terça-feira, 12 de abril de 2022

A pobreza invisível aos olhos dos partidos de direita

Por Fernando Castilho


Foto: Folha de São Paulo


As instituições que deveriam fiscalizar essas ações ilegais do capitão, o TSE e a PGR, fazem vista grossa, ou por pusilanimidade, caso da primeira, ou cumplicidade, caso da segunda


As propagandas eleitorais na TV, embora disfarçadas, já começaram.

Excetuando-se a centro-esquerda de Lula, e a extrema-direita de Bolsonaro, todos os outros partidos componentes desse espectro político são da direita. E nenhum, excetuando Lula, demonstra o menor sentimento de empatia com o sofrido povo brasileiro.

O que se vê são platitudes e mentiras.

Um diz que a esquerda vê a pedofilia com simpatia.

Outro se intitula o verdadeiro partido conservador.

Para todos o que importa é a defesa da tradicional família brasileira. Mesmo que ela esteja se despedaçando por causa da fome, do desemprego e da Covid..

O Brasil perdeu em pouco mais de dois anos pelo menos 620 mil pessoas para a Covid-19, numero divulgado pelo Consórcio de Veículos de Imprensa que, com certeza, está subestimado. Multiplique-se isso por 5 e teremos a dor de mais de 3 milhões de familiares, muitos dos quais, perderam seus arrimos.

Mas esses partidos, o presidente e o centrão não viram isso, ou não sentiram isso, ou não ligam para isso, ou não agiram para evitar isso.

Outros milhares de pessoas, entre mortos, feridos e desabrigados foram vítimas das terríveis chuvas dos últimos meses, enquanto o presidente do Brasil se exibia em esquis aquáticos por Santa Catarina, alheio ao sofrimento humano.

Novamente, nenhum deles viu isso, sentiu isso. E nem se lembra mais disso.

Caminho pelas ruas da cidade e observo o enorme contingente de famélicos, sujos e  maltrapilhos a andar como zumbis a esmo ou deitar nas calçadas e marquises. Gente que chegou ao fundo do poço por causa do desemprego que lhe custou o despejo e a desagregação da família. Gente que talvez nunca mais consiga se reerguer.

Passo por um semáforo e observo a menina descalça de 7 ou 8 anos tentando vender balas para os motoristas que permanecem com as janelas de seus carros fechadas por medo de assalto. É inevitável um sentimento de tristeza e raiva.

Esse fenômeno também acontecia até 20 anos atrás, pouco antes da eleição de Lula a seu primeiro mandato.

Essas pessoas abandonadas pelo Estado são invisíveis aos olhos dos políticos dos  partidos de direita e de extrema-direita que fazem propaganda na TV. Nós já os vimos antes através de denúncias de corrupção, de votos favoráveis a medidas contrárias ao povo, como as reformas trabalhista e da previdência e envolvimentos em orçamentos secretos.

São os mesmos que em 2016 votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff, pela família, pelos filhos, pelo papagaio, mas sobretudo, pelo dinheiro que receberam de Eduardo Cunha. São predadores do Estado brasileiro que se aproveitam do fantoche que está no Planalto.

Sim, o responsável direto por todo esse sofrimento dos desvalidos, a autoridade máxima da nação, gasta seu tempo viajando pelo país, fazendo campanha eleitoral antecipada, paga com dinheiro público.

As instituições que deveriam fiscalizar essas ações ilegais do capitão, o TSE e a PGR, fazem vista grossa, ou por pusilanimidade, caso da primeira, ou cumplicidade, caso da segunda.

O sofrimento e a dor de não conseguir emprego, de não ter o mínimo necessário para comprar alimentos para os filhos famintos, de não poder comprar um botijão de gás, de perder o pouco dos bens que se conseguiu comprar com sacrifício em muitas prestações não é nem reverberado pelos veículos de comunicação que sempre procuram selecionar as pessoas mais conformadas com a própria sorte para as rápidas entrevistas no horário nobre dos telejornais. Chegamos a questionar se não existe mesmo ninguém revoltado no país.

É por isso que, em meio a essa profusão de insensibilidades das propagandas eleitorais dos partidos de direita e extrema-direita, a chama de esperança transmitida pelo velhinho de cabelos brancos que fala ao povo com voz rouca, ilumina aqueles momentos tão hipócritas e obscuros.

Para Lula, o enorme contingente de miseráveis não é invisível. Mas só pra ele.

É pra essa gente, mas também para a classe média que também começa a ser duramente atingida pela crise econômica descontrolada que Lula fala.

É essa gente que Lula quer colocar no orçamento do país.

Para Lula, o pobre não é um problema a ser desconsiderado ou colocado na invisibilidade, mas sim, a solução para a economia.

Ao dizer que é mais fácil vencer as eleições do que consertar todos os estragos cometidos nesses últimos anos, o velhinho barbudo dá a real dimensão da destruição que encontrará em todas as esferas federais ao assumir em janeiro de 2023.

Lula é o único candidato que não está em campanha por pura vaidade, para manter privilégios, para aumentar e dividir o butim ou para evitar ser preso.

Lula é o único candidato que ama seu país de verdade, com sinceridade.

Ele sempre demonstrou isso e a gente vê isso em seus olhos. 


Também publicado no Jornal GGN:

https://jornalggn.com.br/opiniao/a-pobreza-e-invisivel-aos-olhos-dos-partidos-de-direita-por-fernando-castilho/

Também publicado em Medium:

https://medium.com/@fernandocastilho/a-pobreza-invis%C3%ADvel-aos-olhos-dos-partidos-de-direita-92985f6c4e96






terça-feira, 5 de abril de 2022

Como propagou-se a Covid pelo mundo?

Por Fernando Castilho





A imprensa ocidental deixou de falar das armas biológicas norte-americanas encontradas pelos russos em laboratórios ucranianos. Por quê?


A mídia ocidental, capitaneada por agências como a Reuters, tem procurado mostrar a versão que mais agrada este lado do planeta acerca dos acontecimentos relativos ao conflito Rússia-Ucrânia.

Todos os dias temos lamentado a destruição e as mortes no país de Volodymyr Zelensky, alimentado nosso ódio pelo invasor, Vladimir Putin, mas esquecendo-nos de verificar quais seriam as razões para a invasão e, muito menos, ouvido e visto o que relata a imprensa do lado de lá.

Ontem mesmo, vimos revoltados os cerca de 300 corpos de pessoas assassinadas pelo exército russo, espalhados pelas ruas destruídas da cidade de Bucha.

Numa situação dessas, temos duas opções: acreditar piamente nas imagens ou desconfiar delas, afinal, há uma guerra de informações. A primeira é a mais cômoda e a segunda é a mais trabalhosa. Opto pela segunda.

Zelensky, como de costume, fez com muita competência um teatro em cima do fato, mas a Rússia nega veementemente que tenha cometido esse crime terrível.

Bem, neste contexto atual em que a Rússia, seus costumes, sua cultura e suas artes estão sendo canceladas pelo restante do mundo, vale perguntar qual seria a razão para jogar ainda mais a opinião pública planetária contra ela? Qual o simbolismo e qual a utilidade para a guerra desses 300 corpos?

Estive pensando o dia todo nisso quando me veios às mãos um vídeo mostrando os mesmos corpos deitados nas ruas acenando para tropas ucranianas que passavam de caminhão. Muito estranho.

Porém, da mesma maneira que desconfiamos dos vídeos de Zelensky, também desconfiamos desse.

A imprensa ocidental deixou de falar das armas biológicas norte-americanas encontradas pelos russos em laboratórios ucranianos. Por quê?

Por que a ONU não enviou uma missão para investigar esses laboratórios? A Rússia vai ficar falando sozinha na ONU? Ninguém tem interesse em verificar a veracidade das gravíssimas afirmações?

Agora me deparo com Ignacio Ramonet,  jornalista e diretor do sério jornal Le Monde Diplomatique em versão espanhola, acaba de fazer uma denúncia gravíssima.

O texto que compartilho aqui começa com a palavra Urgente e afirma que a Rússia não esperava descobrir, como parte da sua campanha militar, “aves numeradas“ criadas por laboratórios biológicos e bacteriológicos na Ucrânia, financiados e supervisionados pelos organismos militares dos EUA.

Outra “surpresa”, foi anunciar as localizações dos laboratórios norte-americanos que fabricam e ensaiam armas biológicas em 36 países do mundo (um aumento de 12 países em relação à sessão anterior).

Mas afinal o que são estes “pássaros numerados”, tratados por Ramonet como “Aves de destruição em massa”?

Depois de estudar a migração das aves e observá-las ao longo das estações, os especialistas ambientais e os zoólogos puderam conhecer o caminho que estas aves tomam a cada ano na sua viagem sazonal,incluídas as que viajam de um país para outro e até de um continente para outros.

(isso já sabíamos)

Aqui entra em ação o papel dos serviços de inteligência das organizações que conduzem um plano de “segurança estratégica” dos EUA. Um grupo destas aves migratórias são “detidas”, digitalizadas e providas de uma cápsula de germes e patógenos que levam um chip para serem controlados através de computadores, como se fossem drones vivos. A seguir são libertadas de novo para unirem-se às aves migratórias nos países onde se planeja efetuar a contaminação.

Sabe-se que estas aves tomam um caminho desde o mar Báltico e o mar Cáspio até o continente africano e o sudeste asiático, assim como outros dois voos a partir do Canadá para a América Latina na Primavera e no Outono. Durante o seu longo voo monitora-se o seu deslocamento passo a passo por intermédio de satélites e determina-se a sua localização exata. Se querem, por exemplo, prejudicar a Síria ou o Brasil, o chip é destruído quando o pássaro está nos seus céus. Mata-se o pássaro que cai levando a epidemia. Assim, as doenças se espalham neste ou naquele país. Dessa forma, o país inimigo é prejudicado sem nenhum custo militar, econômico e político para o imperialismo ianque genocida.

A numeração das aves migratórias é considerada um delito pelo direito internacional, porque são aves que penetram o céu e o ar de outros países, e podem espraiar contaminação. Se o laboratório lhes abastece de vírus e germes, então esta ave converte-se numa arma de destruição maciça. Portanto, no direito internacional, considera-se proibida a utilização de aves para lançar ataques mortais contra um país oponente. Porém, a pandemia não foi uma guerra convencional contra uma determinada nação, mas uma operação econômica para tentar resgatar o regime capitalista de sua crise terminal, gerando lucros trilionários para a Big Pharma, que agora no mercado financeiro só fica atrás da indústria armamentista.

O país que comete um ato tão imoral e criminoso, em tese seria punido pelo regimento da ONU. Acontece que os EUA não tremem diante de nenhuma punição internacional, pois os governos burgueses não se atrevem a castigá-los. Mas agora serão imputados diante do estigma que acompanhará a sua existência como um Estado terrorista, inclusive perante os seus submissos aliados.

O governo Putin têm uma forte “carta na manga”, quando afirma que capturou as “aves numeradas” . Isto quer dizer que os ianques foram agarrados com as mãos na massa, com todos os pormenores contidos que provam uma condenação decisiva por um organismo científico independente.

Isto obriga a pensar na possibilidade real de que todos os vírus que infectaram humanos neste século, especialmente os últimos, como o ébola que afetou a África, o antrax, a gripe porcina e aviar, e atualmente o Covid-19, provenham todos de laboratórios militares financiados e administrados pelos EUA.

E foi isto que fez com que a China apresentasse uma solicitação urgente, séria e estrita para realizar uma investigação internacional sobre o surgimento repentino do coronavírus. É muito provável que o imperialismo ianque tenha utilizado aves migratórias para primeiro matar cidadãos da China e depois no mundo todo, para potencializar seu sistema financeiro.

 

Embora não se possa chancelar essa opinião como verdadeira, não se pode simplesmente descartá-la e, muito menos desqualificar o seu autor, um jornalista sério, com muitos anos de história e com muitas fontes fidedignas.

Infelizmente, talvez o mundo nunca consiga comprovar a veracidade do que afirma o jornalista porque os EUA ainda são um império que manda em seus aliados, mas esse estado de coisas não é eterno, já que está em curso declínio de seu domínio com a crescente ascensão da China e da própria Rússia.

Talvez, daqui há alguns anos, possamos conhecer a verdade.


Abaixo, o texto original de Ramonet, em espanhol, extraído do Diario 16.


«… Urgente*

En una ruidosa reunión en el Consejo de Seguridad de la ONU, realizada a pedido de Rusia, sobre el desarrollo de armas biológicas estadounidenses en sus fronteras dentro de Ucrania, quedó en evidencia lo siguiente:

1- El delegado ruso entregó documentos y pruebas para que quedaran en el acta de la sesión que confirman lo siguiente:

*Financiamiento oficial del Pentágono para un «aparente» programa de armas biológicas en Ucrania

*Nombres de personas y empresas estadounidenses especializadas en las pruebas y documentos involucrados en este programa.

*La ubicación de los laboratorios en Ucrania y los intentos realizados hasta ahora para ocultar las pruebas.

2- Anunciar otra sorpresa del representante de Rusia en las ubicaciones de los laboratorios estadounidenses que fabrican y prueban armas biológicas en 36 países del mundo (un aumento de 12 países con respecto a la sesión anterior).

3- El delegado ruso específicó las enfermedades y epidemias, los medios de su liberación, los países en los que se están probando y cuándo y dónde se llevaron a cabo los experimentos con o sin el conocimiento de los gobiernos de estos países.

4- El delegado ruso confirmó públicamente que entre los experimentos y efectos está el virus responsable de la actual pandemia y la gran cantidad de murciélagos utilizados para transmitir este virus.

5- Estados Unidos lo niega, Francia y Gran Bretaña aliados con ella (y el eco entre los pueblos de estos países es muy violento), y tienden a creerse esta novela bajo la presión psicológica que la pandemia ha dejado sobre todos.

6- La Organización Mundial de la Salud niega su conocimiento de la existencia de experimentos biológicos en Ucrania y dice: Toda nuestra información es que son laboratorios de investigación médica para combatir enfermedades (y Rusia prueba con evidencia la correspondencia regular y visitas de expertos de la Organización Mundial de la Salud) a los laboratorios estadounidenses sospechosos en todo el mundo.

7- China ataca a todos, y le dice al delegado de USA: Mientras niegues y estés seguro de tu inocencia, ¿por qué te niegas desesperadamente. a permitir la realización de una investigación por parte de especialistas para averiguar la verdad, especialmente con documentos y pruebas contundentes?

A los que quieran saber cuáles son los pájaros numerados… y como América mata al mundo sin un sólo tiro… Aquí les dejo la información:

Aves de destrucción masiva..

Rusia no esperaba descubrir, como parte de su campaña militar en Ucrania, aves numeradas producidas por laboratorios biológicos y bacteriológicos en Ucrania financiados y supervisados por los Estados Unidos de América.

¡¿Pero qué son los pájaros numerados?!

Después de estudiar la migración de las aves y observarlas a lo largo de las estaciones, los especialistas ambientales y los zoólogos podrán conocer el camino que toman cada año estas aves en su viaje estacional, incluidas. lasque viajan de un país a otro o incluso de un continente a otros.

