sábado, 13 de dezembro de 2025

Tentativa de Golpe de Estado: A Mãe de Todos os Crimes

Por Fernando Castilho



A desproporção penal brasileira


A pena para homicídio qualificado no Brasil varia de 6 a 30 anos de reclusão. Trata-se de um crime grave, que atinge diretamente uma vítima individual. No entanto, quando se observa a legislação referente à tentativa de golpe de Estado, a desproporção salta aos olhos: a sanção prevista é de apenas 4 a 12 anos. Essa discrepância revela uma falha estrutural do sistema penal brasileiro, pois o golpe de Estado não é um crime comum. Ele ameaça toda a coletividade, suprime direitos fundamentais, destrói instituições e coloca em risco a vida de milhares de pessoas.

Recentemente, Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de reclusão por diversos crimes, pena que pode ser reduzida a 20 anos caso o chamado “PL da Dosimetria” seja aprovado. A ironia é que, se fosse apenas pela tentativa de golpe, a punição seria inferior à de um homicídio isolado. Ora, o golpe de Estado, se concretizado, inaugura um regime de exceção em que opositores são perseguidos, presos e torturados, assassinatos políticos são cometidos com ocultação de cadáveres, a imprensa é censurada e a população privada de informação. Os livros de história, reescritos sob a ótica do regime, registram apenas uma “mudança necessária” para preservar a democracia e as instituições. Não há eleições livres, e o ditador governa pelo tempo que desejar, podendo transferir o poder a alguém de confiança, como um filho. O regime se perpetua até que uma revolução o derrube, e como a repressão é violenta, o resultado costuma ser uma conflagração nacional com milhares de mortes.

Em diversos países, a tentativa de golpe é tratada como crime gravíssimo. A Constituição alemã prevê penas severas para atentados contra a ordem democrática, podendo chegar à prisão perpétua. Na Espanha, a tentativa de subverter o Estado é punida com até 30 anos de reclusão. Chile e Argentina, após suas ditaduras, endureceram suas legislações contra conspirações golpistas, reconhecendo o caráter coletivo e devastador desse tipo de crime. O Brasil, ao manter penas brandas, transmite a mensagem de que atentar contra a democracia é menos grave do que ceifar uma vida individual.

A tentativa de golpe de Estado deveria ser considerada a mãe de todos os crimes. Mais grave que o homicídio, porque ameaça milhões de vidas e destrói o pacto social. A pena mínima deveria ser multiplicada, chegando a 50 anos de reclusão, para que o golpista tenha tempo de refletir atrás das grades e, sobretudo, para desestimular futuros aventureiros. A democracia não pode ser tratada como bem de menor valor. Se o homicídio qualificado merece até 30 anos de prisão, a tentativa de golpe de Estado deveria ser punida com muito mais rigor. Só assim o Brasil deixará claro que não tolera ataques à sua ordem constitucional e que a liberdade coletiva vale mais do que qualquer ambição autoritária.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A fibra de Gláuber e a frouxidão da extrema direita

Por Fernando Castilho



Acompanhei todo o processo de cassação de Gláuber Braga na Câmara dos Deputados e, convenhamos, o deputado do Psol do Rio de Janeiro não arredou um centímetro de suas convicções. Se tivesse feito o teatrinho básico, pedido desculpas, retirado o que disse a Arthur Lira sobre o escândalo das emendas, teria escapado bem antes da via crucis que lhe armaram. Mas não: preferiu sair de cabeça erguida, vitorioso e honrado.

E aí me vieram algumas comparações inevitáveis.
Dilma Rousseff, diante do seu terror pessoal, o torturador Brilhante Ustra, não entregou um único nome. E olha que as torturas eram coisa de manual de barbárie de Átila, o rei dos Hunos.

Do outro lado, Jair Bolsonaro, quando encarou Alexandre de Moraes em seu julgamento, fez o que sabe de melhor: pediu desculpas, jurou que nunca viu os milhões que tinha afirmado que Moraes recebera e, para coroar, ainda convidou o ministro para integrar seu futuro governo. Brio? Fibra? Nada disso. Saiu com aquela cara de bobo típica dos covardes que se humilham para salvar a própria pele.

