domingo, 23 de novembro de 2025

A tragicomédia da prisão preventiva de Jair Bolsonaro

Por Fernando Castilho



O caso da prisão preventiva de Jair Bolsonaro é tão cheio de camadas que mais parece uma cebola, porém com caroço. Para não me perder no labirinto, vamos à cronologia, porque sem ela, ninguém entende essa ópera bufa.

SEXTA-FEIRA, 21

Flávio Bolsonaro grava um vídeo convocando apoiadores para uma “vigília religiosa” no sábado, em frente ao condomínio de luxo onde o pai cumpria prisão domiciliar. Vigília religiosa, claro. Porque nada combina mais com oração do que um ex-presidente tentando serrar uma tornozeleira com ferro de soldar.

O discurso de Flávio vinha recheado de códigos: “busca ao Senhor dos Exércitos” (tradução simultânea: apoio dos militares golpistas) e “luta para resgatar a democracia” (tradução simultânea: resgatar o papai). Era praticamente um tutorial de conspiração em vídeo.

ENQUANTO ISSO…

Na mesma tarde, Bolsonaro já estava entretido com seu novo passatempo: romper a tornozeleira. Tentou de tudo, até que apelou para um aparelho de solda. Sim, solda, dentro da casa alugada pelo PL às custas do contribuinte. O processo durou horas, até que, às 0h08, a Polícia Militar recebeu o alerta: tornozeleira danificada.

Os agentes foram até lá, gravaram vídeo e perguntaram o que ele pretendia. Resposta: “curiosidade”. Quem nunca acordou de madrugada com vontade de brincar de eletricista, não é? Ele sabia que cortar a pulseira, que possui fio interno, dispararia alerta, mas aparentemente achava que fritar o aparelho inteiro não daria nada. Gênio incompreendido.
Detalhe: ninguém perguntou como o aparelho de solda entrou na casa. Mas a investigação certamente vai descobrir.

A MADRUGADA DE MORAES

A PF acorda Alexandre de Moraes: “Ministro, seu Jair está tentando fugir”. Moraes toma um copo d’água, liga para o PGR Paulo Gonet, recebe o aval e determina a prisão preventiva. Só poderia ocorrer a partir das 6h. Enquanto isso, sem a toga, de pijama, Moraes redige um documento de 17 páginas fundamentando a decisão.

No texto, determina prisão discreta, sem algemas. Afinal, nada de espetáculo. Só o suficiente para virar manchete.

SÁBADO, 22

Às 7h, a imprensa divulga. Bolsonaristas correm às redes: “Perseguição religiosa! Era só uma vigília de oração!”. Senhorinhas com Bíblia na mão, claro. O detalhe da tornozeleira fritada foi convenientemente omitido.

Nos bastidores, aliados admitem: não há defesa possível. O vídeo é autoexplicativo e será usado por Lula em 2026. Até vai virar meme. A candidatura de Flávio, com sua genialidade estratégica, subiu no telhado.

O PLANO MIRABOLANTE

Qual era a ideia? Reunir apoiadores na porta do condomínio, infiltrar gente da pesada (talvez até os famosos “kids pretos”), criar tumulto generalizado e, no meio da confusão, retirar Bolsonaro rumo a alguma embaixada. A dos EUA não serviria: provavelmente, antes de Lindbergh Farias solicitar monitoramento constante do condomínio, já haviam pedido asilo e recebido um sonoro “não”. Trump, informado da prisão, reagiu com a clássica cara de “fazer o quê, né?”.
Sobravam opções mais exóticas: Argentina, Hungria, Arábia Saudita. O roteiro parecia escrito por roteirista de novela ruim.

O PÓS-PRISÃO

Bolsonaro passa por exame de corpo de delito e pode alegar problemas de saúde. Se uma junta médica confirmar, Moraes decide se volta para prisão domiciliar. Também terá audiência de custódia para verificar condições da prisão.

Enquanto isso, o prazo para embargos de declaração termina na segunda, 24. Se não houver novidade, Moraes pode, no jargão jurídico, não conhecer dos embargos e declarar trânsito em julgado já na terça ou quarta. A Papuda o aguarda, mesmo que por pouco tempo.

O LEMBRETE

Se eu dissesse que alguém estacionaria um caminhão-tanque carregado de combustível em frente ao Aeroporto de Brasília para explodir e matar dezenas de pessoas, você acreditaria? Pois é, isso aconteceu. E só não deu certo porque o tal “George Washington” errou a mão.

CONCLUSÃO

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro não é um detalhe burocrático, nem um capítulo qualquer da novela política brasileira. É um alerta vermelho: essa turma já tentou explodir caminhão-tanque em aeroporto, já tentou invadir a sede da PF, já tentou golpe em praça pública. E não há limite para quem acredita que democracia é apenas um obstáculo inconveniente.

Se hoje o “curioso da solda” está atrás das grades, amanhã seus fiéis podem muito bem tentar transformar a sede da PF em palco de resgate cinematográfico. Portanto, nada de negligenciar. Segurança reforçada!

A diferença é que, desta vez, não haverá “festa da Selma” para disfarçar. Haverá apenas o registro histórico de que o pior presidente pós-ditadura militar terminou onde sempre deveria ter estado: sob vigilância, cercado, e finalmente impedido de brincar de golpista com o destino do país.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A lógica fraturada do conservadorismo de almanaque

Por Mauro Gouvêa



O debate público brasileiro tem sido ocupado, há anos, por um grupo que se autoproclama “liberal conservador”. Por caridade intelectual, aceitemos provisoriamente a nomenclatura. Suponhamos que essas vozes compreendam minimamente as tradições políticas que reivindicam: liberalismo, conservadorismo, capitalismo. Suponhamos, ainda, que tenham lido algo além das manchetes que reproduzem com fervor religioso. Mesmo sob tais suposições generosas, o edifício argumentativo dessa direita militante desaba diante de um olhar atento.

Os discursos se repetem como se fossem retirados de uma mesma cartilha, um conjunto rígido de palavras de ordem: anticomunistas, moralistas e ressentidas, que funciona mais como catarse do que como pensamento político. Ao serem confrontados com fatos ou incoerências, recorrem imediatamente à velha estratégia descrita por Schopenhauer: insultar para vencer o debate pela força do grito e não pela consistência da razão. Mas é possível, e até necessário, observar as contradições internas desse pensamento performático.

A primeira delas diz respeito ao mercado. O liberal conservador afirma, com devoção, que o mercado se autorregula e que qualquer interferência estatal é uma ameaça à liberdade. No entanto, quando crises, desastres ambientais ou abusos corporativos se tornam incontornáveis, o apelo pela “responsabilidade individual” do consumidor surge como salvo-conduto para que empresas façam o que quiserem. Liberdade para os de cima; vigilância e culpa para os de baixo.

Outra contradição aparece na defesa apaixonada de que empresas são pessoas, desde que apenas para exercer poder político, financiar campanhas e defender interesses próprios. Na hora de assumir responsabilidade civil, criminal ou moral, a metáfora se esvai: corporações deixam de ser pessoas e voltam a ser abstrações jurídicas.

A mesma lógica se manifesta quando o tema são direitos trabalhistas e sindicatos. Organizar trabalhadores seria um atentado à ordem econômica; exigir condições dignas é visto como privilégio. Paradoxalmente, poucos desses críticos recusam os próprios direitos conquistados, e muitos continuam a acalentar o sonho do cargo público estável, aquele mesmo que dizem representar um Estado “inchado”.

No campo moral, a incoerência atinge o ápice. Celebridades de esquerda são acusadas de oportunismo, enquanto figuras públicas de comportamento abertamente antidemocrático são celebradas como patriotas. A liberdade religiosa é defendida como princípio absoluto, contanto que se limite às confissões que reforçam a ordem conservadora. Quando minorias religiosas reivindicam os mesmos direitos, o discurso muda: “isso deveria ser proibido”.

No terreno econômico, o duplo padrão se torna ainda mais evidente. Programas sociais voltados à população pobre são catalogados como “socialismo destrutivo”, enquanto salvamentos bilionários de bancos são descritos como “medidas responsáveis” para preservar a economia. O moralismo vale, desde que não atrapalhe as prioridades do capital.

Por fim, o debate institucional. A crítica ao chamado “ativismo judicial” é constante, mas apenas quando decisões judiciais contrariam interesses específicos. Quando um juiz de instância inferior extrapola seus limites constitucionais para atender a determinada agenda, ele é celebrado como herói nacional. Não é o respeito às instituições que importa, mas o alinhamento à narrativa do dia.

O que emerge dessas contradições não é um pensamento conservador clássico, coerente, enraizado em tradições filosóficas e preocupado com a preservação de instituições. O que temos é um fenômeno político emocional, reativo, profundamente marcado pelo medo e pelo ressentimento. Não se trata de conservar nada: trata-se de defender privilégios, atacar adversários e manter intacto o mundo tal como ele é para alguns poucos.

A política, nesse registro, deixa de ser debate e se torna performance. A razão dá lugar ao slogan; a reflexão cede ao automatismo; a democracia se fragiliza diante do moralismo agressivo transformado em arma retórica. Em vez de produzir soluções, produz culpados. Em vez de complexidade, oferece caricaturas. Em vez de futuro, repete um passado idealizado que nunca existiu.

O país, porém, precisa de algo maior do que cartilhas e espantalhos. Precisa de coragem intelectual para reconhecer contradições, revisar crenças, buscar diálogo e construir políticas que respondam às desigualdades reais e não aos fantasmas produzidos pelo medo. Enquanto isso não acontecer, seguiremos condenados a esse debate truncado, em que a retórica da força substitui a força dos argumentos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Por que tem que ser Papuda?

Por Fernando Castilho

Foto: Reprodução

Nos últimos meses, a grande imprensa, sempre obediente ao mercado financeiro, vem tentando naturalizar a corações e mentes de que Jair Bolsonaro merece a suavidade de uma prisão domiciliar. Até setores ditos “progressistas” já se renderam a essa cantilena em seus canais de YouTube.

Ora, a mera possibilidade (não o fato) de que o capitão esteja com problemas de saúde não o torna automaticamente inapto a cumprir pena em regime fechado na Papuda. Afinal, a penitenciária tem hospital próprio, justamente porque o Estado é responsável pela saúde dos detentos. E não faltam exemplos de presos com doenças graves que continuam atrás das grades, sem direito a suíte VIP.

A menos que seu Jair esteja em estado terminal e precise ser operado novamente no DF Star, hospital cinco estrelas para milionários, não há justificativa para que não seja tratado na Papuda. Lá, ele terá atendimento médico adequado. O resto é chororô.

E não, não vale alegar que o estresse exige que ele cumpra pena na mansão de Angra, embalado pela brisa marítima e pela vista relaxante. Se fosse assim, metade da população carcerária deveria estar em resorts.

