domingo, 25 de junho de 2023

Lula, a borboleta que deveria ter morrido como lagarta, voa longe.

Por Fernando Castilho



Ao ver Lula discursando em Paris criticando os países ricos, me lembrei de Chico Buarque: "você não gosta de mim, mas sua filha gosta."


Não estive na primeira assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (hoje, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), realizada no estádio de Vila Euclides em 13 de março de 1979, com a presença de Lula, desafiando o governo ditatorial de então, mas estive numa das primeiras das cerca de 18 naquele mesmo local.

Tinha recém completado o curso de Arquitetura e Urbanismo na USP, em meio ao movimento estudantil da época e estava particularmente interessado no que aquele líder operário, então uma grande novidade no cenário político paulista, tinha a dizer.

O carisma era mágico, a oratória era mágica, os cabelos e barbas desgrenhados alteando uma barriguinha apertada dentro de uma camiseta ilustravam a figura de um típico operário, mas o que me fez ficar vidrado em sua fala foi o conteúdo, sobre o qual me faltaram argumentos discordantes.

Lula era absolutamente necessário naquele período.

O operário foi o estopim do que viria a ser o grande comício pelas Diretas Já, realizado em 10 de abril de 1984, que só logrou êxito no ano seguinte com o fim da ditadura.

Já, durante a abertura democrática, Lula, junto com outros companheiros operários e intelectuais, fundaria o Partido dos Trabalhadores porque sua figura já não mais cabia somente dentro de uma estrutura sindical. Ele enxergou que os trabalhadores brasileiros só poderiam conquistar maiores direitos se marcassem presença na estrutura de poder.

Dali em diante, a figura de Lula já não cabia mais somente na atuação partidária. Ousou ser presidente. Porém, a atuação do PT no cenário político nacional não conseguiu garantir a eleição de Lula à presidência nas três vezes em que disputou porque ele era visto com muita desconfiança e preconceito por uma elite e por uma imprensa que preferiam ver o país no fundo do poço, como aconteceu após a eleição do letrado e bonito presidente Collor, do que ser governado para o povo mais pobre, sob a batuta de um ex-operário.

Em 2003, Lula, enfim, conseguiu se eleger e foi presidente por dois mandatos.

Por mais que os órgãos de imprensa tentem esconder dos mais novos e tentem negar, foi ele o único presidente que realmente reduziu a desigualdade social tirando o Brasil do mapa da fome. Isso, porque ousou desafiar o sistema até então excludente ao criar o Bolsa-Família.

As reações, vindas de todas as partes foram imediatas, mas com o tempo o programa foi sendo aceito e, quando Jair Bolsonaro, num lance puramente eleitoral, mudou o nome do Bolsa-Família para Auxílio Emergencial, não houve quem criticasse.

Lula governou por dois mandatos e não faltou na mídia quem o crucificasse por qualquer coisa que falasse. Se falasse “sim”, deveria falar “não” e vice-versa. Agora está, de maneira inédita, apesar de tudo, em seu terceiro mandato.

Com a idade ficamos mais resistentes a ídolos e tendemos a criticar aqueles que mais admirávamos no passado, afinal, falsos ídolos têm pés de barro.

Sabemos que Lula também tem suas falhas como todo ser humano, mas as qualidades as superam em muito.

Votei nele nos dois turnos das últimas eleições, ou seja, fiz o L. Mas confesso que esperava muito mais dificuldades do que as que Arthur Lira, o presidente da Câmara está criando para inviabilizar seu governo.

Se Lula venceu a fome ao se deslocar com a família num caminhão pau-de-arara para São Paulo, fez curso no Senai, foi metalúrgico, perdeu um dedo numa máquina, foi líder sindical, esteve preso durante a ditadura, disputou, sem êxito três eleições a presidente, se elegeu por duas vezes presidente, foi preso injustamente por um juiz que cometeu lawfare e se elegeu novamente para um terceiro mandato, tudo isso já seria muito mais que significativo para aplaudirmos de pé essa trajetória impressionantemente exitosa.

Mas Lula é Lula, o ousado. E que bom termos um presidente ousado para o bem, já que tivemos um ousado para o mal.

Para grande surpresa deste que escreve, Lula, qual borboleta, se liberta de seu casulo e alça voos maiores do que poderíamos imaginar. Ele já não cabe mais como líder de um país, somente. Ousa combater as desigualdades a nível mundial.

O presidente foi a Paris. Quando os grandes jornais, os comentaristas de sempre e mesmo a oposição esperavam que ele fosse fazer um discurso da mesmice (lembro que a jornalista Eliane Catanhede chegou a afirmar que Lula não tinha o que falar em Paris!), eis que o sapo barbudo, ou, como os amigos mais próximos dos tempos de São Bernardo ainda o chamam, o baiano, surpreendeu e criticou os países ricos.

Oh! Que afronta, apressaram-se em criticar os colunistas dos jornalões. Isso vai na contramão da diplomacia! O Brasil pagará um alto preço por isso!

Exatamente nesse momento me lembrei de um trecho de uma música de Chico Buarque: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta.”

Os representantes dos países mais pobres adoraram a fala de Lula que criticou os ricos por não cumprirem o Protocolo de Quioto (os EUA sequer assinaram) e o Acordo de Paris. Todos perdem tempo e dinheiro preciosos comparecendo a convescotes para enganar o povo dizendo que estão adotando medidas para reverter as mudanças climáticas. Enquanto isso, o planeta caminha resoluto para um cenário catastrófico.

Lula, com muita sabedoria histórica, denunciou o anacronismo da ONU que, desde 1945 não se recicla e já não tem grande importância no cenário mundial. Alguém se lembra de quantas vezes uma votação da ONU que dava 191 votos a favor da suspensão do bloqueio econômico de Cuba, contra somente os votos dos EUA e Israel, foi desrespeitada?

Por quantas vezes os EUA, e agora a Rússia, invadiram países sem consultar a ONU? Para que ela serve, afinal?

Lula, um ancião de 77 anos discursou em praça pública em frente à Torre Eiffel para milhares de jovens ávidos a ouvi-lo e foi enormemente aplaudido.

Mas o que os grandes jornais noticiaram? Deram pequenas notas quando deveriam, se tivessem compromisso com a verdade e com o país, darem grandes manchetes, afinal, Lula recupera nossa imagem no cenário mundial, destruída por seu antecessor, conclama os países a se unirem para combater de fato as mudanças climáticas e denuncia que, se essas medidas não forem tomadas para ontem, os pobres é que pagarão o preço, já que os ricos têm como se salvaguardarem.

Lula está diferente, fisicamente. Mas como evoluiu nessas décadas!

Concluo aqui refletindo em como todo o resto dos políticos brasileiros e estrangeiros são pequenos diante da estatura do operário.

E como seu antecessor, de agora em diante, só pode ser visto através de um microscópio, tão pequeno que é.


sexta-feira, 23 de junho de 2023

Titan e o Anjo Exterminador

Por Fernando Castilho

Imagem: OceanGate/Agência Brasil


Forças titânicas implodiram Titan cujos restos agora jazem ao lado do Titanic.

Homens e mulheres ricos comparecem a uma mansão para um jantar de gala.

O jantar termina e a anfitriã convida a todos a permanecerem para o cafezinho.

Após o cafezinho, vem outro convite para outra coisa, já não lembro mais.

Como todos estão com sono, que tal dormirem ali mesmo?

Pela manhã, ficam para tomar o café.

O tempo passa e ninguém consegue ir embora, mesmo não havenso barreiras físicas.

Com o passar dos dias, já sem terem o que comer e baber, os instintos mais primitivos do ser humano vão sendo revelados e toda aquela pompa e classe desaparece.

Do que me lembro, essa é mais ou menos a história do filme O Anjo Exterminador do cineasta espanhol, Luis Buñuel.

E por que me lembrei desse filme?

A história mostra um grupo de ricaços fúteis que parecem entediados com a vida. Ricaços como os que contrataram um passeio de submersível pela bagatela de 250 mil dólares por pessoa para ficarem por horas sentados no chão, confinados em um pequeníssimo espaço para ver de perto os restos do transatlântico Titanic afundado em 1912 após colidir com um iceberg.

Curiosamente, entre os que conseguiram se salvar daquele naufrágio, estão os ricos porque para os mais pobres e para a tripulação não havia botes salva-vidas.

Além do espaço reduzido, o veículo, segundo as informações que nos chegaram pela imprensa, parecia um protótipo onde não faltava improviso. Será que a aventura e o desejo de um maior sentido às suas vidas foram maiores do que a prudência? Na hora de fecharem grandes negócios ou de negociarem ações, eram também imprudentes?

Lembrei também de um ex-cunhado que, acreditando ter se tornado um novo rico, não conseguia ficar mais que três meses com um carro porque nenhum mais conseguia satisfazê-lo. Era preciso trocar sempre por um mais caro. Acabou sobrando como último objeto de desejo uma Lamborghini que só não foi comprada porque sua empresa começou a ir mal das pernas. Seria um ótimo candidato ao turismo submarino.

Enquanto a imprensa não parava de noticiar que o submersível havia perdido contato, uma quase operação de guerra foi mobilizada na procura.

Poucos dias antes, refugiados saíram de seus países em uma traineira de pesca lotada com cerca de 750 ocupantes, crianças e mulheres em sua maioria que naufragou. Acredita-se que mais de 300 cidadãos paquistaneses morreram, embora houvesse também cidadãos sírios, egípcios e palestinos. Os números são imprecisos, mas dão conta de que cerca de 500 pessoas ainda estavam desaparecidas.

Os noticiários não deram muita atenção a esse fato e nenhuma operação de resgate foi mobilizada, talvez porque gente refugiada e muito pobre não tem a mesma importância para o mundo que cinco bilionários.

Como no filme, os ricos, após esgotadas as buscas, não conseguiram sair e o que pode ter sobrado de seus corpos jazem próximos aos dos pobres do Titanic.


segunda-feira, 19 de junho de 2023

Lula, o sortudo

Por Fernando Castilho

Imagem: captura de tela Central GloboNews/Rede Globo

Eliane Cantanhede concluiu com uma gargalhada: como esse homem é sortudo!!!

É sorte, minha gente! Claro que tem o arcabouço, tem várias medidas, etc. e tal, mas Lula tem muita sorte, disparou a jornalista Mônica Waldvogel no programa Central Globonews.

Eliane Cantanhede concluiu com uma gargalhada: gente, como esse homem é sortudo!!!

Reunidos no estúdio, além das jornalistas, estavam Otávio Guedes, Waldo Cruz e Merval Pereira. Este, por incrível que pareça, disse que, em seu terceiro mandato, não há como creditar o sucesso do governo Lula à sorte, apenas.

Interessante que, caso a economia estivesse à beira de um abismo, Lula não seria chamado de azarado, mas seria apontado como o único responsável pelo insucesso.

A cena parecia uma reunião de pauta em que jornalistas, inconformados pelas boas notícias econômicas e, pressionados pela direção da Rede Globo, procuravam uma forma de minimizar os créditos à competência do presidente, justamente aquele que, em campanha, prometeu colocar o pobre no orçamento e melhorar a vida dos brasileiros e, com apenas 5 meses e meio de governo, apesar do fator Lira e do centrão, já colhe os merecidos frutos. Só pode ser sorte!

Imagem: captura de tela Central Globo News

Normalmente essas reuniões são fechadas ao público, mas desta vez o brasileiro teve a oportunidade de assistir ao vivo como as pautas da grande mídia são compostas.

Para essa grande mídia, Lula só teve importância no finalzinho da campanha eleitoral, já que nenhum candidato da terceira via foi capaz de enfrentar Bolsonaro, aquele que ela sabia por certo ser uma ameaça à sua própria sobrevivência, uma vez que, reeleito, incapaz de fazer um governo minimamente sério e competente como demonstrou ao longo de intermináveis 4 anos, teria, obrigatoriamente para se manter no poder, que calar a opinião pública censurando jornais, prendendo opositores e obrigando muita gente a se exilar no exterior. Havia até um plano, descoberto nos celulares dos ajudantes de ordens do capitão, de sequestrar o ministro do STF, Alexandre de Moraes e assassinar Lula.

Uma vez concluída a etapa eleitoral, o presidente eleito teria apenas poucas semanas de trégua que acabaram se estendendo um pouco mais devido ao golpe de 8 de janeiro, abafado rapidamente e à agilíssima ajuda ao povo Yanomami.

