se quer paz de verdade, basta Zelensky assinar uma simples declaração que abre mão de ingressar na OTAN.

Pronto!

War is Over! 

 

 

 

 

sexta-feira, 4 de março de 2022

Ainda não há uma guerra de fato, mas pode haver

Por Fernando Castilho




Estranhou o título?

Será possível que Putin esteja planejando reeditar a União Soviética, como dizem?

Duas questões.

Vamos raciocinar um pouco.

Antes do conflito, Joe Biden vinha afirmando todos os dias que a Rússia iria invadir a Ucrânia, ao passo em que Wladimir Putin negava.

Não deu outra, Moscou avançou com tanques sobre Kiev.

Começava a guerra.

Mas será que o termo “guerra” está mesmo correto?

O embaixador da Rússia na ONU, Gennady Gatilov, sustenta que não. Segundo ele, “trata-se de uma operação militar especial”.

Ele pode ter razão.

Até agora, pelo menos, Putin enviou somente tanques e soldados, poupando a Ucrânia de ataques de caças e helicópteros que poderiam lançar bombas e mísseis com poder destruidor muitas vezes maior do que o que está sendo utilizado. Até agora contabiliza-se poucas centenas de mortos, quando era de esperar, após mais de uma semana de conflito, milhares.

Além disso, as intervenções russas parecem ser cirúrgicas. Foram destruídos uma antena de televisão (o que impede a transmissão de informação ou desinformação), uma usina nuclear, um edifício do governo, uma fábrica de tanques e alguns poucos prédios de apartamentos. Lembrando que a Usina Nuclear de Chernobyl também foi tomada.

Quem se lembra da invasão dos Estados Unidos no Iraque, certamente recordará que em poucos dias, a capital, Bagdá foi quase que totalmente destruída pelos mísseis americanos, resultando em 600 mil civis mortos. Tornou-se um amontoado disforme de escombros. Portanto, pode ser que realmente ainda não haja uma guerra de fato.

Mas Biden acertou quando previu que a Rússia invadiria a Ucrânia, não vamos questionar.

Agora o Ocidente novamente prevê que Putin planeja anexar outros países para reeditar a URSS.

Isso é de uma estupidez monumental.

Putin é um capitalista. Jamais pensaria em ressuscitar o comunismo por aquela parte da Europa.

Mas talvez queira somente anexar e aumentar o domínio da Rússia?

Pode até ser. Utilizando alguns países como escudo, poderia instalar bases nesses territórios e fazer um contraponto à OTAN. Mas notaram o tamanho do território russo? É enorme. Cabem quase que exatamente dois Brasis na Rússia! Bastaria instalar bases por todo o país.

A tarefa de anexar territórios seria extremamente árdua e arriscada, pois jamais a OTAN permitiria que sua hegemonia fosse ameaçada. A operação poderia resultar numa terrível guerra com consequências devastadoras para a humanidade.

Voltando ao embaixador, ele garante que “a Rússia não quer ocupar a Ucrânia. Isso está fora de questão", disse. "O que queremos é desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia".

Na verdade, o intento de Putin é impedir que Zelensky torne seu país membro da aliança, o que fragilizaria a Rússia.

Se Zelensky quiser colocar Putin à prova e desmascará-lo, bastaria aceitar seus termos. Caso o presidente russo, mesmo assim, não se retirasse, ficaria provado junto à comunidade mundial que a invasão é um pretexto para intenções maiores.

Então, na verdade, está fácil acabar com o conflito. O problema é que o Ocidente e Zelensky não querem porque o plano é realmente o ingresso da Ucrânia na OTAN e o cerco a Rússia como Putin denuncia.

Biden se reuniu com o grupo dos quad, EUA, Japão, Índia e Austrália para discutir a possível invasão da China a Taiwan, coisa em que o presidente americano aposta.

Caso tenha razão, o que poderão fazer? Cercar a China? Bombardeá-la?

Não poderão fazer nada, nem militarmente, nem economicamente através de sanções. Temos que lembrar que a China é fortíssima militarmente e credora poderosíssima dos EUA.

O que Biden pretende, na verdade, é melhorar sua aprovação, que está em baixa, pelos americanos, ao mesmo tempo em que pode dar uma implementada na economia de seu país através da produção e comercialização de armas pesadas.

Nessa ambição, o risco a que expõe o mundo que assiste à essa briga de cachorro grande, é o de iniciar guerras de verdade, guerras que podem levar a humanidade à sua extinção.

Esse é o grande risco.


(sugiro a leitura de "Será que já dá pra entender melhor a guerra da Ucrânia?)

https://bloganaliseeopiniao.blogspot.com/2022/03/sera-que-ja-da-pra-entender-melhor.html


quarta-feira, 2 de março de 2022

Será que já dá pra entender melhor a guerra da Ucrânia?

Por Fernando Castilho

 

Foto: Alexey Furman


O que pode ligar o apoio de Wladimir Putin à eleição de Donald Trump, a acusação de que o filho de Biden tem negócios escusos na Ucrânia, o gasoduto Nord Stream 2, o avanço da OTAN pela Europa, a guerra e o comércio de armas pesadas?

Antes de tudo, é sempre um pisar em ovos escrever sobre o conflito da Ucrânia com a necessária imparcialidade, já que se trata de uma guerra e guerras significam retrocesso no processo civilizatório da humanidade.

Wladimir Putin é um presidente autoritário, misógino, homofóbico, cruel, insensível. Cometeu crime internacional ao invadir a Ucrânia. Que um dia seja punido por isso.

Volodymyr Zelensky é um presidente que tolera grupos neonazistas como o Svoboda e, segundo matérias jornalísticas anteriores à guerra, apoia o Batalhão Azov, o principal deles, com ramificações inclusive no sul do Brasil.

Esclarecido? Então vamos prosseguir.

Depois que a guerra começou, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, foi preciso um tempo para acompanhar as informações que chegavam, quase que na totalidade, do Ocidente, para poder detectar possíveis linhas soltas que podem, caso amarradas, tecer uma rede para uma melhor compreensão dos fatos históricos que estamos vivenciando.

1 – Segundo a BBC, "o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ajudou o então candidato republicano Donald Trump a vencer as eleições nos Estados Unidos. A informação é do relatório de uma investigação liderada pelos serviços de inteligência americanos, divulgado em janeiro de 2017.

Conforme o documento, o líder russo "encomendou" uma campanha com o objetivo de influenciar a eleição.

Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP

Ainda de acordo com o relatório - de 25 páginas -, o Kremlin desenvolveu uma "preferência clara" por Trump. Os objetivos da Rússia com isso seriam "minar a fé do povo americano" no processo democrático do país e "denegrir" a imagem da adversária democrata Hillary Clinton, prejudicando sua candidatura e possível mandato".

Quem quiser mais informações, pode acessar https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38525951

Parecia claro o interesse de Vladimir Putin em desestabilizar a democracia americana, através de Trump. O objetivo em parte foi alcançado quando o ex-presidente se negou a aceitar sua derrota nas eleições de 2020 e insuflou seus seguidores a invadir o Capitólio, num claro atentado à Democracia.

 

2 – Segundo o site Poder 360, "Joe Biden, candidato à Presidência dos EUA, teria influenciado nas relações comerciais de seu filho Hunter Biden com o grupo Burisma. A empresa é uma grande produtora de gás natural sediada na Ucrânia. As informações foram obtidas de uma troca de e-mails existente em 1 laptop que Hunter Biden teria deixado para consertar em uma loja de Delaware, nos EUA, em abril de 2019. O aparelho não foi buscado pelo dono e o conserto nunca foi pago. A informação foi publicada pelo jornal New York Post na 4ª feira (14.out.2020).

O presidente dos EUA à época, Donald Trump, fez acusações relacionadas ao caso. O ex-vice-presidente, por sua vez, negou qualquer atuação que teria influenciado os negócios de seu filho." Mais em https://www.poder360.com.br/internacional/entenda-a-historia-sobre-a-possivel-ligacao-de-joe-biden-e-de-seu-filho-com-a-ucrania/

Pode haver, embora Biden negue, uma ligação entre o rpesidente norte-americano e a construção do gasoduto Nord Stream 2, a menina dos olhos de Putin.

