quarta-feira, 2 de março de 2022

Será que já dá pra entender melhor a guerra da Ucrânia?

Por Fernando Castilho

 

Foto: Alexey Furman


O que pode ligar o apoio de Wladimir Putin à eleição de Donald Trump, a acusação de que o filho de Biden tem negócios escusos na Ucrânia, o gasoduto Nord Stream 2, o avanço da OTAN pela Europa, a guerra e o comércio de armas pesadas?

Antes de tudo, é sempre um pisar em ovos escrever sobre o conflito da Ucrânia com a necessária imparcialidade, já que se trata de uma guerra e guerras significam retrocesso no processo civilizatório da humanidade.

Wladimir Putin é um presidente autoritário, misógino, homofóbico, cruel, insensível. Cometeu crime internacional ao invadir a Ucrânia. Que um dia seja punido por isso.

Volodymyr Zelensky é um presidente que tolera grupos neonazistas como o Svoboda e, segundo matérias jornalísticas anteriores à guerra, apoia o Batalhão Azov, o principal deles, com ramificações inclusive no sul do Brasil.

Esclarecido? Então vamos prosseguir.

Depois que a guerra começou, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, foi preciso um tempo para acompanhar as informações que chegavam, quase que na totalidade, do Ocidente, para poder detectar possíveis linhas soltas que podem, caso amarradas, tecer uma rede para uma melhor compreensão dos fatos históricos que estamos vivenciando.

1 – Segundo a BBC, "o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ajudou o então candidato republicano Donald Trump a vencer as eleições nos Estados Unidos. A informação é do relatório de uma investigação liderada pelos serviços de inteligência americanos, divulgado em janeiro de 2017.

Conforme o documento, o líder russo "encomendou" uma campanha com o objetivo de influenciar a eleição.

Foto: Mikhail Klimentyev/Sputnik/AFP

Ainda de acordo com o relatório - de 25 páginas -, o Kremlin desenvolveu uma "preferência clara" por Trump. Os objetivos da Rússia com isso seriam "minar a fé do povo americano" no processo democrático do país e "denegrir" a imagem da adversária democrata Hillary Clinton, prejudicando sua candidatura e possível mandato".

Quem quiser mais informações, pode acessar https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38525951

Parecia claro o interesse de Vladimir Putin em desestabilizar a democracia americana, através de Trump. O objetivo em parte foi alcançado quando o ex-presidente se negou a aceitar sua derrota nas eleições de 2020 e insuflou seus seguidores a invadir o Capitólio, num claro atentado à Democracia.

 

2 – Segundo o site Poder 360, "Joe Biden, candidato à Presidência dos EUA, teria influenciado nas relações comerciais de seu filho Hunter Biden com o grupo Burisma. A empresa é uma grande produtora de gás natural sediada na Ucrânia. As informações foram obtidas de uma troca de e-mails existente em 1 laptop que Hunter Biden teria deixado para consertar em uma loja de Delaware, nos EUA, em abril de 2019. O aparelho não foi buscado pelo dono e o conserto nunca foi pago. A informação foi publicada pelo jornal New York Post na 4ª feira (14.out.2020).

O presidente dos EUA à época, Donald Trump, fez acusações relacionadas ao caso. O ex-vice-presidente, por sua vez, negou qualquer atuação que teria influenciado os negócios de seu filho." Mais em https://www.poder360.com.br/internacional/entenda-a-historia-sobre-a-possivel-ligacao-de-joe-biden-e-de-seu-filho-com-a-ucrania/

Pode haver, embora Biden negue, uma ligação entre o rpesidente norte-americano e a construção do gasoduto Nord Stream 2, a menina dos olhos de Putin.

 

3 – De acordo com a Deutsche Weller, “o Nord Stream 2 é o segundo gasoduto de gás natural entre o oeste da Rússia e o nordeste da Alemanha, passando sob o Mar Báltico. Assim como o Nord Stream 1, inaugurado em 2011, ele tem uma capacidade de transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano. Ao todo, as duas instalações enviariam 110 bilhões de metros cúbicos de gás natural anualmente à Alemanha. Desde o início dos planos, os Estados Unidos e vários parceiros europeus da Alemanha se posicionaram contrários ao Nord Stream 2 e pressionaram o governo da então chanceler federal alemã Angela Merkel a desistir do acordo.

© Sputnik / Sergei Guneev

Os aliados alertaram que o Nord Stream 2 tornaria a Europa dependente demais do gás russo, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia usar essa dependência como ferramenta de persuasão e pressão em disputas com o Ocidente.

Atualmente, grande parte do gás natural da Europa chega ao bloco via Ucrânia, que recebe taxas de trânsito de Moscou. 

Cerca de 18 empresas europeias desistiram, incluindo a alemã Wintershall, por medo de sanções financeiras. A russa Gazprom declarou que continuaria a instalação do gasoduto, e o projeto foi concluído, apesar das ameaças americanas.”

Leia mais em https://www.dw.com/pt-br/nord-stream-2-e-a-luta-pelo-poder-entre-ocidente-e-r%C3%BAssia/a-60662250

Os EUA ainda não engoliram a construção do gasoduto e ela só não foi sabotada por agentes americanos por causa das fortes vigilâncias da Rússia e da Alemanha. 

Com a entrada em operação do Nord Stream 2, vários países da Europa passarão a comprar gás russo, o que significará fortalecimento do comércio e entrada de grandes divisas na Rússia.

 

4 – Segundo a CNN, “a República Tcheca se comprometeu no sábado a realizar um “envio de armas para a Ucrânia” no valor de mais de US$ 8,5 milhões para um “local de escolha dos ucranianos”.

A Holanda fornecerá à Ucrânia 200 mísseis antiaéreos Stinger. Outros materiais de defesa já estão a caminho”, tuitou o conselheiro de defesa e relações exteriores do primeiro-ministro, Geoffrey van Leeuwen.

O governo holandês também fornecerá 50 armas antitanque Panzerfaust-3 e 400 foguetes, disse o ministério em uma carta ao parlamento.

O país também está considerando em conjunto com a Alemanha enviar um sistema de defesa aérea Patriot para um grupo de batalha da OTAN na Eslováquia. É nosso dever apoiar a Ucrânia tanto quanto pudermos nos defender contra o exército de invasão de Putin. Portanto, entregaremos 1.000 armas antitanque e 500 mísseis Stinger para nossos amigos na Ucrânia”, disse o chanceler alemão Olaf Scholz”.

