quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A última foto

Por Mauro Gouvêa



Luiz era um homem em extinção — ou melhor, exercia uma profissão praticamente extinta. Desde os anos setenta fotografava casamentos; festas; bailes de debutantes; formaturas; qualquer encomenda que aparecesse.
“Seu” Luiz como era conhecido, requisitado, chegava a recusar clientes quando sua agenda transbordava. De Laranjeiras atendia todo Rio de Janeiro e até alguns estados próximos.
O tempo passou. Quase ninguém mais queria as velhas fotos impressas. Luiz se adaptou como pôde: comprou máquinas digitais, uma caríssima Canon 7546, e continuou registrando o instante, fiel ao ofício que lhe dera nome e sentido.
O tempo, ah... o tempo.
Traz o tédio, a vontade de largar tudo, de se aposentar apenas para ver a vida passar.
Mas Luiz era um homem de hábitos. Fotografar, mais que profissão, tornara-se necessidade. O dinheiro já não importava, o hábito, sim.
O que ele não percebia é que esse hábito o consumia devagar. O gesto tornou-se automático, mecânico, sem luz, sem o instante mágico que outrora fazia pulsar sua alma de fotógrafo.
Fotógrafo, era o que o definia, o que o restava ser, mesmo tendo perdido a magia.
Atendia poucos pedidos, cada vez mais raros, até que um dia foi procurado por um casal de meia-idade com um pedido estranho, quase mórbido: queriam que ele fotografasse o pai em seu leito de morte.
Talvez fosse uma última lembrança ou alguma dívida emocional.
A princípio, Luiz pensou em recusar. Depois, refletiu. Por que não?
Ofereciam um valor absurdo e, embora não precisasse, poderia ser o empurrão para sua aposentadoria.
O endereço ficava em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
Antes de tocar a campainha, Luiz observou o bairro, as casas antigas, os bondes subindo lentamente, e pensou: um bom lugar para envelhecer.
Um mordomo o recebeu.
— Um mordomo? — pensou. — Quem tem mordomo em pleno século XXI?
Foi conduzido a uma sala elegante, onde lhe ofereceram chá. Chá! No Rio de Janeiro!
Enquanto esperava, Luiz observava tudo: móveis impecáveis, estantes com livros de capa dura, quadros de viagens antigas.
Uma família inglesa, deduziu. Mordomo e chá — não pode ser diferente. Sorriu de si para si.
Os filhos chegaram, cumprimentos, formalidades, pequenas conversas de ocasião. Confirmaram: o pai era inglês.
Subiram juntos por uma escada antiga e cinematográfica até o quarto onde o idoso o esperava.
Luiz preparou a câmera e pediu licença.
Apontou a lente, quando ouviu a voz firme do homem acamado:
— Não! O senhor não tem uma máquina antiga? Uma máquina de verdade?
Para alguém à beira da morte, o velho parecia bem decidido.
Envergonhado, Luiz explicou que não havia sido avisado e que, sim, tinha belas máquinas analógicas em casa.
— Não temos tempo para isso — interrompeu o homem. — Vai usar a minha. E revelará a foto como se deve. Tenho um quarto escuro, todos os produtos necessários. Aposto que meus filhos estão pagando muito bem, não é?
Luiz assentiu.
Ah, então era isso: queriam uma fotografia “como nos anos cinquenta”.
Tudo explicado pelo valor que ofereceram.
Mesmo assim, sentiu um leve desconforto — uma vergonha que não soube nomear.
O quarto estava quase em penumbra. Uma réstia de luz caía sobre o leito.
Por um instante, Luiz sentiu o mesmo arrepio antigo — o prazer de capturar o momento exato.
Clic. A última foto.
— Vamos ao quarto escuro — disse o velho. — Quero ver a obra.
Luiz o seguiu pelo corredor. O estúdio de revelação parecia novo, intacto.
Mãos à obra.
Despejou os produtos nas bandejas, mergulhou o papel fotográfico, mexeu com cuidado.
A imagem começou a surgir — lentamente demais.
Teria perdido o jeito?
Aos poucos, as sombras ganharam contorno.
O contorno virou rosto.
O homem na foto era ele.
Desgastado, cansado, terrivelmente velho.
Mas era ele.
Um pavor frio subiu-lhe pela espinha.
Correu até a porta para sair, mas ao abri-la encontrou o nada: nenhum corredor, nenhum cômodo, nenhum ruído humano.
Nada.
Luiz, aos 78 anos, foi encontrado morto em seu quarto em Laranjeiras.
No atestado, a causa: ataque cardíaco.
Sobre a mesa, uma fotografia ainda úmida — sem rosto, apenas um clarão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário