segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O capitalismo da ausência

 

Por Eugênio Buci

 

Na pandemia tivemos mais acumulação, mais concentração e mais crescimento do valor e do poder das big techs, que se firmaram como estrelas

No dia 3 de janeiro de 2022, a Apple se tornou a primeira empresa da história a alcançar o preço de US$ 3 trilhões. A cifra equivale, em números aproximados, ao dobro do PIB brasileiro. É dinheiro – e é dinheiro que não para de crescer. Em um intervalo de 16 meses, o valor da Apple subiu 50%, passando de US$ 2 trilhões para US$ 3 trilhões. A escalada não deixa mais dúvidas sobre o fato de que o centro do capitalismo está nas chamadas big techs, as gigantes de alta tecnologia que têm uma incomparável capacidade de inovação.

Em julho do ano passado, as cinco maiores big techs (Apple, Google, Amazon, Microsoft e Facebook, que foi renomeada recentemente como Meta) bateram, juntas, o preço de US$ 9,3 trilhões. Agora, valem mais.

Durante a pandemia, com as medidas sanitárias de isolamento, as cinco foram às alturas. Eram as companhias mais preparadas para lucrar com o que se começou a chamar de “trabalho remoto”, e também com o e-commerce, com o e-governe com o home office. Suas ferramentas se tornaram imprescindíveis.

Em abril de 2020, havia 4,5 bilhões de habitantes do planeta, em 110 países, vivendo (ou tentando sobreviver) em regime de lockdown. Entrávamos numa era de virtualidades que não conhecíamos: escolas, mesmo as recalcitrantes, tiveram de se render ao expediente das aulas a distância; escritórios de advocacia de qualquer lugarejo adotaram o home office; serviços públicos começaram a ser oferecidos online e os movimentos da sociedade civil se canalizaram para as plataformas digitais – e tome abaixo-assinados eletrônicos.

Começava ali um período estranho, com trabalhadores trabalhando sem comparecer ao local de trabalho, cidadãos exercendo seus direitos sem estar lá, missas pelo YouTube e namoros pelo WhatsApp. A economia se adaptou muito bem, obrigado. Não veio catástrofe nenhuma nos ditos “mercados”. O que veio, isto sim, foi mais acumulação, mais concentração e mais crescimento do valor e do poder das big techs, que se firmaram como estrelas no capitalismo da ausência.

Estamos vivendo uma mutação social das mais intrigantes. Na Revolução Industrial do século XIX, falava-se em “força de trabalho”. Era essa “força” que o operariado vendia nas linhas de montagem. A “força de trabalho” era uma energia física que tinha como combustível o sangue humano. Com ela, os proletários moviam engrenagens, enroscavam parafusos, empurravam carcaças, pacotes e carrinhos abarrotados de carvão. Hoje, a velha “força de trabalho” parece ter ficado de escanteio. O capital não liga mais para ela, ou, ao menos, não liga tanto. Máquinas robotizadas fazem o serviço, colhem a cana, soldam peças na fuselagem dos automóveis, operam os telemarketings da vida e da morte.

Agora, o interesse do capital tem foco em outros atributos da gente. Não requisita mais a força física, mas o olhar, a imaginação, a atenção, o desejo. Esses atributos já não têm tanto a ver com o corpo, com os músculos e com o esqueleto que nos sustenta, mas com a máquina psíquica. O capitalismo da ausência – com as big techs na vanguarda – desenvolveu fórmulas para explorar as nossas mais recônditas fantasias. Eis porque, com as multidões confinadas, a economia não parou.

O modo de produção em que estamos embarcados consegue extrair valor – a distância – de corpos em estado semivegetativo, prostrados atrás de uma tela eletrônica. Só o que é convocado a entrar em atividade, nos corpos dormentes, é o olhar e as pontas dos dedos. O capitalismo se higienizou. Nunca a ausência física do explorado foi uma solução tão lucrativa.

Mas o grande trunfo das big techs não está no home office, que, aliás, já virou carne de vaca (ou, no caso brasileiro, virou osso de vaca). Hoje, todo mundo diz que trabalha remotamente, inclusive quem não trabalha. O maior diferencial dos grandes conglomerados, como Apple e suas assemelhadas, todas monopolistas globais em seus ramos (ou troncos) de atuação, foi a transformação do consumo em trabalho. No modelo de negócio das gigantes da tecnologia, consumir é trabalhar.

O tal do “usuário”, enquanto pensa usufruir de funcionalidades gratuitas, enquanto imagina se divertir, está trabalhando de graça. É o “usuário” quem “posta” os “conteúdos”, é o “usuário” que, sem saber, fornece de graça todos os seus dados pessoais (que depois serão vendidos a peso de ouro para os anunciantes), é o “usuário” que, com seu olhar, também gratuito, costura as significações e assimila os conteúdos das marcas e das mercadorias. O pobre “usuário” é ao mesmo tempo a mão de obra e a matéria-prima que saem de graça. Depois, no fim da linha, é ele, o “usuário”, que vai ser comercializado. A isso se resume o melhor negócio de toda a história da humanidade.

Se você quiser, pode tentar ser otimista. Pode falar dos prodígios curativos da telemedicina e do conforto de jogar na Mega-Sena sem sair de casa. Nada contra. Apenas leve em conta que a sua ausência vem preenchendo grandes lacunas, quer dizer, vem abarrotando de dinheiro virtual muitas burras digitais.

*Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de A superindústria do imaginário (Autêntica).

O estranho conceito de liberdade dos bolsonaristas

 Por Fernando Castilho


A liberdade não existe.

O conceito puro de liberdade pressupõe ausência total de grilhões, de impeditivos para que a vontade, o desejo, a pulsão sejam exercidos de maneira plena.

Para Aristóteles, liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato voluntário. Desta forma, podemos tomar decisões, mas sempre haverá um limite.

Já para Nietzsche, homem de espírito livre, como ele próprio se intitulava, o homem livre é aquele que tem condições de estabelecer seus próprios valores, independente dos grilhões da moral e dos costumes. A vontade sempre deve ser saciada quando se apresentar.

Mas será que a liberdade absoluta existe?

A liberdade plena não existe. Ela acaba quando começa a prejudicar o outro. Se não fosse assim, poderíamos nos apropriar do bem alheio sem sermos incomodados pela justiça.

O livre-arbítrio também não existe, embora a religião pregue que Deus nos concedeu esse bem. Quando Moisés apresentou ao povo os sete mandamentos da lei de Deus, ficou claro que o homem não pode matar, roubar ou adulterar, Por exemplo.

Mas há uma grande contradição, se não um paradoxo acontecendo.

Temos um presidente saudoso da ditadura, do AI-5, da tortura e da censura. Uma boa parcela da população, aquela que ainda lhe dá apoio nas pesquisas eleitorais, comunga dessa mesma postura.

A ditadura militar, principalmente depois do AI-5, prendeu, torturou e matou, não só aqueles que ousaram se rebelar contra o regime, mas também aqueles que somente manifestaram seu descontentamento.

As artes em geral, expressão máxima da cultura de um povo foram amordaçadas e silenciadas; a grande imprensa precisava muitas vezes recorrer à receitas de bolo para substituir uma notícia que não passou pelo crivo dos censores; as televisões tinham que nos impor noticiários e programas favoráveis ao regime. A falta de liberdade era geral.

Agora temos uma legião de bolsonaristas exigindo liberdade para propagar fake news nas redes sociais.

Mas a liberdade não é um atributo absoluto. Ela é sempre relativa e, por isso, exige responsabilidade.

Desta forma, a propagação de fake news prejudica a coletividade induzindo-a a acreditar em mentiras que certamente irão causar muito mal, como quando foi amplamente divulgado que hidroxicloroquina e ivermectina seriam remédios eficazes contra a Covid-19. Quantas pessoas, iludidas por essas fake news, contraíram a doença e morreram? Quantas tiveram sérios efeitos colaterais advindos da ingestão desses medicamentos comprovadamente ineficazes contra o vírus?

Essa mesma parcela bolsonarista, somente porque seu presidente assim o quer, difama a vacina inventando notícias falsas contra ela. A liberdade de fazer isso tem que ser cerceada pelo bem da coletividade que precisa se vacinar para que menos pessoas adoeçam ou morram pela Covid-19.