Aquí entra el papel de la inteligencia de las partes que llevan un plan malévolo, un grupo de estas aves migratorias son «arrestadas», digitalizadas y provistas de una cápsula de gérmenes que llevan un chip para ser controlados a través de computadoras, luego son liberadas de nuevo para unirse a las aves migratorias a los países donde se planea el daño.

Se sabe que estas aves toman un camino desde el mar Báltico y el mar Caspio hasta el continente africano y el sudeste asiático, y otros dos vuelos desde Canadá a América Latina en primavera y otoño. Durante su largo vuelo, se monitorea su desplazamiento paso a paso a por intermedio de satélites, y se determina su ubivación exacta, si quieren, por ejemplo, dañar a Siria o Egitpo, el chip se destruye cuando el pájaro está en sus cielos. Se mata el pájaro y cae llevando la epidemia, y las enfermedades se esparcen en tal o cual país. Así, el país enemigo ha sido dañado sin ningún costo militar, económico y político.

La numeración de las aves migratorias es considerada un delito por el derecho internacional, porque son aves que penetran el cielo y el aire de otros países, y si se les provee de gérmenes, entonces esta ave se convierte en un arma de destrucción masiva. Por lo tanto, en el derecho internacional, se considera prohibido el uso de aves para lanzar ataques mortales contra un oponente, y quien comete un acto tan inmoral e inhumano es castigado, y esto es lo que hizo que América no temblara ante ningún castigo (nadie se atreve a castigarlos a ellos) sino del estigma que acompañará la vida de todos ellos y de excluirlo por completo como país creíble, incluso de sus aliados.

Los rusos tienen una fuerte carta de presión, cuando dicen que han capturado las aves, quiere decir que los americanos están agarrados con las manos en la masa, con todos los detalles que contiene que prueban la condena decisiva. Esto obliga a pensar en la posibilidad de que todos los virus que han infectado a humanos en este siglo, especialmente los últimos, como el ébola, que afectó a África, ántrax, gripe porcina y aviar, y actualmente el Covid-19, todos provengan de laboratorios financiados y administrados por los Estados Unidos de América, y esto es lo que hizo que China presentara una solicitud urgente, seria y estricta para realizar una investigación internacional sobre la aparición repentina del coronavirus, es muy probable que Estados Unidos haya utilizado aves migratorias para matar ciudadanos de China.

Lo importante es que los escándalos de América del Norte van en aumento, y ahora ha comenzado a rebajar su tono hostil hacia Rusia y trata de reconectarse con ella, con la esperanza de que lleguen a un acuerdo político con los rusos que la proteja del mal de sus acciones y para que no represente ninguna amenaza para Rusia en el futuro.

 


Como evitar o emburrecimento e restaurar a plenitude da inteligência

Por Marcos Neves




Há umas semanas rodou por aí, partilhada à exaustão, a tradução de um texto francês sobre o empobrecimento da língua. O texto é bonito, mas a argumentação está colada a cuspo.

 

O cronista, um professor de gestão francês chamado Christophe Clavé, pouca culpa terá. Afinal, a língua é um tema interessante e, quando há que escrever uma crónica e não nos aparece outro assunto, há sempre a possibilidade de bater na língua dos dias de hoje. É um truque velho de séculos. Uma crónica escreve-se depressa, nem sempre temos tempo para pensar no que dizemos. Acontece.

Já fico um pouco mais preocupado com todos os leitores cultíssimos, exigentíssimos e sempre com o pensamento crítico na boca que, perante uma prosa sobre a língua que não mostra conhecimento mínimo sobre o estudo dessa língua, a divulgam sem remorsos e sem pensamento crítico que se veja.

Vejamos então o que diz o tal texto partilhado. Uso a versão traduzida que vi partilhada. O texto original é um pouco diferente (para dizer a verdade, mais subtil), mas foi este o texto que tantos portugueses quiseram partilhar. Vamos a ele.

«O QI médio da população mundial, que sempre aumentou desde o pós-guerra até o final dos anos 90, diminuiu nos últimos vinte anos …É a inversão do efeito Flynn. Parece que o nível de inteligência medido pelos testes diminui nos países mais desenvolvidos. Pode haver muitas causas para esse fenómeno.»

Alto e pára o baile! Na verdade, houve ganhos tremendos — quase inacreditáveis — do QI nos últimos 100 anos, em todo o mundo. Este é o gráfico do aumento (não são valores absolutos, são valores relativos à base):



Os dados estão na página Our World in Data.

É verdade que se notou uma estabilização ou mesmo inversão do efeito Flynn em alguns países, principalmente do Norte da Europa, mas não está generalizada nem apaga o que foram os ganhos das últimas décadas. Há ainda que ter em conta que as subidas e descidas têm muitos factores associados. Não é fácil compreender por que razão ocorrem. Não é fácil chegar a conclusões sólidas…

Bem, o autor apresenta uma hipótese:

«Uma delas [das causas] pode ser o empobrecimento da linguagem. Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as subtilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo.»

«Pode ser» — uma excelente dúvida científica. É pena que essa dúvida seja logo substituída por certezas que vêm dos habituais «vários estudos»… Que estudos serão esses? (Serão as flutuações dos resultados PISA? Desconfio que sim, mas não sei. O texto não diz.)

Pergunto eu: onde estão os linguistas — cientistas que estudam a língua — que encontram diminuição sustentada do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem?

É verdade que o senso comum parece ver empobrecimento no uso da linguagem. Mas essa sensação já nos acompanha há milhares de anos (sim, há milhares)! É como os óvnis: muitos os vêem, ninguém os encontra. Quando se põem a estudar a questão, os linguistas não registam empobrecimento do uso da linguagem pelos falantes (o que registam, isso sim, é uma uniformização da linguagem nos espaços nacionais, com menos variação regional — mas isso é outra questão).

Os falantes continuam a ter os milhares de palavras que sempre tiveram ao seu dispor, mesmo que essas palavras não sejam exactamente as mesmas que eram há 100 anos. Nos dicionários, o número de palavras até estará a aumentar (porque os dicionários são cada vez mais abrangentes).

Olhando para o texto de Clavé, e exercendo o tal pensamento crítico que o próprio texto preconiza, temos de perguntar: mesmo se existisse esse empobrecimento da linguagem, como saber que há uma ligação de causa-efeito entre o empobrecimento e a suposta diminuição da inteligência? Não seria muito mais provável que o empobrecimento fosse uma consequência e não uma causa dessa descida da inteligência (que, como vimos, não é bem como a pintam)?

Outra pergunta: se aceitarmos essa relação de causa-efeito, quer isso dizer que os anos 90, quando o QI chegou ao pico segundo o próprio texto, foram os anos em que a riqueza da língua chegou ao expoente máximo? Os anos 90 do século XX? A sério?

Continuemos a ler Clavé:

«A simplificação dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos de «golpes mortais» na precisão e variedade de expressão.»

A escrita é hoje usada em contextos informais onde não aparecia há umas décadas. Assim, em certos contextos, usamos menos pontuação e menos maiúsculas. Mas noutros, ninguém deixa de usar maiúsculas ou pontuação. Na verdade, havendo mais variedade, há mais complexidade. Saber escolher entre um ponto, um ponto de exclamação ou nada numa mensagem de SMS é mais difícil do que apenas entre um ponto e um ponto de exclamação. Este uso da escrita na informalidade não se faz sem dificuldades, mas faz-se. Não há menos complexidade… Afinal, todos temos de aprender a usar a língua na escrita em mais registos do que até há poucos anos, quando os registos informais eram quase um exclusivo da oralidade.

Por outro lado, não percebi bem o que será «a simplificação dos tutoriais». Vou ao original: está lá «tutoiement». O tradutor de ocasião compreendeu muito mal o texto. Trata-se do tratamento por tu. (Se os tradutores profissionais falham algumas vezes, os «tradutores» com aspas falham muito mais.) Enfim, olhando para o original, parece que o autor defende que as formas de tratamento distintas são uma subtileza que importa não perder. Que ligação tem isto à inteligência? Não sei. Há várias línguas sem distinção T-V (como se chama habitualmente), sendo o exemplo mais conhecido o inglês. Serão menos subtis? Serão menos inteligentes?