Agora, o mesmo Bolsonaro repousa em uma sala especial (não cela, veja bem) na superintendência da Polícia Federal em Brasília. Doze metros quadrados com ar-condicionado (que já reclamou porque faz barulho), frigobar, cama com colchão, banheiro privativo e chuveiro quente. Um verdadeiro spa carcerário. Ah, e duas horas de banho de sol por dia, podendo circular tranquilamente como se fosse hóspede de resort.

Mesmo assim, o deputado Paulo Bilynskyj, em vistoria, teve a coragem de dizer que seu Jair estava sendo submetido a “verdadeira tortura”. Tortura, aliás, que ele defende para os outros sem pestanejar. Enquanto isso, Lula, também idoso, enfrentou 580 dias de prisão preventiva numa sala da PF de Curitiba sem reclamar, sem pedir anistia, e isso já depois de ter enfrentado um câncer.

Seu Jair, o homem com “histórico de atleta” que classificou a Covid-19 como “gripezinha” e chamou todos os brasileiros que se resguardavam dela de “maricas”, o homem que até ontem exibia vigor ao passear de jet-ski e participar de motociatas, de repente virou um paciente terminal, quase à beira da morte. Por isso, precisa de prisão domiciliar, de preferência com piscina, sauna e quem sabe até uma jacuzzi.

Curiosamente, também, o general Heleno, homem de perfil notoriamente autoritário, agora alega Alzheimer. Alexandre Ramagem, para não cumprir pena, simplesmente fugiu para os Estados Unidos, assim como Carla Zambelli para a Itália. E o que falar de Eduardo Bolsonaro? Além de covardes, são fujões.

E o ex-ajudante de ordens, Mauro Cid? Ao ouvir os conselhos dos advogados, não pensou duas vezes: entregou todos os golpistas para salvar a própria pele.

É isso: não têm fibra. Não aguentam uma hora de interrogatório mais duro. Bastaria a menção de uma “pau-de-arara” para que borrassem as calças e entregassem até o cachorro da vizinha.

A extrema direita é frouxa. São guerreiros de frigobar, mártires de ar-condicionado barulhento e heróis de motociata.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Jorge Messias virou a moeda de troca contra o PL da Dosimetria

Por Fernando Castilho


Não precisamos perder tempo relembrando os últimos espetáculos grotescos de Hugo Motta na Câmara dos Deputados. O que importa é ir direto ao ponto.

O famigerado PL da Dosimetria já passou pela Câmara e agora segue para o Senado. Lá, o presidente Davi Alcolumbre, sempre ávido por protagonismo, anunciou que pretende votar ainda este ano. O detalhe é que vários senadores como Renan Calheiros e Otto Alencar já se insurgiram de forma áspera contra o atropelo e disseram que não vão engolir a pressa. Veremos.

O relator escolhido é ninguém menos que Esperidião Amin, do PL. Um homem que guarda no coração sua velha paixão: a Arena, partido que sustentou a ditadura militar. Pois bem, Amin já avisou que vai “mexer” no projeto para incluir a anistia. Ou seja, o que será votado não é o PL original, mas um Frankenstein jurídico feito sob medida para reduzir as penas do totem Jair Bolsonaro e seus generais de estimação.

Vale lembrar: quando a PEC da Bandidagem chegou ao Senado, Alcolumbre correu para enterrá-la, tentando agradar Lula para emplacar Rodrigo Pacheco no STF. Ganhou pontos, mas não ganhou o prêmio. Agora, ressentido, decidiu se vingar. E a vingança vem embalada no PL da Dosimetria.

Se esse monstrengo passar no Senado, seguirá para sanção de Lula, que obviamente vetará. A Câmara, previsivelmente, derrubará o veto. E então algum partido baterá às portas do STF com uma ADI ou ADPF. É aí que mora o perigo. Explico.

Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli são simpáticos a Rodrigo Pacheco. Já Nunes Marques e André Mendonça preferem Jorge Messias, por afinidade evangélica. Lula sabe que o projeto tem chances reais de ser chancelado pelo Supremo. Bastam seis votos. E Alcolumbre também sabe. Portanto, há um conluio descarado entre parte dos ministros do STF e o presidente do Senado.

No meio disso tudo, Jorge Messias virou moeda de troca. O assalto é cristalino: “Lula, não indique Messias. Indique Pacheco e o PL da Dosimetria será enterrado no Senado.” É chantagem pura e simples. E, como toda chantagem, tende a funcionar. Lula será empurrado a indicar Rodrigo Pacheco.

Eis a atmosfera em que os poderes convivem “harmoniosamente” hoje: um teatro de pressões, vinganças e chantagens. Harmonia, aqui, é apenas o nome pomposo dado ao caos institucional.

O golpe continua. Mesmo com Bolsonaro de papelão

Por Fernando Castilho



A ilustração fala mais que mil palavras

Jair Bolsonaro está preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília e, para suprir sua ausência, a extrema direita precisou improvisar: fizeram um boneco de papelão. Sim, um totem. Afinal, sem o “mito” em carne e osso, não há culto. E sem culto, não há extrema direita. Daqui a alguns meses, sem ele e sem pautas que interessem ao povo, o centrão pragmático abandonará esse barco furado e correrá para o navio que realmente navega: Lula.

Foi por isso que Flávio Bolsonaro saiu de uma reunião com o pai alardeando que havia sido ungido pelo mito para dar continuidade ao projeto da família. Aqui, cabe um parêntese: Bolsonaro, mesmo preso, segue o manual de Marcola e Fernandinho Beira-Mar: dar ordens de dentro da prisão como se estivesse solto. E o STF, aparentemente, acha isso normal. Voltemos.

É claro que tanto pai quanto filho sabiam que, com o vasto telhado de vidro de Flávio, sua candidatura não tinha como florescer. O anúncio foi apenas uma jogada para abrir negociação, já que o nome preferido para a sucessão de Seu Jair é Tarcísio de Freitas. Nos bastidores, a leitura é que o acordo foi fechado: ofereceram as cabeças de Carla Zambelli (presa na Itália, em vias de ser extraditada e cassada, perdendo seus direitos políticos por oito anos) e Eduardo Bolsonaro (punido por faltas, mas sem perda de direitos). Em troca, entrou em pauta, de forma sorrateira e relâmpago, para que não houvesse tempo de manifestações nas ruas, o PL da Dosimetria. De brinde, a abertura do processo de cassação de Glauber Braga, por ter chutado um militante do MBL que insultava sua mãe. Dois pesos, duas medidas, como sempre.

Braga, inconformado, sentou-se por duas horas na cadeira da presidência da Câmara e previu, diante de deputados surpresos: “Ainda hoje, um de vocês me trairá.” Ah, não. Isso foi Jesus quem falou. Hugo Motta, que tolerou a usurpação da mesa diretora pela extrema direita por 48 horas, ordenaria sua retirada à força pela Polícia Legislativa. Acertou. Mas ninguém imaginava a violência desproporcional que feriu a ele e a vários deputados que lhe davam apoio. De quebra, Motta, o mesmo que evocou Ulisses Guimarães em seu discurso de posse, mandou cortar o sinal da TV Câmara, expulsar jornalistas e, como se nada tivesse acontecido, colocou projetos em votação, incluindo o PL da Dosimetria. Ouviu os discursos indignados com cinismo, sem esconder sorrisos. Motta está deslocado no tempo. Deveria tentar a sorte em 1968.

Este é o resumo da situação: o PL da Dosimetria foi aprovado, como se esperava, e segue para o Senado. Lá, Davi Alcolumbre, que não hesita em prejudicar o país para se vingar do governo por não ter emplacado Rodrigo Pacheco no STF, já prometeu votação célere. E pode passar.

O projeto altera artigos do Código Penal para reduzir penas dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado. Os bagrinhos já fizeram acordo ou cumpriram pena. Portanto, o alvo real são as lideranças: o totem Jair Bolsonaro e seus generais. Até os que planejaram assassinar Lula, Alckmin e Moraes no chamado Plano Punhal Verde-amarelo. Pelo texto, Bolsonaro poderia deixar o regime fechado em apenas 2 anos e 4 meses. Em prisão domiciliar, montaria um QG do Golpe em casa, coordenando novas ações. Quem sabe uma nova tentativa, sem incorrer nos mesmos erros, daria certo daqui a alguns anos?

Se aprovado, Lula provavelmente vetará. A Câmara derrubará o veto. Restará a possibilidade de algum partido representar uma ADI ao STF. Mas, ao contrário do PL da Anistia, a inconstitucionalidade aqui é nebulosa. Três ministros: Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux, já sabemos que não veriam problema. Gilmar Mendes alertou: abrir a porteira da dosimetria é escancarar a anistia. E Sóstenes Cavalcanti profetizou que ela vem ano que vem. Um Judiciário refém do Congresso será engolido por ele.

A Constituição prevê separação e harmonia entre os poderes. Harmonia pressupõe diálogo. É hora de Lula e Fachin chamarem Hugo Motta e perguntarem: Qual é a sua? Quando a água bater na sua bunda, vai fazer o quê?

Enquanto isso, cabe ao povo ocupar as ruas, como fez contra a PEC da Bandidagem.

Ulisses Guimarães já dizia: deputado só tem medo das ruas.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Marx sempre atual (com comentários)

Por Mauro Gouvêa

[..] Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se, reconduzida a um estado de barbaria momentânea, dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de quê dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas condições, que passam a entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las. [...]

Manifesto Comunista

Marx&Engels

O que mudou em 200 anos? É atual ou não é? Marx está falando das crises cíclicas ou eu estou imaginando coisas?

O trecho: do que exatamente Marx e Engels estão falando?

Esse fragmento do Manifesto Comunista (1848) descreve as crises cíclicas do capitalismo com uma precisão que assusta ainda hoje. Eles estão afirmando, em síntese, que:

O capitalismo produz mais do que a sociedade consegue absorver.

Essa contradição não gera abundância social, mas crise, desemprego, falência, miséria.

As crises não são acidentes: são estruturais, periódicas, inerentes ao sistema.

Para sair delas, a burguesia:

destrói forças produtivas (fechamento de fábricas, guerras, recessões),

busca novos mercados,

explora mais intensamente os antigos.

Só que isso prepara crises ainda maiores depois.

A imagem mais brutal é esta:

“a epidemia da superprodução”

Ou seja: não falta mercadoria, ao contrário sobra, mas sobra concentrada, inacessível, encalhada, enquanto falta o básico para milhões.

Isso é a definição clássica de crise de superprodução no capitalismo.

Marx está falando de crises cíclicas?

Sim, exatamente. E isso é ponto pacífico na teoria marxista.

Ele está antecipando o que depois a história confirmou repetidas vezes:

1873 – Grande Depressão do século XIX

1929 – Quebra da Bolsa de Nova York

1973 – Crise do petróleo

2008 – Crise do subprime

2020 – Colapso global com a pandemia

2022–2024 – inflação global, crise logística, crise de energia, guerra, endividamento em massa

Todas seguem o mesmo roteiro estrutural:

expansão → saturação → colapso → concentração de riqueza → nova expansão → novo colapso.

Ou seja:

Marx descreveu o motor interno dessas crises com 200 anos de antecedência.

Exercício de adivinhação? Profecia? Nada disso, apenas análise pura e simples.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Dias Toffoli - A dura rotina de um ministro do STF

Por Fernando Castilho



O ministro Dias Toffoli, esse incansável servidor da pátria, há muito tempo ostenta o título nada invejável de ministro mais entediado da Suprema Corte. Justiça? Apenas um detalhe burocrático. Em julgamento sobre questões ambientais, ainda no primeiro semestre, revelou sua verdadeira vocação: o tédio em estado puro. Para espanto dos colegas, confessou que preferia resolver o caso com cara ou coroa porque não via relevância no caso. Afinal, quem precisa de Constituição quando se tem uma moeda no bolso?

Mas não sejamos injustos: há algo que realmente o arranca da monotonia institucional. O futebol, claro. O Palmeiras, seu grande amor, é o único capaz de fazê-lo vibrar. Tanto que viajou até Lima para assistir à final da Libertadores. Só que, curiosamente, o que pareceu excitá-lo ainda mais foi a companhia do advogado que, por coincidência, representa Luiz Antonio Bull, investigado em negócios nada triviais entre o Banco Master de Daniel Vorcaro e o BRB. Quatro dias depois, com o Palmeiras derrotado, Toffoli decidiu que o caso merecia um “sigilo sigilíssimo”. Coincidência, claro.

E assim o ministro segue sua via-crúcis na Corte: sessões sonolentas, votos redigidos por assessores e decisões que condenam aposentados a sobreviver com um salário mínimo. Talvez, se no caso da Revisão da Vida Toda tivesse recorrido ao seu método infalível da moeda, os segurados do INSS hoje estariam em situação mais digna. Um verdadeiro mártir da burocracia.

Em 2024, fiel ao seu costume de encontrar válvulas de escape para sua rotina de sacrifícios, faltou a uma sessão para assistir à final da Champions League em Londres, no camarote de um empresário com negócios relatados por ele próprio na Corte. Porque, convenhamos, quem resiste a um bom jogo e a uma taça de champanhe? Aliás, seria digno de estudo o fato de ministros do Supremo serem tão fanáticos por futebol.

No fim das contas, já sabemos: justiça pode esperar. O que realmente desperta Toffoli são duas paixões inabaláveis: o futebol e a boa companhia de empresários investigados. Afinal, cada um encontra sua motivação onde pode.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O impeachment no Brasil: da instrumentalização política à defesa institucional do STF

Por Fernando Castilho



O impeachment de Dilma Rousseff em 2016 teve como pretexto jurídico as famosas “pedaladas fiscais”, uma prática contábil corriqueira em governos anteriores, mas que, naquele momento, foi convenientemente elevada à categoria de crime de responsabilidade.

As “pedaladas” consistiam no atraso do repasse de recursos da União a bancos públicos que haviam arcado com despesas sociais. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a acusação sustentaram que essa manobra configurava uma operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O ponto central da controvérsia era o dolo: seria preciso provar que a presidenta agiu com intenção deliberada de violar a lei fiscal para caracterizar crime de responsabilidade, conforme o art. 85, V, da Constituição. Mas, claro, não provaram.

Curiosamente, após a queda de Dilma, as pedaladas voltaram ao seu status original de mera manobra contábil, sem qualquer repercussão jurídica. Coincidência? Difícil acreditar. O episódio reforça a crítica de que o impeachment foi instrumentalizado politicamente, transformando um mecanismo constitucional de exceção em ferramenta de conveniência.

Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão no Senado, preferiu se limitar ao papel de guardião do procedimento, evitando discutir o mérito da acusação sob a justificativa de que o julgamento cabia ao Congresso (juízo político). Anos depois, em 2022, Luís Roberto Barroso admitiu em entrevista que Dilma foi derrubada por um “conjunto da obra”, e não por crime de responsabilidade. Um mea culpa tardio, quase irônico.

Hoje, a instrumentalização política do impeachment mira o Judiciário. Grupos bolsonaristas sonham com um Senado recheado de aliados em 2026 para impichar ministros do STF, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, simplesmente porque suas decisões contrariam interesses políticos. A lógica é simplista e quase infantil: não pensa como a gente? Impeachment nele! Está investigando nossos aliados? Impeachment nele! E, para complicar ainda mais, surge um novo elemento que exigirá atenção dos ministros: a associação de parlamentares com o crime organizado. Impeachment nos ministros!

É nesse cenário que se insere a decisão de Gilmar Mendes na ADPF 877. O ministro suspendeu artigos da Lei nº 1.079/50 e estabeleceu duas regras cruciais para proteger a independência judicial:

Exclusividade da denúncia pela PGR – apenas a Procuradoria-Geral da República pode apresentar denúncia contra ministros do STF, retirando a prerrogativa de “qualquer cidadão”.

Quórum de 2/3 para admissibilidade – o processo só pode ser instaurado se dois terços do Senado aprovarem sua abertura, o mesmo quórum exigido para a condenação final.

Embora se possa defender que qualquer cidadão deveria manter o direito de solicitar impeachment, essa dupla barreira destrói o plano de transformar o mecanismo em brinquedo político ou “golpe constitucional”. Exige consenso amplo e robusto, algo que não se conquista com discursos inflamados em redes sociais.

A reação foi imediata: bolsonaristas e parte do centrão acusaram o STF de “extrapolar funções”; jornalistas que se dizem “isentos” repetiram o mantra da “blindagem”; e até setores da esquerda reclamaram que Gilmar estaria protegendo demais a Corte. Mas, no fundo, a decisão recoloca o impeachment em seu devido lugar: uma medida extrema, não um instrumento de vingança.

É sempre bom lembrar: o fascismo não desapareceu. Ele se adapta, se reorganiza e usa todas as armas possíveis para corroer a democracia. Gilmar Mendes sabe disso. E sua decisão, gostem ou não, foi um freio necessário contra a banalização do impeachment.

Estamos em guerra, minha gente. Não nos esqueçamos disso. Uma cochilada e eles comem nossos olhos. Gilmar, ao dizer aos repórteres: “Sou um enfermeiro que já viu muito sangue”, certamente percebeu o grande risco.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

A máquina emperrada da história (meninos, eu vi!)

Por Mauro Gouvêa



A primeira vez que vi a máquina, achei que fosse uma relíquia de museu abandonado num depósito público. Tinha aquele aspecto de ferro cansado, parafusos de épocas diferentes, engrenagens que pareciam ter engolido poeira colonial sem nunca digerir. O mais curioso era a placa na base: Modelo Progresso 1500. Achei presunção demais para algo que mal conseguia se sustentar sobre o próprio eixo.
Aproximei-me com cuidado. A máquina vibrava levemente, como um animal velho que tenta fingir vigor para não ser sacrificado. Um funcionário do lugar, desses que atravessam os corredores com resignação profissional, me viu observando e sorriu sem nenhum entusiasmo. Disse que ela estava ali há séculos, funcionando perfeitamente. Perguntei se por acaso ele não percebia o cheiro de ferrugem, o barulho de algo preso no mecanismo, a fuligem que saía de uma das válvulas. Ele deu de ombros. É assim mesmo. Sempre funcionou assim.
Descobri então que a máquina não era apenas uma peça de ferro, mas o motor oficial da História. Era ali que giravam, ou tentavam girar, as engrenagens que moveriam o país para algum lugar no futuro. Pelo menos era o que dizia o manual em letras desbotadas. Manual este, descobri mais tarde, escrito em linguagem arcaica, recheado de expressões obsoletas e recomendações absurdas, como alimentar a máquina com obediência e arrancar dela produtividade a golpes de fé.
Passei dias observando o funcionamento. A máquina não se movia para frente. Ela não se movia para trás. Apenas estremecia em intervalos regulares, numa coreografia que só enganava quem queria muito acreditar. Visto de longe, era possível imaginar que algum avanço estivesse sendo produzido, mas bastava chegar um pouco mais perto para perceber a verdade incômoda: ela apenas tremia, presa no mesmo ponto, repetindo seu próprio fracasso com disciplina militar.
Havia operadores encarregados de mantê-la ativa. Gente que se orgulhava de compreender cada ruído, cada tranco, cada faísca. Um deles me disse, com convicção inabalável, que a máquina jamais emperrara. Que aquilo era seu modo natural de avanço. Quando indaguei o porquê de nunca saímos do lugar, respondeu que só um ignorante perguntaria isso. A História avança para dentro, não para fora. E piscou o olho como se tivesse acabado de revelar um segredo profundo.
Mas eu via outra coisa. Via que o combustível da máquina era gente e, para horror dos horrores, já havia sido movida a sangue. Desde o fim dessa época, seu combustível passou a ser o suor dos que empurravam alavancas invisíveis. Os sonhos de quem acreditava no futuro estampado nos cartazes oficiais. As risadas, recicladas até virarem vapor morno. As lágrimas, tratadas como lubrificante barato. Quanto mais combustível humano ela engolia, menos parecia se mover. Havia algo de cruel naquela lógica. A máquina só funcionava para manter-se funcionando.
Um dia encontrei um mecânico novo. Chegou com uma caixa de ferramentas herdadas da avó. Tinha aquele olhar meio desajustado de quem acha que pode consertar o que o mundo inteiro já desistiu de tocar. Ele circulou a máquina, examinou os eixos, desmontou uma placa, ajustou dois parafusos. Depois parou, esticou a mão e pediu silêncio. Ouviu atentamente o ruído interno. E sorriu. Não de alegria, mas de quem acabou de entender o enigma que ninguém queria admitir.
Essa máquina não foi feita para andar. Ela foi feita para parecer que anda.
As palavras ficaram pairando no ar. O operador veterano se ofendeu. Disse que aquilo era calúnia revolucionária. O mecânico ignorou. Tentou desligá-la. Procurou o botão. Apertou. Nada. Apertou de novo. Nada. Passou a mão na superfície. Descobriu a farsa. O botão era pintado. Um enfeite decorativo, uma promessa vazia de controle.
Passamos alguns minutos olhando uns para os outros, até que a máquina soltou um estalo. Um estalo seco, de esperança acidental. Trepidou com força e avançou três centímetros. Todos comemoraram como se um novo tempo tivesse começado. Fogos imaginários. Discursos improvisados. Abraços eufóricos. O veterano declarou que estávamos vivendo a maior evolução desde a década passada. O mecânico suspirou. Eu apenas observei.
Logo em seguida, a máquina voltou à vibração habitual. Voltou ao ponto exato de antes. Voltou ao seu reino de imobilidade coreografada. E o funcionário que me recebera no primeiro dia repetiu com a mesma voz cansada, como se recitasse um mantra institucionalizado: o importante é continuar tentando. A História não pode parar.
Saí dali com a impressão de que não era a máquina que estava emperrada. Era a fé que insistia em alimentá-la, tragicamente sem sucesso.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A fraude institucionalizada contra os aposentados