Convém lembrar: Bolsonaro não foi condenado por uma travessura qualquer, mas por um dos crimes mais graves previstos na Constituição. Resultado? 27 anos de cadeia, uma pena à altura da gravidade do ato. E cadeia é cadeia: deve ser tratado como qualquer outro preso, ainda que os demais estejam lá por delitos bem menos monstruosos.

A lei garante segurança a ex-presidentes. Isso significa cela especial, separada dos demais. Ponto. Mas não significa mordomias como TV, ar-condicionado ou menu gourmet. A distinção é de segurança, não de conforto.

O problema é que nosso Judiciário tem histórico de aliviar para os poderosos, como fez com Collor, e de aplicar mão de ferro contra os pobres, pretos e vulneráveis, como acabou de fazer com os aposentados da Revisão da Vida Toda. Assim, não seria surpresa se Bolsonaro recebesse tratamento diferenciado. Um criminoso que, se tivesse tido sucesso em sua tentativa de golpe, teria não apenas eliminado Alexandre de Moraes, mas fechado o Supremo Tribunal e encarcerado seus ministros.

Em resumo: Papuda não é castigo extra. É apenas o lugar certo para quem tentou rasgar a democracia e impor a volta dos anos de chumbo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Só mais 72 horas para Jair pra Papuda?

Por Fernando Castilho



A defesa de Jair Papudável está prestes a protocolar mais um embargo de declaração. Sim, mais um. Não traz nada de novo, mas Alexandre de Moraes, para não ser acusado de perseguição (embora eu possa estar redondamente enganado), provavelmente aguardará o recebimento. Só que, como não há novidade alguma, talvez nem recepcionado seja. O despacho pode vir direto e reto:
“O presente embargo possui o único objetivo de ser protelatório. Por isso, indefiro o recebimento.”

Com o acórdão já publicado e o direito aos embargos devidamente exercido (e exaurido), será decretado o trânsito em julgado.

Pelo menos pelo crime de tentativa de golpe de Estado, seu Jair será recolhido à Papuda. Em cela especial, claro, porque a lei exige que ex-presidentes cumpram pena em segurança. É dever do Estado garantir que ele não seja assassinado por desafetos. Por isso, a cela será separada, com ar-condicionado e televisão. Um mimo. Só que o espaço é minúsculo e tem banheiro interno. Nada de varanda gourmet.

A defesa, então, entrará em ação com laudos médicos que atestam a necessidade de seu Jair cumprir pena no conforto da residência de luxo em Brasília, onde já cumpre prisão domiciliar preventiva. Um imóvel alugado por uma fortuna, com piscina, churrasqueira e, veja só, pago com dinheiro público.

Mas Moraes, que não é exatamente fã de quem tentou matá-lo, não costuma fazer concessões. Vai submeter seu Jair ao crivo de uma junta médica da própria penitenciária. Nada de pareceres encomendados. São os médicos da Papuda que darão a palavra final.

Se precisa de acompanhamento médico, terá. Se precisa de medicação, terá. Se precisa de exames, também. Assim como qualquer outro preso. Ou será que esses direitos não valem para os demais?

Portanto, a menos que os médicos da Papuda confessem que não têm condições de monitorá-lo, seu Jair ficará por lá mesmo, pois é plenamente papudável. É o desejo de Moraes e de quem compreende que se trata de um bandido da mais alta periculosidade que não hesitaria, caso o golpe tivesse sido bem sucedido, em prender, torturar e matar milhares.

Aliás, ainda há outros crimes a serem enfrentados: o roubo das joias e, o mais grave, os mais de 400 mil mortos pela recusa em comprar vacinas durante a pandemia.

Parafraseando o próprio Jair, em vídeo zombeteiro quando Lula estava prestes a ser preso:
“A Papuda o espera.”

terça-feira, 11 de novembro de 2025

O aparecimento do Pceacea Comandus Vermelhatis em nossas águas e o projeto para combatê-lo

Por Fernando Castilho



Enquanto estamos empenhados em encontrar vida em Marte, aqui mesmo, no fundo do mar, quanto mais nos aprofundamos, mais formas de vida estranhas encontramos.
Recentemente foi descoberto um ser nas águas mais profundas do Brasil, ao qual os cientistas deram o nome de Pceacea Comandus Vermelhatis. Trata-se de uma criatura praticamente sem membros, arredondada, de aspecto gelatinoso e repulsivo. Possui uma boca enorme, usada não apenas para se alimentar, mas também para expelir milhares de outros seres pequeninos e venenosos, que mantém sob seu controle, como se fosse um daqueles fungos que dominam a mente de outros animais.

Esses pequenos seres acabam envenenando a vida marinha, não só nas profundezas, mas também próximas à superfície. Milhares de peixes, com a realidade distorcida pelas toxinas, dirigem-se voluntariamente para a boca da criatura, que assim não precisa se esforçar para caçar.

Preocupados com isso, alguns notáveis da vida marinha, como as baleias, o peixe-espada, o polvo e o atum, enviaram o tubarão para eliminar o problema. O tubarão atacou com violência os pequenos seres do Pceacea Comandus Vermelhatis, tingindo a água ao redor de sangue.

A criatura percebeu, então, que o tubarão poderia ser perigoso. Chamou-o para uma conversa e perguntou:

— E aí? Está conseguindo se alimentar direito?

O tubarão respondeu:

— Que nada. Você sabe, tubarões comem o tempo todo. E quando não tem comida, a coisa fica difícil.

— Então, eu tenho uma proposta. Todo dia, depois que trouxerem os peixes para eu comer, separo uma parte para você. Assim, terá comida fácil sem precisar caçar.
— Opa! Assim de graça?

— Quase. Só um favorzinho. Coisa pequena. Não vai alterar nada do que você já faz. Pode matar algumas das minhas criaturinhas, sem problema. Mas não mexa comigo. Garanta o seu.

No dia seguinte, a criatura expeliu mais uma centena de pequenos seres e tudo recomeçou. O tubarão os eliminou violentamente. No terceiro dia, a mesma coisa. Mas o problema continuava.

A baleia, o peixe-espada, o polvo e o atum chamaram o tubarão e ordenaram que descesse às profundezas para eliminar o Pceacea Comandus Vermelhatis de vez.
O tubarão, então, disse:

— Tenho uma ideia melhor: comprometo-me a matar cem criaturinhas por dia. Assim, o Pceacea Comandus Vermelhatis vai se enfraquecer pela forme e nós o venceremos.

Até hoje, o Pceacea Comandus Vermelhatis continua a fazer vítimas, alimentando-se muito bem e crescendo cada vez mais. Um dia, se tornará tão grande que devorará a baleia, o peixe-espada, o polvo, o atum e todo o oceano.

Este texto é uma paródia e a imagem foi gerada por IA.

Lula voando em céu de brigadeiro

Por Fernando Castilho



Durante a COP 30, em Belém, o ministro do Turismo, Celso Sabino, prestes a ser expulso do União Brasil por cometer o grave pecado de permanecer no governo, declarou, com ar messiânico: “Nenhum partido político, nenhum cargo ou ambição pessoal vai me afastar desse povo que eu amo.” E, num gesto digno de novela das seis, olhou nos olhos de Lula e disse: “Conte comigo, onde quer que eu esteja, para lhe apoiar, para segurar na sua mão.” Faltou só a trilha sonora e os créditos finais.

Outro que resolveu dar uma guinada retórica foi o deputado Otoni de Paula. Sim, ele mesmo, um dos mais fervorosos defensores de Jair Bolsonaro, agora faz críticas públicas a Silas Malafaia e à gestão desastrosa (eufemismo generoso) de Cláudio Castro no Rio de Janeiro. Aos poucos, o pastor Otoni vai se aproximando de Lula como quem muda de banco na igreja, discretamente, mas com fé renovada.

E tem mais: o senador Cleitinho, conhecido por suas falas inflamadas contra o presidente, declarou recentemente que votará a favor de todos os projetos do governo que beneficiem o povo, como a isenção do Imposto de Renda. Um gesto nobre, claro, mas que também soa como quem já está ensaiando o discurso para o novo palanque.

Já o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (também do União Brasil), resolveu mirar em Eduardo Bolsonaro. Criticou duramente o deputado por ter atuado junto a Donald Trump para impor tarifas de 50% ao Brasil. Aparentemente, o nacionalismo econômico bolsonarista tem seus limites, especialmente quando ameaça o agronegócio.

Cito esses quatro, todos da ala mais à direita do espectro político, para ilustrar uma tese simples: se até bolsonaristas já ensaiam passos de dança em direção a Lula, imagine o que os deputados do centrão não farão para garantir um espacinho no palanque presidencial em 2026.

É pura lógica de sobrevivência: os indicadores econômicos vão bem, Lula lidera todas as pesquisas, e, a partir do ano que vem, trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais verão sua renda aumentar com o fim da mordida do Imposto de Renda. Subir no palanque com Caiado, Ratinho Jr., Zema ou até mesmo Tarcísio, nesse cenário, seria um ato de suicídio político, e sem bilhete de despedida.

Outro fator que acelera a debandada é a iminente prisão de Bolsonaro. Não deve acontecer logo após o julgamento dos embargos de declaração, pois Alexandre de Moraes — sempre adepto do xadrez em vez do pôquer — pode conceder mais um prazo. Curto. Mas, se a defesa não trouxer nada de novo, os embargos nem serão recepcionados, e o ex-presidente, alguns dias depois, será transferido para a Papuda. Hoje, em prisão domiciliar, Bolsonaro já caiu no esquecimento e, quando for para o regime fechado na Papuda, poucos darão falta. Nem os pombos da Praça dos Três Poderes.

Como disse Lula: rei morto, rei posto. E o novo rei, ao que tudo indica, está com a coroa bem ajustada.

Enquanto isso, a extrema-direita, órfã e desorientada, começa a disputar as roupas do defunto. Em Santa Catarina, a briga é de foice no escuro. A deputada Carol de Toni tinha a promessa do governador Jorginho Melo de que seria candidata ao Senado, ao lado de Espiridião Amin. Mas Jorginho, num gesto clássico do bolsonarismo raiz, rasgou o acordo para atender à exigência de Bolsonaro: emplacar Carluxo. Sim, ele mesmo, com seu inconfundível sotaque carioca, como candidato. Como a decisão não pode ser salomônica, Carol de Toni ameaça deixar o PL. Afinal, Jorginho jamais ousaria contrariar o clã.

Com o sucesso da COP 30 ofuscando a narrativa golpista que tentava colar em Lula o rótulo de “defensor de bandido”, restou à extrema-direita o desespero. Após o enterro do projeto de anistia, agora tentam aprovar uma aberração legislativa: obrigar meninas estupradas a levar a gravidez adiante.

Outro sintoma de desespero foi o relator do PL da Segurança Pública restringir a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado, com o claro intuito de preservar seus líderes. Na cabeça desse pessoal, as polícias militares dos estados devem continuar a sacrificar rapazes de bermuda e chinelo, enquanto a diretoria segue intocada em mansões com garagens abarrotadas de carrões esportivos. Porém, há alguns meses, o povo saiu às ruas e conseguiu derrubar a PEC da Bandidagem. Talvez agora tenha que fazer o mesmo contra esse projeto absurdo.

Vencida mais essa tentativa de golpe no governo (e será), a menos que algo absolutamente imponderável aconteça, Lula seguirá até 2026 em céu de brigadeiro. E, pelo visto, com cada vez mais gente pedindo carona na cabine.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O que pensam Sofia e Artur sobre Um Humano Num Pálido Ponto Azul?

Por Fernando Castilho



Pedi para o Gemini criar um diálogo sobre meu livro "Um Humano Num Pálido Ponto Azul", e o resultado foi este:

Sofia: Terminei o livro do Castilho. É denso, mas fascinante. Fiquei presa na forma como ele costura as memórias de infância com a história da evolução. Aquele capítulo sobre o Homo Familiaris me fez pensar: a família mudou mais por causa da geladeira Consul e do micro-ondas do que por qualquer filosofia.

Artur: Exatamente. Ele usa a geladeira e o micro-ondas como marcos da "modernidade líquida" do Bauman. A crítica dele é que a tecnologia, que deveria nos unir, acabou nos isolando, transformando o jantar familiar em um encontro silencioso. O contraponto com a avó dele, Dona Ana, fanática por novelas, é genial para mostrar essa ruptura.

Sofia: Sim, e a parte sobre o pai, Éros — forte e calado — que chora depois de bater no filho. Ele transforma uma palmada em uma lição de ética, não pela dor, mas pela vulnerabilidade que revela. O autor insiste: a ética é aprendida em casa, não na escola.

Artur: Esse é o ponto nevrálgico. O livro inteiro é um apelo à responsabilidade individual. O autor não perdoa. O capítulo Homo Religiosus é o mais corajoso. A forma como ele desconstrói o medo e o conceito de Paraíso é quase nietzschiana.

Sofia: E a crítica à hipocrisia — tanto do padre que expulsa o mendigo quanto dos pastores da Teologia da Prosperidade... Ele questiona se a fé não está mais a serviço do poder do que da espiritualidade. A ideia de que a Bíblia é, em parte, um reflexo das guerras contra assírios e babilônios, criando o monoteísmo, me fez ver a religião como uma estratégia de sobrevivência.

Artur: E não se esqueça da parte sobre o aborto. Ele mostra como o tema foi distorcido pela Igreja, mas, no fundo, a questão é científica: quando a alma se instala no corpo. O autor nos força a sair do dogma e ir para a razão.

Sofia: Já o Homo Potens me assustou de verdade. A história da Ford com o modelo Pinto — o cálculo frio de que era mais barato pagar indenizações pelas mortes do que consertar o carro. É o cúmulo da ética utilitarista a serviço do lucro. Aquele memorando é a prova de que o capitalismo, sem controle ético, tem um lado destrutivo.

Artur: E a experiência dele na ditadura, quase sendo preso e vendo os falsos "operários" no camburão... Ele sentiu na pele o que é o Estado se tornar um Leviatã que, em vez de proteger, te caça. Por isso, a esperança dele é o salto para o Homo Conscious.

Sofia: Sim! É a única saída, segundo ele. Ele não acredita em um Deus salvador, mas numa mutação evolutiva que nos leve para além da razão, rumo à consciência plena. Se não mudarmos, o fim virá em 20 ou 40 anos — profetizado pelo desmatamento e pelo crescimento exponencial da população.

Artur: O pessimismo dele é científico, mas a solução é quase poética. É o Übermensch de Nietzsche adaptado à biologia. O fim do livro é um chamado à ação: para que o ser humano use sua inteligência não para acumular e guerrear, mas para salvar a si mesmo — e o "pálido ponto azul".

 

O intruso interestelar e a fragilidade das certezas

Por Fernando Castilho



Tenho uma convicção racionalista e cética sobre quase tudo, e, ao longo dos anos, venho comprovando o acerto nessa postura.

Porém, artigos como os do amigo Walter Falceta (A SOPA DO MISTÉRIO: A GENTE AINDA NÃO SABE NADA SOBRE TUDO, https://www.facebook.com/profile.php?id=1598311744) às vezes têm o poder de me “corromper”, fazendo-me sentir tentado a trair minhas convicções, tamanha a força de seus argumentos.

Um dos assuntos do momento é o aparecimento do cometa 3I/ATLAS em nosso sistema solar, vindo de uma região distante da galáxia.

Nosso planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos, mas cientistas, por meio de métodos rigorosamente científicos, estimam que esse intruso interestelar esteja viajando há inacreditáveis 7 bilhões de anos. Ou seja, quando a nuvem de poeira e gás que daria origem ao nosso Sol ainda estava em formação, ele já vagava pelo Universo, talvez expelido por uma estrela muito mais antiga.

O 3I/ATLAS é o terceiro objeto identificado como vindo de fora do sistema solar. Antes dele, tivemos o 1I/Oumuamua, em 2017, detectado tardiamente, e o 2I/Borisov, em 2019.