«Apenas um exemplo: eliminar a palavra «signorina» (agora obsoleta) não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.»

Aquele «signorina» virá, presumo, de um original «mademoiselle» que se transformou na versão italiana por alguma razão numa das várias traduções portuguesas que por aí circulam. (É, de facto. Confirmei no original. Como este problema em particular não existe em português, o «tradutor» inventou.) Nós não usamos uma forma intermédia entre «menina» e «mulher»/«senhora». Temos, por outro lado, um sistema de formas de tratamento que não lembra ao diabo — nem a um francês! Seremos mais subtis que os franceses? Talvez mais inteligentes? Seremos menos capazes de perceber as várias fases do desenvolvimento da mulher? Que confusão se cria assim entre as particularidades de cada língua, a inteligência e o conhecimento…

Há ainda que desconfiar destas impressões («mademoiselle» está a desaparecer!). Às vezes, vamos a ver e o tal desaparecimento não se verifica. Outras vezes, é um facto, mas muito mais antigo do que parece. Há que desconfiar das nossas impressões… Muitos portugueses estão convencidos de que «você» é palavra recente, quando já se usa desde o século XVII. É apenas um exemplo. Todos nós nos enganamos com as nossas impressões. Talvez fosse útil perguntar a algum linguista francês se pode verificar o tal desaparecimento de «mademoiselle».

«Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento.»

Os jovens usam menos palavras? Parece, mas é uma impressão de todos os tempos. Diria que os jovens sempre conheceram menos palavras que os mais velhos, porque viveram menos que os mais velhos. Mesmo assim, uma criança de cinco anos já sabe uns bons milhares de palavras, bem mais do que se diz por aí (já cheguei a ouvir dizer que só usamos 1000 palavras, um disparate…). Usamos hoje muitas bengalas? Sempre as usámos, fazem parte dos mecanismos mentais que nos permitem pensar enquanto falamos. Usamos muitas vezes umas poucas palavras? A distribuição de uso de palavras é constante entre línguas e é também constante no tempo. Chama-se a isto a Lei de Zipf (é fácil encontrar descrições sobre este fenómeno). Não, não andamos a usar muito poucas palavras — continuamos a usar a linguagem como sempre usámos. A língua muda, o cérebro humano lá se vai mantendo…

«Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras. Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece. A história está cheia de exemplos e muitos livros (Georges Orwell – “1984”; Ray Bradbury – “Fahrenheit 451”) contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras.»

Quais estudos? Até admito que haja estudos que dizem isto mesmo quanto à violência (gostava, no entanto, de saber quais são). Só que a dificuldade de descrever as emoções é um problema de sempre… Será que hoje, quando a população está alfabetizada como nunca esteve, é mais difícil descrever as emoções? Será que isso tem levado a um aumento da violência? Será estranho defender isto depois de várias décadas de diminuição da violência nos países da Europa (por exemplo, no que toca aos homicídios). Mas mesmo que não fosse o caso, há que ter cuidado com as conclusões apressadas. Estabelecer uma ligação entre o uso da linguagem à violência exige provas bastante sólidas…

Quanto aos escritores referidos, dificilmente defenderiam que as suas obras descrevem uma diminuição da inteligência provocada por um empobrecimento da linguagem em regimes como os nossos. Mesmo que fosse o caso, para fazermos análises linguísticas convém ter dados e não apontar para representações ficcionais, por mais importantes que sejam — e estas são-no. Desconfio que apareçam aqui para dar um certo ar de profundidade literária a um texto cheio de ar. Há perigos no uso da língua, claro que há: todo este texto de Clavé mostra bem como podemos embrulhar numa retórica bonita ideias muito pouco desenvolvidas…

«Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras. Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?»

Cada língua tem um determinado sistema de flexão verbal. Há línguas que usam muitos verbos auxiliares ou outras palavras para expressar uma grande parte dos tempos, enquanto línguas como as latinas apostam em diferentes formas do verbo. Um sistema não é melhor do que o outro. O inglês, por exemplo, expressa o condicional através da sintaxe. O português fá-lo através de uma forma particular do verbo. Serão os ingleses incapazes de construir pensamento hipotético-dedutivo? Claro que não! Todas as línguas permitem fazer isso mesmo, usem ou não uma forma verbal particular. Mesmo que o francês e o português estivessem a perder o condicional (não estão), a língua continuaria a ter formas de expressar o mesmo. Em português, por exemplo, podemos usar o imperfeito em vez do condicional, mas só o fazemos se se cumprirem certas condições. A língua, nesse ponto, está a ficar mais complexa, não menos.

A nossa flexão verbal continua a ser riquíssima. Basta tentarmos descrevê-la (como já tentei ao escrever uma gramática) para vermos como é difícil de sistematizar. É muito complexa, muito mais do que pensamos. Só como exemplo, temos expressões iterativas («tenho falado com ele»), temos vários graus do futuro, com subtis diferenças («eu falo com ele, eu falarei com ele, eu vou falar com ele, eu hei-de falar com ele, eu irei falar com ele…»). Nada disto mudou nos últimos anos.

Já o inglês, por exemplo, não tem uma forma verbal simples de expressar o futuro — precisa sempre de auxiliares. Serão menos inteligentes por lá?

«Caros pais e professores: Façamos com que nossos filhos, nossos alunos falem, leiam e escrevam. Ensinar e praticar o idioma em suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade. Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem de seus “defeitos”, abolir géneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros arquitetos do empobrecimento da mente humana.»

Sem dúvida! Assino por baixo este último parágrafo (só este). As nossas línguas são complexas. Todas as línguas são complexas. (Já agora, se nós temos dois géneros e os falantes de suaíli têm mais do que dez, serão mais inteligentes por isso?) Convém não simplificar — e isso implica analisar a língua como ela existe e não a imagem simplificada (lá está) que temos do uso dessa língua. É por isso que dar mais atenção aos estudos linguísticos pode ajudar a cair em menos ratoeiras retóricas como este texto.

A questão é esta: as línguas não estão a ficar menos complexas. O que se perde de um lado, ganha-se de outro (por estranho que pareça), num jogo de equilíbrio cognitivo que não notamos, mas que se desenvolve ao longo dos milénios (o livro que proponho abaixo descreve esse jogo).

No final, nenhuma língua exige dos seus falantes nativos mais inteligência para ser falada do que outra língua. É uma característica das línguas pouco conhecida, mas que se revela quando as estudamos de forma um pouco mais profunda. Para saber isso é preciso estudar um pouco mais a fundo a língua do que os habituais comentários de café…

Entretanto, Clavé ainda não terminou:

«Não há liberdade sem necessidade. Não há beleza sem o pensamento da beleza.»

Muito bem. Frases bonitas, para terminar. Não vejo grande relação com o resto do texto, mas não faz mal. As línguas continuam a permitir pensar a beleza. Até continuam a permitir criar beleza, veja-se bem.

Antes de terminar, digo: as línguas podem passar por períodos de decadência — mas na escrita… Quando o Império Romano desapareceu, os níveis de alfabetização desceram. No entanto, as línguas em si, na oralidade, não se transformaram em subprodutos linguísticos — acabaram por dar origem às nossas línguas, que simplificaram partes do latim, mas complexificaram outras (os artigos, por exemplo).