Leia mais em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/paises-da-europa-enviam-reforcos-para-a-ucrania-em-meio-a-invasao-da-russia/

Portanto, vários países da Europa estão enviando armamento pesado para a Ucrânia, burlando as próprias normas da OTAN que proíbem estados membros de interferir em guerras entre países que não fazem parte da aliança. E esse número ainda vai crescer com a adesão da Finlânia, Suécia (não membros ainda) e de outros.

O resultado disso é que esses países, por estarem sendo desfalcados de suas armas, estão propondo revisão de seus orçamentos de guerra a seus parlamentos para que possam renovar seus estoques.

Pergunto: comprarão de quem?

Bingo! Você acertou! Comprarão dos EUA, o país responsável por 36% das exportações de armamentos pesados no mundo e, de longe, os mais sofisticados e mortíferos.

 

Agora, outras pontinhas captadas nos noticiários locais. E por que elas?

Porque às vezes é nas entrelinhas que conseguimos captar alguma informação importante.

 

5 – No Jornal Nacional da última segunda-feira, a correspondente na Itália, Ilze Scamparini, rompeu, deliberadamente ou não, o padrão do noticiário totalmente alinhado ao Ocidente, que deveria ser jornalístico e imparcial.

A repórter afirmou que a Itália não possui nenhuma ogiva nuclear, mas, por ser integrante da OTAN, há em seu território quatro bases da aliança, leia-se, Estados Unidos, com um total de 50.

Imagem: Partners-LA STAMPA

Fica claro que, quando um país ingressa na aliança, automaticamente permite que os EUA construam bases e instalem armas nucleares. A OTAN confunde-se com os Estados Unidos.

Dá pra sentir a insegurança de estar cercado por 14 dos 30 países integrantes da OTAN, espalhados e cada um com muitas ogivas nucleares? Mais em https://www.youtube.com/watch?v=RV_uF5U36Oc

 

6 – Um jornalista brasileiro que está na Ucrânia, Gabriel Chaim, aproveitou que a Rede Globo não enviou, por questões de segurança, nenhum correspondente àquele país e decidiu vender material jornalístico à emissora.

No Jornal Nacional da segunda-feira, mostrou em vídeo a população ucraniana e as, segundo ele, milícias, se armando. Essas milícias são as nazistas alimentadas pelo presidente Volodymyr Zelensky que nega seguir essa ideologia por ser judeu. Mais em https://www.youtube.com/watch?v=RV_uF5U36Oc 

Batalhão Azov - Foto: Azov.org.ua

 

7 – Zelensky conclamou a que a população se arme e defenda seu país. Imagino como seria um confronto entre cidadãos e soldados russos fortemente treinados e armados com metralhadoras.

Segundo o JN, “Volodymyr Zelensky afirmou nesta segunda-feira (28) que vai soltar prisioneiros com experiência militar que estiverem dispostos a se unir à luta contra a Rússia”. Leia mais aqui https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/02/28/ucrania-vai-soltar-prisioneiros-que-aceitem-lutar-contra-a-russia-diz-presidente.ghtml

Imaginem prisioneiros de todos os graus de periculosidade portando armas? Isso não funciona mais como retórica para tentar demonstrar ao mundo que o povo ucraniano é heróico e está disposto a morrer por seu país?

 

8 – Conforme noticiou o Midiamax do UOL, “o tanque apontado como russo nas redes sociais, que aparece atropelando um carro nas ruas de Kiev é, na verdade, ucraniano. Um vídeo que circula nas redes sociais mencionava que um tanque russo havia passado por cima do carro na capital da Ucrânia. Mas o correspondente de guerra, Elijah J Magnier, que tem 37 anos de janela cobrindo conflitos no Irã, no Líbano, na Síria e outros país, disse se tratar de um Tanque Estrela 10 ucraniano. “E o motorista não estava prestando atenção, então passou por cima de um carro que vinha do outro lado”, relatou.

Em seu perfil no Twitter, o correspondente fez diversas postagens comentando o conflito e respondeu a um internauta, que havia mostrado o suposto vídeo. “Ainda não há tanques russos nas ruas de Kiev. 1.780 retuítes e 2.353 curtidas O motorista do carro sobreviveu ao acidente. Cuidado com as informações (falsas) nas redes sociais”, escreveu". Para ler mais, acesse https://midiamax.uol.com.br/mundo/2022/video-tanque-que-atropelou-carro-em-kiev-era-ucraniano-e-nao-russo

 

9 – Ainda na segunda-feira, houve uma reunião de representantes da Rússia e da Ucrânia em Belarus para negociar o fim da guerra.

De acordo com o Jornal Nacional “os ucranianos colocaram na mesa o objetivo deles para o encontro: um cessar-fogo imediato, mas não só. Também a retirada de todas as tropas russas, incluindo da Crimeia, península anexada pela Rússia oito anos atrás, e também da região de Donbass, dominada por separatistas russos e reconhecida como independente por Vladimir Putin.

Já os diplomatas russos não divulgaram os objetivos de Putin nessa conversa. O encontro terminou com o anúncio de que haveria uma segunda rodada de negociação Ou seja, de combinado mesmo, só que eles vão continuar se falando. E foi só as conversas terminarem para as sirenes voltarem a soar em Kiev”. Veja mais em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/02/28/ucrania-e-russia-se-reunem-pela-primeira-vez-para-negociar-a-paz-nova-reuniao-e-marcada.ghtml

 

10 - No mesmo dia, segundo o UOL, “o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, assinou nesta segunda-feira (28) um pedido para que o país faça parte da União Europeia. A informação foi divulgada pelo canal verificado do governo no Telegram. Nas imagens divulgadas pelo país, Zelensky assina o documento. Mais cedo, ele havia pedido que a UE admitisse "urgentemente" a entrada do país no bloco". Veja mais em https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/02/28/zelensky-ucrania-entrada-uniao-europeia.htm

Telegram/Reprodução

Essa é a atitude de quem deseja o fim imediato da guerra?


O objetivo deste texto, embora alguns possam não reconhecer, não é definir por um lado de uma questão geopolítica extremamente complexa, mas mostrar que em todo conflito sempre há dois lados, e que neste momento só um deles nos está sendo mostrado pelos veículos de imprensa. Seria extremamente salutar que a cobertura jornalística fosse profissional abrangendo as razões que causaram a guerra em sua origem.

Ainda muita água vai rolar e em breve teremos mais informações.

Continuamos a ficar atentos a todas os noticiários de nossa imprensa ocidental, afinal como dizia William Shakespeare, há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.

Fonte: BBC


Publicado também em Piauí Hoje

https://piauihoje.com/blogs/e-o-que-eu-acho/sera-que-ja-da-pra-entender-melhor-a-guerra-da-ucrania-393115.html


 

 

 

terça-feira, 1 de março de 2022

A arquitetura da balcanização

 Por Mauro Santayana





É impressionante como este texto de Mauro Santayana, escrito em 2014, enviado a mim pelo amigo Paulo Cavalcanti, parece até premonitório. Na verdade, apenas demonstra a capacidade de um grande jornalista em interpretar os fatos e os sinais que a geopolítica nos mostra.

Infelizmente temos hoje no Brasil e no mundo jornalistas que só recebem esse título porque se formaram em faculdades, mas que, na verdade, são meros funcionários das redações, grandes ou pequenas, que se espalham pelo país.

Gostaria muito que eles lessem este texto e aprendessem, pelo menos um pouquinho, o que é jornalismo de fato.

Vamos ao artigo.


Publicado 05/03/2014 12:00


A Alemanha e os Estados Unidos querem montar um “grupo de contato” para promover “negociações”, mas, em gesto de aberta provocação, Washington envia o secretário de Estado John Kerry a Kiev, para manifestar o apoio dos EUA aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.

Se houver combate entre as tropas que estão entrando na Crimeia para defender a população de origem russa que vive na região e se esses confrontos degenerarem em prolongada guerra civil, a responsabilidade por esse novo massacre será dos Estados Unidos e da União Europeia.

Seria inadmissível que Putin enviasse um senador para discursar diretamente aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street, em Nova York, como fez John Mcain no centro de Kiev, ou que os russos promovessem em Porto Rico a prolongada campanha de desinformação e provocação que o “Ocidente” está desenvolvendo há meses na Ucrânia, empurrando a parte da população que não é de etnia russa para um conflito contra a segunda maior potência militar do planeta e a maior da região.

A Otan sabe muito bem que não poderá intervir militarmente – e atacar Moscou, que conta com milhares de ogivas atômicas, que podem atingir em minutos Berlim, Londres e Paris – para defender os manifestantes que ela jogou o tempo todo contra o governo ucraniano.

Sua intenção é levar o país ao caos, pressionando Yanukovitch a tentar recuperar o poder com apoio de Putin, para depois acusá-lo – junto com o líder russo – de déspota e de genocida, e posar de defensora dos direitos humanos, da liberdade e da “democracia”.

Se conseguir alcançar seu objetivo de desestruturar o país, o “Ocidente” poderá somar os milhares de mortos, de estupros, de refugiados, e os bilhões de dólares de prejuízo da destruição da Ucrânia, a uma longa lista de crimes perpetrados nos últimos 12 anos, no contexto de sua Arquitetura da balcanização.

Inaugurada nos anos 1990, essa tática foi testada, primeiro, na eliminação da Iugoslávia e na sangrenta guerra que se seguiu, que acabou dividindo o país de Tito em Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Montenegro, Sérvia, e em enclaves menores como o Kosovo.

O mesmo processo de fragmentar, para dividir e dominar, destroçando o destino de milhares, milhões de idosos, mulheres e crianças, foi mais tarde repetido no Iraque e no Afeganistão, jogando etnia contra etnia, cultura contra cultura – no contexto da “Guerra contra o Terror” – montada a partir de mentiras como as “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein, que nunca existiram.

O mesmo ocorreu, depois, na Tunísia, Líbia, Egito, Iêmen, Síria, a partir do macabro engodo da “Primavera Árabe” – também insuflada, de fora, em nome da “liberdade” – que, como maior resultado, colocou em poucos meses crianças que antes frequentavam, em condições normais, os bancos escolares, para comer – sob a pena de perecer de fome – a carne de cães putrefatos, recolhida nos escombros.

O objetivo da Arquitetura da balcanização no entorno russo é gerar condições para a derrubada de regimes simpáticos a Moscou na região, promovendo o caos, a destruição, o ódio entre culturas e famílias que convivem há décadas pacificamente para obter a sua divisão em pequenos países, que possam ser mais facilmente cooptados pela Otan, com sua definitiva sujeição ao “Ocidente”.

Sua esperança é a de que, levando Moscou a intervir em antigas repúblicas soviéticas – para proteger seu status geopolítico e suas minorias étnicas – os russos se envolvam em várias guerras de desgaste, que venham a enfraquecer a Federação Russa, ameaçando a união social e territorial do país.

Ao se meter na área de influência de Moscou, insuflando protestos em países que já pertenceram à URSS, a Europa e os EUA estão – como antes já fizeram Hitler e Napoleão – cutucando o Urso com vara curta, e empurrando, insensatamente, o mundo para a beira do abismo.

A Rússia de hoje, com US$ 177 bilhões de superávit comercial no último ano, e o segundo maior exportador de energia do mundo – o que lhe permitiria congelar virtualmente a Europa se cortasse o fornecimento de gás nos meses de inverno – não é a mesma nação acuada que era no início da guerra de 1990, quando os norte-americanos acreditavam, arrogantes, na fantasia do “Fim da História” e em sua vitória na Guerra Fria.

A Federação Russa tem gasto muito para manter e modernizar sua capacidade de defesa e de dissuasão nuclear nos últimos anos. Putin sabe muito bem o que está em jogo na Ucrânia. E já deu mostras de que, se preciso for, irá enfrentar, pela força, o cerco da Europa e dos Estados Unidos.

Ele já provou que está disposto a levar até o fim a decisão que tomou de não se deixar confundir, em nenhuma hipótese, com uma espécie de Gorbachev do Terceiro Milênio.


Publicado também em https://vermelho.org.br/2014/03/05/mauro-santayana-a-arquitetura-da-balcanizacao/


*Mauro Santayana é jornalista autodidata brasileiro, colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Última Hora (1959) e trabalhou na Folha de S. Paulo (1976-82), onde foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Um exemplo de resistência ao ódio

Por Fernando Castilho




Ao subirmos no ônibus, a primeira surpresa foi o boa tarde dado pelo motorista, um jovem magro de cabelos raspados nas laterais e uma espécie de birote no topo da cabeça. Os óculos escuros completavam o design


A política talvez seja a ciência mais importante nos dias de hoje, até porque há muita gente interessada em destruí-la, como vemos na Ucrânia e no Brasil de Bolsonaro. Por isso, a defesa da política é o que me move a escrever quase todos os dias.

O texto de hoje, ainda que seja político no aspecto mais amplo da palavra, foge um pouco da minha escrita, embora não seja menos importante, creio eu.

Sou um imigrante recente, da agitadíssima São Paulo, para a tranquila e praiana Santos.

Como a cidade não é tão grande, leva-se no máximo cerca de vinte minutos para se deslocar dentro dela. Porém, na última sexta-feira, 25, precisamos, eu e minha esposa, atravessar a cidade para tratar de assuntos particulares.

Fizemos uma viagem de Uber por cerca de 45 minutos e, embora sempre tenha a expectativa de encontrar um motorista reacionário, o que tem sido frequente, dessa vez a conversa foi agradável.

Na volta, decidimos tomar um ônibus, já que a corrida de Uber ficou muito cara.

Ao subirmos no ônibus, a primeira surpresa foi o boa tarde dado pelo motorista, um jovem magro de cabelos raspados nas laterais e uma espécie de birote no topo da cabeça. Os óculos escuros completavam o design.

O celular ligado em alto volume, tocando músicas que eu desconhecia, não parecia incomodar os passageiros.

Dali a pouco, mais uma surpresa. Uma senhora grávida apertou a campainha solicitando parada. O motorista lhe perguntou onde iria, ao que ela respondeu que iria a uma clínica da prefeitura do outro lado da avenida.

O rapaz, ao invés de parar o veículo no ponto, avançou mais uns 50 metros para que a senhora pudesse atravessar com segurança na faixa de pedestres! “Aqui é muito perigoso pra atravessar”, justificou.

Mais uns dez minutos, uma mulher com uma menina no colo não sabia onde ficava uma escolinha para crianças especiais e perguntou ao motorista. Ele disse que sabia e que iria parar na porta do estabelecimento. "Fica tranquila."

Antes de chegar, a mulher falou que estava tentando colocar a criança em uma escolinha, mas que não estava achando vagas. Quem sabe aquela? O motorista respondeu que ele também era pai de um menino especial de dois anos e que também foi uma luta achar uma pra ele.

Ao chegar ao destino, o rapaz encostou delicadamente o ônibus e aguardou a mulher descer com segurança.

Mas as surpresas não pararam por aí.

Um passageiro falou que alguém havia esquecido o celular no banco. O motorista pediu que o levasse pra ele. Parou o ônibus e tentou ligar o aparelho, mas não conseguiu porque não precisava da senha.

Outra passageira disse que achava que pertencia a um rapaz que descera mais atrás.

O motorista olhou para trás e eu juro que ele pensou em retornar para procurar o dono do celular.

Olhei para minha esposa e disse que, por nós, tudo bem, já que dispúnhamos de tempo.

O motorista então, se justificou para os demais passageiros dizendo que infelizmente não poderia retornar para procurar o rapaz. Claro que não, pensei. Neste mundo em que gentilezas como essa não fazem parte do lucro das empresas, isso seria motivo para demissão do rapaz.

Em seguida, falou para todos ouvirem: “olha, gente, eu vou ficar com o celular e mais tarde vou levá-lo para a garagem dos ônibus. O dono pode ligar de outro aparelho perguntando sobre seu celular ou buscá-lo na garagem. Podem confiar em mim, não vou roubar, não, tá?”

À essa altura eu compraria qualquer coisa que ele quisesse vender, tamanha a confiança que me inspirou.

Enfim, chegara a hora de descermos e, antes que agradecêssemos e o cumprimentássemos pelas gentilezas demonstradas durante a viagem, foi ele que nos agradeceu. "Obrigado."

Durante o percurso à pé do ponto de descida até nossa casa, refletimos sobre como a gentileza pode realmente atrair gentileza tornando todos menos defensivos e tensos. E sentimo-nos leves.

Num Brasil dominado por gabinetes do ódio é sempre bom passarmos por experiências gratificantes como essa.

O motorista, jovem, de cabelos estranhos, certamente não é gentil porque leva uma vida boa, recebe ótimo salário, tem esposa e filhos saudáveis.

Consegue separar as coisas e, talvez, para que possa enfrentar as dificuldades do dia a dia e de sua profissão, se armou, não de armas que matam, mas de uma maneira de se comportar que torna seu dia mais leve. Uma resistência, talvez.

Quem sabe, passado esse pesadelo em que 30% dos brasileiros ainda apoia um presidente que insiste em armar a população e desdenha para a morte do outro, possamos ter mais pessoas como aquele motorista.

Tenho essa esperança.



Publicado também no Jornal GGN

https://jornalggn.com.br/cronica/um-exemplo-de-resistencia-ao-odio-por-fernando-castilho/



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Por que os militares se submetem a tanta humilhação?

Por Fernando Castilho


Foto: Alan Santos / Agência O Globo


Como se sentem esses militares de alta patente sendo relegados a um segundo plano por Bolsonaro e seu filho? Tendo que ficar em pé porque Carlos se sentou ao lado do pai?


Na época da ditadura as Forças Armadas do Brasil se impunham pela força, aparência agressiva e ações violentas contra os direitos humanos, prendendo, torturando e matando quem lutava contra o regime.

No imaginário popular ficou a imagem, que perdura até hoje em muitas mentes, de um exército firme em suas convicções e incorruptível. Sabemos, pela História que não é bem assim. Há inúmeras evidências de corrupção não investigada nem punida, já que a imprensa era impedida de investigar e noticiar e os órgãos de controle estavam submetidos ao regime.

Mas uma coisa é certa: para a grande maioria da população as Forças Armadas se destacam pela rígida disciplina e hierarquia, além dos valores de defesa da Pátria e da soberania.

Mas então, por que se humilham quase que diariamente perante um capitão pateta que está presidente, mas que pode ser defenestrado pelas urnas nos próximos meses?

Dois casos. Vamos ao primeiro.

Quando Bolsonaro empreendeu a patética visita à Rússia, levou com ele não só os ministros-generais Ramos, Heleno e Braga Netto, mas também seu filho Carlos, uma espécie de vereador federal, caso único no mundo.

Sentados à mesa numa das reuniões com escalões inferiores do governo russo, estavam Bolsonaro e Carlos lado a lado e, mais afastado, Braga Netto. Em pé, o general Ramos e ao fundo, o general Heleno.

Como se sentem esses militares de alta patente sendo relegados a um segundo plano por Bolsonaro e seu filho? Tendo que ficar em pé porque Carlos se sentou ao lado do pai?

Agora vamos ao segundo.

O capitão viajou para São José do Rio Preto para inaugurar uma obra e fazer campanha eleitoral antecipada promovendo uma motociata, algo que lhe enche de prazer e, segundo ele, atesta sua popularidade. Se comporta como um estudante que cabula aula escapando da agenda presidencial, algo muito entediante para ele.

Em seu lugar ficou o vice-presidente, general Mourão.

Perguntado por jornalistas sobre a situação na Ucrânia, o militar condenou a invasão daquele país por parte da Rússia e comparou Vladimir Putin a Adolph Hitler. Não vou entrar no mérito da comparação descabida feita por quem revela não ter o mínimo conhecimento de geopolítica.

Mas, como sempre acontece quando Mourão dá uma declaração à imprensa, Bolsonaro ficou incomodado e, em sua live tradicional das quintas-feiras não se conteve e espinafrou seu vice novamente.

"O artigo 84 da Constituição diz que quem fala sobre este assunto é o presidente. E o presidente se chama Jair Messias Bolsonaro. E ponto final. Então, com todo respeito a esta pessoa que falou isso, e eu vi as imagens, falou mesmo, está falando algo que não deve, que não é de competência dela”, disse ele.

O que mais chama a atenção é a covardia do capitão ao não citar o nome de Mourão, dando uma indireta pra lá de direta. Mas além disso, se afirma como um ser terrivelmente autoritário que não permite que seu vice emita sua opinião.

Mas o mais grave nem é isso.

Onde estão as rígidas disciplina e hierarquia? Onde foi parar a altivez de um general perante um capitão, mesmo ele sendo presidente?

Para que serve aquele grande número de medalhas obtidas nas batalhas das quais nunca participou e em que em ocasiões solenes Mourão costuma ostentar no peito?

Para que serve um vice-presidente sempre humilhado pelo titular?

Mourão deveria pegar seu boné e renunciar. Mas, e o salário?

Os militares que participam do governo acumulam vencimentos das Forças Armadas com o que recebem em seus cargos e o salário do general Mourão é de cerca de 65 mil reais na vice-presidência! Pra não fazer quase nada.

Isso significa que, se Bolsonaro ordenar que qualquer um de seus generais passe a lhe servir o cafezinho, eles o farão.

Quando esse governo terminar os maiores prejudicados, além do capitão, que terá que responder a inúmeros processos, serão os militares, os que dele participam e os que não.

Qual será a imagem que ficará dessa aventura a que nossas Forças Armadas decidiram participar?

De gente incompetente, ávida por dinheiro, picanha, atum, uísque e vinho.

E disposta a se humilhar diante de seu dono para garantir sua mamata.

  

 

 

 

 


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Cadê as doações dos ricos?

Por Fernando Castilho


Foto: Fernando Frazão /Agência Brasil


Tudo isso demonstra que, em tragédias como essa, é o pobre que prática solidariedade. Mas parece que é só

Deu no G1: "Petrópolis, na Região Serrana, confirmou nesta segunda-feira (21) 178 mortes causadas pelas chuvas que devastaram a cidade no último dia 15. Com isso, a tragédia igualou em números de óbitos o pior desastre já registrado pela Defesa Civil no município".

As imagens das TVs mostraram pessoas que perderam, além da casa e dos móveis, vários familiares. A um homem, que perdeu esposa grávida e uma criança de apenas cinco anos, restou somente um filho de onze anos. Como vai recomeçar a vida?

O que vemos todas as noites nos noticiários são batalhões de pessoas, homens e mulheres, trabalhando junto à Defesa Civil e os bombeiros, nas escavações pela busca de corpos.

O fluxo de motos por terrenos acidentados carregando alimentos e água é incessante. Trabalho sem nenhuma paga.

Pequenos restaurantes, bares e microempresários preparam quentinhas para serem distribuídas aos que tudo perderam e aos que trabalham nas escavações.

Organizações não governamentais, como a CUFA, Central Única das Favelas, composta por voluntários, coleta e distribui doações.

Tudo isso demonstra que, em tragédias como essa, é o pobre que prática solidariedade. Mas parece que é só.

Foto: CNN

Nossos valorosos soldados aparecem às vezes, mas não se sujam de lama para colaborar nos resgates.

Posso estar sendo injusto por desconhecimento, mas não é visto nenhum caminhão de distribuição de alimentos, vestuário ou móveis com logos de grandes redes de supermercados, atacadistas, lojas de roupas ou de móveis e eletrodomésticos. Esse é um triste e perverso reflexo da desigualdade social do país.

Pode estar havendo doações de empresas ou ricos anônimos, quem sabe? Mas quem doa mesmo é pobre.

A TV mostrou um grande caminhão da Igreja Adventista fazendo doações e uma mulher disse que do poder público não recebeu nada, somente de um pastor.

Costumo generalizar que pastores existem somente para ludibriar a fé dos pobres e tirar-lhes o pouco dinheiro que têm, mas devo reconhecer que algumas igrejas estão se mobilizando também.

O presidente Bolsonaro foi para a região e, desta vez guardou para si a opinião que expressou na tragédia de São Paulo de que pobre mora em área de risco porque escolhe mal.

Estamos assistindo a uma histórica mudança climática que se manifesta de maneira acelerada, embora negacionistas adeptos desse governo de morte, ainda insistam em negá-la.

As tragédias de Minas Gerais, Bahia, São Paulo e agora, Rio de Janeiro, foram enormes, mas ainda, apesar da população pobre estar enfrentando dificuldades como desemprego, alta de alimentos, gasolina, luz e gás, é possível ver a mobilização e a solidariedade.

Mas, até quando?

É hora do poder público se movimentar e traçar um planejamento de ações visando minimizar ou mitigar estragos e mortes futuros e criar fundos de recursos captados de grandes empresas que se esquivam de fazer doações nas horas em que as pessoas mais precisam. E é preciso exigir que essas empresas ofereçam emprego a quem perdeu tudo para que possam com seu trabalho tentar recuperar seus bens.

E basta de dizer que ninguém poderia prever que a chuva iria ser tão volumosa. 

Isso é indigno para qualquer governante.

 

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil


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O PT e um projeto para além do de governo

Por Carlos Fernandes



Após reunião com Lula, Márcio França desiste de candidatura e afirma que estará junto na campanha de Haddad.

O interior conservador de São Paulo, ninguém nega, é um fator a ser superado por qualquer chapa progressista de esquerda.

Justamente por isso, o apoio de Alckmin e Márcio França a Haddad são suportes que ajudam e muito a superar esse direitismo e antipetismo tão enraizados.

Ainda que outras variáveis como a influência - via poder econômico, inclusive - que o atual governo do estado irá exercer na campanha devam ser incluídos nessa complexa conta, é impossível negar que estamos construindo a mais sólida e provável oportunidade de vitória do campo da esquerda de todos os tempos no maior colégio eleitoral do país e estado mais importante da federação.

O PT parece ter aprendido, a duras penas, que não basta apenas um projeto de governo, mas também, e principalmente, de um projeto de poder.

E São Paulo é parte fundamental para esse segundo projeto.

Lutar pontualmente ao lado de inimigos históricos, num contexto político envolto a uma série de derrotas, visando a construção de algo muito maior e mais duradouro é exemplo típico da mais tática, estratégica e responsável luta política, dada as atuais circunstâncias.

Para além de livrarmos o estado de São Paulo de mais de 3 décadas de hegemonia tucana e liberal, pavimentamos a estrada para uma verdadeira revolução de curto, médio e longo prazo jamais vista nesse país.

E os primeiros tijolos a serem assentados via análise concreta da realidade é a deposição de Jair Bolsonaro e João Dória da vida pública brasileira.

A isso chamamos política. Todo o resto é brincadeira juvenil de pseudos-revolucionários.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Augusto Aras, um PGR terrivelmente prevaricador

Por Fernando Castilho


Charge: Aroeira


Como pode uma pessoa sacrificar todo um país de 213 milhões de habitantes para satisfazer sua ambição pessoal em conseguir um cargo vitalício de excelente remuneração e prestígio? A pergunta já é uma resposta


Geraldo Brindeiro exerceu o cargo de Procurador Geral da República (PGR) nos governos Fernando Henrique Cardoso.

Por não dar andamento às denúncias de corrupção no governo, teve que conviver com o apelido de engavetador geral da República e poderia ser chamado também de Geraldo Blindeiro (com L) porque blindava FHC de tudo quanto era acusação.

Foto: Alan Marques - Folhapress

Os tempos avançaram e agora temos mais um engavetador, o senhor Augusto Aras, que poderia ser chamado de Augusto Oras porque a cada denúncia de possíveis crimes contra o presidente Jair Bolsonaro, é como se ele dissesse: oras, pra que investigar isso? Oras, deixa pra lá.

 Quando Aras completou seu primeiro mandato de dois anos e estava blindando o capitão de quaisquer acusações, imaginava-se que o motivo seria o pleito que fazia junto ao presidente para que fosse ele o indicado à vaga do ministro do STF, Marco Aurélio Mello. Mas a indicação recaiu sobre André Mendonça, o mais terrivelmente evangélico. Bolsonaro já havia indicado Nunes Marques anteriormente, outro terrivelmente evangélico, para o lugar de Celso de Mello, preterindo Aras.

Como já havia perdido a vaga, o PGR passou a lutar para ser aprovado na sabatina feita pelo Senado para um segundo mandato à frente do órgão.

Lá, naquela casa, para alguns senadores oposicionistas, Aras mostrou-se disposto a mudar de postura. Não mais pediria para arquivar tudo contra o presidente porque já não mais poderia contar com a vaga no STF. Para outros, favoráveis ao presidente, entretanto,  prometeu continuar como era antes, afinal, muitos têm o rabo preso também.

E para a PGR voltou Augusto Aras.

A esperança voltou depois que o Capitão Morte anunciou que, se reeleito, indicará mais duas pessoas ao STF para as vagas de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que se aposentarão em 2023. Por que não ele?

É por isso que Aras cumpre seu papel como cãozinho obediente todos os dias.

Como pode uma pessoa sacrificar todo um país de 213 milhões de habitantes para satisfazer sua ambição pessoal em conseguir um cargo vitalício de excelente remuneração e prestígio? A pergunta já é uma resposta.

Os ministros do STF têm, por norma e costume, submeter quaisquer pedidos de investigação ou notícias-crime ao PGR para ele se manifeste e, só depois, de acordo com o retorno, levar adiante os processos ou não.

Ultimamente, principalmente Alexandre de Moraes e Rosa Weber, têm manifestado contrariedade com os pedidos de arquivamento de Aras. Moraes, inclusive, já driblou um desses pedidos.

Mas, em nome da Constituição que todos os ministros juraram defender, as opiniões de Augusto Aras têm que começar a ser ignoradas, se quisermos que Bolsonaro comece já a responder por seus crimes.

Até os resultados da CPI da Covid-19 que foram enviados à PGR ainda não foram levados adiante, num total desrespeito aos senadores.

É por isso que o senador Randolfe Rodrigues, da Rede, está reunindo assinaturas para abertura de processo de impeachment contra Aras.

Dará certo?

Não sabemos, mas servirá, ao menos, para dar uma sacudida no STF e escancarar a prevaricação que o PGR comete quase todos os dias.


Foto: Pedro França - Agência Senado



 


sábado, 19 de fevereiro de 2022

O xadrez de Lula, o grande mestre

Por Fernando Castilho





Diz a lenda que um dos maiores enxadristas de todos os tempos, o grande mestre americano Bob Fischer, conseguia prever até 70 lances futuros. Se o adversário fosse realmente forte, não teria como escapar das jogadas previstas por ele.


O xadrez se caracteriza, entre outras coisas, por ser um dos poucos jogos em que, para vencer, é preciso prever alguns lances adiante.