Esses, no entanto, não foram os únicos “invasores”. Foram apenas os primeiros que conseguimos identificar, graças ao avanço recente da nossa tecnologia.

Assim como no caso do Oumuamua, o renomado cientista e professor de Harvard, Avi Loeb, sugeriu que o 3I/ATLAS poderia ser um objeto artificial, talvez uma sonda enviada por uma civilização extraterrestre para explorar mundos com potencial para abrigar vida.

O comportamento anômalo do cometa alimentou essa especulação. Ele acelerou, desacelerou e até mudou de trajetória ao longo dos meses em que cruzou nosso quintal cósmico, contrariando a Primeira Lei de Newton, que afirma que todo corpo tende a permanecer em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, a menos que uma força externa atue sobre ele.

Como, então, poderia apresentar tais variações sem uma força atuante?

Já escrevi, mais de uma vez, que, com base nas gigantescas distâncias entre os planetas fora do sistema solar e na Teoria da Relatividade Geral de Einstein, seria impossível que civilizações extraterrestres viajassem até aqui em curto espaço de tempo.

Para se ter uma ideia, os planetas mais próximos da Terra, localizados em Alpha Centauri, estão a cerca de 4 anos-luz de distância. Isso significa que a luz leva 4 anos para chegar até nós.

Nossas naves mais modernas levariam cerca de 17 mil anos para alcançar esse destino. Imagine, então, distâncias ainda maiores.

Se o 3I/ATLAS seja mesmo uma sonda alienígena, a civilização que o construiu teria realizado uma obra sem sentido prático, pois não viveria para acompanhar os resultados. Provavelmente, já estaria extinta.

Felizmente, as observações começaram a trazer respostas.

A explicação para sua aceleração, desaceleração e mudança de direção é simples: física pura.

À medida que o cometa se aproximava do Sol, a enorme atração gravitacional o acelerou. Após o periélio, o Sol continuou a puxá-lo, mas agora em sentido contrário, desacelerando-o e alterando sua trajetória.

Além disso, os gases aprisionados em seu interior, ao serem aquecidos pela proximidade solar, foram liberados em forma de jatos, contribuindo para mudanças de direção.

Temos a tendência de interpretar o desconhecido com base no que conhecemos.
Estamos acostumados ao comportamento dos cometas oriundos da Nuvem de Oort, resquícios da formação do sistema solar, compostos pelos mesmos elementos que formaram o Sol.

Mas um cometa vindo de fora pode ter se formado a partir de gases e poeira de outra estrela, com composição distinta.

Essas distinções fazem toda a diferença em relação ao comportamento dos nossos cometas.

Contudo, talvez seja a hora de procurar uma atitude mais humilde e dar uma pausa na rigidez do conhecimento científico cristalizado, pois, o telescópio espacial James Webb tem revelado inconsistências nas teorias consolidadas sobre a origem do Universo, enxergando muito além do que julgávamos possível.

À luz do artigo de Walter Falceta, precisamos voltar a fazer o que sempre fizemos: sermos curiosos e dar asas à imaginação. Ou, como queiram, baixar um pouco a bola.

Foi isso que permitiu o avanço da ciência ao longo dos últimos quatro séculos.

Embora as viagens espaciais a distâncias gigantescas sejam tecnicamente impossíveis hoje, a história humana está repleta de impossibilidades vencidas.
O avião, por exemplo, um objeto mais pesado que o ar, conseguiu alçar voo.

Por isso, não devemos desprezar as hipóteses de Avi Loeb. Ele não é um especulador qualquer.

Sua formação sólida lhe permite desconfiar que o 3I/ATLAS possa ser, sim, uma sonda de outro planeta muito distante, talvez enviada por uma civilização que sonhou como nós, ao lançarmos duas sondas ao espaço em 1977, que hoje estão a mais de 25 bilhões de quilômetros da Terra: as Voyager I e II.

Apesar disso, tudo, ainda creio que o 3I/ATLAS seja mesmo um cometa. Diferente dos nosso, mas, ainda assim, um cometa.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A última foto

Por Mauro Gouvêa



Luiz era um homem em extinção — ou melhor, exercia uma profissão praticamente extinta. Desde os anos setenta fotografava casamentos; festas; bailes de debutantes; formaturas; qualquer encomenda que aparecesse.
“Seu” Luiz como era conhecido, requisitado, chegava a recusar clientes quando sua agenda transbordava. De Laranjeiras atendia todo Rio de Janeiro e até alguns estados próximos.
O tempo passou. Quase ninguém mais queria as velhas fotos impressas. Luiz se adaptou como pôde: comprou máquinas digitais, uma caríssima Canon 7546, e continuou registrando o instante, fiel ao ofício que lhe dera nome e sentido.
O tempo, ah... o tempo.
Traz o tédio, a vontade de largar tudo, de se aposentar apenas para ver a vida passar.
Mas Luiz era um homem de hábitos. Fotografar, mais que profissão, tornara-se necessidade. O dinheiro já não importava, o hábito, sim.
O que ele não percebia é que esse hábito o consumia devagar. O gesto tornou-se automático, mecânico, sem luz, sem o instante mágico que outrora fazia pulsar sua alma de fotógrafo.
Fotógrafo, era o que o definia, o que o restava ser, mesmo tendo perdido a magia.
Atendia poucos pedidos, cada vez mais raros, até que um dia foi procurado por um casal de meia-idade com um pedido estranho, quase mórbido: queriam que ele fotografasse o pai em seu leito de morte.
Talvez fosse uma última lembrança ou alguma dívida emocional.
A princípio, Luiz pensou em recusar. Depois, refletiu. Por que não?
Ofereciam um valor absurdo e, embora não precisasse, poderia ser o empurrão para sua aposentadoria.
O endereço ficava em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
Antes de tocar a campainha, Luiz observou o bairro, as casas antigas, os bondes subindo lentamente, e pensou: um bom lugar para envelhecer.
Um mordomo o recebeu.
— Um mordomo? — pensou. — Quem tem mordomo em pleno século XXI?
Foi conduzido a uma sala elegante, onde lhe ofereceram chá. Chá! No Rio de Janeiro!
Enquanto esperava, Luiz observava tudo: móveis impecáveis, estantes com livros de capa dura, quadros de viagens antigas.
Uma família inglesa, deduziu. Mordomo e chá — não pode ser diferente. Sorriu de si para si.
Os filhos chegaram, cumprimentos, formalidades, pequenas conversas de ocasião. Confirmaram: o pai era inglês.
Subiram juntos por uma escada antiga e cinematográfica até o quarto onde o idoso o esperava.
Luiz preparou a câmera e pediu licença.
Apontou a lente, quando ouviu a voz firme do homem acamado:
— Não! O senhor não tem uma máquina antiga? Uma máquina de verdade?
Para alguém à beira da morte, o velho parecia bem decidido.
Envergonhado, Luiz explicou que não havia sido avisado e que, sim, tinha belas máquinas analógicas em casa.
— Não temos tempo para isso — interrompeu o homem. — Vai usar a minha. E revelará a foto como se deve. Tenho um quarto escuro, todos os produtos necessários. Aposto que meus filhos estão pagando muito bem, não é?
Luiz assentiu.
Ah, então era isso: queriam uma fotografia “como nos anos cinquenta”.
Tudo explicado pelo valor que ofereceram.
Mesmo assim, sentiu um leve desconforto — uma vergonha que não soube nomear.
O quarto estava quase em penumbra. Uma réstia de luz caía sobre o leito.
Por um instante, Luiz sentiu o mesmo arrepio antigo — o prazer de capturar o momento exato.
Clic. A última foto.
— Vamos ao quarto escuro — disse o velho. — Quero ver a obra.
Luiz o seguiu pelo corredor. O estúdio de revelação parecia novo, intacto.
Mãos à obra.
Despejou os produtos nas bandejas, mergulhou o papel fotográfico, mexeu com cuidado.
A imagem começou a surgir — lentamente demais.
Teria perdido o jeito?
Aos poucos, as sombras ganharam contorno.
O contorno virou rosto.
O homem na foto era ele.
Desgastado, cansado, terrivelmente velho.
Mas era ele.
Um pavor frio subiu-lhe pela espinha.
Correu até a porta para sair, mas ao abri-la encontrou o nada: nenhum corredor, nenhum cômodo, nenhum ruído humano.
Nada.
Luiz, aos 78 anos, foi encontrado morto em seu quarto em Laranjeiras.
No atestado, a causa: ataque cardíaco.
Sobre a mesa, uma fotografia ainda úmida — sem rosto, apenas um clarão.

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Bandido bom é parlamentar eleito?

Por Fernando Castilho



Há décadas, um grupo de políticos se alimenta da velha e falaciosa máxima: “bandido bom é bandido morto”. É a chamada bancada da bala na Câmara dos Deputados, sempre presente, eleição após eleição, vociferando que só a violência resolve o problema da segurança pública.

Nas duas últimas legislaturas, essa bancada ganhou reforço: uma cepa de deputados bolsonaristas como Paulo Bilinsly e o sargento Fahour, que se sentem em casa na Comissão de Segurança Pública. Até poucos meses atrás, suas únicas pautas eram a PEC da Bandidagem, para livrá-los dos próprios crimes, e o PL da Anistia, para salvar o chefe da quadrilha, Jair Bolsonaro, o mesmo que inundou o crime organizado com fuzis e armas de todos os calibres.

Mas o povo foi às ruas e enterrou essas pautas. Sobrou o quê? Apenas o apoio a Eduardo Bolsonaro, autoexilado nos Estados Unidos tentando impor sanções ao Brasil. Com a reunião entre Donald Trump e Lula caminhando bem, ficaram sem discurso. E, para piorar, assistem impotentes à escalada de Lula nas pesquisas para 2026. Estavam à deriva.

Foi então que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, tirou essa turma da letargia. Recorreu à velha fórmula: mais uma chacina. Antes de se eleger em 2022, já havia promovido um massacre em nome da segurança. Agora, quer se tornar senador em 2026 e, quem sabe, intocável diante das acusações de corrupção que o cercam. “Já sei!”, pensou. “Preciso de outra operação sangrenta.”

E ela veio: a Operação Contenção, que deixou ao menos 121 mortos, sendo considerada a mais letal da história do Rio. Uma pesquisa revelou que 63% da população apoiou a ação. Com esse respaldo, a eleição de Castro ao Senado parece garantida, assim como foram as de figuras como Pazuello, que sabotou a vacinação, e Ricardo Salles, que passou a boiada no meio ambiente e tentou vender madeira ilegal para os EUA. Sim, boa parte da população apoia bandidos, desde que bem vestidos e com mandato.

