Por Fernando Castilho
É curioso – e um tanto deprimente – como certos episódios do século 21 parecem saídos diretamente de livros ou filmes clássicos. Desta vez, minha memória foi imediatamente puxada para Os Intocáveis (1987), dirigido por Brian De Palma e estrelado por Kevin Costner e Sean Connery.
No enredo, a máfia norte-americana, ao perceber que seus
negócios estão ameaçados, parte para a retaliação brutal contra a polícia. Al
Capone, o chefão, não hesita em ameaçar e atacar familiares de seus inimigos –
inclusive tentando intimidar o agente Eliot Ness por meio de sua esposa e
filha. A tensão cresce à medida que a equipe se aproxima de provas cruciais. É
o retrato da criminalidade quando se vê acuada: ela não argumenta, ela ameaça.
E se puder, manda flores com bilhete anônimo.
Por que essa lembrança veio à tona?
Porque acabei de assistir a um vídeo de um deputado que,
atualmente, trai sua pátria diretamente dos Estados Unidos – aparentemente
entre uma visita à Disney e outra. Nele, o sujeito — com olhos lacrimejantes e
voz trêmula – ameaça o ministro do STF Alexandre de Moraes da seguinte forma:
“Eu vou provar para o Alexandre de Moraes que ele encontrou
um cara de saco roxo que vai acabar com essa brincadeirinha dele. Moraes, você,
a sua mulher, e depois dela, que quem será sancionado serão seus filhos, eu vou
atrás de cada um de vocês.”
Sim, é isso mesmo. O parlamentar, em pleno solo estrangeiro,
resolveu brincar de Al Capone versão TikTok. Só faltou o charuto e o terno
risca de giz.
A pergunta que se impõe é simples: há alguma diferença entre
ele e Al Capone?
Na verdade, nem precisamos recorrer a filmes sobre a máfia
norte-americana – esse é o exato modus operandi das milícias do Rio de Janeiro,
aquelas que a família Bolsonaro tanto admira e já homenageou oficialmente. A
diferença? Capone ao menos tinha um senso de estética. E era mais gordo.
Assim como Eliot Ness não se intimidou diante das ameaças
contra sua família, Alexandre de Moraes segue firme, sem recuar um milímetro de
sua missão de defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. E isso
incomoda – incomoda profundamente quem vive da chantagem, da intimidação e da
política do medo. Afinal, é difícil lidar com alguém que não treme diante de
gritos histéricos e ameaças mal ensaiadas.
O que falta? Prender o meliante.
E é aqui que a ironia histórica se impõe: Al Capone não foi
preso por assassinatos, extorsão ou ameaças. Foi pego por evasão fiscal. O
crime mais burocrático de todos derrubou o maior mafioso da história americana.
Um lembrete gentil de que a Receita Federal pode ser mais perigosa que qualquer
revólver.
Talvez seja por aí que Eduardo Bolsonaro também será
alcançado pela justiça. Afinal, muito dinheiro já foi transferido pela família
para os Estados Unidos – dinheiro cuja origem permanece obscura, como os
milhões recebidos via Pix. E se tem uma coisa que o Pix não faz é apagar
rastros.
Porque no fim das contas, o que às vezes derruba um criminoso
não é o grito – é o recibo. E esse, meu caro, não tem como negar.