sábado, 16 de julho de 2022

Inquietações filosóficas para uma noite de sábado

Por Fernando Castilho


 



Já conseguimos recuar no tempo para quando o Universo era apenas um bebê recém-nascido, mas o calor extremo daqueles tempos iniciais nos impede de prosseguir na observação.


O super telescópio espacial James Webb foi lançado no início do ano e já começa a mostrar serviço através das maravilhosas fotos, principalmente do espaço profundo. Deposito muita esperança em que ele possa ser nosso olho no Universo pronto, a enxergar estrelas se formando ou morrendo, buracos negros e exoplanetas que possam abrigar vida.

A formação do Universo se iniciou com matéria extremamente concentrada num único ponto que se expandiu em gigantesca velocidade há cerca de 13,8 bilhões de anos, num fenômeno que a Ciência, de maneira tímida e hesitante, chama de Teoria do Big Bang.

Por que a timidez?

Cientistas são extremamente cuidadosos para não cravar essa teoria como verdade antes que se esgotem todas as outras possibilidades que possam vir a surgir para tentar explicar o nascimento do Universo, afinal, há muito ciúme envolvido na comunidade científica, mas, amparado pela Segunda Lei da Termodinâmica e a Entropia, e, claro, estudos e cursos que minha curiosidade me obrigou a fazer, principalmente os cursos online Do Big Bang à Energia Escura, (Universidade de Tóquio e Astronomia e Astronáutica da Universidade Federal de Santa Catarina, posso afirmar que o Big Bang é realmente a única explicação possível.

Isso não quer dizer que sejam invalidadas teorias sobre o que existia antes do fenômeno (embora, se o próprio tempo iniciou com o Big Bang, ele não poderia existir antes com sinal negativo) ou se há outros universos paralelos coexistindo, nascendo ou morrendo neste exato momento. Mas isso são coisas que talvez nunca venhamos a saber.

Já conseguimos recuar no tempo para quando o Universo era apenas um bebê recém-nascido, mas o calor extremo daqueles tempos iniciais nos impede de prosseguir na observação. Porém, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, resultante da época em que o Universo era extremamente quente e denso, apenas 380 mil anos após o Big Bang, nos indica a certeza da correção da teoria.

Embora já saibamos de muita coisa, há algo que me inquieta demais por não encontrar respostas convincentes e, muito menos, preocupação dos cientistas em explicar.

Edwin Hubble, o cientista que deu nome ao histórico telescópio espacial anterior ao James Webb, observando as estrelas, concluiu que o Universo está em expansão e, mais que isso, está em expansão acelerada.

Essa conclusão veio da utilização genial do Efeito Doppler. Quando uma estrela se afasta, seus comprimentos de onda sofrem um desvio na direção espectral para o vermelho, fenômeno chamado de redshift. Em contrapartida, quando uma estrela se aproxima, esse desvio ocorre para o azul, o blueshift.

Ora, computando o número de estrelas que se afastam e o número de estrelas que se aproximam, verifica-se facilmente que o primeiro caso é muito maior que o segundo.

Hubble foi além, calculando essa velocidade de afastamento das estrelas, chegando a 73,04 quilômetros por segundo por megaparsec e concluiu que esse movimento é acelerado, ou seja, o Universo está se expandindo de maneira acelerada.

Bem, já que o Universo se expande, para onde ele se expande, se fora dele não há nada, nem espaço?

O que ele está forçando para aumentar seu volume?

O exemplo que costumo dar em minhas aulas para a expansão do Universo e o consequente afastamento das estrelas e das galáxias é o clássico exemplo do balão ou bexiga de ar.

Vamos colar algumas pequenas figuras numa bexiga vazia e soprar. Quanto mais sopramos, mais a bexiga se enche e as figuras se afastam umas das outras.

Porém, esse exemplo não explica totalmente essa inquietação, já que quando a bexiga se enche, pressiona o ar em volta dela.

No caso do Universo não há ar nem nada a ser pressionado, afinal, fora dele não pode existir nada.

Se o Universo é infinito, é lógico que ele estaria se expandindo, até porque, em analogia com a Matemática, os números inteiros são infinitos porque sempre podemos somar mais um ao último. Ou seja, sempre será possível aumentar o Universo.

Sobre a teoria do Big Crunch que imagina que ele um dia cesse sua expansão e comece a diminuir de tamanho até voltar ao ponto inicial, pode-se dizer que contraria a Segunda Lei da Termodinâmica e a Entropia. Seria como voltar ao passado, coisa que essa lei impede porque não se pode voltar do caos à ordem. Seria o mesmo que fazer com que uma xícara que acabou de se esfacelar no chão pudesse voltar à sua forma original.

Bem, são inquietações científicas e filosóficas que muito provavelmente não verei serem respondidas neste curto período de vida.

E olha que nem falei da Energia e da Matéria Escuras.

Fica pra próxima.


quinta-feira, 14 de julho de 2022

Que o hálito do demônio nunca mais volte a soprar

Por Fernando Castilho




O céu se tornara escuro como veludo negro. Relâmpagos rasgavam a atmosfera densa iluminando brevemente a capital como a anunciar o mal que acabava de ser expelido.


Enigmas de um passado recente, hoje já se conhece muito acerca da existência dos astros denominados buracos negros, previstos por Albert Einstein.

Eles existem em vários tamanhos, mas o que é comum a todos eles é a enorme força gravitacional que atrai tudo para seu núcleo, inclusive a luz.

O astrofísico Stephen Hawking propôs que, embora nada escape de sua atração gravitacional os buracos negros podem emitir radiações. Essa teoria já foi confirmada por observações da Nasa.

A especulação que corre em nossos dias é se podem existir buracos negros muito pequenos cuja origem data da formação de nosso planeta e se encontram em seu interior.

Se isso for verdade, é possível que eles funcionem como portais para outras dimensões e, quem sabe, para outros lugares inimagináveis.

Um desses buracos, que se encontra justamente nas camadas profundas do magma sob a superfície de onde hoje se localiza a cidade de Brasília, logo após a construção da capital na década de 1950, começou um processo de atração gravitacional de gente com pretensões políticas e de poder.

