Por Fernando Castilho
Nos últimos tempos, o Centrão, essa entidade política que
sempre sabe onde fica a cozinha, esteve confortavelmente abraçado à extrema
direita bolsonarista. A parceria, claro, não foi por afinidade ideológica, mas
por conveniência. Prova disso foram os mimos trocados, como a PEC da Blindagem,
uma tentativa quase poética de escapar das investigações sobre o destino das
emendas parlamentares. Afinal, ninguém quer acabar atrás das grades por falta
de zelo orçamentário.
Outro ponto de união foi a resistência à taxação dos
super-ricos. Nada mais natural: muitos dos parlamentares do Centrão fazem parte
desse seleto grupo e, como bons representantes (deles mesmos), defenderam com
unhas e dentes seus próprios bolsos.
Mas eis que o roteiro saiu do controle. O povo, elemento
imprevisível da democracia, resolveu sair às ruas contra os abusos. A
mobilização popular pegou os parlamentares de surpresa. Com as eleições se
aproximando, a má fama do Centrão começou a ameaçar a reeleição de seus
membros, que até então acreditavam que bastava distribuir emendas e selfies
para garantir votos.
A onda de protestos também deu um empurrãozinho nas
pesquisas para o presidente. Lula foi beneficiado por episódios dignos de
série. Eduardo Bolsonaro, ao agir contra os interesses nacionais, acabou
presenteando Lula com o papel de defensor da soberania. É preciso lembrar que,
uma vez iniciadas as campanhas eleitorais na TV, os vídeos em que Eduardo pede que
os Estados Unidos imponham sanções ao Brasil, joguem uma bomba atômica ou enviem
um porta-aviões para cá, serão enormemente explorados. Quem do Centrão, em
juízo perfeito, vai querer ter seu nome ligado a alguém tão tóxico ao país?
Além do tiro no pé que Eduardo deu, Donald Trump, num giro
inesperado, buscou diálogo com Lula para tentar consertar os estragos do
tarifaço. Sim, até Trump percebeu que talvez seja melhor conversar com quem
manda de verdade e não com dois patetas.
Outro dado importante é o destino de Jair Bolsonaro. Preso,
ele iniciará uma nova trajetória rumo ao... ostracismo. Rei morto, rei posto.
Adeus.
Enquanto o cenário se inverte, dois ministros de Lula, mesmo
sob ameaças de expulsão partidária, ignoraram os caciques e permaneceram no
governo. Um gesto raro de convicção política, ou talvez apenas de cálculo mais
refinado.
Diante desse novo cenário, o Centrão, sempre com o dedo no
vento, começa a recalibrar sua bússola. Alguns membros já se aproximam do
governo, conscientes de que dividir o palanque com Lula, favorito em todos os
cenários eleitorais, e não com um possível Tarcísio ou Ratinho Jr., pode render
bons frutos. Afinal, quem quer ficar do lado que só oferece desgaste e memes
ruins?
A debandada tem uma consequência direta: o isolamento dos
bolsonaristas, agora desmascarados por seu apoio explícito aos bilionários, às
casas de apostas e aos bancos. Nada como defender esse povo... rico. E há
vídeos mais que suficientes de Sóstenes e outros, que serão explorados durante
a campanha.
A aproximação do Centrão com Lula pode redesenhar
completamente o jogo político. Governadores e prefeitos ligados ao grupo já
ensaiam passos rumo ao governo federal, em busca de apoio, recursos e, claro,
emendas. A dança das cadeiras começou, e os palanques bolsonaristas em
estados-chave correm o risco de ficarem vazios ou, pior, com plateia hostil.
No Nordeste, onde Lula nada de braçada, a migração
partidária deve ser ainda mais intensa. Não será surpresa se deputados e
senadores trocarem de sigla como quem troca de gravata, buscando abrigo em
partidos mais alinhados ao governo, como PSB, MDB ou até o próprio PT. Afinal,
a coerência para eles é ditada pelo momento.
Essa disputa por espaço no campo governista pode gerar
tensões internas. Partidos que sempre estiveram com Lula vão exigir
contrapartidas: mais ministérios, mais apoio, mais tudo. E o bolsonarismo? Deve
se restringir aos núcleos ideológicos mais radicais, com menos capilaridade
eleitoral e orçamento digno de vaquinha online.
Com o Centrão recalculando sua rota, a dinâmica legislativa
também muda. Lula pode conquistar uma base mais ampla e estável, suficiente
para aprovar projetos estratégicos, especialmente nas áreas de economia,
justiça tributária e reformas sociais e ambientais. O isolamento dos
bolsonaristas, por sua vez, tende a reduzir a obstrução nas votações. O
plenário, palco de gritaria e memes, pode finalmente virar espaço de debate (ou
pelo menos de silêncio constrangedor). A negociação com o Centrão, embora pragmática
e baseada em cargos e verbas, pode garantir avanços em pautas populares.
Afinal, até o fisiologismo tem seu lado útil.
O Centrão, como sempre, não decepciona. Atento à direção dos
ventos, recalculou sua rota com a precisão de um GPS político. A combinação
entre pressão popular, desgaste bolsonarista e ascensão de Lula criou um novo
campo gravitacional no Congresso. E como bons satélites da sobrevivência
eleitoral, os parlamentares estão sendo atraídos para o lado do governo.
Se isso vai redefinir os rumos do país? Provavelmente. Se
vai ser por convicção? Pouco provável. Mas no Brasil, até a conveniência pode
ser revolucionária, desde que venha com cargo, verba e uma boa foto no
palanque.