Na esteira de Castro, os bolsonaristas se animaram. Haviam levado um baque com a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que desmantelou o tráfico sem disparar um único tiro. A operação mostrou que é mais eficaz cortar as cabeças da hidra do que continuar a matar soldados substituíveis.

Quando a imprensa noticiou o sucesso da operação, os deputados se retraíram. Já estavam incomodados com a PEC da Segurança Pública, que propõe constitucionalizar o SUSP, ampliar o papel da PF e das guardas municipais, e fortalecer a atuação da União. O ministro da Justiça foi à Comissão diversas vezes, mas os deputados preferiram atacar Lula e gravar vídeos para suas redes, saindo do plenário sem ouvir uma palavra.

É claro que projetos como a PEC da Segurança e operações como a Carbono Oculto não interessam a eles. Se o crime organizado for desmantelado, vão viver de quê? Não sejamos ingênuos: boa parte, senão todos, são financiados pelo mesmo crime que dizem combater. Sim, o crime organizado está na Câmara.

Agora, em estado de estase, voltaram a ter uma pauta: acusar o governo federal de “defender bandidos”. E há mais um ponto a considerar. A operação de Castro ocorreu em áreas dominadas pelo Comando Vermelho. Muitos “bagrinhos” foram mortos. Essa desorganização momentânea pode abrir espaço para o PCC avançar e tomar território. É só uma hipótese, sem dados, sem análise. Mas quem sabe?

O governo federal, dentro da política republicana de Lula, se dispõe a ajudar o Rio. Cláudio Castro dará apoio total? Será?

"O Brasil não aguenta mais quatro anos com Lula!"

Por Fernando Castilho



Foi o que bradou o deputado Gustavo Gayer na tribuna da Câmara, ignorando solenemente todos os índices positivos do governo, inclusive o recorde histórico de 150 mil pontos alcançado ontem na Bolsa de Valores. No momento, confesso, fiquei indignado com o tamanho da mentira do deputado bolsonarista. Depois, respirei fundo e pus-me a pensar: qual é o Brasil de Gayer? O do povo, ou das elites?

Ora, Gayer é um dos lacaios que, ao longo da história, sempre estiveram a serviço das oligarquias e da elite que insiste em mandar no país, e que, claro, não admite perder um centímetro de seus privilégios. Foi essa mesma elite que, de mãos dadas com os militares, deu o golpe de 1964 e instaurou uma ditadura que durou 21 anos. Saudade, né?

A frase do deputado, aliás, me remeteu imediatamente ao código usado pelos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o famoso “apito de cachorro”, ou, para os íntimos, a “festa da Selma”. Explico.

Depois que o governo Lula desarmou, ao menos em parte, a bomba tarifária deixada pelo terrorista oficial de gravata vermelha, Donald Trump, que impunha tarifas de 50% aos produtos brasileiros, e o Congresso sepultou a PEC da Anistia e o PL da Dosimetria, que pretendiam livrar Jair Bolsonaro da cadeia, a extrema direita viu Lula subir mais uma vez nas pesquisas para 2026. E aí bateu o desespero.

Sem projeto, sem pauta, sem rumo, e ainda sendo fustigada por Flávio Dino, que vem apertando o torniquete para punir quem cometeu fraudes com emendas parlamentares, a extrema direita precisava de uma boia de salvação. E ela veio, pasme, na forma de uma chacina comandada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Contra todas as expectativas do mundo civilizado, sua popularidade aumentou. Sim, matar dá voto. E isso pode garantir a ele uma vaga no Senado.

A direita, ou melhor, o centrão, aquele agrupamento que habita a Câmara apenas para fazer negócios lucrativos, ainda hesita em abandonar o barco bolsonarista e embarcar com Lula. Afinal, quem estiver no palanque ao lado do presidente terá o apoio do povo para se reeleger. Mas se ainda não mudaram totalmente de lado, é porque têm dúvidas quanto à manutenção do recebimento de emendas. Pragmáticos, sempre.

Já a extrema direita decidiu: se Lula não for contido, vence no primeiro turno. E o bolsonarismo sabe disso. A pergunta é: como conter?

As pesquisas indicam que a percepção popular do sucesso do governo está superando as avalanches de fake news que tentam pintar o país como um caos. Enquanto bolsonaristas como Gayer fazem vídeos jurando que o arroz está a mais de R$ 40, a realidade insiste em mostrar que o preço não passa de R$ 18. Se a estratégia continuar sendo apenas espalhar mentiras, Lula vence.

Por isso, é preciso criar factoides. Destruir a reputação de Lula e do governo virou prioridade. Um desses factoides foi justamente a chacina no Rio. A acusação é direta e rasteira: “Lula e a esquerda defendem bandido!”, ou seja, o velho calcanhar de Aquiles: segurança pública.

Mas de pouco adianta o governo estar lutando para aprovar a PEC da Segurança Pública, que ataca os líderes do crime organizado, asfixiando suas finanças e os prendendo, se isso não for amplamente divulgado. Afinal, manchete boa é só a que sangra.

A senha foi dada por Cláudio Castro: “Querem se eleger presidente? Façam como eu, matem.

Não me surpreenderia se Caiado, Zema, Ratinho Jr. e, principalmente, Tarcísio (que já tem uma chacina no currículo) começassem a competir em número de mortos em seus estados. Afinal, a extrema direita não vai assistir passivamente Lula vencer no primeiro turno.

E se não for possível subir nas pesquisas, o plano é simples: derrubar Lula. Ou acabar com ele.

Que Lula esteja com sua segurança bem reforçada.