Mas acabou a trégua. Parece que a mídia agora não deseja a volta de Bolsonaro, mas precisa que a extrema-direita se reorganize, seja através do governador blindado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, possível candidato em 2026, ou do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Como, apesar de todas as dificuldades, Lula logra êxito em seu primeiro semestre de governo, é preciso encontrar formas de atacá-lo ou, quando isso não for possível, atribuir seu sucesso à sorte ou lançar mão de outro recurso comum, o de omitir informações favoráveis ao presidente.

Esse é o caso da matéria levada ao ar no último dia 17 pelo Jornal Nacional.

Ao comparar a aprovação dos presidentes desde Itamar Franco durante os primeiros 5 meses de seus respectivos governos, o jornal mostrou em um gráfico os índices do primeiro governo Lula, mas omitiu os de seu segundo mandato, justamente o mais exitoso que lhe conferiu incríveis 87% de aprovação ao final 2010.

Imagem: captura de tela Central Globo News/Rede Globo

É essa grande mídia que o governo Lula tem como difícil missão contrapor através da Secretaria de Comunicação comandada por Paulo Pimenta.

O ministro não pode se omitir diante dessa manipulação flagrante de dados e precisa rapidamente exigir que o gráfico seja corrigido e exibido novamente no mesmo jornal.

No dia 18, na GloboNews, o jornalista Jorge Pontual em tom irônico, “pensando” se tratar de casas do Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, criticou as casas de 15 m² que estão sendo construídas pela prefeitura de Campinas. Em seguida, Eliane Catanhede interrompeu Pontual dizendo que tinha acabado de receber uma ligação de Lula que pedia que a matéria fosse corrigida. Ficou muito chato para a emissora.

É imperioso que Lula tenha permanentemente alguém destacado para acompanhar os noticiários, pronto a contrapor a toda e qualquer informação inverídica que seja veiculada, o que pode até ser bem útil nestes tempos em que não há disposição por parte dos veículos de imprensa em divulgar notícias positivas dos feitos do governo.

Esse enfrentamento vai durar os 4 anos de Lula, porém, os bombardeios aumentarão muito nos meses que antecederão as eleições municipais e 2024 e as presidenciais de 2026.

Esperamos que até lá muitos dos estragos cometidos pelo governo anterior já estejam consertados, que a economia esteja deslanchando com empregos e queda da taxa de juros e que o país já tenha saído do mapa da fome da ONU.

Nesse novo ambiente sócio-político-econômico, ficará muito difícil para essa grande mídia continuar a divulgar fake news, manipular e esconder notícias boas.


terça-feira, 13 de junho de 2023

O que aprendemos após 10 anos das jornadas de junho de 2013?

Por Fernando Castilho

Créditos da imagem: https://midiainformal.files.wordpress.com/


O ódio, alimentado por anos a fio, desde 2013, foi num crescendo até o processo vergonhoso de impeachment da presidenta em 2016, culminando com a prisão de Lula em abril de 2018 e a eleição de Bolsonaro.


Um movimento contrário ao aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus na cidade de São Paulo deu início às chamadas jornadas de junho de 2013. Começou aos poucos e foi crescendo até se espalhar por todo o Brasil. Qual camaleão, ia assumindo nova identidade e novos propósitos.

Enquanto o Movimento Passe Livre, essencialmente de origem proletária, reivindicava aquilo que lhe parecia justo na época, meu coração e minha mente naturalmente a ele se juntaram, sabedores das agruras com que as pessoas pobres deste país tão desigual, que necessitam de transporte público para trabalhar ou estudar, enfrentam todos os dias. Mas, também aos poucos, fui percebendo com estranheza que, no espaço de alguns poucos dias, a grande mídia, compreendendo os grandes jornais e revistas impressos e as redes de televisão e rádio, que no início apressaram-se em criticar e condenar o movimento, através de colunistas e editoriais, começaram a mudar de opinião acrescentando-lhe uma conotação mais política e ampliando o foco que antes era localizado, para todo o país. Surgiu a figura do gigante adormecido que acordou indignado, ao mesmo tempo simbologia e senha que tomou as redes sociais de maneira avassaladora, como a querer nos mostrar que estávamos errados em conferir aprovação de quase 60% ao governo Dilma Rousseff somente um mês antes, segundo pesquisa Datafolha.

A conclamação, muitas vezes vinda da Rede Globo que divulgava dias e horários das manifestações, a protestar contra o governo era difusa e artificial, pois nos ordenava a, como zumbis, sair às ruas com pautas confusas e genéricas como maior liberdade, fim da corrupção, reforma política, etc.

No governo Dilma a liberdade nunca deixou de existir porque é o cerne da democracia e, como sabemos, a ex-presidente é democrata. Nenhuma manifestação foi reprimida por ela. É justo exigir o fim da corrupção, mas Dilma nunca foi corrupta, como as intensas investigações, a imprensa e o tempo comprovaram.

A Polícia Federal e o Ministério Público sempre tiveram por parte de Dilma a autonomia necessária para investigar quem quer que fosse, inclusive o então ex-presidente Lula.

A reforma política estava no Congresso, o responsável por aprovar as leis.

Mas então, o que queriam?

Dilma chegou a se pronunciar em rede nacional de televisão se mostrando favorável às reivindicações e se colocando ao lado dos que protestavam, mas, mesmo assim, as panelas bateram ruidosas.

Nas ruas, enquanto pessoas vestidas com camisas da seleção brasileira desfilavam seu ódio contra tudo que estava aí, os black blocs vandalizam vitrines e equipamentos públicos. Hoje temos fortes indícios de que eles, na verdade, eram agentes do exército chamados de kids pretos. A reportagem da revista Piauí mostra claramente os métodos dessa força especial.

O ódio, alimentado por anos a fio, desde 2013, foi num crescendo até o processo vergonhoso de impeachment da presidenta em 2016, culminando com a prisão de Lula em abril de 2018 e a eleição de Bolsonaro no mesmo ano em meio ao ressurgimento do fascismo no Brasil.

É muito fácil, a quem se dispõe a estudar e a refletir sobre todo esse período histórico, que tudo não passou de um projeto idealizado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para afastar a esquerda do poder, abrindo caminho para a tomada do pré-sal, através do fim dos êxitos dos governos 378 progressistas desde 2003 e o restabelecimento do neoliberalismo que propicia mais lucros às empresas norte-americanas e protege o império.

