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quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Jaques Wagner: herói ou vilão?

Por Fernando Castilho



Antes de mais nada, convém baixar a guarda, como eu já fiz, para pensar racionalmente e evitar rachaduras desnecessárias dentro da esquerda.

O famigerado PL da Dosimetria, uma excrescência que jamais deveria ter visto a luz do dia e que Renan Calheiros batizou com precisão cirúrgica de “PL da Infâmia”, chegou à CCJ do Senado. Davi Alcolumbre, sempre diligente quando convém, não poupou esforços para aprová-lo antes do recesso. O projeto tinha toda a cara de rejeitado e parecia pronto para o cemitério legislativo. Mas eis que surge o imponderável: Sergio Moro, em sua costumeira criatividade, apresentou uma “emenda de redação”. Só que, na prática, não era redação coisa nenhuma. A alteração impedia que o PL beneficiasse autores de crimes sexuais e de corrupção. Em outras palavras, uma emenda de mérito travestida de retoque gramatical. Resultado: o projeto deveria voltar à Câmara, como manda a Constituição, depois retornar ao Senado, e não seria votado este ano.

Foi aí que Jaques Wagner, do PT, enxergou a oportunidade. A jogada era simples e engenhosa: condicionar a aprovação do PL à aprovação de outro projeto vital para o governo: o aumento da taxação das bets e das fintechs, capaz de render cerca de 20 bilhões de reais em 2026, ano eleitoral. Enquanto isso, Lindbergh Farias, indignado, entraria no STF com um mandado de segurança denunciando a “criatividade jurídica” de Moro. Se fazia parte do acordo com Wagner, ninguém sabe, ninguém viu. Mas acho que não.

O roteiro é quase previsível: o STF deve considerar a votação da CCJ inconstitucional, o projeto volta à Câmara, é aprovado novamente e retorna ao Senado. Mas isso só em 2026, depois do recesso. Desta vez, sem acordo algum, será rejeitado e arquivado. Lula não precisará nem gastar tinta com veto. Jogada de mestre, típica de quem coleciona décadas de política, embora bastante discutível do ponto de vista republicano e ético, e que pode causar ao senador sua destituição de líder do governo.

Nem todos aplaudiram. Renan Calheiros denunciou em plenário, sem papas na língua, a conversa reservada que teve com Wagner, e classificou o acordo como uma “farsa” da qual não participaria. Convenhamos, o termo cai como uma luva.

Nas redes, o resultado é uma esquerda dividida: uns se dizem traídos depois das manifestações de domingo, outros se esforçam para encontrar justificativas que isentem o governo de qualquer manobra.

No fim das contas, o pragmatismo frio de Jaques Wagner pode estar conduzindo ao enterro definitivo do infame PL da Dosimetria, enquanto garante a taxação das bets e das fintechs, uma vitória política e financeira para o governo.

 Ironias da política: às vezes, para enterrar uma infâmia, é preciso abraçar uma farsa. Ou criar outra infâmia.