Por Fernando Castilho
Todos sabemos do assassinato violento do congolês Moïse
Kabagambe.
Há uma polêmica se o crime envolveu racismo e xenofobia, mas
talvez a resposta seja a pergunta: se Moïse fosse um suíço loiro de olhos azuis, a história
seria outra?
Claro que não.
Portanto, houve racismo e xenofobia sim. E o caso só teve
grande reação devido a uma grande comoção nacional. Observem que o crime só
foi divulgado dias depois e três homens envolvidos foram presos somente oito
dias após o ocorrido. Foi graças a indignação do povo que a imprensa começou
a dar maior destaque, senão, talvez passasse batido. Mais um preto morto,
apenas.
Apesar da grande comoção, o presidente Jair Bolsonaro não se
manifestou sobre o episódio, mas aproveitou para fazer campanha eleitoral ao
se manifestar no cercadinho contra militantes ligados a partidos de
esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Comunista Brasileiro
(PCB), que entraram em uma igreja católica de Curitiba, no
último final de semana: “É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações
que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em
raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do
mundo, como o Comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis.”
Para o Capitão Morte, o assassinato violento de um imigrante negro
não tem importância, mas a criminalização do Comunismo, sim.
É preciso agora estabelecer uma conexão com outro fato
ocorrido na segunda-feira (07) para alinhavar o raciocínio.
Naquele dia o influencer Monark, em um podcast, entrevistou os
deputados Tabata Amaral e Kim Kataguiri. À certa altura o rapaz afirmou que em
sua opinião o nazismo deveria ser legalizado no Brasil: “Eu acho que tinha que
ter um partido nazista reconhecido pela lei”, disse o apresentador.
“Se o cara quiser ser um antijudeu, eu acho que ele tinha direito de ser”,
acrescentou.
Kataguiri foi mais ou menos na linha dele ao afirmar que a
Alemanha errou ao criminalizar o nazismo: “Qual é a melhor maneira de impedir que um discurso mate pessoas e que um grupo étnico racial morra? É criminalizar? Ou
é deixar que a sociedade tenha uma rejeição social?”, perguntou o deputado.
Tabata se opôs aos dois evocando o holocausto dos judeus e ao final do podcast posou para uma foto ao lado deles, quando poderia ter-lhes dado voz de prisão.
A reação foi muito negativa, principalmente da comunidade
judaica e suas associações, a ponto de Monark ser defenestrado da sociedade
mantenedora do podcast e ainda, junto a Kataguiri, ter que prestar
esclarecimentos à PGR.
Curioso é que ontem (09), Adrilles Jorge, comentarista da Jovem Pan, foi demitido por fazer uma saudação nazista, ao melhor estilo Hitler. É, o pessoal está saindo das sombras, estimulado por três anos de um governo autoritário, preconceituoso e intolerante com as minorias.
Agora, voltando a Bolsonaro.
Na sua fala ao cercadinho, o capitão aproveitou para nivelar
o nazismo ao comunismo, ostentando aos seguidores sua mais completa ignorância
(ou má-fé) sobre o assunto.
O Manifesto Comunista de Marx e Engels, publicado em 1848
não prega discriminação, perseguição ou execução de quaisquer minorias (embora Stalin tenha promovido execuções em massa de opositores), ao
contrário, considera-as integrantes do proletariado, enquanto o nazismo faz
exatamente o oposto, caracterizando-se como um partido de supremacistas brancos
que se sentem destinados a dominar todo o resto da humanidade.
Mas, abraçar teses nazistas não é uma das características de Bolsonaro?
Não foi ele que, em campanha à presidência, conclamou,
utilizando um tripé de fotógrafo para imitar um fuzil, o povo do Acre a metralhar
os petralhas?
Não foi o capitão, ainda em campanha, que afirmou que, ou as minorias se subjugavam às maiorias, ou seriam exterminadas e que a ditadura deveria ter matado trinta mil pessoas?
Então, por que falou contra o nazismo no cercadinho?
Foi por medo da reação da comunidade judaica. Ele que sempre tem flertado
com o governo de Israel e que tem entre seus seguidores, evangélicos que
ostentam bandeiras daquele país nas manifestações pró volta da ditadura, imagina que seus votos irão pra ele.
Para finalizar a conexão, lembro que, ainda durante a campanha, Bolsonaro esteve
num evento no Clube Hebraica no Rio de Janeiro. “Eu fui num quilombo. O
afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que
nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com
eles”.
O desprezo não é exatamente pelos quilombolas, mas pelos negros, como Moïse.
E para concluir, é por isso que o capitão não deu nenhuma atenção para o assassinato de Moïse Kabagambe. Não tem a mínima empatia.
Mas tem de sobra oportunismo para utilizar o repúdio a uma
defesa do nazismo para fazer campanha eleitoral antecipada.
O consolo é que essa coisa amarga, indigesta, esse astral
negativo, essa nuvem escura está com os dias contados, vai passar e teremos a chance
de redirecionarmos o Brasil de volta para a civilização.