Com Dilma morta e enterrada na visão de nossa elite, a Justiça teria, enfim, a oportunidade de aparecer perante a opinião pública como a impoluta e incorruptível guardiã dos direitos fundamentais dos cidadãos, “corrigindo” (antes diria, remendando) a decisão do Congresso, porém, sem reconduzi-la ao cargo, como de direito. Essa mesma justiça que se tornou justiceira com a criação da Operação Lava-Jato cujos “heróis” eram o então juiz Sergio Moro e seu cúmplice, Deltan Dallagnol.

O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, há cerca de um ano atrás, já tinha reconhecido que a queda da presidenta não se deu por crime de responsabilidade, mas sim por incapacidade política de aglutinar forças em torno dela. Ele sabia disso desde 2016, o ano do golpe, mas só em fevereiro de 2022, resolveu sair de sua toca para manifestar sua opinião.

Felizmente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) extinguiu o processo contra ela. “A 7ª Turma Especializada decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação de Dilma Vana Rousseff, reformando integralmente a sentença atacada para extinguir o feito sem resolução do mérito”, diz o texto da decisão que demonstra de maneira inequívoca que a ex-presidente foi vítima de um golpe legislativo com total apoio da grande mídia.

A presidenta Nacional do Partido dos Trabalhadores, deputada federal Gleisi Hoffmann, manifestou-se pelo twitter desta forma: “O TRF-2 extinguiu ação contra Dilma sobre 379 pedaladas fiscais. Não foi provado que houve danos ao erário. A farsa desmontada mostra que a presidenta honesta foi golpeada de forma misógina e midiática, transformando o país no caos que está aí, de autoritarismo, mentiras e destruição”.

Infelizmente a mídia não deu tanto destaque a isso e nem poderia, artífice que foi desse processo.

Uma grande injustiça foi cometida abrindo caminho para a destruição parcial do estado brasileiro e de seu processo civilizatório. Em parte, ela foi consertada, mas só vamos saber a real extensão disso, nos livros de História dos próximos anos ou das próximas décadas. De qualquer forma, uma reputação foi comprometida, mas grande parte da população brasileira já tem noção do que foi cometido contra Dilma.

Dilma tem, enfim, ao presidir o banco dos Brics, a grande oportunidade de demonstrar àqueles que a atacaram sua grande competência.


(Texto também publicado no Jornal GGN) 

Dez anos das jornadas de junho de 2013. O que aprendemos? (jornalggn.com.br)


quinta-feira, 8 de junho de 2023

Juracélio, o pobre de direita

Por Fernando Castilho

Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil


Ficou surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase 90 anos. Esse povo tá ficando abusado!

 

Juracélio, vindo família de migrantes nordestinos, ingressou cedo no Bradesco como contínuo.

Inspirado em seu fundador, pretendia seguir o exemplo de meritocracia dado por Amador Aguiar que, de simples contínuo como ele, chegou a ser banqueiro.

Jerecélio não sabia, em seus 16 anos, que Aguiar havia aplicado um desfalque no banco em que trabalhara e, com o dinheiro, fundado seu próprio banco. Quando lhe contaram, deu de ombros e não acreditou.

Quando eclodiu em 1985 a maior greve dos bancários, Jerucélio a furou e se apresentou orgulhoso ao trabalho, certo de que vestindo a camisa, sua almejada promoção seria alcançada. Não veio.

Jarecélio furou não só essa, mas todas as greves subsequêntes, pois isso era coisa de comunista vagabundo. Vão trabalhar que seu suor será recompensado, bradava.

Mas Jaracélio nunca recusou os aumentos de salário conquistados pelos grevistas. Pelo contrário, sua vida com isso melhorou e logo ele pôde comprar seu primeiro carrinho.

Veio a campanha à presidência de Collor e Juricélio foi um dos primeiros a se definir a favor do moço bonito, caçador de marajás que, claro, era infinitamente superior àquele sapo barbudo de meia furada e analfabeto chamado Lula. Fez até boca de urna.

Jucerélio tinha uma boa graninha depositada na caderneta de poupança do próprio banco. Perdeu. Tendo sua economia confiscada por Collor, seguiu firme e, mesmo depois que soube que a diretoria do banco, avisada pelo presidente antes dos correntistas, tratou de salvar o dela, continuou a defender o patrão.

O tempo passou e veio Fernando Henrique.

Jecerélio se sentiu em sua zona de conforto, afinal o ''príncipe'' estava seguindo o conselho do capital e, numa fúria louca, vinha privatizando tudo quanto era estatal.

Então os bancos alegaram dificuldades financeiras.

Ôpa! Para Jecerílio isso era mortal. Se o patrão estava em dificuldades, teria que ser auxiliado, pois disso dependia seu emprego.

Jacecélio respirou aliviado e soltou até fogos para comemorar o socorro que FHC deu aos bancos com recursos do BNDES.

Mas veio a era Lula, o que Jucecélio mais temia.

O Brasil iria para o fundo do poço guiado por um analfabeto e, como ele, veja só, nordestino! Quanta audácia! Tudo que conquistara seria perdido. Esse governo não podia dar certo.

E não deu. Para ele.

Embora nesse período a vida de Jaricélio tivesse melhorado bastante, afinal ele conseguira comprar sua casinha e o segundo carro financiado, nunca admitiu que seriam as políticas de governo acertadas que lhe propiciaram essas conquistas. Tudo teria sido somente fruto unicamente de seu esforço, enfim recompensado.

Em seguida, Dilma foi eleita e Jurecélio enfim foi promovido a gerente de agência.

Ficou surpreso ao passar a receber nos finais do ano visita de vários parentes que não via há anos, vindos do Nordeste, de avião. Veio até a vovozinha com quase 90 anos. Esse povo tá ficando abusado, pensou.

Jucerélio se aposentou como gerente.

Não conseguiu, apesar de seu esforço, nada além disso. Não conseguiu ser diretor ou banqueiro como Amador Aguiar, seu ídolo.

Recebeu, à saída, um cartão de agradecimento padrão com assinatura impressa de um diretor de RH do banco, que nunca vira. Mas tava bom. Fora reconhecido. Bastava.

Sentiu-se realizado.

