domingo, 20 de julho de 2014

Nasça de novo, Rubem Alves.

Por Fernando Castilho


Vão-se os bons, aqueles que transformam a sociedade, e ficam os medíocres, aqueles cuja vida lhes transpassa.

Perdemos Rubem Alves. Um dos bons.


De ética impecável, o grande educador foi teólogo, pedagogo, poeta e filósofo brasileiro. Foi autor de diversos livros, sobre diversos assuntos, entre eles, filosofia, teologia, psicologia e histórias infantis.

Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, Minas Gerais, no dia 15 de setembro de 1933. Educado no meio de família protestante, estudou Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas, São Paulo. Exerceu a atividade de pastor em Lavras, Minas Gerais.


Em 1963 foi para Nova York estudar Mestrado em Teologia. Em 1968, já no Brasil, foi, como todo e qualquer bom intelectual, perseguido pelo regime militar.


Autor do livro Teologia da Esperança Humana ("A Theology of Human Hope"), de 1969, Rubem Alves é tido por muitos estudiosos como uma das mais relevantes personalidades no cenário teológico brasileiro. Foi o fundador da reflexão sobre uma teologia libertadora, que em breve seria chamada de Teologia da Libertação (que defende uma Igreja próxima dos movimentos sociais) . Só por isso, sua contribuição ao Brasil já seria grande.

Via no Humanismo um messianismo restaurador e assim, desde os anos 60 participou do movimento latino-americano de renovação da teologia.

Sua posição liberal logo lhe trouxe graves problemas em seu relacionamento com o protestantismo histórico e especificamente presbiteriano. Foi questionado desde cedo por suas ideias e teve de abandonar o pastorado, tendo antes abandonado suas convicções doutrinárias ortodoxas.Nesse mesmo ano voltou para os EUA, onde cursou doutorado em Filosofia na Princeton Teological Seminary. De volta ao Brasil ensinou filosofia na Universidade de Campinas.

Nos anos 80 tornou-se psicanalista, através da Sociedade Paulista de Psicanálise. Passou a escrever para os grandes jornais, sobre comportamento e Psicologia.

Publicou mais de 120 títulos, sobre filosofia, educação, literatura infantil e teologia.


Desde ao menos a década de 1980, ele pediu por meio de livros, colunas e entrevistas que os colégios deixassem de massacrar os estudantes com conteúdos que serão cobrados no vestibular e depois esquecidos. E que passassem a mostrar o que os jovens vêem e verão na vida.

Como exemplo desse outro formato de educação, Alves sugeriu que uma aula pudesse começar com a apresentação de uma casca de caramujo vazia, que "normalmente ninguém presta atenção", mas que "é um assombro de engenharia". A função do educador, disse ele à Revista Nova Escola em 2002, é fazer o jovem notar a complexidade dessa casca e entendê-la.

Somente gente desse quilate, como o grande Paulo Freire, para ter essa compreensão do seja educação, que não é posta em prática porque não alimenta o sistema capitalista em que vivemos.


Em um dos seus últimos textos no jornal Folha de São Paulo, "Sobre o morrer", publicado no fim de 2011, afirmou que não gostaria de ter uma morte repentina, pois desejava conversar com as pessoas que gostava ou simplesmente ficar em silêncio (antes de morrer, ele ficou internado nove dias em Campinas).

Rubem Alves, pensador libertário, deixa, além das inúmeras obras escritas, frases extremamente bem escritas, que se parecem com diamantes perfeitamente lapidados, levando-nos sempre a uma reflexão do verdadeiro sentido da vida.

''Amar é ter um pássaro pousado no dedo.
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,
a qualquer momento, ele pode voar”

''Toda alma é uma música que se toca.''

"Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer."

Antes de morrer, Rubem Alves deixou uma carta inédita, da qual reproduzo alguns trechos:
''Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.''

''Não tenho medo da morte, embora tenha medo de morrer. O morrer pode ser doloroso e humilhante, mas à morte eis uma pergunta. Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang? Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo.''

Nasça de novo, Rubem Alves.





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