Por Fernando Castilho



Enquanto a CPMI das fraudes contra o INSS ainda tenta juntar os cacos e apontar os culpados que dilapidaram os aposentados, o STF, depois de cinco anos de conversa fiada, resolveu agir com uma rapidez inédita: pegou a Revisão da Vida Toda (RVT), amassou e jogou direto na lixeira. Eficiência seletiva, digamos assim.

A grande imprensa? Fingiu que não viu. Deu aquele clássico encolher de ombros e seguiu em frente, como se fosse apenas mais uma terça-feira. Sites progressistas, salvo raríssimas exceções, preferiram se esconder atrás da sua covardia habitual. Afinal, perder a boquinha da publicidade estatal seria para eles um drama maior que o dos aposentados.

E quando tudo já estava perdido, eis que surge o Uol, com um estagiário de jornalismo encarregado de cobrir o tema. O rapaz entrevistou quatro aposentados que sobrevivem com um salário mínimo. O roteiro é sempre o mesmo: com a RVT, teriam benefícios melhores; sem ela, resta “dar um jeito”. O texto, porém, parece escrito por uma IA sem alma: zero emoção, zero indignação, zero humanidade.

Para fingir equilíbrio, o jovem repórter ainda ouviu uma advogada que nada entende de previdência, mas que defendeu a decisão do STF. Missão cumprida: parecer imparcial sem ser. O detalhe é que ele tinha obrigação de ouvir o Ieprev, que defende os aposentados e poderia trazer informações cruciais. Mas isso, claro, daria trabalho e poderia desagradar o patrão.

Recapitulando o enredo: a RVT foi aprovada por unanimidade no STJ. O INSS recorreu, chegou ao STF, e lá venceu duas vezes: primeiro no plenário virtual, depois no presencial, ambas por 6 a 5. Havia esperança. Até que apareceu o fantasma de R$ 480 bilhões na LDO de 2024 destinado a pagar a ação. O governo, assustado com o “rombo”, correu para reverter. Lula levou o caso a Barroso, que, num passe de mágica jurídica, ressuscitou duas ADIs de 1999 que nada tinham a ver com o assunto. Resultado: aposentados perderam o direito de optar pela regra mais vantajosa.

A analogia é cruel: você guarda dinheiro por 20 anos para comprar uma casa. No dia do saque, em 2045, o banco avisa que todos os depósitos feitos antes de 2035 não valem, pois quebrariam o banco. Simples assim.

O número de R$ 480 bilhões, claro, é uma farsa. O próprio CNJ, presidido por Barroso, através de despacho reproduzido ao final do artigo, já havia mostrado que o custo real seria pouco mais de R$ 10 bilhões em dez anos. Mas quem liga para fatos quando se pode inflar cifras e assustar a opinião pública?

Pior: Além de anular o mérito da decisão, a Corte errou ao não modular os efeitos, medida obrigatória sempre que há mudança de entendimento. O direito adquirido de quem entrou com a ação de boa-fé deveria ter sido preservado. O novo entendimento, se fosse aplicado, deveria valer apenas dali em diante. O resultado foi insegurança jurídica e prejuízo imenso para quem vive com apenas um salário mínimo, mas por direito deveria receber mais.