 

3 – De acordo com a Deutsche Weller, “o Nord Stream 2 é o segundo gasoduto de gás natural entre o oeste da Rússia e o nordeste da Alemanha, passando sob o Mar Báltico. Assim como o Nord Stream 1, inaugurado em 2011, ele tem uma capacidade de transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano. Ao todo, as duas instalações enviariam 110 bilhões de metros cúbicos de gás natural anualmente à Alemanha. Desde o início dos planos, os Estados Unidos e vários parceiros europeus da Alemanha se posicionaram contrários ao Nord Stream 2 e pressionaram o governo da então chanceler federal alemã Angela Merkel a desistir do acordo.

© Sputnik / Sergei Guneev

Os aliados alertaram que o Nord Stream 2 tornaria a Europa dependente demais do gás russo, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia usar essa dependência como ferramenta de persuasão e pressão em disputas com o Ocidente.

Atualmente, grande parte do gás natural da Europa chega ao bloco via Ucrânia, que recebe taxas de trânsito de Moscou. 

Cerca de 18 empresas europeias desistiram, incluindo a alemã Wintershall, por medo de sanções financeiras. A russa Gazprom declarou que continuaria a instalação do gasoduto, e o projeto foi concluído, apesar das ameaças americanas.”

Leia mais em https://www.dw.com/pt-br/nord-stream-2-e-a-luta-pelo-poder-entre-ocidente-e-r%C3%BAssia/a-60662250

Os EUA ainda não engoliram a construção do gasoduto e ela só não foi sabotada por agentes americanos por causa das fortes vigilâncias da Rússia e da Alemanha. 

Com a entrada em operação do Nord Stream 2, vários países da Europa passarão a comprar gás russo, o que significará fortalecimento do comércio e entrada de grandes divisas na Rússia.

 

4 – Segundo a CNN, “a República Tcheca se comprometeu no sábado a realizar um “envio de armas para a Ucrânia” no valor de mais de US$ 8,5 milhões para um “local de escolha dos ucranianos”.

A Holanda fornecerá à Ucrânia 200 mísseis antiaéreos Stinger. Outros materiais de defesa já estão a caminho”, tuitou o conselheiro de defesa e relações exteriores do primeiro-ministro, Geoffrey van Leeuwen.

O governo holandês também fornecerá 50 armas antitanque Panzerfaust-3 e 400 foguetes, disse o ministério em uma carta ao parlamento.

O país também está considerando em conjunto com a Alemanha enviar um sistema de defesa aérea Patriot para um grupo de batalha da OTAN na Eslováquia. É nosso dever apoiar a Ucrânia tanto quanto pudermos nos defender contra o exército de invasão de Putin. Portanto, entregaremos 1.000 armas antitanque e 500 mísseis Stinger para nossos amigos na Ucrânia”, disse o chanceler alemão Olaf Scholz”.

Leia mais em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/paises-da-europa-enviam-reforcos-para-a-ucrania-em-meio-a-invasao-da-russia/

Portanto, vários países da Europa estão enviando armamento pesado para a Ucrânia, burlando as próprias normas da OTAN que proíbem estados membros de interferir em guerras entre países que não fazem parte da aliança. E esse número ainda vai crescer com a adesão da Finlânia, Suécia (não membros ainda) e de outros.

O resultado disso é que esses países, por estarem sendo desfalcados de suas armas, estão propondo revisão de seus orçamentos de guerra a seus parlamentos para que possam renovar seus estoques.

Pergunto: comprarão de quem?

Bingo! Você acertou! Comprarão dos EUA, o país responsável por 36% das exportações de armamentos pesados no mundo e, de longe, os mais sofisticados e mortíferos.

 

Agora, outras pontinhas captadas nos noticiários locais. E por que elas?

Porque às vezes é nas entrelinhas que conseguimos captar alguma informação importante.

 

5 – No Jornal Nacional da última segunda-feira, a correspondente na Itália, Ilze Scamparini, rompeu, deliberadamente ou não, o padrão do noticiário totalmente alinhado ao Ocidente, que deveria ser jornalístico e imparcial.

A repórter afirmou que a Itália não possui nenhuma ogiva nuclear, mas, por ser integrante da OTAN, há em seu território quatro bases da aliança, leia-se, Estados Unidos, com um total de 50.