Com muito sacrifício, segundo ele, formou um filho pelo PROUNI e teve a mais velha no Ciências sem Fronteiras. Muito orgulhoso.

Enfim, Jurecélio, sem ter muito o que fazer na vida, resolveu fazer política.

Passou a comparecer à todas as manifestações a favor do impeachment de Dilma e da volta da ditadura militar. Ele achava que o melhor período do Brasil foi sob a ditadura, embora ainda fosse uma criança quando se deu o golpe.

Foi um dos batedores de panela. Quando Dilma foi derrubada, fez um churrasco quase solitário.

Em 2018 fez arminha com as mãos e votou orgulhoso em Bolsonaro.

Quando começou a pandemia, acreditando que a Covid-19 não passava de uma gripezinha, como Bolsonaro a chamou em rede de televisão, Jiracélio não usou máscaras e contraiu a doença. Ficou entubado por dois meses, conseguiu se recuperar, porém, não dispensou a cloroquina, seguindo a orientação do presidente. Sua esposa não teve melhor sorte, vindo a falecer no hospital.

A vida de Jiracélio degringolou.

O capitão bem que tentava melhorar a vida dos brasileiros, mas o maldito STF e a esquerda não o deixavam governar. Só restava ao presidente aliviar o estresse praticando jet-ski e participando de motociatas. As eleições serão fraudadas para Bolsonaro não vender, pensava.

Logo após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, Jaçurélio aproveitando um ônibus fretado por um político bolsonarista, viajou para Brasília e ficou dois meses acampado em frente ao quartel, tomando chuva e enfrentando com valentia os fedorentos banheiros químicos colocados à disposição dos acampados por um empresário do agronegócio. Afinal, valia qualquer coisa para ajudar Bolsonaro a voltar ao poder.

Apesar das privações, valia a pena aguardar, pois o general Braga Netto havia pedido para terem paciência, pois nos próximos dias teriam boas notícias.

No dia 7 de janeiro de 2023, Jaracélio recebeu com euforia e alívio a convocação para comparecer no dia seguinte à Praça dos Três Poderes. Lá, a República seria, com apoio do exército, derrubada. O Congresso e o STF seriam fechados e uma nova ordem seria determinada por Bolsonaro que, mesmo fora do país comandaria as ações. O capitão não abandonaria os seus!

Jiricélio, porém, não contava com a rápida ação do novo governo.

Acabou, aos 70 anos, preso e virou réu no STF.

Caberá a seu filho, formado advogado graças ao PROUNI, defendê-lo.

Há milhões de Jorocélios no Brasil.


quarta-feira, 7 de junho de 2023

As providências hipócritas de Damares Alves sobre as gravíssimas denúncias da ex-esposa de Arthur Lira

Por Fernando Castilho

Arthur Lira, Jullyene Lins e parte do dinheiro apreendido pela PF com os aliados do presidente da Câmara.Créditos: Agência Câmara / PF / Instagram

Damares, teria sugerido que Jullyene mudasse de nome e se transferisse para alguma cidade do extremo norte do país para escapar às ameaças.


Jullyene Lins, a ex-esposa do presidente da Câmara, Arthur Lira, deu entrevista ao ICL Notícias relatando que há 16 anos sofria com agressões físicas e psicológicas por denunciar malas de dinheiro que chegavam à sua casa e depois da divisão, envelopes eram entregues a correligionários por todo o estado de Alagoas, mas a polícia e a justiça nunca a levaram à sério. O Brasil 247 e Forum também trataram do caso.

Como há 16 anos sofre, segundo ela, constantes ameaças de Lira, Jullyene precisa trocar constantemente de endereço.

Decidiu, ainda no governo Bolsonaro, procurar a ex-ministra Damares Alves à guisa de auxílio para resolver seu problema.

Damares, através de um intermediário, teria sugerido que ela mudasse de nome com nova identidade e se transferisse para alguma cidade do extremo norte do país para escapar às ameaças.

Jullyene não seguiu o conselho, pois sabia que Lira a encontraria onde quer que ela estivesse. E é claro, com identidade trocada, ficaria mais difícil relacionar o ex-marido com um possível assassinato dela.

Os jornalistas do ICL se esqueceram de comentar a atitude de Damares.

Naquela época Arthur Lira, já presidente da Câmara em seu primeiro mandato, se sentava sobre mais de 140 pedidos de impeachment de Bolsonaro e usou esse fato como pressão para que o capitão terceirizasse a administração do orçamento da União para ele. Foi aí que surgiu a figura do orçamento secreto.

Damares Alves, que se diz cristã, em vez de tomar providências para que Lira fosse investigado com seriedade devido às graves denúncias de Jullyene, preferiu criminalizar a vítima, impondo-lhe uma vida secreta, praticamente afastada da sociedade e de seus familiares, como uma punição a ela, pelo simples medo de desagradar o Bolsonaro, então empenhado e dar tudo ao centrão para evitar algum processo de impeachment.

O caso Jullyene joga mais luz ainda sobre como a República funcionava sob a dupla Bolsonaro-Lira.

Esperamos que, agora que o relato de Jullyene foi ouvido na mídia independente, que possa furar a bolha e também ser divulgado pela grande mídia e, enfim, ser investigado pelo Ministério Público, embora ainda seja muito grande o poder de Arthur Lira em nosso judiciário, como ficou provado na decisão da 1ª turma do STF que o inocentou de crime de corrupção, apesar das provas apresentadas.

Jullyene, que pensa em sair do país, precisa ter sua segurança garantida com sua identidade verdadeira e seu domicílio.


segunda-feira, 5 de junho de 2023

Que Brasil teríamos hoje se não existissem Moro e Tony Garcia?

Por Fernando Castilho

Foto: Tony Garcia e Sergio Moro - Twitter/Lula Marques

Talvez Bolsonaro ainda estivesse na Câmara praticando suas rachadinhas, tivéssemos uma extrema-direita ainda contida, um povo sem fome e um país perfilado entre as maiores economias do mundo.


O empresário e ex-deputado estadual, Tony Garcia, deu uma entrevista à TV 247 em que desnudou por completo a operação Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Força-Tarefa de Curitiba.

Se considerarmos que falou a verdade – e ele afirma que tem provas sobre isso – chegamos ao fundo poço de nosso sistema judiciário subterrâneo onde não faltam orgias envolvendo desembargadores em hotéis de luxo em que a cumplicidade é que decide os rumos das grandes questões legais no país.

Tony Garcia disse que uma festa da cueca, como ele mesmo chama a orgia entre magistrados, teria sido filmada e utilizada durante muitos anos como instrumento de chantagem por Sergio Moro.

Quando estamos vivendo o presente, temos pela frente inúmeros caminhos que nos conduzirão a um dos possíveis futuros que teremos pela frente. Um caminho errado comprometerá nossa vida nos anos vindouros. Um caminho correto poderá nos proporcionar a tão desejada felicidade.

É interessante refletir sobre como isso, entre incontáveis cenários possíveis à época das manipulações de Moro, pode ter conduzido o Brasil ao estado em que se encontrava até o final de 2022.

Tony Garcia, na entrevista, chegou a pedir desculpas à Dilma Rousseff por ter sido ele um dos responsáveis pelo golpe que a derrubou, o que determinou uma nova linha do tempo que desembocou na eleição de Bolsonaro, na ascensão da extrema-direita, na quase destruição do país e no golpe desferido em 8 de janeiro, contido habilmente por Lula.

Na verdade, a coisa começou bem mais atrás, há cerca de 20 anos! Com um juiz que já tinha delineado em sua mente um projeto de poder a longo prazo.

Mais tarde, a ele se agregou o Ministério Público na figura dos procuradores da Lava-Jato, entre eles, Deltan Dallagnol.

A dupla Moro-Deltan foi aos poucos construindo com grande atrevimento o caminho que os conduziria ao poder. Moro tinha duas possíveis ambições: se eleger presidente do Brasil ou, como plano B, ser indicado a ministro do Supremo Tribunal Federal. Dallagnol queria dinheiro, muito dinheiro.

Para isso, foi preciso montar todo um esquema de prisões preventivas irregulares, delações premiadas, extorsões e chantagens para chegar ao momento-chave, a condenação e prisão de Lula, então favorito na eleição de 2018.

A condenação foi decretada, mesmo que sem provas e ratificada em tempo recorde pelos ministros do TRF-4. A se confirmarem as alegações de Tony Garcia, esses magistrados teriam sido chantageados por Moro para que seu objetivo fosse alcançado.

O resto já sabemos: Lula foi preso e afastado da corrida presidencial, Bolsonaro foi eleito e, pasmem, Sergio Moro foi alçado a ministro da Justiça e Segurança Pública, o que lhe abriria as portas para a possível sucessão de Bolsonaro ou uma indicação ao STF.

Como sabemos, o ex-presidente tinha o hábito de afastar qualquer um que pudesse ser uma ameaça a seu projeto de continuar no poder. Foi assim com João Doria, Henrique Mandetta e outros.

Moro percebeu que jamais seria indicado como sucessor do capitão, mesmo que esperasse 8 anos para isso. Melhor encurtar o caminho, deixando o governo e começando a trabalhar pela sua candidatura. Além disso, Bolsonaro já havia dado provas de que não o indicaria ao STF.

O ex-juiz, assim como Deltan Dallagnol, é mitômano. Os dois acreditam ser muito mais do que são. Agora mesmo, Deltan, imaginando que tem grande apoio da população, não conseguiu reunir mais que 100 pessoas num ato em São Paulo contra sua cassação como deputado federal.

Moro confiava firmemente que, lançando-se candidato a presidência, diante da incompetência de Bolsonaro à frente do executivo, se elegeria facilmente. Não deu.

O prêmio de consolação seria um cargo no Senado por São Paulo. Também não deu. Teve que se contentar com o Paraná mesmo.

Agora, diante das acusações de Tony Garcia, poderá ser preso. Fim de carreira e de suas ambições políticas.

Hoje, voltando atrás no tempo, imaginamos como seria nosso presente caso Moro e Tony não existissem e caso Dilma não tivesse sofrido um golpe.

Bolsonaro ainda estaria na Câmara faturando com suas rachadinhas, teríamos uma extrema-direita ainda contida, um povo sem fome e um país perfilado entre as maiores economias do mundo. Era essa nossa vocação! Talvez Lula nem precisasse disputar a presidência se elegendo pela terceira vez, preferindo curtir sua aposentadoria.

Talvez fossemos mais felizes hoje.

Ou não. Quem sabe?


quinta-feira, 1 de junho de 2023

As 3 etapas da inteligência artificial e por que a 3ª pode ser fatal

Por BBC News

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Este texto poderia ter sido digitado por uma máquina e você provavelmente não saberia.


Desde o seu lançamento no final de novembro de 2022, o ChatGPT, o chatbot que usa inteligência artificial (também chamada de IA) para responder perguntas ou gerar textos sob demanda dos usuários, tornou-se o aplicativo de internet que mais cresce na história.

Em apenas dois meses atingiu 100 milhões de usuários ativos. O popular aplicativo TikTok levou nove meses para atingir esse marco. E para o Instagram dois anos e meio, segundo dados da empresa de monitoramento de tecnologia Sensor Town.

"Nos 20 anos que acompanhamos a internet, não conseguimos lembrar de um crescimento mais rápido de um aplicativo de internet para o consumidor", disseram analistas do banco suíço UBS, que relataram o recorde em fevereiro.

A enorme popularidade do ChatGPT, desenvolvido pela empresa OpenAI, com o apoio financeiro da Microsoft, gerou todo tipo de discussões e especulações sobre o impacto que a inteligência artificial generativa já está tendo e terá em nosso futuro próximo.

É o ramo da IA ​​que se dedica a gerar conteúdo original a partir de dados existentes (geralmente retirados da internet) em resposta a instruções de um usuário.

Os textos (de ensaios, poesia e piadas a códigos de computador) e imagens (diagramas, fotos, obras de arte de qualquer estilo e muito mais) produzidos por IAs geradoras como ChatGPT, DALL-E, Bard e AlphaCode - para citar apenas alguns dos mais conhecidos - são, em alguns casos, tão indistinguíveis do trabalho humano, que já foram utilizadas por milhares de pessoas para substituir o seu trabalho habitual.

De estudantes que os usam para fazer o dever de casa a políticos que confiam a eles seus discursos - o deputado democrata Jake Auchincloss lançou o recurso no Congresso americano - ou fotógrafos que inventam instantâneos de coisas que não aconteceram (e até ganham prêmios por Isso, como o alemão Boris Eldagsen, que ganhou o primeiro lugar no último Sony World Photography Award por uma imagem criada por IA).

Este texto poderia ter sido digitado por uma máquina e você provavelmente não saberia.

O fenômeno levou a uma revolução nos recursos humanos, com empresas como a gigante da tecnologia IBM anunciando que deixará de contratar pessoas para preencher cerca de 8.000 vagas que podem ser gerenciadas pela IA.

Um relatório do banco de investimentos Goldman Sachs estimou no final de março que a IA poderia substituir um quarto de todos os empregos humanos hoje, embora também crie mais produtividade e novos empregos.

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Quanto mais a IA avança, maior sua capacidade de substituir nossos trabalhos

Se todas essas mudanças representam uma sobrecarga para você, prepare-se para um fato que pode ser ainda mais desconcertante.

E é que, com todos os seus impactos, o que estamos vivenciando agora é apenas a primeira etapa do desenvolvimento da IA.

Segundo os especialistas, o que pode vir em breve - a segunda etapa - será muito mais revolucionário.

E a terceira e última, que pode ocorrer logo depois disso, é tão avançada que alterará completamente o mundo, mesmo à custa da existência humana.

Os três estágios

As tecnologias de IA são classificadas por sua capacidade de imitar características humanas.

1. Inteligência Artificial Estreita (ANI)

A categoria mais básica de AI é mais conhecida por sua sigla: ANI, para Artificial Narrow Intelligence

É assim chamado porque se concentra estritamente em uma única tarefa, realizando trabalhos repetitivos dentro de um intervalo predefinido por seus criadores.

Os sistemas ANI geralmente são treinados usando um grande conjunto de dados (por exemplo, da Internet) e podem tomar decisões ou realizar ações com base nesse treinamento.

Um ANI pode igualar ou exceder a inteligência e a eficiência humanas, mas apenas naquela área específica em que opera.

Um exemplo são os programas de xadrez que usam IA. Eles são capazes de vencer o campeão mundial dessa disciplina, mas não podem realizar outras tarefas.

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ANI pode superar os humanos, mas apenas em uma área específica

É por isso que também é conhecido como "IA fraca" .

Todos os programas e ferramentas que usam IA hoje, mesmo os mais avançados e complexos, são formas de ANI. E esses sistemas estão por toda parte.

Os smartphones estão repletos de aplicativos que usam essa tecnologia, desde mapas GPS que permitem localizar qualquer lugar do mundo ou saber o tempo, até programas de música e vídeo que conhecem seus gostos e fazem recomendações.

Também assistentes virtuais como Siri e Alexa são formas de ANI. Como o buscador Google e o robô que limpa sua casa.

O mundo dos negócios também usa muito essa tecnologia. É usado nos computadores internos dos carros, na fabricação de milhares de produtos, no mundo financeiro e até nos hospitais, para fazer diagnósticos.

Sistemas ainda mais sofisticados, como carros sem motorista (ou veículos autônomos) e o popular ChatGPT, são formas de ANI, pois não podem operar fora do intervalo predefinido por seus programadores e, portanto, não podem tomar decisões por conta própria .

Eles também não têm autoconsciência, outro traço da inteligência humana.

No entanto, alguns especialistas acreditam que sistemas programados para aprender automaticamente ( aprendizado de máquina ), como ChatGPT ou AutoGPT (um "agente autônomo" ou "agente inteligente" que usa informações do ChatGPT para executar determinadas subtarefas de forma autônoma) podem passar para o próximo estágio de desenvolvimento.

2. Inteligência Artificial Geral (AGI)

Esta categoria – Inteligência Artificial Geral – é alcançada quando uma máquina adquire habilidades cognitivas no nível humano.

Ou seja, quando você consegue realizar qualquer tarefa intelectual que uma pessoa faz.

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O AGI tem a mesma capacidade intelectual de um ser humano

O AGI também é conhecido como "IA forte" .

Tal é a crença de que estamos prestes a atingir esse nível de desenvolvimento, que em março passado mais de 1.000 especialistas em tecnologia pediram às empresas de IA que parassem de treinar, por pelo menos seis meses, os programas mais poderosos do que o GPT-4, a versão mais recente do ChatGPT.

"Sistemas de IA com inteligência que competem com os humanos podem representar riscos profundos para a sociedade e a humanidade", alertaram em carta aberta o cofundador da Apple, Steve Wozniak, e o proprietário da Tesla, SpaceX Neuralink, entre outros. os co-fundadores da Open AI antes de renunciar ao conselho devido a desentendimentos com a liderança da empresa).

A carta em que mais de 1.000 especialistas pedem para parar a inteligência artificial por ser uma "ameaça à humanidade".

Na carta, publicada pela organização sem fins lucrativos Future of Life Institute, os especialistas afirmam que, se as empresas não concordarem rapidamente em interromper seus projetos, "os governos devem intervir e instituir uma moratória" para que medidas de segurança possam ser projetadas e implementadas.

Embora isso seja algo que - por enquanto - não aconteceu, o governo dos Estados Unidos convocou os proprietários das principais empresas de IA - Alphabet, Anthropic, Microsoft e OpenAI - para acordar "novas ações para promover a inovação responsável da IA".

"A IA é uma das tecnologias mais poderosas do nosso tempo, mas para aproveitar as oportunidades que ela apresenta, devemos primeiro mitigar seus riscos", disse a Casa Branca em comunicado em 4 de maio.

O Congresso dos EUA, por sua vez, convocou o CEO da OpenAI, Sam Altman , na terça-feira para responder a perguntas sobre o ChatGPT.

Durante a audiência no Senado, Altman disse que é "crucial" que sua indústria seja regulamentada pelo governo, pois a IA se torna "cada vez mais poderosa".

Carlos Ignacio Gutiérrez, pesquisador de políticas públicas do Future of Life Institute, explicou à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, que um dos grandes desafios que a IA apresenta é que "não existe um colegiado de especialistas que decida como regulá-la, como acontece, por exemplo , com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)".

Na carta dos especialistas, eles definiram quais eram suas principais preocupações.

"Devemos desenvolver mentes não humanas que possam eventualmente nos superar em número, ser mais espertos que nós, nos tornar obsoletos e nos substituir?", eles perguntaram.