E a alegação é sempre a mesma: direito à liberdade de expressão. Direito a não se vacinar. Direito a não vacinar os filhos.

Portanto, falar em liberdade em certos casos e não em outros trata-se da mais pura hipocrisia, marca desse governo.

É como ter um ministro do meio ambiente que desmata e promove o garimpo ilegal, um ministro da saúde que protela a compra de vacinas e ainda por cima afirmar que não há comprovação científica ainda da eficácia dos imunizantes ou uma ministra dos direitos humanos, da mulher e dos indígenas que abomina os direitos humanos, trabalha para não fornecer absorventes para as jovens estudantes pobres e não se importa com o avanço do garimpo ilegal em terras indígenas.

É o negacionismo funcionando em todas as frentes possíveis cujo único intuito é a destruição de todo o arcabouço civilizatório construído ao longo de décadas e locupletação financeira com essa destruição.




sábado, 15 de janeiro de 2022

As capas de IstoÉ e de Veja

 Por Fernando Castilho


Como venho afirmando aqui, Bolsonaro vem perdendo todos seus pilares de sustentação.

A grande mídia antes vinha timidamente se afastando dele ao mesmo tempo em que busca inflar Sergio Moro para que este possa se cacifar como uma terceira via durante o primeiro turno das eleições presidenciais e poder ir com Lula para o segundo turno. 

Como o ex-juiz não levanta voo, é preciso agora começar a rebaixar o capitão para que este diminua sua diferença para ele. As matérias dos colunistas e as manchetes se tornam cada vez mais agressivas. Não surtirá efeito, pois a diferença de Moro, 9%, para Bolsonaro, 25%, ainda é muito grande.

Mas comecemos a nos acostumar com capas de revistas como estas que estão saindo esta semana.

Uma ataca Bolsonaro e outra levanta a bola de Moro.





sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Bolsonaro balança mas não cai

 Por Fernando Castilho


Como era de se prever, janeiro de 2022 começa com a debandada do centrão acontecendo aos poucos.

É impressionante a mudança de posição dos deputados do centrão que vinham apoiando o governo Bolsonaro. Antes queriam aprovar rapidamente as reformas tributária, administrativa e as privatizações. Como o ministro Paulo Guedes fala muito, mas não coloca nada em prática, decidiram esquecer os assuntos por estarem iniciando suas campanhas à reeleição ou ao governo de seus estados.

Então funciona assim: longe de ano eleitoral tentam aprovar projetos prejudiciais ao povo e lucrativos à grandes empresas ou conglomerados econômicos. Em ano eleitoral se voltam para aqueles que podem através do voto lhes manter na carreira política.

Desta forma, as reformas serão esquecidas este ano e Paulo Guedes já começa a ser fritado porque já não serve mais ao centrão. Aliás, não está descartada sua queda nas próximas semanas.

Bolsonaro, que já perdeu vários pilares de sustentação como o ex-juiz Sergio Moro, hoje seu adversário, Olavo de Carvalho, seu guru e responsável por uma ala significativa que o apoiava e parte dos militares que agora parece deixá-lo na mão, como o contra-almirante Barra Torres e o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, como um edifício sem sustentação, balança, mas não cairá.

Além disso, com a postura adotada durante a folga que tirou por duas semanas, ilegal porque não passou o cargo para o vice-presidente Hamilton Mourão, enquanto centenas de milhares de pessoas na Bahia perdiam tudo para as enchentes e sua posição antivacina para crianças de 5 a 11 anos, contrariando a opinião de 86% dos pais que querem ver seus filhos vacinados, o último pilar vai sendo corroído.

Vão restando ao Capitão Morte o apoio dos filhos, dos generais mais próximos que participam de seu governo acumulando o salário do Exército com o de seus cargos e de uma parcela cada vez menor de eleitores fiéis que insistem em permanecer a seu lado, não obstante o sofrimento com a alta dos preços dos alimentos, da gasolina, da luz e do gás.