Devido à agregação de massas ávidas por poder ao longo das décadas subsequentes, o buraco foi inflando até um ponto em que precisava expelir radiação, justamente a mais tóxica.

Foi em 2018 que a perigosa fenda do buraco negro sob Brasília se abriu. De lá de dentro, do Hades vermelho-sangue, uma radiação inicialmente amorfa e sem expressão começou a tomar forma e a rastejar de dentro daquele inferno.

O céu se tornara escuro como veludo negro. Relâmpagos rasgavam a atmosfera densa iluminando brevemente a capital como a anunciar o mal que acabava de ser expelido.

Enfim, o processo de antropomorfismo se completara e a radiação se colocou sob duas pernas.

Multidões contemplavam e se agregavam ao novo ser que se apresentava como enviado de Deus e que sugeria que estava acima de todos os homens.

Um novo mito se apresentava como uma nova consubstanciação, desta vez, não do vinho e do pão, mas de uma nova ordem que corromperia a civilização, o meio-ambiente, as instituições, a democracia e a verdade.

Logo em seguida uma desgraça se abateu sobre os homens de todo o planeta. Um vírus poderoso que avançava matando impiedosamente muito mais pobres do que ricos.

O ser oriundo das profundezas do inferno aproveitou a oportunidade para impedir que a Ciência buscasse meios de combater a doença e salvar vidas. E contemplou satisfeito sua obra.

Mais de 600 mil almas pereceram sob a espada do mito infernal.

Como um Satã tresloucado, um Leviatã doidivanas, o ser emitiu radiações malignas para os cérebros de seus seguidores que não hesitaram em replicar suas maldades e em expor a si mesmos e às suas famílias às consequências de seus atos.

Tentáculos nojentos emergiram do corpo do ser para grudar em humanos predispostos corrompendo toda a carne.

Assim foi que homens que haviam jurado seguir as leis e prender criminosos confinaram um inocente em uma viatura e o assassinaram por asfixia causada por gases tóxicos.

Assim é, também, que duas pessoas que lutavam pela preservação do meio-ambiente foram assassinadas por seguidores dessa nova seita.

O ser maligno se ocupava em emanar forças que causavam a desgraça do povo. Não demorou para a fome, o desemprego e a desesperança entrarem nos lares das famílias. Milhões perderam suas casas e foram morar nas ruas.

Felizmente a maior parte das pessoas se indignava e aguardava que forças do bem surgissem para combater o mal.

Contra a crueldade do mito dos infernos ergueu-se, enfim, uma voz que espalhava esperança, pregava a volta da civilização, da democracia e do bem-estar.

A reação contra essa voz não demorou a surgir.

Querubins do mal, cegos de ódio e possuídos pela vontade do mito, foram enviados para a batalha que iniciava.

Um deles, mesmo tendo esposa e filha de três meses, não hesitou em, em nome de seu mito, tentar matar um homem que se aliava às forças do bem no dia de seu aniversário. Sabia que, com certeza, no mínimo sairia preso e teria sua carreira arruinada, o que prejudicaria seriamente sua família. Mas, com seu cérebro dominado pelas ordens de seu superior, prosseguiu em seu intento.

Inesperadamente houve reação por parte da vítima, mas o querubim conseguiu cumprir sua missão, matando o homem, mesmo quase pagando com a própria vida por isso.

Como o caso causou muita repercussão, o ser maligno, viu-se desesperado por se ver perdendo uma das batalhas da guerra que travava contra as forças do bem.

Por onde passa ele murcha as flores, apodrece as carnes, polui o solo e os rios e corrompe as pessoas.

Foi essa característica que o fez procurar dois irmãos da vítima e corrompê-los. Os dois Cains já tinham sido há muito tempo influenciados pelos fluídos malignos que o mito exalava e, por isso, não cederam à corrupção. Decidiram trair seu irmão, um Abel, em nome do ser do mal.

A radiação do mal, consubstanciada em ser humano, agora se desespera em tentar convencer o povo que se chocou com o assassinato, de que a vítima foi a culpada por seu assassinato, mas não conseguirá.

A cada dia que passa o povo mais e mais se convence de que o demônio que entrou em nosso mundo por uma fenda do Hades não é um enviado de Deus e essa tragédia servirá para explicitar isso.

A guerra ainda vai levar muitos dias para acabar e virão ainda mais acontecimentos terríveis, mas as forças do bem a vencerão e o ser acabará por ser novamente atraído, engolido, triturado e, por fim, completamente incinerado pelas gigantescas forças gravitacionais que atuam no buraco negro do qual nunca deveria ter saído.

Após isso, a fenda se fechará, mas a semente do mal foi plantada e continuará ase espalhar feito erva daninha.

Será preciso que todos os cidadãos que amam a liberdade, a democracia, a civilização, a Ciência, a solidariedade, a justiça e a empatia se unam para extirpá-la.

Após isso, tempos virão em que voltaremos a ter esperança no futuro de nossos descendentes.


quarta-feira, 13 de julho de 2022

Era uma vez em Marte

Por Fernando Castilho




Foi durante a chegada da Perseverance que a civilização avançada que vivia harmoniosamente de maneira sustentável começou seu processo de extinção.


O rover Perseverance, uma espécie de laboratório móvel que lembra um grande jipe, desenvolvido pela NASA, foi lançado em 30 de julho de 2020 com destino a Marte. Até 2022, atuando em parceria com seu antecessor, Curiosity, não havia encontrado sinal de vida no planeta vermelho.

Porém, entre alarmes falsos e muita pareidolia, enfim, no ano 2025 o aparato ambulante constatou evidências incontestáveis de que uma forma de vida subsistia e sobrevivia em meio a ruínas do que em um passado recente fora uma civilização.

A notícia encheu os cientistas da Nasa de júbilo e, ao se espalhar pelos quatro cantos de nosso planeta, trouxe muita curiosidade, especulação, negacionismo, mas, sobretudo, esperança. Afinal, não estávamos sozinhos no Universo.

Era então chegada a hora de uma missão tripulada a Marte!

