Por Fernando Castilho
O
impeachment de Dilma Rousseff em 2016 teve como pretexto jurídico as famosas
“pedaladas fiscais”, uma prática contábil corriqueira em governos anteriores,
mas que, naquele momento, foi convenientemente elevada à categoria de crime de
responsabilidade.
As
“pedaladas” consistiam no atraso do repasse de recursos da União a bancos
públicos que haviam arcado com despesas sociais. O Tribunal de Contas da União
(TCU) e a acusação sustentaram que essa manobra configurava uma operação de
crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O ponto central da
controvérsia era o dolo: seria preciso provar que a presidenta agiu com
intenção deliberada de violar a lei fiscal para caracterizar crime de
responsabilidade, conforme o art. 85, V, da Constituição. Mas, claro, não
provaram.
Curiosamente,
após a queda de Dilma, as pedaladas voltaram ao seu status original de mera
manobra contábil, sem qualquer repercussão jurídica. Coincidência? Difícil
acreditar. O episódio reforça a crítica de que o impeachment foi
instrumentalizado politicamente, transformando um mecanismo constitucional de
exceção em ferramenta de conveniência.
Na
época, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente Ricardo Lewandowski, que
presidiu a sessão no Senado, preferiu se limitar ao papel de guardião do
procedimento, evitando discutir o mérito da acusação sob a justificativa de que
o julgamento cabia ao Congresso (juízo político). Anos depois, em 2022, Luís
Roberto Barroso admitiu em entrevista que Dilma foi derrubada por um “conjunto
da obra”, e não por crime de responsabilidade. Um mea culpa tardio, quase
irônico.
Hoje,
a instrumentalização política do impeachment mira o Judiciário. Grupos
bolsonaristas sonham com um Senado recheado de aliados em 2026 para impichar
ministros do STF, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, simplesmente porque
suas decisões contrariam interesses políticos. A lógica é simplista e quase
infantil: não pensa como a gente? Impeachment nele! Está investigando nossos
aliados? Impeachment nele! E, para complicar ainda mais, surge um novo elemento
que exigirá atenção dos ministros: a associação de parlamentares com o crime
organizado. Impeachment nos ministros!
É
nesse cenário que se insere a decisão de Gilmar Mendes na ADPF 877. O ministro
suspendeu artigos da Lei nº 1.079/50 e estabeleceu duas regras cruciais para
proteger a independência judicial:
Exclusividade
da denúncia pela PGR – apenas a Procuradoria-Geral da República pode apresentar
denúncia contra ministros do STF, retirando a prerrogativa de “qualquer
cidadão”.
Quórum
de 2/3 para admissibilidade – o processo só pode ser instaurado se dois terços
do Senado aprovarem sua abertura, o mesmo quórum exigido para a condenação
final.
Embora
se possa defender que qualquer cidadão deveria manter o direito de solicitar
impeachment, essa dupla barreira destrói o plano de transformar o mecanismo em
brinquedo político ou “golpe constitucional”. Exige consenso amplo e robusto,
algo que não se conquista com discursos inflamados em redes sociais.
A
reação foi imediata: bolsonaristas e parte do centrão acusaram o STF de
“extrapolar funções”; jornalistas que se dizem “isentos” repetiram o mantra da
“blindagem”; e até setores da esquerda reclamaram que Gilmar estaria protegendo
demais a Corte. Mas, no fundo, a decisão recoloca o impeachment em seu devido
lugar: uma medida extrema, não um instrumento de vingança.
É
sempre bom lembrar: o fascismo não desapareceu. Ele se adapta, se reorganiza e
usa todas as armas possíveis para corroer a democracia. Gilmar Mendes sabe
disso. E sua decisão, gostem ou não, foi um freio necessário contra a
banalização do impeachment.
Estamos
em guerra, minha gente. Não nos esqueçamos disso. Uma cochilada e eles comem
nossos olhos. Gilmar, ao dizer aos repórteres: “Sou um enfermeiro que já viu
muito sangue”, certamente percebeu o grande risco.
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