"Devemos arriscar perder o controle de nossa civilização?"

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Sam Altman, CEO da OpenAI, criador do ChatGPT, apoiou a regulamentação governamental da IA ​​durante uma audiência no Congresso

O que nos leva ao terceiro e último estágio da IA.

3. Superinteligência Artificial (ASI)

A preocupação desses cientistas da computação tem a ver com uma teoria bem estabelecida de que, quando chegarmos à AGI, logo depois chegaremos ao último estágio do desenvolvimento dessa tecnologia: a Superinteligência Artificial, que ocorre quando a inteligência sintética supera a humana.

O filósofo da Universidade de Oxford e especialista em IA, Nick Bostrom, define superinteligência como "um intelecto muito mais inteligente do que os melhores cérebros humanos em praticamente todos os campos, incluindo criatividade científica, sabedoria geral e habilidades sociais".

A teoria é que, quando uma máquina atinge inteligência equivalente à dos humanos, sua capacidade de multiplicar essa inteligência exponencialmente por meio de seu próprio aprendizado autônomo fará com que ela nos ultrapasse amplamente em pouco tempo, atingindo o ASI.

“O ser humano para ser engenheiro, enfermeiro ou advogado tem que estudar muito. O problema do AGI é que ele é imediatamente escalável”, diz Gutiérrez.

Isso se deve a um processo chamado autoaperfeiçoamento recursivo que permite que um aplicativo de IA "se aprimore continuamente".

Embora haja muito debate sobre se uma máquina pode realmente adquirir o tipo de inteligência ampla que um ser humano possui - especialmente quando se trata de inteligência emocional - é uma das coisas que mais preocupa aqueles que acreditam que estamos perto de alcançar o AGI.

Recentemente, o chamado "padrinho da inteligência artificial" Geoffrey Hinton, pioneiro na investigação de redes neurais e aprendizado profundo que permitem que as máquinas aprendam com a experiência, assim como os humanos, alertou em entrevista à BBC que poderíamos estar próximos desse marco.

"Atualmente (as máquinas) não são mais inteligentes do que nós, até onde vejo. Mas acho que em breve poderão ser ", disse o homem de 75 anos, que acabou de se aposentar do Google.

Extinção ou imortalidade

Existem, em geral, dois campos de pensamento em relação à ASI: há os que acreditam que essa superinteligência será benéfica para a humanidade e os que acreditam no contrário.

Entre eles estava o famoso físico britânico Stephen Hawking, que acreditava que as máquinas superinteligentes representavam uma ameaça à nossa existência.

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O físico britânico Stephen Hawking acreditava que a IA superinteligente poderia levar ao 'fim dos humanos'

“O desenvolvimento da inteligência artificial completa pode significar o fim dos humanos”, disse ele à BBC em 2014, quatro anos antes de morrer.

Uma máquina com esse nível de inteligência "descolaria por conta própria e se redesenharia em um ritmo crescente", disse ele.

"Os humanos, que são limitados pela lenta evolução biológica, não seriam capazes de competir e seriam superados", previu.

No entanto, do lado oposto, há previsões mais positivas.

Um dos maiores entusiastas da ASI é o autor e inventor futurista americano Ray Kurzweil , pesquisador de IA do Google e cofundador da Singularity University do Vale do Silício ("singularidade" é outro nome para a era em que as máquinas se tornam superinteligentes).

Kurzweil acredita que os humanos serão capazes de usar IA superinteligente para superar nossas barreiras biológicas, melhorando nossas vidas e nosso mundo.

Em 2015 chegou a prever que até o ano de 2030 os humanos conseguirão alcançar a imortalidade graças aos nanobots (robôs extremamente pequenos) que atuarão dentro de nossos corpos, reparando e curando qualquer dano ou doença, inclusive as causadas pela passagem do tempo.

Em sua declaração ao Congresso na terça-feira, Sam Altman, da OpenAI, também estava otimista sobre o potencial da IA, observando que ela poderia resolver "os maiores desafios da humanidade , como a mudança climática e a cura do câncer".

No meio estão pessoas, como Hinton, que acreditam que a IA tem um enorme potencial para a humanidade, mas acham o atual ritmo de desenvolvimento, sem regras e limites claros, "preocupante".

Em um comunicado enviado ao The New York Times anunciando sua saída do Google, Hinton disse que agora se arrependia do trabalho que havia feito porque temia que "maus agentes" usassem IA para fazer "coisas ruins".

Reuters

Geoffrey Hinton disse à BBC que os avanços na IA o 'assustam'

Questionado pela BBC, ele deu este exemplo de um "pesadelo".

"Imagine, por exemplo, que algum mau ator como [o presidente russo Vladimir] Putin decidiu dar aos robôs a capacidade de criar seus próprios sub-objetivos."

As máquinas poderiam eventualmente "criar subobjetivos como: 'Preciso obter mais energia', o que representaria um risco existencial", observou ele.

Ao mesmo tempo, o especialista britânico-canadense disse que, a curto prazo, a IA trará muito mais benefícios do que riscos, por isso “não devemos parar de desenvolvê-la”.

"A questão é: agora que descobrimos que funciona melhor do que esperávamos alguns anos atrás, o que fazemos para mitigar os riscos de longo prazo de coisas mais inteligentes do que assumirmos o controle?"

Guitérrez concorda que a chave é criar um sistema de governança de IA antes de desenvolver uma inteligência que possa tomar suas próprias decisões.

"Se essas entidades são criadas com motivação própria, o que significa quando não estamos mais no controle dessas motivações?", questiona.

O especialista aponta que o perigo não é apenas que uma AGI ou ASI, seja por motivação própria ou controlada por pessoas com "maus objetivos", inicie uma guerra ou manipule o sistema financeiro, produtivo, infraestrutura energética, transporte ou qualquer outro sistema que agora é informatizado.

Uma superinteligência poderia nos dominar de uma forma muito mais sutil, adverte.

"Imagine um futuro onde uma entidade tenha tanta informação sobre cada pessoa no planeta e seus hábitos (graças às nossas buscas na internet) que poderia nos controlar de maneiras que não perceberíamos", diz ele.

"O pior cenário não é que existam guerras entre humanos e robôs. O pior é não percebermos que estamos sendo manipulados porque compartilhamos o planeta com uma entidade muito mais inteligente do que nós."