Um programa da Nasa permitiu que cientistas de todo o mundo pudessem participar da jornada, afinal, hoje em dia a diversidade produz frutos mais qualitativos do que a mesmice. E entre eles, brasileiros tiveram sua oportunidade.

Os preparativos foram concluídos no prazo recorde de dois anos e, enfim, uma nave tripulada chamada Hope foi lançada para procurar estabelecer contato com os seres e a cultura recém-descobertos.

Após dez meses de viagem, o módulo da Hope pousou suavemente na borda de Mare Erythraeum, uma vasta região escura onde os restos da civilização foram encontrados.

Passados alguns dias de instalação e estruturação dos módulos de sobrevivência e de laboratório, a equipe composta de três homens de três nacionalidades diferentes e três mulheres brasileiras, todos cientistas de alto nível, adentrou Mare Erythraeum.

O que se via era destruição por todos os lados. Havia edifícios desmoronados, uma grande extensão de um antigo lago já seco, veículos sobre rodas abandonados e cobertos de areia vermelha, troncos de uma estranha vegetação caídos pelo solo e muitos, muitos esqueletos de várias formas de vida desconhecidas.

O que teria acontecido a essa civilização no prazo de apenas dois anos?

A equipe avançava lentamente pelas ruas anotando e fotografando tudo que via, quando alguns sobreviventes cambaleantes se aproximaram parecendo a princípio hostis por causa da fome e da sede. Eram seres humanoides porque possuíam pernas com as quais caminhavam eretos e mãos, mas no mais eram totalmente estranhos aos humanos. Os cientistas carregavam água e proteínas em pó e isso foi suficiente para acalmar os ânimos.

Estabelecida a paz, era hora de tentar o diálogo.

A equipe procurou com gestos e desenhos no solo perguntar o que causou a hecatombe, mas não foi necessário um grande esforço de compreensão porque os sobreviventes logo adivinharam quais eram as indagações.

O ser aparentemente mais idoso grunhiu alguns sons e logo outro com aspecto de criança trouxe fotos, desenhos e um estranho projetor holográfico por meio do qual foi possível estabelecer uma linha do tempo dos terríveis fatos ocorridos.

Foi durante a chegada da Perseverance que a civilização avançada que vivia harmoniosamente de maneira sustentável começou seu processo de extinção.

Até antes da Perseverance, Mare Erythraeum vinha sendo governada de maneira sábia, previdente e civilizada. Claro que havia alguns problemas na produção e distribuição de alimentos e água, mas, de maneira geral vivia-se bem.

A sociedade era composta de 6 grupos principais: a diminuta, mas poderosa classe dos muito abastados, a pequena classe dos governantes e das instituições, a também pequena classe dos intelectuais, artistas e cientistas, a dos sacerdotes, a grande classe do povo simples e, por fim a pequena e barulhenta congregação dos pategos, aqueles que  renegavam a civilização e seus avanços, desprezavam os intelectuais e os cientistas, conspiravam contra o governo e as instituições e se consideravam orgulhosos de sua ignorância e de suas ideias retrógradas.

Os pategos já haviam dominado Mare Erythraeum no passado, causando enorme estrago à civilização, mas estavam recolhidos há décadas e ninguém mais levava a sério a possibilidade de eles voltarem ao poder.

Porém, havia surgido em 2020, pelo calendário terráqueo, uma certa movimentação deles a que ninguém deu grande importância.

Os pategos alçaram um dos seus à sua liderança. Justamente um dos mais obscurantistas e que há anos dava mostras de não se encaixar no sistema vigente, preferindo o regime que dominou a região no passado.

Passaram a fazer muito barulho, conseguiram que os órgãos informativos da população fizessem vistas grossas e até, em alguns casos aderissem disfarçadamente ao que pregava o novo líder.

Boa parte da classe política e instituições desdenharam da possibilidade da ascensão ao poder desse patego, achando que ele não levava perigo.

Também, boa parte da população aos poucos se convencia de que ele apenas era um marciano simples e sincero, e que o que pregava, preconceito, discriminação, autoritarismo, armamento, ódio, era apenas para impressionar.

Pois bem, o líder patego conseguiu chegar ao poder e o processo de deterioração da civilização de Mare Erythraeum teve início.

À princípio os políticos de oposição e as instituições ficaram apenas estarrecidos e inertes diante dos discursos cruéis e infames. Seguiram-se atos de destruição do meio-ambiente, dos direitos da classe pobre e de fechamento das instituições. Quando uma terrível doença advinda provavelmente de vírus que foram trazidos inadvertidamente pela Perseverance e sobrevivido à longa viagem pelo espaço, começou a dizimar a população, o líder patego lhe negou remédio.

Embora as classes dos políticos e instituições e dos intelectuais, artistas e cientistas esboçassem uma reação, esta não foi possível se concretizar devido às ameaças violentas do líder patego e seus asseclas. Ademais, a classe dos muito abastados e boa parte da dos sacerdotes perceberam que poderiam se aproveitar e lhe deram apoio.

As ameaças passaram a ser constantes e a aumentar em grau de violência.

Os pategos, agora armados por seu líder, intimidavam a todas as classes.

Registros históricos da civilização foram queimados em nome de uma nova ordem.

Certos da impunidade, os que lhe eram mais próximos começaram a praticar todo tipo de corrupção.

Mare Erythraeum começou então a viver períodos de grande fome e sede, além de desastres naturais como imensas tempestades de areia. O líder patego não se importava com isso, preferindo se exibir de gnorkyiwh, uma espécie de veículo que flutuava sobre o solo em grande velocidade, sempre acompanhado de outros pategos.

Por fim, o colapso econômico e a deblaque da sociedade.

Terminada a exposição holográfica, o ancião gesticulou que era chegada a hora de todos se esconderem porque os pategos sobreviventes, junto com seu líder, sairiam a qualquer momento de seu bunker onde se refugiavam e gozavam da boa vida, para saquear o pouco que restara da civilização e calar com armas qualquer esboço de reação. Tornara-se uma prática diária.

Para terminar, o ancião demonstrou toda sua tristeza com o fato de que Mare Erythraeum deixara passar o turning point, o ponto de inflexão, porque todos se acovardaram e já não era possível nenhuma reação.