O Auxílio Brasil poderá levantar um pouquinho o capitão nas pesquisas, mas devemos lembrar que o povo está inseguro quanto ao prosseguimento do benefício porque sabe que Bolsonaro é contra esse tipo de programa que só está sendo implementado porque se trata de ano eleitoral. Depois ninguém sabe.

E assim vamos caminhando para outubro com um governo inoperante, sabotador e cambaleante. Com reduzida chance de renúncia.




quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Lula, o jovem

Por Fernando Castilho


Mano Brown em seu podcast Mano a Mano alertou Lula que ele deveria falar mais aos jovens que não conheceram seu governo. A expressão deLula ao ouvir isso foi de espanto. Pareceu cair a ficha. E caiu mesmo.

O sucesso da entrevista de Lula ao podcast Pod Pah, conduzido por jovens e direcionado principalmente a eles, foi muito grande. Milhões de visualizações. Nem importa se os jovens assistiram na íntegra.

Lula encerrou seu último mandato em 2010. Os jovens que tinham na época 15 anos e não podiam votar, hoje estão com 26 anos. Quem tem hoje 15 anos e estará apto a votar em 2022, em 2010 tinha apenas 5 anos.

Portanto, há uma enorme legião de pessoas que não conhece Lula a não ser pela mídia que há 11 anos lhe desce o sarrafo e lhe atribuiu crimes que ele não cometeu.

Uma das qualidades de Lula é ouvir. Ele sempre ouviu muito quando presidia o país. E ele ouviu Mano Brown.

Enquanto o Capitão Morte fala para velhos recalcados, homofóbicos, racistas e misóginos, Lula fala para jovens.

Enquanto Moro fala para pessoas ávidas por punitivismo e excludentes de ilicitudes, Lula fala para moços e moças que precisam de esperança, emprego, educação e lazer.

Lula pensa muito rápido. 

Lula, um mito?

 Por Fernando Castilho


Conheci Lula quando ele surgiu ainda como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Passei a admirá-lo quando, em sua casa no Bairro Ferrazópolis em SBC, ele, entre amigos deu a fórmula simples (que segue até hoje) para alavancar a economia do Brasil:

1 - aumentar salário mínimo melhorando o poder de compra do trabalhador;

2 – trabalhador com mais dinheiro consome mais;

3 – consumindo mais, o comércio compra mais produtos e contrata mais para atender à demanda;

4 – para atender à maior demanda do comércio, a indústria produz mais;

5 – para produzir mais, a indústria precisa contratar mais gente;

6 – com mais gente empregada, aumenta o consumo. E assim vai.

A admiração cresceu depois do grande comício na Vila Euclides que o consagrou como a maior liderança operária a desafiar a ditadura militar.

Depois Lula fundou o PT, disputou sua primeira eleição a presidente e perdeu para o Collor porque este aplicou-lhe um golpe ao tocar em assunto de sua vida privada. Como se não bastasse, a Rede Globo arrematou ao fazer uma edição altamente desfavorável do debate apresentada no Jornal Nacional. Lula não se abateu e concorreu ainda mais outras vezes sem reclamar, até que venceu em 2002. Como não admirar esse homem?

Lula foi presidente por dois mandatos e, por mais que os órgãos de imprensa tentem esconder dos mais novos ou tentem negar, foi ele o único presidente que realmente reduziu a desigualdade social tirando o Brasil do mapa da fome.

Porém, com a idade ficamos mais resistentes a ídolos tendendo também a criticar aqueles que mais admirávamos no passado, afinal, falsos ídolos têm pés de barro.

Lula também tem suas falhas como todo ser humano.

Analisemos o passado e as falas e propostas dos atuais candidatos a presidência do Brasil em 2022. TODOS são adeptos do neoliberalismo, embora o coronel parisiense tente disfarçar. E NENHUM fala em combater a desigualdade e a fome. Um até pretende continuar sua obra de destruição.

Como toda regra deve ter uma exceção, essa voz distinta é de Lula, o único que fala em combater a fome, a desigualdade social e incluir o pobre no orçamento. O ÚNICO!

Portanto, não se trata aqui de escolher o mito da ocasião, o salvador da pátria da vez.

Trata-se de optar por aquele que já demonstrou na prática como se faz. Sem messianismo, sem idolatria.

O resto é... o resto.

O que pretende o Capitão Morte?

 Por Fernando Castilho


Todos sabemos quem é Jair Bolsonaro desde antes das eleições. Ele avisou a todo mundo: sou homofóbico, misógino, racista, ultra-direita, anticiência, saudoso da ditadura militar e tudo o mais que seja contra o avanço da civilização.

Até aí tudo bem, acabou sendo eleito em parte porque foi sincero, em parte pela desinformação ou fé de quem nele votou.

Bolsonaro, após três anos de governo, acrescentou outras características à sua personalidade. Ele é também mentiroso contumaz, sem empatia, cruel, debochado e golpista.

Além de tudo isso, pode-se dizer que é também burro, muito burro. Ou então louco.

Se não, como explicar que um presidente em plena campanha eleitoral pela sua reeleição, com 20 pontos percentuais abaixo do candidato com mais intenções de votos, Lula, tire quase duas semanas de folga se esbaldando com dinheiro público de seu cartão corporativo enquanto mais de 600 mil pessoas enfrentam o caos com as enchentes da Bahia e de Minas Gerais?

Como explicar que em plena campanha um postulante a reeleição ordena seu ministro da saúde a protelar ao máximo a compra de vacinas da Covis-19 para crianças, quando as pesquisas apontam que 84% da população quer vacinar seus filhos o quanto antes?

Seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, já tentou inúmeras vezes mostrar ao presidente que ele segue uma estratégia errada, mas não adiantou.

Os deputados do centrão que já começam suas campanhas visando a reeleição ou o governo de seus estados de origem, por não quererem ver seus nomes associados a um presidente que sabota as vacinas causando a morte de centenas de milhares de brasileiros, também já esgotaram seus argumentos sem sucesso.

Mas e os filhos do presidente?

01, 02 e 03 apoiam seu pai incondicionalmente. Eles que são também políticos com alguma tarimba.

Como explicar que nenhum dos três filhos considere o rumo que Bolsonaro está tomando na campanha equivocado e nenhum deles tente mudar sua opinião? Será a educação extremamente rígida que receberam que não lhes dê coragem para um diálogo?

Ou há um outro plano que desconhecemos?

Uma renúncia mais pra frente? Não, sem mandato ele seria processado e preso.

Um golpe? Já tentou, mas não conseguiu reunir forças para isso. Neste momento seria ainda mais improvável.

Uma candidatura ao senado? Quem sabe? Seria uma saída estratégica, pois teria 8 anos para exercer sua vagabundagem com direito a mais 8 anos, caso fosse reeleito.

Ou está aguardando os frutos do Auxílio Brasil?

Seria muito interessante que os repórteres da grande imprensa tentassem ouvi-lo sobre suas pretensões. É sempre nessas ocasiões que ele se sente muito à vontade para abrir o bico e despejar seus desejos mais ocultos.



 


A hora mais infame

Por Marcílio Godoi


Assisti à votação do impeachment de Dilma de pé, no Vale do Anhangabaú. A chuva que se armou não caiu naquele fim de tarde. Eu estava sozinho, não suportei ficar em casa e me plantei ali, num daqueles taludes, olhando o telão. Em volta, de olhos vermelhos, a cada vergonhoso voto, sob um sentimento cívico de devastação total, havia uma atmosfera de execução sumária no ar. E o povo mais calava que cantava. Era um pessoal simples, muita gente dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, das escolas de periferia, todos, um por um, criminalizados covardemente ao longo do processo que parecia ter ali o seu cruel, ultrajante desfecho. Mas que, como sabemos hoje, era apenas o início do desmonte de uma nação soberana.

Na avenida Paulista estava tendo um luxuoso convescote, eu soube pela internet. Carros de som, bandas de música, trio elétrico com farta e eufórica distribuição de mentiras e bandeiras nacionais. Mas ali onde eu estava, não. Sob o belo Viaduto do Chá não se via sequer uma camiseta da seleção. E em cada "Não" dos bravos deputados resistentes ao golpe, inutilmente, desconfiávamos, vibrávamos como num gol.

O clima ameno da noite contrastava com a tortura a que éramos submetidos a cada um dos votos em que bandidos, aliviados pela certeza da impunidade, brandiam a falácia da limpeza ética em discursos inflamados pelo Lawfare da farsa a jato, o que veio a se confirmar depois. Muitas vezes eu tirava os olhos do telão e corria-os pela expressão de cada um ali, tentando me socorrer da esperança deles diante do absurdo daquela cena: um corrupto profissional presidindo uma sessão para roubar o mandato de uma mulher eleita, sem nenhuma prova contra ela.


Bizarro, incongruente, injusto era pouco. Talvez surreal ou kafkiano se aproximassem mais do i-lógico explícito e manipulado daquilo tudo. No alto-falante ao meu lado pediam para se apresentar algum advogado que pudesse livrar da prisão um militante já no camburão. O roteiro faria Dalí, Buñel e Lorca se sentirem ingênuos.

Às vezes eu tinha ganas de gritar ‘Não!’, não os merecidos ‘Não!’ ao dito impedimento, ou o ‘Não!’ à desfaçatez e à mentira dos deputados, mas o 'Não!' do 'Eu não posso mais estar aqui!', pois já sentia que aquilo era uma forma de pactuar com o linchamento parlamentar ignominioso, a pantomima, o esquartejamento em praça pública, eu pensava, já em modo beckett-insano. Baixei a cabeça, de olhos fechados. Nessa hora, uma senhora me perguntou se eu estava me sentindo bem. Não, eu não estava. E ela me ofereceu água.

Eu assistia àquele desfile insano de deputados clamando por deus, filhos, pais, mulheres, maridos, sempre precedidos do pronome 'meu'. Misturavam Olavo de carvalho, Foro de São Paulo, Venezuelalização e Simon Bolívar à
palavras-chaves dramaticamente postas à esmo como Família, Cidadania, Democracia e Estado Democrático de Direito para empacotar tudo no individualismo meritocrático-egocêntrico que sobrepunha interesses pessoais, sectários, religiosos e paroquiais ao Nacional, sentido anterior a tudo naquela casa, o motivo de existir daquele Congresso, que rasgava ali, página por página, a Constituição Brasileira.

Suportei aquilo até o voto número 342 do 'sim'. Eu estava firme, apesar de tudo. Era o número mágico, 2/3 do Congresso Nacional. Aguentei os raivosos e injustificáveis ataques à honra e à honestidade da presidenta, aguentei infantilidades, os falsos-moralismos, melodramas, mentiras, armações. A hipocrisia, enfim, vazava do telão e escorria, com todos os trocadilhos possíveis, pelo ladrão.

Até que entrou um deputado e citou como seu herói o torturador assassino que, como todos sabem, enfiava ratazanas vivas na vagina das presas. Aí eu desabei.

Tirei meu bonezinho suado, guardei-o na mochila. Depois enrolei, não sem alguma vertigem, uma bandeirinha que eu havia comprado do mtst e fui-me embora, antes que terminasse aquele circo de horrores. Caminhava lentamente pela 23 de Maio, não queria me enfiar em metrô, ônibus ou táxi. Assim, vi a noite se instalar na imensa cobra verde do canteiro central da avenida. Era aniversário da minha filha, o mesmo dezessete de abril que, em 1996, quando ela nasceu, marcou o massacre de Eldorado dos Carajás. Eu estava triste que me doíam os ossos. Não tinha presente, mas prometi a ela um futuro, que eu não pararia de lutar por ele, até a verdade triunfar de novo.

 


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Todos a bordo!

Por Fernando Castilho


No dia seguinte à vitória de Gabriel Boric à presidência do Chile e ao jantar do Grupo Prerrogativas oferecido a Lula, Geraldo Alckmin e convidados, me deparo com um Datafolha surpreendente.

Não, o resultado da pesquisa não é tão surpreendente assim, mas sim o simples fato de o instituto fazer esse tipo de pesquisa, pois, atrelado a Folha, um grande veículo de mídia, o normal seria deixar isso quieto e continuar a tentar inflar o ex-juiz Sergio Moro.

51% dos mais de 3 mil pesquisados consideram Lula o melhor presidente da História do país. Isso não é pouco e, somados aos 48% de pessoas que intencionam votar nele em 2022, parece que neste momento a vitória em

primeiro turno está consolidada.

Mas as forças que mandam no país não vão se conformar a aguardar contemplativas a fácil vitória de Lula, mesmo com o chuchu a amenizar o excesso de pimenta que dizem que o ex-presidente carrega.

Se o primeiro turno fosse mais disputado, provavelmente deixariam para resolver as coisas no segundo quando comporiam forças capazes de derrotar Lula ou articulariam um golpe para impedi-lo de continuar na disputa.

Mas não devemos esperar assistir Lula velejando tranquilo em águas calmas e cristalinas sob um céu de brigadeiro durante todos os 10 meses que nos separam das eleições.

Não, Lula sabe que virão tempestades, maremotos e tsunamis e, por isso, trata de fortalecer o barco e colocar um hábil imediato a lhe assessorar na navegação.

Podem crer que Alckmin terá, caso aceite ser vice, bastante trabalho para evitar que naufraguem esse barco.

Desta forma, capitão e imediato saberão conduzir o barco em segurança e atracar suavemente no Palácio do Planalto em 2022 e retomá-lo dos piratas.



 

Lula/Alckmin

 Por Fernando Castilho



Bem, tendo lido algumas manifestações de repúdio à chapa Lula/Alckmin por parte de setores da esquerda, gostaria de tecer alguns comentários.
Mas antes vou compartilhar os dados que o sempre atento Paulo Cavalcanti publicou anteriormente no Facebook:
1) - Na eleição de 1989, o vice do Lula era o Bisol, de esquerda. Lula vai ao segundo turno e perde para Collor.
2) - Na eleição de 1994, vice do Lula era o Mercadante do PT. FHC ganha no primeiro turno.
3) - Na eleição de 1998, o vice do Lula era o Brizola, do PDT, todos falavam em chapa dos sonhos, e deu FHC no primeiro turno.
4) - 2002 e 2006, José Alencar, antes no PL, depois no PRB, empresário de direita, Lula vai ao segundo turno e vence Serra em 2002 e Alckmin em 2006.
5) - 2010 e 2014, o vice de Dilma era Michel Temer do MDB, político de direita, em ambas, Dilma vai ao segundo turno e vence Serra e depois Aécio.
6) - Aí vem a traição em 2015/2016, Dilma é deposta, Lula preso.
Mas em 2018, Haddad tem como vice Manuela do PCdoB, vai ao segundo turno e perde para Bolsonaro.
7) - Todas as vezes que o PT fez composição apenas pela esquerda perdeu; todas as vezes que buscou parte da centro-direita, venceu.
Feita esta ilustração, vamos lá.
Muita gente que é de esquerda (ou procura nos fazer crer que é enquanto trabalha no sentido contrário) ainda imagina que a cada 4 anos estamos no limiar de fazer uma revolução socialista através do voto. Não devemos fazer alianças com ninguém que não seja de esquerda, não devemos vender a alma ao diabo compondo com forças políticas que nos garantam maioria no congresso para governar, etc. e tal. Devemos nos manter puros, magnânimos e dar os melhores exemplos para governar o país e blá, blá, blá.
Vamos acordar? Não há revolução possível no horizonte próximo. Somos um país em que uma elite escravocrata ainda manda enquanto temos um povo que encara isso com naturalidade e não está disposto a qualquer confronto para mudar esse estado de coisas. Se estivesse já estaríamos vivendo um período de saques a supermercados motivados pela fome, desemprego, inflação e falta de perspectiva para o futuro.
Certo, o PT se afastou das bases nas duas últimas décadas preocupando-se tão somente em tirar 35 milhões de pessoas da linha da pobreza (um feito de imensa magnitude não reconhecido por nossa grande mídia que olha torto para isso) e criar programas socias que reduziram enormemente a desigualdade social sem proporcionar formação política e conscientização de classe. Algo a ser resgatado num próximo hipotético governo Lula.
Mas passado é passado e temos, como Lula, que olhar para o futuro. O baiano, como era chamado no sindicato, precisa vencer as eleições para iniciar um longo e árduo trabalho de recuperação daquilo que o Capitão Morte destruiu, ou seja, tudo em todas as áreas. Tarefa hercúlea.
Temos duas opções: ou Lula escolhe um vice de esquerda para disputar as eleições satisfazendo a grande mídia que só fala em polarização e radicalização e corremos um sério risco de vermos os cerca de 45% de intenções de voto derreterem, já que os ataques a partir do início do próximo ano serão da cintura para baixo, ou Lula escolhe alguém com diálogo com centro e direita e com setores da economia, principalmente a combalida indústria, para que a busca desesperada de uma terceira via se dilua.
Precisa se Alckmin? Talvez não. Mas Lula enxerga lá na frente.
Quem mais apropriado para esvaziar a candidatura Doria, tirar votos de Moro, Ciro e até do bozo?
Dirão: ah, mas Alckmin estava praticamente morto. Deixemos de miopia. Alckmin tem muita força no interior do estado de São Paulo. Ao ir para o PSB arrastará setores do PSDB com ele. Além de revigorado como novidade política que terá que reavaliar seu pensamento e sua postura.
Alckmin golpeará Lula? Já opinei sobre isso num outro post. Lula, ao contrário de Dilma, saberá monitorar seu vice assim como fez com José de Alencar no passado. E Alckmin não tem o perfil golpista de Temer.
Então, vamos por partes. Primeiro temos que vencer as eleições com Alckmin, depois construir maioria no congresso para apoiar mais facilmente projetos de interesse do povo. Enquanto isso, o PT precisa voltar às bases e recuperar o apoio da população mais pobre conscientizando-a de sua classe social e da importância de sua organização.
Daí serão 4 anos de ataques de todos os tipos, já que demorará para colocar a casa em ordem.
Mas com apoio popular isso será possível.
Portanto, basta de miopia política. Lula precisa voltar.

Excomungado

 Por Fernando Castilho


Então, de repente, os astros iluminaram o filósofo e ele enfim, viu essa luz.
Numa inspiração astral, de um fôlego só, como que tangido pela súbita sabedoria, escreveu o LIVRO! A obra que guiaria os homens de bem por todo o restante da eternidade.
O LIVRO atrairia corações e mentes e ditaria o comportamento dos seres humanos para que escapassem da tentação de lutar pelos menos favorecidos ou pela igualdade social num país essencialmente pobre e desigual. Não, não mais se falaria em ideias de liberdade, de soberania, de democracia a partir dele. Lá estaria tudo o que os inferiores seres humanos precisavam saber para não serem idiotas.
O filósofo, alçado a quase uma divindade, tratou de pregar, qual messias.
Em suas pregações atingiu milhares, milhões talvez, de discípulos que espalhariam a nova boa nova a todos os brasileiros. A gravidade não existe, o Sol e as estrelas giram em torno da Terra que é plana. Há uma guerra sendo travada no Brasil e o risco de sermos dominados por outras ideologias é enorme.
E assim foi.
Em verdade, em verdade vos digo que o filósofo foi exitoso em espalhar a palavra. O LIVRO é ainda sucesso de vendas.
Vários discípulos decidiram ir mais longe com a palavra. Chegaram a altos cargos no governo brasileiro. Um deles fez-se Rei e seus filhos, conselheiros influentes. Outros, nobres. Todos eles lutariam batalhas épicas contra as ideologias que pretendem libertar o povo.
Mas o discípulo em que o filósofo depositava maior esperança, o que se fez Rei, traiu sua confiança. Nunca trabalhou e fingiu que leu o LIVRO!
O filósofo, então decidiu falar! Falou para milhões virem e ouvirem com muita atenção. E fez a grande revelação!
O Rei está com seus dias contados, disse ele. Na verdade, perdeu a batalha.
Não leu meu livro, nem um pedaço!
És, a partir de agora, excomungado para todo o sempre!
Que a desgraça se abata sobre tua cabeça!
Todos se entreolharam e sentiram o poder da palavra atingir suas mentes culpadas.
Feito isso, o filósofo descansou no Estado da Virgínia.