sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O impeachment no Brasil: da instrumentalização política à defesa institucional do STF

Por Fernando Castilho



O impeachment de Dilma Rousseff em 2016 teve como pretexto jurídico as famosas “pedaladas fiscais”, uma prática contábil corriqueira em governos anteriores, mas que, naquele momento, foi convenientemente elevada à categoria de crime de responsabilidade.

As “pedaladas” consistiam no atraso do repasse de recursos da União a bancos públicos que haviam arcado com despesas sociais. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a acusação sustentaram que essa manobra configurava uma operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O ponto central da controvérsia era o dolo: seria preciso provar que a presidenta agiu com intenção deliberada de violar a lei fiscal para caracterizar crime de responsabilidade, conforme o art. 85, V, da Constituição. Mas, claro, não provaram.

Curiosamente, após a queda de Dilma, as pedaladas voltaram ao seu status original de mera manobra contábil, sem qualquer repercussão jurídica. Coincidência? Difícil acreditar. O episódio reforça a crítica de que o impeachment foi instrumentalizado politicamente, transformando um mecanismo constitucional de exceção em ferramenta de conveniência.

Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão no Senado, preferiu se limitar ao papel de guardião do procedimento, evitando discutir o mérito da acusação sob a justificativa de que o julgamento cabia ao Congresso (juízo político). Anos depois, em 2022, Luís Roberto Barroso admitiu em entrevista que Dilma foi derrubada por um “conjunto da obra”, e não por crime de responsabilidade. Um mea culpa tardio, quase irônico.

Hoje, a instrumentalização política do impeachment mira o Judiciário. Grupos bolsonaristas sonham com um Senado recheado de aliados em 2026 para impichar ministros do STF, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, simplesmente porque suas decisões contrariam interesses políticos. A lógica é simplista e quase infantil: não pensa como a gente? Impeachment nele! Está investigando nossos aliados? Impeachment nele! E, para complicar ainda mais, surge um novo elemento que exigirá atenção dos ministros: a associação de parlamentares com o crime organizado. Impeachment nos ministros!

É nesse cenário que se insere a decisão de Gilmar Mendes na ADPF 877. O ministro suspendeu artigos da Lei nº 1.079/50 e estabeleceu duas regras cruciais para proteger a independência judicial:

Exclusividade da denúncia pela PGR – apenas a Procuradoria-Geral da República pode apresentar denúncia contra ministros do STF, retirando a prerrogativa de “qualquer cidadão”.

Quórum de 2/3 para admissibilidade – o processo só pode ser instaurado se dois terços do Senado aprovarem sua abertura, o mesmo quórum exigido para a condenação final.

Embora se possa defender que qualquer cidadão deveria manter o direito de solicitar impeachment, essa dupla barreira destrói o plano de transformar o mecanismo em brinquedo político ou “golpe constitucional”. Exige consenso amplo e robusto, algo que não se conquista com discursos inflamados em redes sociais.

A reação foi imediata: bolsonaristas e parte do centrão acusaram o STF de “extrapolar funções”; jornalistas que se dizem “isentos” repetiram o mantra da “blindagem”; e até setores da esquerda reclamaram que Gilmar estaria protegendo demais a Corte. Mas, no fundo, a decisão recoloca o impeachment em seu devido lugar: uma medida extrema, não um instrumento de vingança.

É sempre bom lembrar: o fascismo não desapareceu. Ele se adapta, se reorganiza e usa todas as armas possíveis para corroer a democracia. Gilmar Mendes sabe disso. E sua decisão, gostem ou não, foi um freio necessário contra a banalização do impeachment.

Estamos em guerra, minha gente. Não nos esqueçamos disso. Uma cochilada e eles comem nossos olhos. Gilmar, ao dizer aos repórteres: “Sou um enfermeiro que já viu muito sangue”, certamente percebeu o grande risco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário