Amigos,
logicamente não tenho a pretensão de que esta carta chegue ao Dr.
Hélio Bicudo, uma vez que sou um pequeno blogueiro e pouca gente
dará atenção a ela, vamos combinar.
Não
possuo também procuração para exprimir o sentimento de cada
brasileiro pois não tenho essa capacidade nem esse direito. Falo
então por mim, embora no final defenda os votos dos 54,5 milhões de
eleitores que escolheram Dilma Rousseff.
Mas
como na internet tudo é possível, quem sabe por vias tortuosas o o
Dr. Hélio acabe lendo-a? Quem sabe?
Vamos
à carta.
Dr.
Hélio, desculpe mas a partir de agora vou chamá-lo de ''você'',
certo?
Você
foi ministro interino da Fazenda no governo João Goulart, deposto
pelo espúrio regime militar de 1964. Começa a ter história na
esquerda a partir daí.
Inesquecível
sua luta contra o Esquadrão da Morte em São Paulo.
Atuando
praticamente sozinho, contra todo tipo de pressões e ameaças, você
expôs as vísceras do grupo e levou à cadeia alguns de seus
membros, entre eles o líder, o delegado Fleury, torturador e chefe
do DOPS, um dos homens mais poderosos da polícia paulista que não
conseguiu nem prendê-lo nem dar fim à sua vida.
Você
foi um Golias gigantesco contra todos aqueles que compactuavam
daquela imoralidade cruel, ofensiva aos direitos humanos e totalmente
contrária ao Estado de Direito.
Tentei
conservar ao longos dos anos minha lembrança de sua estatura física
pequena, mas principalmente não sai de minha memória sua estatura
moral imensa. Daqueles tempos.
Mesmo
depois que você saiu do PT em 2005, enojado com o processo do
mensalão.
Mesmo
que você não tenha se preocupado em defender seus companheiros
contra uma condenação muito mais midiática e política do que
pautada pela busca da Justiça, antiga obsessão sua, no episódio do
mensalão.
Mesmo
que digam que você ficou ressentido com Lula e por nunca tê-lo
perdoado, destila há décadas seu ódio.
Mesmo
que você tenha apoiado José Serra, candidato da direita, nas
eleições de 2010, em detrimento de Dilma Rousseff, que representava
o único e mais consistente projeto da mesma esquerda da qual você
fora outrora grande apoiador.
Mas
agora, Hélio, você foi longe demais.
Não
porque eu simplesmente não concorde com suas posturas políticas que
mudaram radicalmente. Isso acontece com muita gente de esquerda que
envelhece. E você não parece estar senil como muita gente sugere.
Mas
ao elaborar um parecer jurídico em conjunto com Miguel Reale Júnior,
da mesma direita que quer retomar o poder à força no país, você
dá amostras de uma inconsequência juvenil.
O
seu parecer, para espanto de juristas não menos respeitados como
Bandeira de Mello ou Dalmo Dallari, não se sustenta por ser muito
falho. Pior, Bandeira de Mello vai além, ao classificar o pedido de
impeachment como ''palhaçada''. Isso não é constrangedor para um
jurista de sua qualidade e história?
As
pedaladas fiscais do governo Dilma, que são o fiozinho em que vocês
se pegaram, não tem consistência por não ferir o Artigo 36 da Lei
de Responsabilidade Fiscal, como vocês querem.
E
vocês sabem disso, mas mesmo assim receberam da oposição golpista
sua boa paga para escrever esse amontoado de bobagens que está agora
sendo usado pelo escroque maior da nação, Eduardo Cunha para tentar derrubar injustamente a presidente Dilma.
Uma
vez na Câmara, todas as falhas técnicas do parecer serão
esquecidas e o processo a partir de agora se guiará somente pela
decisão política daqueles 300 picaretas com anel de doutor que seu
desafeto outrora citou.
Embora
tentasse evitar falar de seus filhos por não querer me imiscuir em
questões familiares, ficou claro pela entrevista que o mais
velho, José Eduardo, concedeu, que eles não apoiam seu ato. Pior, a
crítica que ele faz ao pai é extremamente severa.
Hélio,
a biografia de uma vida de 93 anos não pode ser manchada por atos
movidos por ressentimentos que jogarão a nação numa crise
institucional ainda maior que a econômica. Não é justo.
A
imagem que fica de um homem são sempre seus últimos atos como ser
humano antes da morte. É por isso que não se dá nome de rua para
quem ainda está vivo.
Hélio,
por todo o exposto, peço, não só em meu nome, mas também no de 54,5 milhões de votos que não podem ser jogados no lixo comprometendo a
consolidação de nossa democracia ainda tão jovem, que reveja sua
posição.
Não
será vergonhoso de sua parte, muito pelo contrário, será um ato
típico daquela coragem com que você enfrentou o Esquadrão da Morte
nos tempos mais sombrios da ditadura.
Apontar
agora o erro técnico inviabilizará o pedido de impeachment, Cunha
será derrotado e preso, a nação deverá retomar unida o caminho da
superação de sua crise e a oposição, se apresentar propostas
melhores terá sua chance democrática em 2018.
Passo
agora, em respeito à sua história e aos seus 93 anos de idade, a
chamá-lo de ''senhor''.