Imagem: Partners-LA STAMPA

Fica claro que, quando um país ingressa na aliança, automaticamente permite que os EUA construam bases e instalem armas nucleares. A OTAN confunde-se com os Estados Unidos.

Dá pra sentir a insegurança de estar cercado por 14 dos 30 países integrantes da OTAN, espalhados e cada um com muitas ogivas nucleares? Mais em https://www.youtube.com/watch?v=RV_uF5U36Oc

 

6 – Um jornalista brasileiro que está na Ucrânia, Gabriel Chaim, aproveitou que a Rede Globo não enviou, por questões de segurança, nenhum correspondente àquele país e decidiu vender material jornalístico à emissora.

No Jornal Nacional da segunda-feira, mostrou em vídeo a população ucraniana e as, segundo ele, milícias, se armando. Essas milícias são as nazistas alimentadas pelo presidente Volodymyr Zelensky que nega seguir essa ideologia por ser judeu. Mais em https://www.youtube.com/watch?v=RV_uF5U36Oc 

Batalhão Azov - Foto: Azov.org.ua

 

7 – Zelensky conclamou a que a população se arme e defenda seu país. Imagino como seria um confronto entre cidadãos e soldados russos fortemente treinados e armados com metralhadoras.

Segundo o JN, “Volodymyr Zelensky afirmou nesta segunda-feira (28) que vai soltar prisioneiros com experiência militar que estiverem dispostos a se unir à luta contra a Rússia”. Leia mais aqui https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/02/28/ucrania-vai-soltar-prisioneiros-que-aceitem-lutar-contra-a-russia-diz-presidente.ghtml

Imaginem prisioneiros de todos os graus de periculosidade portando armas? Isso não funciona mais como retórica para tentar demonstrar ao mundo que o povo ucraniano é heróico e está disposto a morrer por seu país?

 

8 – Conforme noticiou o Midiamax do UOL, “o tanque apontado como russo nas redes sociais, que aparece atropelando um carro nas ruas de Kiev é, na verdade, ucraniano. Um vídeo que circula nas redes sociais mencionava que um tanque russo havia passado por cima do carro na capital da Ucrânia. Mas o correspondente de guerra, Elijah J Magnier, que tem 37 anos de janela cobrindo conflitos no Irã, no Líbano, na Síria e outros país, disse se tratar de um Tanque Estrela 10 ucraniano. “E o motorista não estava prestando atenção, então passou por cima de um carro que vinha do outro lado”, relatou.

Em seu perfil no Twitter, o correspondente fez diversas postagens comentando o conflito e respondeu a um internauta, que havia mostrado o suposto vídeo. “Ainda não há tanques russos nas ruas de Kiev. 1.780 retuítes e 2.353 curtidas O motorista do carro sobreviveu ao acidente. Cuidado com as informações (falsas) nas redes sociais”, escreveu". Para ler mais, acesse https://midiamax.uol.com.br/mundo/2022/video-tanque-que-atropelou-carro-em-kiev-era-ucraniano-e-nao-russo

 

9 – Ainda na segunda-feira, houve uma reunião de representantes da Rússia e da Ucrânia em Belarus para negociar o fim da guerra.

De acordo com o Jornal Nacional “os ucranianos colocaram na mesa o objetivo deles para o encontro: um cessar-fogo imediato, mas não só. Também a retirada de todas as tropas russas, incluindo da Crimeia, península anexada pela Rússia oito anos atrás, e também da região de Donbass, dominada por separatistas russos e reconhecida como independente por Vladimir Putin.

Já os diplomatas russos não divulgaram os objetivos de Putin nessa conversa. O encontro terminou com o anúncio de que haveria uma segunda rodada de negociação Ou seja, de combinado mesmo, só que eles vão continuar se falando. E foi só as conversas terminarem para as sirenes voltarem a soar em Kiev”. Veja mais em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/02/28/ucrania-e-russia-se-reunem-pela-primeira-vez-para-negociar-a-paz-nova-reuniao-e-marcada.ghtml

 

10 - No mesmo dia, segundo o UOL, “o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, assinou nesta segunda-feira (28) um pedido para que o país faça parte da União Europeia. A informação foi divulgada pelo canal verificado do governo no Telegram. Nas imagens divulgadas pelo país, Zelensky assina o documento. Mais cedo, ele havia pedido que a UE admitisse "urgentemente" a entrada do país no bloco". Veja mais em https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/02/28/zelensky-ucrania-entrada-uniao-europeia.htm

Telegram/Reprodução

Essa é a atitude de quem deseja o fim imediato da guerra?


O objetivo deste texto, embora alguns possam não reconhecer, não é definir por um lado de uma questão geopolítica extremamente complexa, mas mostrar que em todo conflito sempre há dois lados, e que neste momento só um deles nos está sendo mostrado pelos veículos de imprensa. Seria extremamente salutar que a cobertura jornalística fosse profissional abrangendo as razões que causaram a guerra em sua origem.

Ainda muita água vai rolar e em breve teremos mais informações.

Continuamos a ficar atentos a todas os noticiários de nossa imprensa ocidental, afinal como dizia William Shakespeare, há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.

Fonte: BBC


Publicado também em Piauí Hoje

https://piauihoje.com/blogs/e-o-que-eu-acho/sera-que-ja-da-pra-entender-melhor-a-guerra-da-ucrania-393115.html


 

 

 

terça-feira, 1 de março de 2022

A arquitetura da balcanização

 Por Mauro Santayana





É impressionante como este texto de Mauro Santayana, escrito em 2014, enviado a mim pelo amigo Paulo Cavalcanti, parece até premonitório. Na verdade, apenas demonstra a capacidade de um grande jornalista em interpretar os fatos e os sinais que a geopolítica nos mostra.

Infelizmente temos hoje no Brasil e no mundo jornalistas que só recebem esse título porque se formaram em faculdades, mas que, na verdade, são meros funcionários das redações, grandes ou pequenas, que se espalham pelo país.

Gostaria muito que eles lessem este texto e aprendessem, pelo menos um pouquinho, o que é jornalismo de fato.

Vamos ao artigo.


Publicado 05/03/2014 12:00


A Alemanha e os Estados Unidos querem montar um “grupo de contato” para promover “negociações”, mas, em gesto de aberta provocação, Washington envia o secretário de Estado John Kerry a Kiev, para manifestar o apoio dos EUA aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.

Se houver combate entre as tropas que estão entrando na Crimeia para defender a população de origem russa que vive na região e se esses confrontos degenerarem em prolongada guerra civil, a responsabilidade por esse novo massacre será dos Estados Unidos e da União Europeia.

Seria inadmissível que Putin enviasse um senador para discursar diretamente aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street, em Nova York, como fez John Mcain no centro de Kiev, ou que os russos promovessem em Porto Rico a prolongada campanha de desinformação e provocação que o “Ocidente” está desenvolvendo há meses na Ucrânia, empurrando a parte da população que não é de etnia russa para um conflito contra a segunda maior potência militar do planeta e a maior da região.

A Otan sabe muito bem que não poderá intervir militarmente – e atacar Moscou, que conta com milhares de ogivas atômicas, que podem atingir em minutos Berlim, Londres e Paris – para defender os manifestantes que ela jogou o tempo todo contra o governo ucraniano.

Sua intenção é levar o país ao caos, pressionando Yanukovitch a tentar recuperar o poder com apoio de Putin, para depois acusá-lo – junto com o líder russo – de déspota e de genocida, e posar de defensora dos direitos humanos, da liberdade e da “democracia”.

Se conseguir alcançar seu objetivo de desestruturar o país, o “Ocidente” poderá somar os milhares de mortos, de estupros, de refugiados, e os bilhões de dólares de prejuízo da destruição da Ucrânia, a uma longa lista de crimes perpetrados nos últimos 12 anos, no contexto de sua Arquitetura da balcanização.

Inaugurada nos anos 1990, essa tática foi testada, primeiro, na eliminação da Iugoslávia e na sangrenta guerra que se seguiu, que acabou dividindo o país de Tito em Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Montenegro, Sérvia, e em enclaves menores como o Kosovo.