Entre os entrevistados em seu artigo, felizmente ninguém cogitou tirar a própria vida. No entanto, conheço ao menos uma pessoa nessa situação: sem condições de continuar trabalhando, sem família para oferecer apoio e ainda obrigada a pagar aluguel. Como sair dessa situação? Além desse caso, há o de uma senhora de 71 anos que apareceu no chat de um canal da RVT falando que não valia a pena viver daquele jeito e pensava em se matar (como fizeram muitos aposentados no Chile).

A maioria dos aposentados já não tem força de trabalho e depende exclusivamente da aposentadoria para viver. E muitos ainda ajudam filhos e netos.

Enviei ao jornalista, por e-mail, um convite para aprofundar esse tema e revelar a injustiça cometida contra cerca de 130 mil aposentados que confiaram no sistema previdenciário e contribuíram para o crescimento do país. Solicitei que, após investigação séria, elaborasse um novo artigo, mesmo que desagradasse o UOL/Folha, que preferem considerar o tema encerrado.

Afinal, como ele também deve saber, todo jornalista que chega longe já atravessou, em algum momento da carreira, o seu próprio Rubicão.

domingo, 30 de novembro de 2025

A locomotiva Lula e o centrão descarrilado

Por Fernando Castilho



Antes de qualquer coisa, vamos aos números, pois eles têm o ótimo hábito de esmagar discursos inflamados:

  • Desemprego: 5,4%, a menor taxa desde 2012, lá no governo Dilma.
  • Inflação: 0,09%, a mais baixa desde 1998.
  • Bolsa: 159 mil pontos, recorde histórico.
  • Dólar: R$ 5,34, bem longe dos R$ 6,31 que já vimos.
  • Exportações do agro: US$ 15,5 bilhões, mesmo com tarifaço.
  • Renda média do trabalhador: R$ 3057,00, recorde histórico.

Ou seja, o cenário econômico está tão arrumadinho que desmonta qualquer narrativa oposicionista. E se isso não basta para o centrão largar o bolsonarismo e embarcar na locomotiva Lula 2026, tem mais: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O governo ainda não capitalizou isso, mas Lula vai anunciar em rede nacional (até que enfim). Resultado? No ano que vem, corações e mentes vão migrar rapidinho, porque não é todo dia que um presidente coloca mais de R$ 4 mil por ano no bolso do trabalhador, o suficiente para trocar de TV, geladeira ou máquina de lavar.

E aí fica a pergunta: quem vai querer se arriscar a não se reeleger ficando fora do palanque de Lula? Os novatos vão mesmo apostar suas fichas em um criminoso já preso? Ou em figuras tão inexpressivas que mal chegam a dois dígitos nas pesquisas? Convenhamos: é pedir para perder.

O agro, por exemplo, já começou a rir à toa. Cada plano safra bate recorde em relação ao anterior. Nunca ganharam tanto dinheiro. E já perceberam que foi Lula quem segurou a onda depois da “patriotada” de Eduardo Bolsonaro, que quase afundou o setor.

Lula está com a faca e o queijo na mão. Talvez por isso tenha bancado Jorge Messias no STF, mesmo comprando briga com o todo-poderoso Davi Alcolumbre. Mas se o mais lógico é embarcar na locomotiva de Lula, por que o centrão insiste em pressionar o governo e abraçar pautas que só prejudicam a população, a ponto de ganhar o título de “pior congresso da história” ou “congresso inimigo do povo”?

A resposta é simples: medo da prisão.
Quando Lula disse em 1993 que a Câmara tinha “mais de 300 picaretas com anel de doutor”, não imaginava que a frase atravessaria décadas com tanta precisão. Hoje, pelo menos três operações: Carbono Oculto, Banco Master e Poço de Lobato. Elas estão desmontando quadrilhas financeiras e prendendo gente graúda. E adivinha? Tem parlamentar do centrão e do bolsonarismo no meio. Muitos. Tem até governador. Sem falar nas emendas parlamentares, que já começam a pegar vários deles pelo colarinho.

No fim das contas, pressionar o governo virou a estratégia da sobrevivência: ou Lula os salva, ou a cadeia os espera. Eis o motivo da adesão tímida.

Se esse é mesmo o pior congresso da história, talvez a depuração em curso torne o de 2027 um pouco menos vergonhoso. Mas não se iluda: picareta com anel de doutor é espécie resistente.