Contribuiu para isso a ausência de um líder que fizesse forte oposição ao patego. Os colaboracionistas, comprados por minerais preciosos do planeta, não se importaram com sua destruição.

As cientistas se entreolharam várias vezes. Impossível não relacionar o relato ao que havia acontecido na Terra entre 2016 e 2022.

Um arrepio percorreu a espinha das cientistas brasileiras ao imaginar o destino do Brasil nas mãos de um patego. Foi justamente um patego que tentara vencer as eleições em 2022, mas fracassou.

Felizmente, ao contrário de Mare Erythraeum, o Brasil tinha um líder de oposição que enterrou de vez o terrível pesadelo de mais quatro anos de dominação dos pategos.

Infelizmente, por não ter uma liderança que se contrapusesse ao patego, a civilização de Mare Erythraeum estava irremediavelmente condenada.

Restaria apenas a barbárie.

Os cientistas decidiram voltar à Terra no dia seguinte.


sábado, 2 de julho de 2022

O estulto do crime

Por Fernando Castilho


Imagem: Gladson Targa


 
Hitler, Mussolini, Stalin, Salazar, Franco, Pinochet, Idi Amin Dada, César, Gengis Khan, os presidentes-ditadores do regime militar do Brasil...  a lista é gigantesca.


Em 1940 foi lançado no gibi do Capitão Marvel, um gênio do crime, o cientista louco, Dr. Silvana, aquele que queria destruir o mundo para depois dominá-lo como um grande ditador.

Invariavelmente, nas páginas do gibi, o Herói, Capitão Marvel, o derrotava, mas, como tiririca (a erva daninha e não o deputado), o vilão sempre ressurgia.

No mesmo ano, outro supervilão surgiu, desta vez nas páginas do gibi do Super-Homem. Lex Luthor, um engenheiro perito em biologia e genética, se empenhava em descobrir formas de aniquilar o Super-Homem, o alienígena vulnerável apenas à Kriptonita, mineral somente existente em seu planeta natal. Luthor, como Dr. Silvana, era um gênio da tecnologia e do crime e também queria dominar o planeta.

Bem mais tarde, surgiria o satânico Dr. No, também um gênio da Física e do crime, que buscava, adivinhe, se tornar um ditador do mundo. Um agente secreto britânico chamado Bond, James Bond, cuja alcunha era 007, foi escalado para combatê-lo.

A ficção é recorrente e fértil para o surgimento de inúmeros supervilões.

Na vida real existiram vários nomes reais que sonharam em dominar o planeta ou, pelo menos, seus países. Curiosamente, nenhum deles era gênio e nenhum deles prezava a Ciência. A realidade se distancia totalmente da ficção.

Hitler, Mussolini, Stalin, Salazar, Franco, Pinochet, Idi Amin Dada, César, Gengis Khan, os presidentes-ditadores do regime militar do Brasil...  a lista é gigantesca.

Mas, se nenhum deles era gênio da Ciência, como puderam chegar ao poder?

A ousadia, a estratégia, o senso de oportunismo, o egocentrismo sem limites, o autoritarismo, a truculência, o desrespeito total às minorias, a total falta de empatia, o pragmatismo, a inclemência e a crueldade os conduziram ao poder diante de populações tolerantes, passivas, enganadas, indignadas e impotentes diante da tirania. Entre essas “qualidades”, a estratégia e o senso de oportunismo, de longe, são as mais importantes.

Em comum, o que todos eles têm é o destino a que foram relegados. Suicídios, golpes violentos, prisões, assassinatos, vinganças e, por fim, a lata de lixo da História.

No Brasil de 2022, o ambiente é fertilmente propício a uma ditadura novamente, porém, o contexto e a própria figura do candidato a ditador são diametralmente diferentes dos ditadores convencionais.

Bolsonaro, com certeza, não é nenhum gênio da estratégia e do oportunismo, embora possua as outras características comuns aos ditadores da vida real. É zero empático e muito cruel, como demonstrou durante a pandemia, e alimenta sonhos ditatoriais.

Pela maneira como vem conduzindo o governo, cuja linha de tempo se assemelha mais à trajetória de um bêbado de madrugada pela calçada, pelas inúmeras bobagens que fala e pelas ações ilógicas que empreende, o Capitão Morte (não Marvel) poderia ser classificado como um estulto do crime (já que seus crimes se acumulam) e, agravado pela sua total negação, um obtuso da Ciência.

Mas, o que faz com que uma súcia de quase 30% da população brasileira siga um estulto criminoso?

Precisam de alguém que os represente. Só isso. Não diferem dele.

Os autores das histórias do Capitão Marvel, do Super-Homem e do James Bond jamais pensaram em colocar em seus argumentos o elemento povo seguidor, talvez porque os vilões não eram políticos.

Talvez os heróis da ficção não conseguissem derrotar vilões com representação na população, como o Capitão Morte.

Para esse tipo de vilão precisamos de um herói com muito mais votos que ele, com propostas que ampliem a democracia e que garantam uma vida melhor ao povo. Enfim, sua antítese.

Precisamos de um gênio do bem, de alguém que, embora não tenha tido acesso ao que a Ciência afirma, não a trata com desdém, mas a respeita.

Lula!

 


quinta-feira, 30 de junho de 2022

Uma premonição me revelou

Por Fernando Castilho




O capitão começa a ser espremido, moído, triturado, até restar um bagaço inútil cujo fim será a prisão e a lata de lixo da história.


Observo na feira. O vendedor de caldo de cana passa o caule uma vez por entre as engrenagens e o suco escorre generoso para a vasilha. 

Não satisfeito, o homem decide dobrar o que sobrou e passar mais uma vez. Agora sai menos, mas ainda sai.

Pela terceira vez o caule é espremido até sobrar só um bagaço que é jogado no lixo.

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a ser espremido pelo surgimento de denúncias de corrupção em seu governo.

Veio o vazamento do discurso do então ministro da educação, Milton Ribeiro em que afirma que recursos do MEC eram repassados a dois pastores para que eles os ofertassem a prefeituras, segundo critérios próprios, por orientação do presidente. Em troca de propina.

O fato gerou investigação da Polícia Federal, que culminou na prisão preventiva de Milton Ribeiro. Então apareceu o delegado Bruno Calandrini, indignado com os privilégios recebidos pelo ex-ministro enquanto preso.

Outro áudio que veio a público revela, antes da prisão, uma conversa telefônica entre Ribeiro e sua filha. Nesse diálogo, o ex-ministro diz que Bolsonaro lhe telefonou dizendo que havia tido uma premonição sobre a prisão preventiva, revelando o medo que sentia de que a ação também o atingisse.

Imediatamente senadores da oposição se mobilizaram e conseguiram assinaturas suficientes para a abertura de uma CPI do MEC.

O defunto ainda não estava frio, quando cinco servidoras da Caixa Econômica Federal vieram a público denunciar que o presidente do órgão, Pedro Guimarães era especialista em assédio sexual dentro e fora do ambiente de trabalho durante viagens.

Um grupo maior de servidoras fez protesto em frente à sede da Caixa exigindo a saída de Pedro.

O fiel seguidor de Bolsonaro, teve que deixar a presidência.

As denúncias contra um governo que vinha enchendo o peito para bradar que nele não havia corrupção, agora o desnudam.

O capitão começa a ser espremido, moído, triturado, até restar um bagaço inútil cujo fim será a prisão e a lata de lixo da história.

E isso, faltando três meses para as eleições, em um ambiente desfavorável devido à larga vantagem de Lula nas pesquisas.

Se servidores – no caso, da PF – e servidoras – no caso da Caixa - tomaram coragem para mostrar que o presidente está envolvido em escândalos e que um dos homens fortes do governo é um assediador sexual, podemos esperar que mais gente da máquina tome atitudes semelhantes?

Foi a segurança da impunidade que fez a turba que governa o país se descuidar e não se preocupar com o que servidores veem todos os dias.

Há todo tipo de servidor. Existem os que têm preferência política por Bolsonaro e agem segundo essas convicções, mas também há os que estão descontentes com esse governo e votarão em Lula. Há um terceiro grupo menos político que se preocupa com a probidade administrativa e que deve estar indignado e revoltado, tamanho o desrespeito com a res publica.

O crescimento exponencial das revelações de corrupção poderá ter o efeito de encorajar cada vez mais servidores a denunciá-las. Seria o fim das pretensões eleitorais do capitão, se ficarmos somente na expectativa do respeito às urnas e ao estado de direito.

É o que uma premonição me revelou.


domingo, 26 de junho de 2022

Nunca fomos tão tolerantes com o intolerável

Por Fernando Castilho



O fato é que o país vive uma espécie de Síndrome de Estocolmo, acostumou-se e se adaptou ao tirano. E isso é ruim, muito ruim.


Houve época em que bastou uma presidenta falar que o Brasil ia estocar vento, para que o país desabasse sobre sua cabeça.

Pesquisa do antigo Ibope dava para Dilma Rousseff aprovação de 10% e rejeição de 69% em março de 2016. Na época os brasileiros tinham emprego, podiam fazer churrasco nos finais de semana, o gás custava 35 reais e a gasolina, 2,39 reais. Além disso, não havia escândalos de corrupção e nem crime de responsabilidade.

Pessoas saíam às ruas de verde e amarelo para exigir que ela deixasse o governo e a grande imprensa lhe fazia uma duríssima campanha.

Os brasileiros não gostavam de sua maneira de falar, de seu penteado e de suas roupas. E não suportavam o fato de ela ser mulher.

O país era intolerante.

Mas mudou.

Hoje temos um presidente que:

Ignorou e fez pouco caso da pandemia da covid -19, boicotou as vacinas e foi responsável por centenas de milhares de mortes;

Incapaz de governar, entregou o orçamento da União ao centrão que o utilizou para distribuí-lo secretamente entre seus apoiadores que se lambuzam com tanta grana e fazem a maior festa com dinheiro público de que se tem notícia;

Livre da tarefa para a qual foi eleito, o presidente pode, enfim, ter tempo para fazer o que realmente gosta, ou seja, se exibir com jet-skis e promover motociatas pagas com dinheiro público ao mesmo tempo em que faz campanha para sua reeleição;

Sem programas de governo, políticas públicas e vontade de governar para quem realmente precisa, o país, logicamente começou a afundar com o reaparecimento da inflação, a alta dos combustíveis, dos alimentos e da energia elétrica. Pessoas estão sendo despejadas de suas casas e indo morar nas ruas. Já são cerca de 35% os famélicos;

Incentivados pela postura autoritária, violenta, preconceituosa e sociopata do presidente, aqui e ali começaram a emergir das grelhas dos esgotos todos os tipos de animais peçonhentos, repugnantes e contagiosos. Testemunhamos um rapaz sendo asfixiado dentro de uma viatura policial, um indigenista e um jornalista sendo assassinados na Amazônia e uma juíza pressionando uma menina estuprada de 11 anos a prosseguir com uma gravidez indesejada e de alto risco;

Vemos todos os dias o presidente ameaçar dar um golpe de estado porque já tem certeza de que não vencerá as eleições e porque sabe que poderá ser preso assim que deixar o poder;

Numa conversa telefônica entre o ex-ministro da educação, Milton Ribeiro e sua filha, fica claríssimo que o presidente cometeu crime de obstrução de justiça ao avisá-lo de que poderia ser preso preventivamente. Enquanto desvios de dinheiro são promovidos por pastores sob o consentimento do mandatário da nação, todos os índices educacionais despencam e já não há futuro para grande parte de nossas crianças;

O governo entregou a preço de banana a Eletrobras, garantindo dinheiro para subsidiar parte dos combustíveis até o final do ano, somente. Ou seja, trocamos uma grande estatal por alguns litros de gasolina e óleo diesel. Agora o preço da energia elétrica vai aumentar cerca de 65%;

Como se tudo isso não bastasse, há mais de 100 pedidos de impeachment na Câmara Federal protegidos pelo seu presidente Arthur Lira, encantado com os milhões que recebe do orçamento secreto e distribui para seu filho e correligionários fazerem a festa em Alagoas.

Agora que Dilma deixou o governo, o Brasil se tornou tolerante. Extremamente tolerante, afinal, se ela tinha aprovação de 10%, o presidente tem de 28%!

Hoje não há uma só pessoa que saia às ruas contra a pilhagem praticada pelo presidente e seus asseclas.

A grande imprensa até critica o capitão, mas o faz com muito cuidado para não deixá-lo muito irritado, já que não quer Lula, e a terceira via se demonstrou um bolo sem fermento. Vai com o inominável mesmo e espera recompensa no ano que vem.

As instituições, como o TCU, o TSE e o STF, até procuram tentar agir de acordo com as missões para a quais foram criadas, mas sentem medo, muito medo, pois não é possível viver confortavelmente quando se é ameaçado diariamente por gente cuja capacidade de ação não se consegue aferir com precisão. As milícias se espalharam pelo país como uma rede que pode fazer sua primeira grande vítima a qualquer momento. Lula também corre perigo.

Boa parte da população, de tanto sofrer nas mãos do tirano e todos os dias vê-lo falar sandices e cometer crimes, parece agora aceitar resignada e placidamente seu destino, talvez porque veja o favoritismo de Lula nas pesquisas como um “já ganhou”, só esperando para comemorar o resultado e começar a viver novos tempos.

O fato é que o país vive uma espécie de Síndrome de Estocolmo, acostumou-se e se adaptou ao tirano. E isso é ruim, muito ruim.

A intolerância de boa parte de nossa população, afinal, era só contra uma presidenta, mulher, republicana e correta, incapaz de qualquer reação mais dura, fora das quatro linhas da Constituição.

Mas, contra Bolsonaro, total tolerância.


domingo, 12 de junho de 2022

A fome, a saúde mental e a psicologia. Nós, psicólogos, devemos ser sujeitos políticos?

Por Jarbas Capusso Filho




“Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem.” - Manuel Bandeira


Vamos direto aos números, sem torturá-los: se em 2020 havia 19 milhões de pessoas passando fome diariamente, em 2022, este número aumentou, quase que dobrando. E cabe uma pergunta: Com precárias condições de moradia, desemprego, violência, falta de dinheiro, vulnerabilidades. Como manter-se sadio mentalmente diante de condições tão adversas? Hoje, segundo A rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, lançado nesta quarta-feira (8), cerca de 33,1 milhões de brasileiros passam fome atualmente. São pessoas que não sabem se vão comer, qualquer coisa, hoje. No mundo, a situação não é melhor. Em 18/05 António Guerres, secretário-geral da ONU, soltou um alertou terrível: temos um novo recorde no mundo, o da fome: o número de pessoas em insegurança alimentar severa duplicou de 135 milhões, (no período pré-pandemia), para 276 milhões atualmente. Ou seja, estamos caminhando muito rapidamente para uma crise humanitária sem precedentes na pós modernidade: a fome e suas consequências nos países em desenvolvimento.

Mas, hoje, quero concentrar os meus escritos neste Brasil da fome que vivemos, e convivemos, quase de forma apática. Os fatos: isolamento social, o medo do coronavírus e o número de mortes já foram, e são, gatilhos para o adoecimento mental: depressão e outras formas de sofrimento psíquico, emocional. Quem disse isso? A OMS - Organização Mundial da Saúde, nos alertou sobre esta epidemia (silenciosa) de saúde mental como uma “quarta onda” da pandemia. E esses números podem piorar? Sim, e muito! Para 125 milhões (números de brasileiros que vivem em estado de insegurança alimentar, hoje), a angústia é muito maior. A barriga vazia está diretamente relacionada às situações de desemprego, fome e falta de assistência médica. Resultado do abandono e descaso do Estado com essas populações.

Bem, como a proposta deste humilde artigo é tentar mostrar às intricadas intersecções da fome com a saúde mental, vamos à elas. Quando falamos de temas tão caros ao ser humano, como a fome, a inesperada perda do emprego ou o fim de politicas publicas como o programa contra a fome, praticamente destruída no governo Bolsonaro: “Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, diz Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan.

Quando falamos de sofrimento psíquico, emocional, podemos falar do sujeito e o sofrimento ancorado na fome. E quando o assunto é o sofrimento causado pelas desigualdades sociais e apobreza, vamos combinar: isto não é uma novidade no Brasil. O país tem a maior taxa de transtorno de ansiedade no mundo.. Enquanto 3,6% da população mundial sofre de ansiedade; no Brasil, o transtorno atinge 9,3% da população.O fato é: Deficiências nutricionais, influenciadas por fatores sociais, econômicos e/ou políticos, podem afetar a saúde mental das pessoas. A pobreza extrema, e a fome, podem influenciar no surgimento ou na piora de problemas como doenças psicopatológicas como transtorno de ansiedade, depressão, bipolaridade, esquizofrenia, transtorno obsessivo compulsivo e doenças degenerativas como o Alzheimer. "As pessoas pensam que eu sou louca, mas eu não sou. Sou só revoltada [...] Eu queria comer alface, queijo, cenoura, beterraba, essas coisas que as outras pessoas comem" (Maria Cleonice, 22 anos, entrevistada por Guibu)

“A fome é a maior violência que se pode submeter um ser humano e nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e em um sentido tão nocivo quanto a fome. Eu sou a própria fome! Sou a fome personificada, porque a fome não está apenas no meu corpo, mas ela está na minha alma, na minha genética, na minha ancestralidade, portanto ela está em todas as dimensões da minha existência." - Nilson Lira Lopes, militante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) no Rio Grande do Sul, na apresentação da obra intitulada “Mas, se a gente é o que come, quem não come nada some! É por isso que ninguém enxerga essa gente que passa fome”. Demorou. Mas o Brasil, em 2014, saiu do Mapa da Fome. Mas, já em 2018, regrediu aos seus piores índices desde 2004. De acordo com Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), a maior agência humanitária da ONU, o Brasil caminha passos largos para voltar a ter a fome muito presente em seu território.

E as crianças? Hoje, no país, somente 26% das crianças atendidas pelo SUS fazem três refeições por dia em 2021 – no ano anterior, este índice foi ainda menor, de apenas 21%. Essas  crianças podem desenvolver, na vida adulta, uma série de distúrbios psicológicos. Uma em cada três crianças está com anemia no Brasil neste momento. “Nos primeiros anos, o cérebro faz mais conexões do que em qualquer outro período da vida. São de 700 a 1.000 conexões por segundo. Aos 3 anos, o cérebro de uma criança é duas vezes mais ativo do que o de um adulto”, explica a consultora de primeira infância do Unicef, Pia Britto. As famílias dessas crianças sentem os impactos de uma politica econômica perversa. A inflação está aumentando em progressão geométrica, os empregos formais deixaram de existir e, com eles, garantias como saúde e vale refeição, o preço da cesta básica cresceu assustadoramente e o salário-mínimo não acompanha as necessidades básicas dessas famílias.

Temos um enorme desafio pela frente: acabar com a fome e a miséria do pais e lidar com, talvez, muitas gerações de pessoas adoecidas mentalmente por terem sido privadas de suas necessidades mais básicas. Os profissionais de saúde mental têm um papel fundamental neste desafio. Prevenir, esclarecer e tratar desse tema tão caro aos brasileiros. Sim, aqui politica e psicologia se misturam num fenômeno de resistência e esclarecimento. A psicologia, creio muito nisso, é um agente transformador de um ambiente árido e órfão do Estado. Terapia não mata a fome! Teoria não acaba com a miséria. Mas quando nos transformamos em sujeitos que fazem circulamos às vozes, nos tornamos, antes de tudo, cidadãos. Ou enfrentamos e denunciamos essa tragédia, ou toda a nossa formação será apenas um canudo na gaveta dos omissos da nossa trágica história!


Jarbas Capusso é psicólogo clínico e palestrante

 


sábado, 11 de junho de 2022

Globo perdida no mato sem cachorro

Por Fernando Castilho



Após a deblaque do ex-juiz, a emissora do Jardim Botânico ficou sem opção. O jeito foi esconder Bolsonaro do Jornal Nacional e terceirizar as críticas ao governo para seus escalões inferiores


O histórico de atuações políticas da Rede Globo, destinadas a ganhar dinheiro enquanto mantém seus espectadores distraídos e pobres, vem de longa data.

A empresa participou ativamente do golpe de 1964, atuou explicitamente para que Fernando Collor derrotasse Lula nas eleições de 1989, conclamou o povo para sair às ruas para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, sem que esta tivesse cometido crime algum, atuou fortemente para a condenação e prisão do ex-presidente Lula e inflou até onde pode a candidatura do capitão que por enquanto ocupa o Palácio do Planalto.

Os irmãos Marinho apostaram que, se eleito, o governo do capitão retribuiria seus esforços com benesses de todo tipo, o que não aconteceu.

O Jornal Nacional passou então a atacar o presidente logo no começo de seu mandato, mas um forte recado seu feito em um vídeo teve o condão de fazer com que a Vênus Platinada recuasse.

Os ataques se transformaram em críticas gerais ao governo poupando o capitão. Mesmo durante a maior crise da pandemia, percebemos que, mesmo se empenhando ao máximo, se Dilma ou Lula fossem os presidentes, haveria chamadas de hora em hora atacando suas atuações no combate à Covid 19.

Isso ninguém poderá negar.

A Rede Globo passou a investir fortemente na candidatura de Sergio Moro à presidência da República.

Após a deblaque do ex-juiz, a emissora do Jardim Botânico ficou sem opção. O jeito foi esconder Bolsonaro do Jornal Nacional e terceirizar as críticas ao governo para seus escalões inferiores. Foi o que aconteceu quando estourou o escândalo dos pastores do MEC. Embora o ministro da Educação tivesse citado o presidente como o responsável pela ordem de beneficiar os pastores, a emissora não deu nome ao boi.

Mas o capitão agora a ameaça com bravatas afirmando que não renovará sua concessão. Lógico que a Globo sabe que a renovação virá com certeza, mas vejam que isso é mil vezes pior do que a regulação da mídia que o PT de Lula defende.

Com Paulo Guedes, a empresa tem ganhado muito dinheiro e gostaria que isso continuasse, mas se o país afundar economicamente com a reeleição, isso também será ruim para ela, afinal, vive de anunciantes que já começam a registrar perdas devido à queda abrupta do poder de consumo dos brasileiros. Um PIB fraquíssimo não interessa a ninguém.

Quer dizer, com Bolsonaro não dá, mas com Lula também não. Então, resta investir agora em Simone Tebet, a salvação da lavoura.

Não, Tebet não decolará. A eleição será definida por Lula, que vem mantendo o primeiro lugar há meses, e Bolsonaro, embora tudo indique o ex-presidente vencerá ainda no primeiro turno.

A Globo ficará perdida no mato sem cachorro.

 

 

 

 


quinta-feira, 9 de junho de 2022

Bolsonaro e a solidão que se aproxima

Por Fernando Castilho



Há gente que, mesmo estando desempregada e passando fome, ainda crê no que o capitão fala, embora essas crenças venham diminuindo a cada dia


Os ratos procuram se enfiar em locais em que humanos não consigam encontrá-los.

Pode ser num esgoto longe das luzes das cidades, pode ser dentro de nossas casas, numa parede de um sótão ou porão esquecidos há anos.

Eles podem entrar e sair com toda desenvoltura nas horas em que estamos dormindo, mas se um filhote teimosamente entrar num minúsculo buraco, pode ser que nunca mais saia dele, ainda mais se tiver um tempinho pra crescer ali dentro.

O presidente Jair Bolsonaro se meteu em um desses buracos.

Seu discurso, recheado de mentiras, preconceitos, ódio e saudoso da ditadura, inflamou um relativamente grande número de ratos que estavam escondidos no esgoto. Há quem, apesar das mais de 670 mil mortes pelas quais foi responsável, direta e indiretamente, ainda o admire.

Há gente que, mesmo estando desempregada e passando fome, ainda crê no que o capitão fala, embora essas crenças venham diminuindo a cada dia.

Há também quem não se importe em ver um presidente não trabalhar, participando de motociatas e passeios de jet-ski enquanto famílias perdem todos seus bens em grandes enchentes. São os fechados com Bolsonaro.

Mas as eleições se aproximam e o distanciamento nas pesquisas de opinião entre Lula e o embusteiro que governa o país vem se mantendo, o que indica que ele perderá a disputa, quiçá no primeiro turno.

Para tentar reverter a situação, Bolsonaro teria que ampliar seu eleitorado, mas caiu na armadilha que o tornou prisioneiro de seu discurso imutável.

Só lhe resta uma tentativa de golpe, mas mesmo isso, vem se mostrando extremamente difícil.

O pior para ele é que, como escrevi já há vários meses, os candidatos a governadores e deputados federais de sua base aliada estão dando sinais inequívocos de descolamento de seu chefe, principalmente nos colégios eleitorais onde Lula nada de braçada.

Se o sujeito pretende mesmo se eleger, não há como manter sua imagem ligada a do capitão. Já há quem esteja até se bandeando para o lado de Lula. Quase nenhum de seus ex-ministros endossa mais o discurso do presidente.

Em São Paulo, o candidato alienígena ao governo, Tarcísio de Freitas já fala em governar respeitando o ex-presidente, caso este se eleja.

Rodrigo Garcia, também candidato ao governo de São Paulo, embora do PSDB, também já demonstra certa simpatia com a chapa do PT.

Na Bahia, ACM Neto também já flerta com Lula, embora esteja em primeiro lugar na preferência do eleitorado.

Esse fenômeno de debandada dos aliados de Bolsonaro, daqui pra frente só aumentará, na medida em que se aproxima o primeiro turno.

O ímã maior sempre atrai mais limalha de ferro que o menor.

Lula cada vez mais agregará políticos em torno dele e o isolamento político de Bolsonaro se tornará cada vez mais evidente.

Veremos se isso se refletirá em próximas pesquisas.


Também publicado em Jornal GGN

Bolsonaro e a solidão que se aproxima, por Fernando Castilho - G (jornalggn.com.br)


segunda-feira, 30 de maio de 2022

Bolsonaro e a luta do bem contra o mal

Por Fernando Castilho


Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo


 Se há instituições corrompidas no Estado, as polícias, pelo seu aparelhamento, são as campeãs. E as mais perigosas porque portam armas.


Todos acompanhamos, num misto de incredulidade e horror a execução do sergipano, Genivaldo de Jesus Santos e muita gente já escreveu sobre o ocorrido.

Tentarei não ser mais um, somente.

A índole cruel e opressora do Estado sempre acompanhou a evolução do ser humano. Algumas vezes ela recua, outras épocas, recrudesce.

O recrudescimento se deu durante a Santa Inquisição, a Segunda Guerra Mundial – quando foram executados mais de seis milhões de judeus, a maioria em câmaras de gás como a que encerrou a existência de Genivaldo – e, parece que volta, após uma pausa, ao mundo e, lógico, também ao Brasil comandado por Jair Bolsonaro.

Não à toa o mandatário da nação procurou minimizar o crime defendendo hoje a PRF (Polícia Rodoviária Federal) e dizendo querer “justiça sem exageros”.

Mas, o que seria uma justiça sem exageros? A mesma que os policiais fizeram com Genivaldo? Uma barbárie?

Continuou: “Sem exageros e sem pressão por parte da mídia, que sempre tem um lado: o lado da bandidagem. Como lamentavelmente grande parte de vocês [jornalistas] se comportam, sempre tomam as dores do outro lado. Lamentamos o ocorrido e vamos com seriedade fazer o devido processo legal para não cometermos injustiça e fazermos, de fato, justiça".

Ora, ora, ora. Lógico que o capitão poupa a PRF porque tem entre seus agentes muitos eleitores. Ou seja, Bolsonaro usa a morte de Genivaldo pra fazer campanha eleitoral. E trata a vítima como bandido, sendo que bandidos foram os que a assassinaram.

Sergio Moro, o atual ex-tudo, também se manifestou sobre o fato de maneira cínica ao condenar a ação da PRF, ele que defende a excludente de ilicitude que nada mais é do que atirar primeiro e depois perguntar, o mesmo que os agentes fizeram, apesar de utilizarem gás lacrimogênio e não armas de fogo.

O fato é que há algo de podre, não só nessa corporação, mas nas polícias em geral, haja vista a chacina cometida pela Polícia Militar do Rio de Janeiro quando matou mais de vinte pessoas na Vila Cruzeiro.

Vejam que até surgiu um vídeo de um professor de cursinho preparatório para concurso da PF ensinando a tortura com gás lacrimogênio dentro da viatura como método de amansar os presos mais exaltados.

Se há instituições corrompidas no Estado, as polícias, pelo seu aparelhamento, são as campeãs. E as mais perigosas porque portam armas.

Muito se fala que, caso o capitão não vença as eleições, poderá tentar um golpe, mas não conseguirá contar com a totalidade das Forças Armadas.

Na verdade, o que se observa é um movimento do capitão para conseguir apoio das polícias, embora isso também pareça um tanto distante no horizonte.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, afirmou apenas que a "apuração será a mais breve possível", mas a PF já adiantou que o inquérito para apurar responsabilidades só estará concluído em 30 dias. Um caso que é um flagrante. Lógico que a expectativa é de que nesse prazo o caso seja esquecido pela imprensa e por nós.

Toda essa onda de barbáries cometidas quase todos os dias, que já começam a ser naturalizadas pela mídia e até por nós que não fomos capazes de sairmos às ruas como os americanos fizeram quando da execução por métodos semelhantes de George Floyd, é responsabilidade daquele, que na condição de chefe maior da nação, prega a violência, o armamento da população e a falta de empatia.

O país não suportará mais quatro anos de processo de destruição das instituições, dos direitos humanos e da civilização.

É preciso um outro Brasil para nossos filhos e netos, um Brasil de respeito ao ser humano, seja branco ou negro, como Genivaldo.

É urgente uma mudança.