O mesmo processo de fragmentar, para dividir e dominar, destroçando o destino de milhares, milhões de idosos, mulheres e crianças, foi mais tarde repetido no Iraque e no Afeganistão, jogando etnia contra etnia, cultura contra cultura – no contexto da “Guerra contra o Terror” – montada a partir de mentiras como as “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein, que nunca existiram.

O mesmo ocorreu, depois, na Tunísia, Líbia, Egito, Iêmen, Síria, a partir do macabro engodo da “Primavera Árabe” – também insuflada, de fora, em nome da “liberdade” – que, como maior resultado, colocou em poucos meses crianças que antes frequentavam, em condições normais, os bancos escolares, para comer – sob a pena de perecer de fome – a carne de cães putrefatos, recolhida nos escombros.

O objetivo da Arquitetura da balcanização no entorno russo é gerar condições para a derrubada de regimes simpáticos a Moscou na região, promovendo o caos, a destruição, o ódio entre culturas e famílias que convivem há décadas pacificamente para obter a sua divisão em pequenos países, que possam ser mais facilmente cooptados pela Otan, com sua definitiva sujeição ao “Ocidente”.

Sua esperança é a de que, levando Moscou a intervir em antigas repúblicas soviéticas – para proteger seu status geopolítico e suas minorias étnicas – os russos se envolvam em várias guerras de desgaste, que venham a enfraquecer a Federação Russa, ameaçando a união social e territorial do país.

Ao se meter na área de influência de Moscou, insuflando protestos em países que já pertenceram à URSS, a Europa e os EUA estão – como antes já fizeram Hitler e Napoleão – cutucando o Urso com vara curta, e empurrando, insensatamente, o mundo para a beira do abismo.

A Rússia de hoje, com US$ 177 bilhões de superávit comercial no último ano, e o segundo maior exportador de energia do mundo – o que lhe permitiria congelar virtualmente a Europa se cortasse o fornecimento de gás nos meses de inverno – não é a mesma nação acuada que era no início da guerra de 1990, quando os norte-americanos acreditavam, arrogantes, na fantasia do “Fim da História” e em sua vitória na Guerra Fria.

A Federação Russa tem gasto muito para manter e modernizar sua capacidade de defesa e de dissuasão nuclear nos últimos anos. Putin sabe muito bem o que está em jogo na Ucrânia. E já deu mostras de que, se preciso for, irá enfrentar, pela força, o cerco da Europa e dos Estados Unidos.

Ele já provou que está disposto a levar até o fim a decisão que tomou de não se deixar confundir, em nenhuma hipótese, com uma espécie de Gorbachev do Terceiro Milênio.


Publicado também em https://vermelho.org.br/2014/03/05/mauro-santayana-a-arquitetura-da-balcanizacao/


*Mauro Santayana é jornalista autodidata brasileiro, colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Última Hora (1959) e trabalhou na Folha de S. Paulo (1976-82), onde foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Um exemplo de resistência ao ódio

Por Fernando Castilho




Ao subirmos no ônibus, a primeira surpresa foi o boa tarde dado pelo motorista, um jovem magro de cabelos raspados nas laterais e uma espécie de birote no topo da cabeça. Os óculos escuros completavam o design


A política talvez seja a ciência mais importante nos dias de hoje, até porque há muita gente interessada em destruí-la, como vemos na Ucrânia e no Brasil de Bolsonaro. Por isso, a defesa da política é o que me move a escrever quase todos os dias.

O texto de hoje, ainda que seja político no aspecto mais amplo da palavra, foge um pouco da minha escrita, embora não seja menos importante, creio eu.

Sou um imigrante recente, da agitadíssima São Paulo, para a tranquila e praiana Santos.

Como a cidade não é tão grande, leva-se no máximo cerca de vinte minutos para se deslocar dentro dela. Porém, na última sexta-feira, 25, precisamos, eu e minha esposa, atravessar a cidade para tratar de assuntos particulares.

Fizemos uma viagem de Uber por cerca de 45 minutos e, embora sempre tenha a expectativa de encontrar um motorista reacionário, o que tem sido frequente, dessa vez a conversa foi agradável.

Na volta, decidimos tomar um ônibus, já que a corrida de Uber ficou muito cara.

Ao subirmos no ônibus, a primeira surpresa foi o boa tarde dado pelo motorista, um jovem magro de cabelos raspados nas laterais e uma espécie de birote no topo da cabeça. Os óculos escuros completavam o design.

O celular ligado em alto volume, tocando músicas que eu desconhecia, não parecia incomodar os passageiros.

Dali a pouco, mais uma surpresa. Uma senhora grávida apertou a campainha solicitando parada. O motorista lhe perguntou onde iria, ao que ela respondeu que iria a uma clínica da prefeitura do outro lado da avenida.

O rapaz, ao invés de parar o veículo no ponto, avançou mais uns 50 metros para que a senhora pudesse atravessar com segurança na faixa de pedestres! “Aqui é muito perigoso pra atravessar”, justificou.

Mais uns dez minutos, uma mulher com uma menina no colo não sabia onde ficava uma escolinha para crianças especiais e perguntou ao motorista. Ele disse que sabia e que iria parar na porta do estabelecimento. "Fica tranquila."

Antes de chegar, a mulher falou que estava tentando colocar a criança em uma escolinha, mas que não estava achando vagas. Quem sabe aquela? O motorista respondeu que ele também era pai de um menino especial de dois anos e que também foi uma luta achar uma pra ele.

Ao chegar ao destino, o rapaz encostou delicadamente o ônibus e aguardou a mulher descer com segurança.

Mas as surpresas não pararam por aí.

Um passageiro falou que alguém havia esquecido o celular no banco. O motorista pediu que o levasse pra ele. Parou o ônibus e tentou ligar o aparelho, mas não conseguiu porque não precisava da senha.

Outra passageira disse que achava que pertencia a um rapaz que descera mais atrás.

O motorista olhou para trás e eu juro que ele pensou em retornar para procurar o dono do celular.

Olhei para minha esposa e disse que, por nós, tudo bem, já que dispúnhamos de tempo.

O motorista então, se justificou para os demais passageiros dizendo que infelizmente não poderia retornar para procurar o rapaz. Claro que não, pensei. Neste mundo em que gentilezas como essa não fazem parte do lucro das empresas, isso seria motivo para demissão do rapaz.

Em seguida, falou para todos ouvirem: “olha, gente, eu vou ficar com o celular e mais tarde vou levá-lo para a garagem dos ônibus. O dono pode ligar de outro aparelho perguntando sobre seu celular ou buscá-lo na garagem. Podem confiar em mim, não vou roubar, não, tá?”

À essa altura eu compraria qualquer coisa que ele quisesse vender, tamanha a confiança que me inspirou.

Enfim, chegara a hora de descermos e, antes que agradecêssemos e o cumprimentássemos pelas gentilezas demonstradas durante a viagem, foi ele que nos agradeceu. "Obrigado."

Durante o percurso à pé do ponto de descida até nossa casa, refletimos sobre como a gentileza pode realmente atrair gentileza tornando todos menos defensivos e tensos. E sentimo-nos leves.

Num Brasil dominado por gabinetes do ódio é sempre bom passarmos por experiências gratificantes como essa.

O motorista, jovem, de cabelos estranhos, certamente não é gentil porque leva uma vida boa, recebe ótimo salário, tem esposa e filhos saudáveis.

Consegue separar as coisas e, talvez, para que possa enfrentar as dificuldades do dia a dia e de sua profissão, se armou, não de armas que matam, mas de uma maneira de se comportar que torna seu dia mais leve. Uma resistência, talvez.

Quem sabe, passado esse pesadelo em que 30% dos brasileiros ainda apoia um presidente que insiste em armar a população e desdenha para a morte do outro, possamos ter mais pessoas como aquele motorista.

Tenho essa esperança.



Publicado também no Jornal GGN

https://jornalggn.com.br/cronica/um-exemplo-de-resistencia-ao-odio-por-fernando-castilho/



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Por que os militares se submetem a tanta humilhação?

Por Fernando Castilho


Foto: Alan Santos / Agência O Globo


Como se sentem esses militares de alta patente sendo relegados a um segundo plano por Bolsonaro e seu filho? Tendo que ficar em pé porque Carlos se sentou ao lado do pai?