Diz a lenda que um dos maiores enxadristas de todos os tempos, o grande mestre americano Bob Fischer, conseguia prever até 70 lances futuros. Se o adversário fosse realmente forte, não teria como escapar das jogadas previstas por ele.

Guardem isso porque voltarei depois a esse tema.

Gente, a diferença nas intenções de voto para presidente, entre Lula e Bolsonaro baixou. Dependendo da pesquisa, isso é mais ou menos evidente.

Na verdade, a campanha pra valer ainda não começou, mas, para quem deseja ver esse governo pelas costas e inaugurar um novo ciclo civilizatório, um sinalzinho amarelo começou a piscar.

Alguns fatores podem ter influenciado essa redução da diferença, como o efeito Auxílio Brasil e a visita de Bolsonaro, um pária mundial, a Putin, não importa qual o assunto tratado.

O maior fator que conduz o Brasil a um atraso em seu desenvolvimento, apesar de todas nossas riquezas é, sem dúvida, a terrivelmente perversa má distribuição de renda, o que causa um abismo entre as classes mais favorecidas e os excluídos.

Quer gostem ou não dele, foi com os dois governos Lula que esse abismo foi reconhecidamente reduzido. Lula havia prometido durante sua campanha em 2002 que o pobre iria comer três refeições por dia se ele foi eleito. E ele cumpriu.

Foi com Lula que cerca de 35 milhões de pessoas saíram da linha da miséria e da pobreza, podendo comer mais e melhor e, por isso, movimentando a economia.

Foi também com ele e com Dilma que vários outros programas sociais levaram aos mais vulneráveis um estado de bem-estar social com empregos, renda, alimentação, ensino técnico, saúde e moradia, principalmente.

Hoje temos um país parcialmente destruído onde nada mais funciona. Se Bolsonaro não tivesse parado o Minha Casa Minha Vida, por exemplo, poderíamos ter mitigado as tragédias das inundações na Bahia, Minas Gerais, São Paulo e, agora, Petrópolis no Rio de Janeiro.

Não é preciso aqui fazer uma lista dos maufeitos do Capitão Morte, pois quem acompanhou esses três anos, sabe de cor e salteado.

Para encurtar, é fundamental que esse governo tenha fim este ano e que o próximo presidente inicie um processo de recuperação do país e o coloque de novo nos trilhos do desenvolvimento e do processo civilizatório, levando bem-estar aos menos favorecidos.

No momento, o único capaz de conduzir o país a isso é Lula, até porque já fez isso anteriormente. Não precisa ser testado.

Agora, voltando ao xadrez.

Ainda no final do ano, Lula surpreendeu a todos propondo Geraldo Alckmin na vice-presidência. Uns compreenderam e outros torceram o nariz.

Sabemos o que Alckmin fez no verão passado e não nos esqueceremos. Mas o que se passou pela cabeça de Lula?

Ele sabe que a boa vantagem que ele ainda tem pode ser ilusória porque Bolsonaro, apesar de tudo o que fez de mal ao país, mantém cerca de 30% de um eleitorado fiel e, com a máquina do governo nas mãos, pode ampliar esse índice.

Lula sabe desde o ano passado que não ganha as eleições se compor uma chapa puro-sangue, só com a esquerda. É fundamental que amplie o espectro político. E é aí que entra Alckmin.

Além disso, como grande mestre do xadrez político, Lula, ao mesmo tempo que utiliza Alckmin para ganhar mais votos, o tira da disputa pelo governo de São Paulo, em que é favorito.

Desta forma, Fernando Haddad tem grandes chances de se eleger governador de São Paulo!

Mas, e os lances futuros? Lula previu?

Ele tem plena consciência de que não viverá para sempre. Aliás, ele só está entrando nessa disputa por amor ao país porque, talvez, por sua vontade, iria curtir o descanso acompanhado de sua esposa.

Lula aposta na capacidade de Haddad em fazer um excelente governo em São Paulo para se cacifar em 2026 para sua sucessão na presidência. Aí, talvez, com uma chapa completa de esquerda.

Então, gente, é imprescindível que todos da esquerda esqueçam suas opiniões sobre Alckmin e ajudem Lula em seu árduo trabalho de buscar composições aqui e ali para que vença já no primeiro turno sem dar tempo para que o Capitão Morte obtenha apoiadores de última hora, como Doria, Eduardo Leite ou Moro. Ciro, mais uma vez, dificilmente apoiaria Lula no segundo turno, preferindo ir novamente para Paris.

As peças estão sobre o tabuleiro e o grande mestre Lula raciocina para prever os lances futuros.

Não fiquemos só na torcida ou alimentando sonhos ingênuos.

Vamos ajudá-lo!


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

A morte do amigo negacionista

Por Moisés Mendes


Foto: Andreas Fickl/Pexels


Morreu o amigo de adolescência de um grupo que se reúne há um ano e meio no WhatsApp. Esse é o resumo da história verdadeira de um sujeito brincalhão, alegre, falante, o cara aquele que se encaixava em qualquer turma com qualquer assunto e com qualquer tipo de risada, das contidas, compridas ou gargalhadas.

Um colega legal, daqueles que não colocava ninguém a correr se chegasse atrasado numa rodinha de conversa. Isso na segunda metade dos anos 70, no 2º grau, quando a escolha do que se quer ser na vida é uma pela manhã e duas outras à tarde.

O amigo não vacilou muito quando adulto e virou empresário. Quando se reuniam, muito tempo depois, já com famílias, filhos e agregados, ele aparecia.

Eram encontros raros, mas lá estava ele com o mesmo perfil. Outros mudaram um pouco ou muito os jeitos e temperamentos. Ele não. Era sempre o mesmo. Expansivo, assertivo, sempre divertido e agora um homem próspero.

Quando o grupo foi criado no Whats, no começo do ano passado, os colegas se reagruparam. Democratas com ideias progressistas e humanistas e atuando nas mais diversas áreas. E então o amigo aquele apresentou-se ali como se fosse outra pessoa.

O colega sempre leve depois de homem maduro, já com mais de 60 anos, incorporou no Whats um sujeito pesado. Não era mais o tucano que poucos sabiam que havia sido. Era um ativista bolsonarista e negacionista.

O grupo se abateu. O colega passou a pregar contra o isolamento e a vacina e em defesa do kit covid, como se fosse um modelo para cursinho de extremista de direita. Virou uma caricatura absolutista.

O grupo se sentiu constrangido, a maioria debandou em poucos meses, e o colega também foi embora. O adolescente interativo, agregador, divertido, não existia mais.

Mas, quando ele saiu, outros voltaram, sob um clima muito mais de desconforto do que de repulsa e condenação. A turma se reagrupou de novo quando o amigo aquele não estava mais por perto.

Há pouco mais de um mês ficaram sabendo que ele havia sido infectado. Depois, foram informados de que estava na UTI e entubado. E esta semana alguém deu a notícia de que havia morrido.

Pouco antes de morrer, reafirmou nas redes sociais (porque alguém espiava suas postagens) o que pensava da vacina e dos remédios milagrosos de Bolsonaro.

Sei, porque me contaram, que o sentimento de perda foi intenso e dolorido. O grupo agarrou-se à memória do guri divertido, para despedir-se dele, e não do sessentão que havia se apropriado do adolescente do colégio.

A morte nos reapresenta o dilema que, quanto mais a pandemia se espicha, mais fica irresolvido. O que teria virado esse amigo, aos 60 anos, se Bolsonaro não tivesse chegado ao poder e dividido famílias, colegas, vizinhos?

Os amigos que perdemos para a extrema direita em meio à ascensão do bolsonarismo são uma invenção de Bolsonaro, ou Bolsonaro só existe porque esses nossos amigos estavam à espera de um sujeito que incorporasse todas as crueldades e todos os ódios, ressentimentos e preconceitos?

Foi mesmo Bolsonaro quem fez aflorar a índole do amigo que se afastou da turma, ou esse e outros amigos criaram o Bolsonaro poderoso, eleito pelo voto, para que assim pudessem ser representados e se expressar como de fato são ou eram?

A morte de cada amigo da adolescência vai nos tirando aos poucos o que construímos naqueles tempos na direção da eternidade. A morte de um amigo que virou bolsonarista também pode ser devastadora.

Um adulto bolsonarista não deveria ter o direito de dar fim prematuro ao que ele mesmo foi no nosso tempo de colégio. O bolsonarismo tenta destruir até o nosso passado e as nossas melhores memórias.


Fachin, um cordeiro. Bolsonaro, um lobo.

Por Fernando Castilho




Fachin se comporta como um cordeiro indefeso e dele se aproveita o lobo Bolsonaro


“Cibersegurança é um elemento imprescindível. As ameaças são credíveis. Por isso, estamos atentos desde já. E como desde antes, sempre estaremos atentos e preparados”.

Inacreditável? Não, diria ESTARRECEDOR!

Sim. Após dois anos de Luís Roberto Barroso à frente do TSE, enfrentando quase todos os dias as insinuações, afirmações, bravatas e ameaças do presidente Jair Bolsonaro, tendo que convidar hackers para tentarem invadir o sistema e as urnas eletrônicas para provar sua inviolabilidade, e fazendo até campanha na TV sobre a segurança delas, vai o novo presidente do tribunal, Luiz Edson Fachin e faz uma afirmação dessas?

Quer dizer que há ameaças? E se uma delas vingar?

É claro que sempre vai haver quem se aventure numa tentativa de burlar o sistema, mas como as urnas não são conectadas a Internet, a invasão só poderia ocorrer no servidor, mas este está sob várias camadas de proteção, o que o torna inviolável.

Outra coisa que causa pavor na fala de Fachin é que “a preocupação com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos meses, e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, tal como a Rússia, que não têm legislação adequada de controle”.

Isso não assusta? Não intranquiliza o eleitor? Não o induz a pensar que talvez Bolsonaro tenha razão?

Será que não se enganou, misturando tudo? O TSE já pode estar sob ataque?

Todos sabem que o aplicativo de mensagens Telegram tem sua sede na Rússia, mas isso é muito diferente de ataques hackers. Será através dele que Bolsonaro, Carluxo e o pessoal do gabinete do ódio espalharão as fake news durante a campanha. É preciso que se bloqueie de alguma forma o sinal aqui no Brasil, já que os executivos do Telegram não respondem à nenhuma mensagem do TSE, e o problema estará resolvido.

Mas Fachin deveria seguir a cartilha de Barroso e não tocar no assunto, até porque o capitão já havia parado de fazer suas acusações sem provas há meses.

Mas, como o cordeiro Fachin piscou, o lobo Bolsonaro aproveitou e deu seu bote mostrando os dentes, manifestando-se desde a Rússia, desta forma:

“O próprio ministro Fachin acaba de comprovar, no meu entender, que ele não tem confiança no sistema eleitoral. […] Eu não sei por que esse desespero gratuito a um país – no qual o chefe de Estado brasileiro está presente –, como se aqui fosse um país que viesse a participar de forma criminosa em eleições no Brasil. Se o sistema eleitoral é inviolável, por que isso é preocupação? Acabaram de comprovar que existe a possibilidade de [a urna] ser violada”.

Pronto, era o que o Capitão Morte queria. Agora vai voltar a acusar as urnas eletrônicas de passíveis de fraude até outubro.

Com a 10 a 15% de desvantagem nas pesquisas em relação ao ex-presidente Lula, Bolsonaro parece tranquilo, não parece? Teria uma carta na manga, caso perca as eleições?

Já escrevi aqui que a tranquilidade aparente pode ser devido a uma escolha já feita de concorrer ao Senado na última hora, o que lhe garantiria segurança de não ser preso, mas pode ser também que o plano seja outro.

Como Fachin lhe deu munição, Bolsonaro talvez esteja pensando em reeditar aqui em terras tupiniquins, a tentativa de golpe que Donald Trump fez no ano passado nos EUA, quando não aceitou sua derrota para Joe Biden.

A tentativa foi frustrada, mas a invasão do capitólio rendeu cinco mortes.

Mas aqui a coisa pode evolui de maneira diferente, afinal, diferentemente dos EUA, temos as Forças Armadas que costumam interferir nas eleições e atuam politicamente. E pode dar certo.

Desde que Fachin assumiu, tenho um pé atrás com seu desempenho. É fraco e destoa dos outros ministros da Corte.

E agora vemos que quando se porta como cordeiro, atrai lobos ferozes.

Como na fábula O Lobo e o Cordeiro, de Jean de La Fontaine