Ora, mesmo na escrita não vivemos hoje num período de decadência: a alfabetização é superior a qualquer época passada. Ainda não estamos bem? Pois claro que não. Preocupa-me a falta de leitura de muitos jovens, que não permite ganhar capacidades de escrita adequadas para um mundo em que vivemos pela escrita. Mas de uma preocupação que todos podemos partilhar até conclusões catastróficas sobre a evolução da língua, o estado da gramática, do vocabulário, da violência e de tudo o mais — vai, claro, uma grande distância…

Temos de ser muito exigentes. A língua exige uso e estudo, principalmente na escrita. É por isso que proponho que se leia mais sobre a língua, para lá de impressões de café.

Por exemplo, este artigo (em inglês) mostra como as línguas tendem a transmitir informação com a mesma eficiência, afinada ao longo dos milénios pelas capacidades cerebrais e auditivas dos seres humanos. É um artigo difícil? Com certeza que sim… Nada que assuste quem tanto grita a favor da exigência. É uma das pistas que apontam para uma certa constância das línguas humanas no que toca à complexidade e às capacidades cerebrais necessárias para as falar.

Proponho ainda um livro de que já falei anteriormente, mas que é um bom ponto de partida para percebermos como as línguas não se desfazem no tempo: The Unfolding of Language, de Guy Deutscher. É um livro exigente, como certamente Clavé e os seus leitores gostam. É também um livro muito interessante e muito informado sobre as línguas. Já agora, como estamos a falar de um texto francês, deixo também outra sugestão de leitura: Le Français dans tous les sens, de Henriette Walter. Sobre a nossa própria língua, temos o recente (e já muito recomendado por aqui) Assim Nasceu Uma Língua, de Fernando Venâncio. Talvez sirvam, todos eles, como antídoto para o vício do catastrofismo linguístico.

São exemplos de textos inteligentes e exigentes, que nos entusiasmam para saber mais sobre as línguas e sobre a linguagem humana.


Marcos Neves é professor na Nova FCSH, tradutor na Eurologos e autor de vários livros de divulgação linguística.

 


 

domingo, 3 de abril de 2022

A mentira de um general que ofende a todos que lutaram contra a ditadura

Por Fernando Castilho


Arquivo nacional


Continuando a fugir da guerra que se instaurara, decidimos pular a catraca do Cine Ipiranga e entrar no meio de uma sessão em uma sala quase vazia para nos escondermos agachados no escuro atrás da última fileira. Mas não demora muito tempo para sentir um cano frio me pressionando a nuca.

 

Estamos saindo em grande número em passeata desde a Cidade Universitária até a Praça Fernando Costa onde haverá uma concentração e um ato público contra a ditadura. Uma das razões para o protesto é a morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do DOI-Codi em 1975. Simularam um suicídio por enforcamento.

Meu pai já tinha me informado que a repressão estaria na praça aguardando os estudantes e que seria violenta. Que eu tomasse muito cuidado.

Ao chegarmos, vejo que ele tinha razão. Há um grande contingente de policiais militares e soldados tomando toda a praça. Começam os lançamentos de bombas de gás lacrimogêneo, tiros e cavalaria perseguindo todos que se encontram no local. Há muita fumaça, barulho e palavras de ordem que não consigo entender. O lugar vira um inferno.

Preciso correr. Atrás de mim, um soldado tenta me alcançar com um chicote e cada vez que a ponta bate no chão, faíscas saem dela. Será um chicote elétrico? Mas nesta época não existem ainda baterias para isso. Provavelmente a ponta é metálica, mas não há tempo para verificar isso.

Logo uma colega da faculdade, a Anne Marie, se junta a mim. Após uns cem metros. o soldado desiste de nós e prefere perseguir outra estudante.

Continuando a fugir da guerra que se instaurara, decidimos pular a catraca do Cine Ipiranga e entrar no meio de uma sessão em uma sala quase vazia para nos escondermos agachados no escuro atrás da última fileira. Mas não demora muito tempo para sentir um cano frio me pressionando a nuca.

Agora levados, Anne Marie e eu, pelo soldado com arma na mão para o camburão, sentamo-nos junto com mais quatro homens que reclamam por terem sido presos. Os bancos inteiriços são dispostos lateralmente na viatura, de forma que três dos homens se sentam à nossa frente e um ao nosso lado. Se dizem operários que passavam pelo local e não sabem o que está acontecendo.

À minha frente o quarto homem, um rapaz com cara de estudante me faz sinais estranhos com os olhos que se dirigem a direção dos que estão ao seu lado. Demoro um pouco a perceber que ele está querendo me dizer para desconfiar e ficar quieto. Os “operários” dizem que não sabem o que está acontecendo, que estavam voltando do trabalho e que os militares safados estão abusando de todo mundo. Percebo agora que eles querem obter informações e me calo.

A viatura roda conosco durante mais de uma hora correndo muito com a sirena ligada e fazendo curvas fechadas que assustam e nos desequilibram. Os pneus “cantam” o tempo todo. O ar começa a ficar rarefeito e o calor se torna insuportável, mas, enquanto Anne Marie e eu estamos apavorados, os dois homens à frente parecem familiarizados com o procedimento.

Permanecemos eu e minha colega o tempo todo calados enquanto os três tentam puxar conversa e fazer com que falemos alguma coisa.

O suor escorre a cântaros, não só pelo calor infernal, mas também pelo medo do que podem fazer conosco quando a corrida terminar.

Enfim o camburão para.

Soldados do lado de fora abrem a porta traseira e formam duas fileiras de homens voltadas de frente uma para a outra. Em seguida nos mandam descer.

Os três “operários” descem primeiro, percorrem o corredor sem serem molestados e desaparecem. Em seguida, eu, Anne Marie e o outro estudante, descemos. Teremos que passar pelo meio das fileiras de soldados. É o chamado “corredor polonês”. Passamos correndo, mas apanhando muito daqueles cassetetes.

Quando, enfim, paramos, vemos que ninguém parece nos seguir.

Ao olhar em volta reconheço o prédio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Achamos melhor nos separarmos e nos despedirmos.

Em seguida tomo um ônibus para casa.

 

Este relato, extraído de meu livro Um Humano Num Pálido Ponto Azul, editora Mondrongo, de forma alguma, tem a pretensão de se equivaler a outros muito mais dolorosos, como o recente de Paulo Coelho que sofreu bárbara tortura e escapou por pouco da morte.

Também não se equivale em gravidade à tortura que a jornalista Míriam Leitão, então com 19 anos e grávida, sofreu nas dependências do Doi-Codi. Logo ao chegar, ela apanhou com socos e chutes e foi colocada nua numa sala escura, a sós com uma cobra jiboia.


Na verdade, meu relato pessoal, muito mais brando do que os de Paulo Coelho e Míriam Leitão, tem o intuito de apenas ser mais um a contribuir para ilustrar que a ditadura militar no Brasil, fruto de um golpe de estado, nunca foi um movimento, nem foi fruto de anseio popular como o general Braga Netto afirmou em sua última ordem do dia de 31 de março de 2022.

Não, general, João Goulart, à época do golpe, tinha, segundo pesquisa Ibope da época, cerca de 70% de aprovação da população, portanto não foi anseio do povo brasileiro, mas sim, do Departamento de Estado norte-americano. E o senhor sabe disso.

Aliás, se a democracia não fosse restaurada, quem garante que o senhor seria hoje membro de um governo eleito -  mesmo que de maneira fraudulenta - e estaria à vontade para falar asneiras e ameaçar mais um golpe, caso seu chefe não vença as eleições de 2022?

A história está registrada e não vai ser a fala de um general saudoso da ditadura que vai modificá-la.

O dia 31 de março de 2022 ficou lá pra trás e quase já estávamos nos esquecendo dele com tanta notícia nova acontecendo todos os dias, quando o deputado Eduardo Bolsonaro, o 03, ou zero nada, se insurgiu no twitter justamente contra uma nota de Míriam Leitão.

A jornalista estava comentando as declarações recentes do presidente que atacavam as instituições democráticas.

Eduardo não se conteve e expôs toda a sua crueldade e falta de empatia ao debochar de Míriam respondendo: “ainda com pena de cobra”.

Vários partidos afirmaram que vão representar contra o zero no conselho de ética da Câmara, o mínimo a ser feito.

A verdade é que se conseguirmos defenestrar Bolsonaro do poder após as eleições, há que se fazer uma faxina geral nessa turba autoritária, obscurantista e louca por dinheiro que se instalou no poder.

É uma pena que tipos como o filhão zero ainda conseguirão se reeleger.


Editado em 04/04/2022


Também publicado em Construir Resistência:

https://construirresistencia.com.br/mentira-de-um-general-que-ofende-a-todos-que-lutaram-contra-a-ditadura/


Também publicado em Medium Brasil:

https://medium.com/@fernandocastilho/a-mentira-de-um-general-que-ofende-a-todos-que-lutaram-contra-a-ditadura-553605150fe2




quarta-feira, 30 de março de 2022

Bolsonaro não privatizará a Petrobras!

Por Fernando Castilho 




Se a companhia for privatizada, não há dúvidas de que, sem nenhum controle estatal, os preços ficarão totalmente livres para subir à vontade dos acionistas, mas isso não livrará o governo de sua responsabilização


É sempre muito difícil decifrar não só as falas, mas também os atos do presidente Jair Bolsonaro. Mas vamos a mais uma tentativa.

Descontente por ser cobrado quanto ao aumento dos combustíveis, o capitão trocou o comando da Petrobras em 28 de maio de 2021. Saiu Roberto Castello Branco para entrar o General Silva e Luna.

Pronto, os problemas seriam, enfim, resolvidos. A gasolina, o diesel e o gás não subiriam mais de preço e o presidente poderia voltar a praticar jetski e a fazer campanha eleitoral antecipada com dinheiro público à vontade.

Mas Luna e Silva foi mais do mesmo. Com um salário de 223 mil reais por mês, foi informado pelo pessoal de carreira que deixar de aplicar os reajustes fere o estatuto da companhia e alterá-lo daria muita dor de cabeça, por isso, tratou de repassar todos os aumentos internacionais do barril tipo Brent para o povo brasileiro e desfrutar da vida.

Foi mais de um ano assim. E pelos ótimos serviços prestados aos acionistas, muitos deles estrangeiros, ainda recebeu um bônus de 1,3 milhão de reais.

Novamente cobrado pela população, Bolsonaro agora volta a terceirizar o problema trocando de novo o comando da empresa.

Agora entra em campo Adriano Pires, diretor-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), consultoria que assessora empresas e associações do setor de energia. Percebe-se, pela sua função, que uma raposa foi colocada para tomar conta do galinheiro, pois ele vai poder repassar informações privilegiadas às empresas que assessora. Na prática, a política de preços continuará a mesma, mas o capitão poderá falar que não é culpa dele, como sempre.

O argumento de Bolsonaro para nomear o consultor que é figurinha carimbada que frequentemente aparece no Jornal Nacional, onde costuma emitir suas opiniões sobre a política de preços da Petrobras, é de que, caso seja reeleito, ficará com o novo presidente da companhia a tarefa de privatizá-la. Os olhos de Adriano devem ter se arregalado e só viram cifrões à frente.

Essa ideia só reforça a enorme incapacidade do governo de administrar a  alta dos preços dos combustíveis. Ora, se eu não consigo resolver o problema, embora seja a autoridade máxima do país e tenha poder para isso, como não tenho a competência necessária para o cargo, a solução mais fácil é me livrar dessa dor de cabeça. Simples assim.

Esse discurso privatista agrada a muita gente que quer abocanhar seu quinhão no assalto aos cofres públicos que acontece nesse fim de feira, mas, ao contrário do que afirmam seus adeptos, é responsabilidade do governo nacional controlar os preços de áreas estratégicas que interferem diretamente na condição de vida da população, como os de energia e combustíveis.

Fala-se muito em incompetência da companhia e a própria mídia nos últimos anos tem se empenhado em incutir no imaginário das pessoas a ideia de que a estatal é uma bagunça onde todo mundo rouba. Porém, pesquisa Datafolha feita em maio de 2018 revelou que somente 30% dos brasileiros são contrários à privatização! É por isso que, segundo o Uol, Bolsonaro teme revelar publicamente sua intenção até as eleições.

A Petrobras possui tecnologia única para a extração de petróleo, como a desenvolvida em águas super profundas, como o pré-sal. Ela gera centenas de milhares de empregos e é uma das maiores financiadoras de projetos culturais no país. Grande parte dos valores gerados por ela retornam à União, Estado e Municípios em forma de royalties. Com a privatização, esses royalties serão enviados para o grande capital internacional.

Mas, e o grande problema do qual Bolsonaro quer se desvencilhar, os repasses de preços?

Se a companhia for privatizada, não há dúvidas de que, sem nenhum controle estatal, os preços ficarão totalmente livres para subir de acordo com a vontade dos acionistas, mas isso não livrará o governo de sua responsabilização.

Muita gente ganhará dinheiro enquanto o povo brasileiro  continuará a arcar com os aumentos abusivos.

Em que porta os caminhoneiros, motoristas de aplicativos e empresas de entregas baterão?

Na porta do governo. Mas o capitão, com a maior cara lavada depois de tê-la queimado pelo ministro Milton Ribeiro, dirá que não é sua responsabilidade!

O país, numa eventual greve de caminhoneiros, parará e caberá ao governo tão e somente a repressão do movimento, pois não poderá resolver o problema!

Vejam a irresponsabilidade de um homem que não tem a menor ideia do que seja governar!

Não costumamos atentar ao fato de que o preço do barril de petróleo tem seus períodos de alta, mas também de queda, como observamos no gráfico ao lado, porém, nas bombas, ele nunca cai. Isso precisa ser administrado, mas infelizmente não temos governo.

É preciso que se registre a postura contemplativa dos grandes veículos de imprensa diante da notícia da troca do comando da Petrobras. Não há uma análise sequer das consequências da privatização da companhia. Ninguém analisa, ninguém é contrário. E todos devem ser acionistas.

Estamos nas mãos de uma mídia cúmplice do maior roubo a que este país está sendo submetido e que só aumentará caso Bolsonaro seja reeleito.

Precisamos lutar para que não seja!

 

 

 

segunda-feira, 28 de março de 2022

Quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro

Por Fernando Castilho


Foto: Reprodução | Twitter


Governos costumam não dar muita atenção aos jovens. E muitas vezes são eles que os derrubam.

Durante a ditadura militar, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UNES (União Nacional dos Estudantes Secundaristas) tiveram grande protagonismo na organização da luta dos jovens contra a ditadura.

O senador e ex-presidente Collor de Mello deve ter pesadelos até hoje com os chamados caras-pintadas, rapazes e moças que saíam às ruas para protestar contra seu governo e que tiveram importantíssimo papel em sua queda.

Bolsonaro tem sido “controlado” nos últimos meses pelo centrão do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira para falar menos e não se envolver em polêmicas, já que precisa reduzir sua grande diferença para Lula nas pesquisas eleitorais.

Não há dúvida de que, desde 2019, o primeiro ano de seu mandato, o capitão vem sendo muito menos um presidente e muito mais um fantoche nas mãos dos filhos olavistas, principalmente Carlos, de Paulo Guedes, dos generais, dos evangélicos e, mais recentemente, do centrão. Bolsonaro só é autêntico quando fala alguma bobagem. No mais, ele é bolinha de tênis, como ficou demonstrado no caso da propina dos pastores do ministro Milton Ribeiro.