Na época da ditadura as Forças Armadas do Brasil se impunham pela força, aparência agressiva e ações violentas contra os direitos humanos, prendendo, torturando e matando quem lutava contra o regime.

No imaginário popular ficou a imagem, que perdura até hoje em muitas mentes, de um exército firme em suas convicções e incorruptível. Sabemos, pela História que não é bem assim. Há inúmeras evidências de corrupção não investigada nem punida, já que a imprensa era impedida de investigar e noticiar e os órgãos de controle estavam submetidos ao regime.

Mas uma coisa é certa: para a grande maioria da população as Forças Armadas se destacam pela rígida disciplina e hierarquia, além dos valores de defesa da Pátria e da soberania.

Mas então, por que se humilham quase que diariamente perante um capitão pateta que está presidente, mas que pode ser defenestrado pelas urnas nos próximos meses?

Dois casos. Vamos ao primeiro.

Quando Bolsonaro empreendeu a patética visita à Rússia, levou com ele não só os ministros-generais Ramos, Heleno e Braga Netto, mas também seu filho Carlos, uma espécie de vereador federal, caso único no mundo.

Sentados à mesa numa das reuniões com escalões inferiores do governo russo, estavam Bolsonaro e Carlos lado a lado e, mais afastado, Braga Netto. Em pé, o general Ramos e ao fundo, o general Heleno.

Como se sentem esses militares de alta patente sendo relegados a um segundo plano por Bolsonaro e seu filho? Tendo que ficar em pé porque Carlos se sentou ao lado do pai?

Agora vamos ao segundo.

O capitão viajou para São José do Rio Preto para inaugurar uma obra e fazer campanha eleitoral antecipada promovendo uma motociata, algo que lhe enche de prazer e, segundo ele, atesta sua popularidade. Se comporta como um estudante que cabula aula escapando da agenda presidencial, algo muito entediante para ele.

Em seu lugar ficou o vice-presidente, general Mourão.

Perguntado por jornalistas sobre a situação na Ucrânia, o militar condenou a invasão daquele país por parte da Rússia e comparou Vladimir Putin a Adolph Hitler. Não vou entrar no mérito da comparação descabida feita por quem revela não ter o mínimo conhecimento de geopolítica.

Mas, como sempre acontece quando Mourão dá uma declaração à imprensa, Bolsonaro ficou incomodado e, em sua live tradicional das quintas-feiras não se conteve e espinafrou seu vice novamente.

"O artigo 84 da Constituição diz que quem fala sobre este assunto é o presidente. E o presidente se chama Jair Messias Bolsonaro. E ponto final. Então, com todo respeito a esta pessoa que falou isso, e eu vi as imagens, falou mesmo, está falando algo que não deve, que não é de competência dela”, disse ele.

O que mais chama a atenção é a covardia do capitão ao não citar o nome de Mourão, dando uma indireta pra lá de direta. Mas além disso, se afirma como um ser terrivelmente autoritário que não permite que seu vice emita sua opinião.

Mas o mais grave nem é isso.

Onde estão as rígidas disciplina e hierarquia? Onde foi parar a altivez de um general perante um capitão, mesmo ele sendo presidente?

Para que serve aquele grande número de medalhas obtidas nas batalhas das quais nunca participou e em que em ocasiões solenes Mourão costuma ostentar no peito?

Para que serve um vice-presidente sempre humilhado pelo titular?

Mourão deveria pegar seu boné e renunciar. Mas, e o salário?

Os militares que participam do governo acumulam vencimentos das Forças Armadas com o que recebem em seus cargos e o salário do general Mourão é de cerca de 65 mil reais na vice-presidência! Pra não fazer quase nada.

Isso significa que, se Bolsonaro ordenar que qualquer um de seus generais passe a lhe servir o cafezinho, eles o farão.

Quando esse governo terminar os maiores prejudicados, além do capitão, que terá que responder a inúmeros processos, serão os militares, os que dele participam e os que não.

Qual será a imagem que ficará dessa aventura a que nossas Forças Armadas decidiram participar?

De gente incompetente, ávida por dinheiro, picanha, atum, uísque e vinho.

E disposta a se humilhar diante de seu dono para garantir sua mamata.