Mas desta vez não foi um de seus costumeiros rompantes autoritários que fez com que ele se insurgisse contra o evento musical Lollapalluza após a artista Pabllo Vittar ter descido até a plateia com uma bandeira com a estampa de Lula. Foram os advogados de seu PL (Partido Liberal) que entraram com ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por crime eleitoral, rapidamente aceita em parte pelo ministro Raúl Araújo, ao que tudo indica, simpatizante dele. A decisão é inconstitucional porque fere o art. 5º, inciso IV da Carta Magna, que diz: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Deve ser derrubada em plenário, mas como o evento já terminou, ficará valendo seu aspecto simbólico.

Bolsonaro se esqueceu que jovens unidos por uma característica em comum, como o Lollapalluza, costumam reagir coletivamente. Além disso, a rebeldia, a transgressão e a necessidade de se expressar livremente fazem parte dessa fase da vida.

Se o capitão não tivesse tomado nenhuma atitude, o episódio da Pabllo poderia ter se configurado como uma manifestação isolada sem maiores consequências e esquecida no dia seguinte, mas seu perfil e de seu partido, marcados pelo autoritarismo os impede de raciocinarem friamente nessas horas e o resultado não poderia ser outro.

Grande parte dos artistas que se apresentaram se insurgiram contra a censura e puxaram o coro “Ei Bolsonaro, vai TNC!”

Como se não bastasse, Marcelo D2 do grupo Planet Hemp ainda puxou o clássico “Olê, olê, olê, olá, Lula”. E o povo correspondeu!

Qual o alcance dessa patuscada?

Milhares de jovens com idade entre 16 e 18 anos presentes, podem, enfim, ter se decidido a tirar o título de eleitor e votar em Lula, a antítese de Bolsonaro, seu novo inimigo. Além disso, temos que considerar os que já têm mais de 18 anos que também são inúmeros.

Não nos esqueçamos das famílias desses jovens e do alcance que os veículos de comunicação deram ao caso. O Brasil inteiro repercutiu.

Isso pode ser o início de uma reação do povo contra esse governo que já destruiu boa parte do país e de seu processo civilizatório.

Bolsonaro impôs sua marca, a da censura. 

E censura nunca é coisa boa, pois cala a boca já morreu, como disse Lulu Santos.

Censura é marca da ditadura.

Bolsonaro atiçou o formigueiro.

 

 

 


sábado, 26 de março de 2022

Torne o Nazismo Grande Novamente

Por Pepe Escobar




O alvo supremo é a mudança de regime na Rússia, a Ucrânia é apenas um peão no jogo – ou pior, uma mera bucha de canhão.

Todos os olhos estão postos em Mariupol. Na noite de quarta-feira (23), mais de 70% das áreas residenciais estavam sob controle das forças de Donetsk e da Rússia, enquanto os fuzileiros russos, o 107º batalhão de Donetsk e o checheno Spetsnaz, liderado pelo carismático Adam Delimkhanov, haviam entrado na instalação Azov-Stal – o QG do batalhão neonazista Azov.

Ao Azov foi enviado um ultimato: rendição até a meia-noite – ou então, um caminho sem prisioneiros ao inferno.

Isso implica uma grande mudança no campo de batalha ucraniano; Mariupol está finalmente prestes a ser completamente desnazificada – já que o contingente Azov esteve há muito tempo entrincheirado na cidade e usando civis como escudos humanos como sua força de combate mais endurecida.

Isto também significa que as 14 mil mortes em Donbass nos últimos 8 anos devem ser atribuídas diretamente aos Excepcionalistas. Quanto aos neo-nazis ucranianos de todas as linhagens, eles são tão dispensáveis como os “rebeldes moderados” na Síria, sejam eles da Al-Qaeda ou ligados ao Daesh. Aqueles que podem eventualmente sobreviver podem sempre se juntar a Neo-Nazi Inc., o remix espalhafatoso da Jihad Inc. dos anos 80 no Afeganistão. Eles serão devidamente “Kalibrados”.

Uma rápida recapitulação neonazista

Até agora, apenas os cérebros mortos em toda a OTAN – e há hordas deles – não estão cientes do Maidan em 2014. No entanto, poucos sabem que foi o então Ministro do Interior ucraniano Arsen Avakov, um ex-Prefeito de Kharkov, que deu luz verde para um grupo de 12 mil paramilitares se materializarem a partir dos hooligans de futebol da Sect 82 que apoiavam o Dínamo de Kiev. Esse foi o nascimento do batalhão Azov, em maio de 2014, liderado por Andriy Biletsky, conhecido como Führer Branco, e ex-líder da gangue neo-nazi Patriots da Ucrânia.

Junto com o agente ‘stay-behind’ da OTAN Dmitro Yarosh, Biletsky fundou o Pravy Sektor, financiado pelo padrinho da máfia ucraniana e bilionário judeu Ihor Kolomoysky (mais tarde o benfeitor da meta-conversão de Zelensky de comediante medíocre para presidente medíocre).

O Pravy Sektor foi, por acaso, raivosamente anti-UE – diga isso a Ursula von der Lugen – e politicamente obcecado em ligar a Europa Central e os Países Bálticos em um novo e  barulhento Intermarium. De modo crucial, o Pravy Sektor e outras quadrilhas nazistas foram devidamente treinadas por instrutores da OTAN.

Biletsky e Yarosh são, naturalmente, discípulos do notório colaborador nazista da Segunda Guerra Mundial, Stepan Bandera, para quem os ucranianos puros são proto-germânicos ou escandinavos, e os eslavos são uns ‘untermenschen’ (subumanos, em alemão).

O Azov acabou absorvendo quase todos os grupos neonazistas na Ucrânia e foram enviados para lutar contra Donbass – com seus acólitos ganhando mais dinheiro do que os soldados regulares. Biletsky e outro líder neonazista, Oleh Petrenko, foram eleitos para a Rada. O Führer Branco ficou sozinho. Petrenko decidiu apoiar o então presidente Poroshenko. Logo o batalhão Azov foi incorporado como Regimento Azov à Guarda Nacional Ucraniana.

Eles foram em um esforço de recrutamento de mercenários estrangeiros – com pessoas vindas da Europa Ocidental, Escandinávia e até mesmo da América do Sul.

Isso foi estritamente proibido pelos Acordos de Minsk garantidos pela França e pela Alemanha (e agora de fato extintos). O Azov montou campos de treinamento para adolescentes e logo chegou a 10 mil membros. Erik “Blackwater” Prince, em 2020, fez um acordo com os militares ucranianos que permitiria que seu grupo, renomeado para Academi, supervisionasse o Azov.

Foi nada mais nada menos que a sinistra distribuidora de biscoitos do Maidan Vicky “F**a a UE” Nuland que sugeriu a Zelensky – ambos, a propósito, judeus ucranianos – nomear o confesso nazista Yarosh como conselheiro do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Ucranianas, Gen Valerii Zaluzhnyi. O alvo: organizar uma blitzkrieg sobre o Donbass e a Crimea – a mesma blitzkrieg que a SVR, a inteligência estrangeira russa, concluiu que seria lançada em 22 de fevereiro, impulsionando assim o lançamento da Operação Z.

Tudo isso, na verdade apenas uma rápida recapitulação, mostra que na Ucrânia não há nenhuma diferença entre os neonazistas brancos e os pardos da Al-Qaeda/ISIS/Daesh, tanto quanto os neonazistas são tão “cristãos” quanto os takfiri Salafi-jihadis são “muçulmanos”.

Quando Putin denunciou um “bando de neonazistas” no poder em Kiev, o comediante respondeu que isso era impossível porque ele era judeu. Bobagem. Zelensky e seu patrono Kolomoysky, para todos os efeitos práticos, são Sio-nazis.

Mesmo quando os ramos do governo dos Estados Unidos admitiram os neonazistas entrincheirados no aparelho de Kiev, a máquina excepcionalista fez desaparecer os bombardeios diários do Donbass durante 8 anos. Estas milhares de vítimas civis nunca existiram.

A grande mídia dos Estados Unidos chegou a aventurar-se na estranha peça ou reportagem sobre os neonazistas Azov e Aidar. Mas então uma narrativa neo-Orwelliana foi gravada em pedra: não há nazistas na Ucrânia. A CIA começou até a apagar registros sobre o treinamento de membros do Aidar. Recentemente uma rede de más notícias promoveu devidamente um vídeo de um comando do Azov treinado e armado pela OTAN – complementado com a iconografia nazista.

Por que a “desnazificação” faz sentido

A ideologia Banderanista remonta a quando esta parte da Ucrânia era de fato controlada pelo império austro-húngaro, o império russo e a Polônia. Stepan Bandera nasceu na Austro-Hungria em 1909, perto de Ivano-Frankovsk, no – então autônomo – Reino da Galiza.

A Primeira Guerra Mundial desmembrou os impérios europeus em pequenas entidades frequentemente não viáveis. Na Ucrânia ocidental – uma intersecção imperial – inevitavelmente levou à proliferação de ideologias extremamente intolerantes.

Os ideólogos banderanistas lucraram com a chegada dos nazistas em 1941 para tentar proclamar um território independente. Mas Berlim não apenas o bloqueou, mas os enviou para campos de concentração. Em 1944, embora os nazistas tenham mudado de tática: eles libertaram os banderanistas e os manipularam para o ódio anti-russo, criando assim uma força de desestabilização na URSS ucraniana.

Portanto, o nazismo não é exatamente o mesmo  dos fanáticos de Banderastão: eles são, de fato, ideologias concorrentes. O que aconteceu desde Maidan é que a CIA manteve um foco para incitar o ódio russo por quaisquer grupos marginais que ela pudesse instrumentalizar. Portanto, a Ucrânia não é um caso de “nacionalismo branco” – para dizer de forma branda – mas de nacionalismo ucraniano anti-russo, para todos os fins práticos manifestado através de saudações ao estilo nazista e símbolos do estilo nazista.

Assim, quando Putin e a liderança russa se referem ao nazismo ucraniano, isso pode não ser 100% correto, conceitualmente, mas soa um acorde em cada russo.

Os russos rejeitam visceralmente o nazismo – considerando que praticamente toda família russa tem pelo menos um antepassado morto durante a Grande Guerra Patriótica. Da perspectiva da psicologia da guerra, faz total sentido falar de “ukro-nazismo” ou, direto ao ponto, de uma campanha de “desnazificação”.

Como os anglos amavam os nazistas

O governo dos Estados Unidos liderando abertamente os neonazistas na Ucrânia dificilmente seria uma novidade, considerando como apoiou Hitler ao lado da Inglaterra em 1933 por razões de equilíbrio de poder.

Em 1933, Roosevelt emprestou a Hitler um bilhão de dólares de ouro, enquanto a Inglaterra lhe emprestou dois bilhões de dólares de ouro. Isso deve ser multiplicado 200 vezes para chegar aos valores atuais. Os anglo-americanos queriam construir a Alemanha como um baluarte contra a Rússia. Em 1941 Roosevelt escreveu a Hitler que se ele invadisse a Rússia, os EUA estariam do lado da Rússia, e escreveu a Stalin que se Stalin invadisse a Alemanha, os EUA apoiariam a Alemanha. Falemos sobre uma ilustração gráfica do equilíbrio de poder Mackindersiano.

Os britânicos tinham se preocupado muito com a ascensão do poder russo sob Stalin enquanto observavam que a Alemanha estava de joelhos com 50% de desemprego em 1933, se contarmos os alemães itinerantes não-registrados.

Até mesmo Lloyd George tinha dúvidas sobre o Tratado de Versalhes, enfraquecendo insuportavelmente a Alemanha após sua rendição na Primeira Guerra Mundial. O objetivo da Primeira Guerra Mundial, na visão de mundo de Lloyd George, era destruir juntos a Rússia e a Alemanha. A Alemanha estava ameaçando a Inglaterra com o Kaiser construindo uma frota para tomar conta dos oceanos, enquanto o Czar estava muito perto da Índia por conforto. Por um tempo a Britânia venceu – e continuou a governar as ondas.

Depois a construção da Alemanha para lutar contra a Rússia tornou-se a prioridade número um – completada com a reescrita da História. A união dos alemães austríacos e Alemães dos Sudetos com a Alemanha, por exemplo, foi totalmente aprovada pelos britânicos.

Mas depois veio o problema polonês. Quando a Alemanha invadiu a Polônia, a França e a Grã-Bretanha ficaram de lado. Isso colocou a Alemanha na fronteira da Rússia, e a Alemanha e a Rússia dividiram a Polônia. Era exatamente isso que a Grã-Bretanha e a França queriam. Os dois haviam prometido à Polônia que invadiriam a Alemanha do Ocidente enquanto a Polônia lutava contra a Alemanha do Oriente.

No final, os poloneses foram duplamente traídos. Churchill até elogiou a Rússia por invadir a Polônia. Hitler foi avisado pelo MI6 que a Inglaterra e a França não invadiriam a Polônia – como parte de seu plano para uma guerra germano-russa. Hitler tinha sido apoiado financeiramente desde os anos 20 pelo MI6 por suas palavras favoráveis sobre a Inglaterra no Mein Kampf. O MI6 de fato encorajou Hitler a invadir a Rússia.

Corte rápido para 2022, e aqui vamos nós de novo – como uma farsa, com os anglo-americanos “incentivando” a Alemanha sob o fraco Scholz a voltar a se unir militarmente, com 100 bilhões de euros (que os alemães não têm), e criando em tese uma força europeia renovada para mais tarde ir à guerra contra a Rússia.

Sugestões para a histeria russofóbica na mídia anglo-americana sobre a parceria estratégica Rússia-China. O medo anglo-americano mortal é Mackinder/Mahan/Spykman/Kissinger/Brzezinski, todos enrolados em um só: Rússia-China como gêmeos concorrentes assumem a massa terrestre eurasiática – a Iniciativa Cinturão e Rota encontra a Parceria da Grande Eurásia – e assim governam o planeta, com os EUA relegados ao status de ilha inconseqüente, tanto quanto a anterior “Rule Britannia”.

A Inglaterra, a França e mais tarde os americanos tinham impedido quando a Alemanha aspirava fazer o mesmo, controlando a Eurásia lado a lado com o Japão, desde o Canal da Mancha até o Pacífico. Agora é um jogo completamente diferente.

Portanto, a Ucrânia, com suas patéticas quadrilhas neonazistas, é apenas um peão – dispensável – no esforço desesperado para deter algo que está além do anátema, da perspectiva de Washington: uma Nova Rota da Seda totalmente pacífica entre alemães, russos e chineses.

A Russofobia, impressa maciçamente no DNA do Ocidente, nunca desapareceu realmente. Cultivada pelos britânicos desde Catarina, a Grande – e depois com o “The Great Game”. Pelos franceses desde Napoleão. Pelos alemães, porque o Exército Vermelho libertou Berlim. Pelos americanos porque Stalin forçou neles o traçado da Europa – e depois continuou e seguiu durante toda a Guerra Fria.

Estamos apenas nos estágios iniciais do impulso final do Império moribundo para tentar deter o fluxo da História. Eles estão sendo enganados, já estão sendo superados pelo poderio militar mais alto do mundo, e receberão o xeque-mate. Existencialmente, eles não estão equipados para matar o Urso – e isso dói. Cosmicamente.


Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais