sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Lula, da humilde casa de Roberto Teixeira ao triplo X

Por Fernando Castilho



Qualquer pessoa minimamente informada sabe que triplex TEM que ser grande e luxuoso. Quem compraria um triplex de 270 m² em cotas, tendo condição de pagar à vista, afinal? Tem que ser alguém que pense de forma modesta, vamos combinar.


Ok, antes de mais nada, se alguma falcatrua for provada contra Lula, eu disse PROVADA, tá, pego meu chapéu e saio de cena.

Na década de 80 Lula morava de favor numa casa simples em São Bernardo do Campo, cedida por seu amigo, o advogado Roberto Teixeira.

Virou um escândalo. As manchetes questionavam como poderia um advogado ceder uma casa a um metalúrgico?

Tentaram criminalizar o fato.

Lula poderia ter morado lá pelo tempo que quisesse, mas como não é populista nem hipócrita, assim que melhorou de vida ao se eleger deputado federal e receber aposentadoria pela Lei da Anistia, tratou de comprar um apartamento na mesma cidade.

Não é enorme nem luxuoso, mas é bom.

Como presidente, ao auferir salário de 39 mil reais em valores atuais, além de 5 mil da Anistia, Lula poderia comprar muitos imóveis e ficar rico com isso, se quisesse. Não quis. Preferiu sempre ajudar com dinheiro comunidades carentes, entidades sociais, etc..

Mas resolveu comprar cotas de um imóvel em construção no Guarujá.

Parece que as cotas seriam de dona Marisa, sua esposa, talvez preocupada em garantir algum tipo de patrimônio caso o marido viesse a falecer daquele câncer de alguns anos atrás. Qualquer um faria isso.

Como os apartamentos mediam apenas 90 m², o projeto incorporou outros dois, transformando-se num triplex de modestos 270 m².

Explico o porquê do termo ''modestos''.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que triplex TEM que ser grande e luxuoso. Quem compraria um triplex de 270 m² em cotas, tendo condição de pagar à vista, afinal? Tem que ser alguém que pense de forma modesta, vamos combinar.

Pois bem, então a Lava Jato desloca todo um efetivo, incluindo o japonês bonzinho, para investigar café pequeno. E que nem irregularidade tem, uma vez que Lula não consta como proprietário pois ainda nem há escritura!

Além disso, a participação já foi vendida.

Posto isto, o que pretende a Lava Jato?

A PF e o MPF não é composta de néscios, podemos crer.

Eles sabem que não há elementos para incriminar Lula.

Pausa.

O que pretende a mídia ao divulgar de maneira histriônica a operação Triplo X?
Voltar atrás no tempo e reeditar a velha denúncia de que Lula morava de favor na casa de Roberto Teixeira e incriminá-lo onde não há crime.

Pausa.

E o que pretende a classe média, a classe alta e um bando de pobres analfabetos políticos que viram sua vida melhorar durante os governos Lula e que agora agem como cães raivosos à espera dos ossos que a PF, o MPF, o juiz Moro e a elite que mandou no país durante 500 anos lhes oferecem?

Querem a prisão de Lula.

Para essa gente, Lula não deveria ter sido eleito.

Se foi, não poderia conseguir governar.

Se governou, não poderia ter tido êxito.

Mas teve. Foi o melhor presidente de toda a História do Brasil! Maior que Getúlio e Juscelino!

Para eles, Lula tinha que morar numa casa muito humilde como seu quase ídolo, José Mujica faz.

Para eles, socialista tinha que morar na caverna, nordestino que é.

Lula, em oito anos de governo se precaveu. Não deixou linha com ponta.

Lula não podia errar. A responsabilidade em suas costas era muito grande.

Lula foi o primeiro operário a governar o Brasil, por si só, um fato histórico.

Lula quer deixar uma biografia irreparável.

Não tenho dúvidas. Já desistiram de procurar algo contra Dilma, portanto, ela vai até o fim.

Mas Dilma não pode ser reeleita. Então, pra que continuar dispendendo energia contra ela?

Lula, ao contrário, pode ser candidato em 2018. E pior, pode ser reeleito em 2022. E isso é inadmissível!

Não vão achar nada contra Lula, estou certo.

Porém, a Justiça não anda bem das pernas, como fica evidente no fato de Eduardo Cunha continuar solto e ganhando força dia a dia. O STF já declarou que não há elementos contra ele.

Então, não há como afirmar que Lula não seja preso por algum artifício.

E vimos artifícios serem usados no Mensalão.

Mas acredito que a verdadeira intenção ao veicular todos os dias alguma acusação contra Lula seja o de destruir sua credibilidade e reputação para deixá-lo enfraquecido durante a campanha e principalmente durante os debates onde todas essas ilações serão muito exploradas por seus adversários.

P. S. Enquanto escrevo este texto, mais uma denúncia contra Lula foi divulgada.



quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Moro, Dirceu e a extorsão do lobista

Por Fernando Castilho




Não se deram ao trabalho de ler em outras fontes, não se deram ao trabalho de questionar incongruências e contradições sérias, e pior, desconhecem o que diz nossa Constituição cidadã, carta magna do Estado de Direito, conquistado a duras penas.


Já escrevi algumas vezes sobre o saco de pancadas chamado Zé Dirceu.

Não, ele não é um santo como alguns pretendem. E sei do que estou falando.

E sei também que muitos dos que lerão este texto destilarão seu ódio porque não acompanharam com rigor os desdobramentos de tudo que envolveu o ex-ministro desde o Mensalão até agora. Por preguiça ou desinteresse.

Não se deram ao trabalho de ler em outras fontes, não se deram ao trabalho de questionar incongruências e contradições sérias, e pior, desconhecem o que diz nossa Constituição cidadã, carta magna do Estado de Direito, conquistado a duras penas.

Afinal, queriam um medalhão do governo preso, um ineditismo a lavar a alma de um povo habituado à impunidade desde sempre. Podia ser qualquer um, desde que fosse político.

O ex-ministro foi condenado com base na Teoria do Domínio do Fato, uma excrescência criada na Alemanha após a queda de Hitler para responsabilizar os criminosos de guerra e que não vinha mais sendo usada desde então.

Serviu, porém, como o artifício conveniente, um achado de Joaquim Barbosa, fora da Constituição e que pressupõe que se Dirceu era o chefe de gabinete, ele tinha por obrigação saber de toda e qualquer falcatrua que tenha acontecido em todo o governo federal.

É como se um diretor de uma empresa tivesse pleno domínio de tudo o que seus subalternos fazem ou conversam, mesmo fora do expediente. E uma empresa não tem nem de longe o mesmo número de funcionários de um governo federal.

Zé Dirceu, quer aceitem ou não aqueles que o odeiam, foi condenado sem provas. Isto é fato pois a ministra Rosa Weber admitiu que não havia provas contra ele mas que mesmo assim o condenaria porque a literatura jurídica assim lhe permitia.

Ponto.

Mas Dirceu foi preso novamente por ter sido citado em delação premiada pelo lobista Fernando Moura em agosto de 2015.

Enquanto vemos o presidente da Câmara, Eduardo Cunha escarnecendo devido à sua impunidade, apesar das inúmeras provas já colhidas contra ele, sem que a imprensa peça sua cabeça diariamente, Dirceu foi preso imediatamente à delação, de maneira irregular pois seria preciso que antes o delator apresentasse provas do que afirmou.

Mas para o juiz Sérgio Moro, que inclusive, desprezando a ética do Judiciário, já foi premiado pela Globo, Dirceu era um troféu a ser conquistado.

Os colunistas dos órgãos de imprensa comemoraram sua prisão, se não com fogos, com textos exaltando a coragem e determinação de Moro.

Aliás, sobre esses colunistas, cabe abrir um parênteses. Hoje eles se parecem mais com soldados num front de guerra contra a internet, na necessidade diária de combater não só o petismo, mas também toda a esquerda para agradar seus patrões e tentar evitar dessa forma uma possível demissão em virtude de cortes que estão ocorrendo amiúde devido a problemas financeiros de seus empregadores que só podem ser mitigados com a volta dos tucanos ao poder, via BNDES.

É por isso que a Folha contrata um Kim Kataguiri da vida, certamente com salário bem inferior aos dos outros colunistas e muito provavelmente como pessoa jurídica para escapar de encargos.

A classe média e alta, além de muitos que expressam seu ódio nos comentários publicados nos jornais, também comemoraram a prisão de Dirceu. A eles, assim como aos colunistas, não interessa se a Constituição está sendo aviltada. Não vem ao caso, como diria Moro.

Mas o lobista em novo depoimento isentou Zé Dirceu de culpa.

E agora, o que fazer? Meu troféu escapa de minhas mãos, pensou o juiz Moro.

Quando perguntaram a Fernando Moura se ele estaria mudando sua versão dos fatos, ele disse estranhar que tenha afirmado o que lhe disseram que afirmou antes.

Zé Dirceu então pediu a gravação do primeiro depoimento. Estranhamente o MPF alegou que o depoimento não fora gravado.

Como assim, se todos os depoimentos são meticulosamente gravados pelo juiz Moro? Aliás, este é um estilo bastante pessoal dele.

Agora Moro ameaça Fernando Moura de anulação de sua delação premiada pelo motivo de que teria alterado seu depoimento.

Na realidade o que Moro pretende é extorquir a delação do lobista e manter seu troféu, Dirceu, preso, sob o risco de desmoralização de toda a operação.

Possivelmente teremos uma mentira valendo como prova contra Dirceu.

E mais uma vez ele será condenado injustamente.

E os mesmos de sempre novamente comemorarão.





sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O Waze, o mundo líquido e a paisagem urbana

Por Fernando Castilho





Waze é uma ferramenta muito útil para você se livrar de congestionamentos encontrando a rota mais favorável para atingir seu destino. Ele processa as informações dos celulares dos próprios motoristas. Ou seja, você vai direto ao ponto.

Mas o que isso tem a ver com a modernidade líquida de Zygmunt Bauman?


Um artigo da Folha de São Paulo me chamou a atenção por ser extremamente ilustrativo do que afirma Zygmunt Bauman sobre a tese da pós modernidade ou, como ele acha melhor chamá-la, a modernidade líquida que estamos vivendo.

Antes de tudo, um approach sobre o tema.

Bauman defende resumidamente, que vivíamos até cerca dos anos 50 num mundo sólido, onde as instituições eram duradouras, as coisas se resolviam em três dimensões e as relações eram pessoais.

Hoje vivemos num mundo líquido em que tudo escapa pelas nossas mãos. As relações são fugazes e virtuais, como amizades no Facebook com as quais não se pode contar. Se você precisar de um amigo do Facebook para alguma coisa importante como passar a noite no seu quarto de hospital, esqueça. Com exceções, claro. E você adiciona amigos com a mesma facilidade com que os bloqueia ou exclui.

Tudo gira numa velocidade frenética e cada vez mais acelerada.

Nosso dia de 24 horas já não consegue mais dar conta do número de atividades que temos que executar.

E no sistema capitalista, se você não dá conta, há quem o faça.

É por isso que, ao final do ano cansamo-nos de ouvir que o ano passou tão rápido...

Não há mais tempo para reflexões, para leitura ou para o simples lazer ou ócio.

Pois bem, segundo o artigo da Folha, o israelense Uri Levine criou o aplicativo Waze e o vendeu rapidamente ao Google por US$1,1 bilhão em 2013.

Ficou muito rico e se ocupa hoje em desenvolver outros aplicativos para facilitar a vida das pessoas.

Mas o que é o Waze?

Waze é uma ferramenta muito útil para você se livrar de congestionamentos encontrando a rota mais favorável para atingir seu destino. Ele processa as informações dos celulares dos próprios motoristas. Ou seja, você vai direto ao ponto.

O terrível efeito colateral, a meu ver, é que devido ao aplicativo, deixamos de fazer uma leitura da paisagem urbana que percorremos.

Afinal, o que mais importa a você é chegar o mais rápido possível ao seu local de trabalho e mais tarde à sua casa. E é claro que você vive para o trabalho e não trabalha mais para viver, como nos tempos do mundo sólido.

E é um olho no trânsito e outro no celular.

Este trecho da entrevista de Levine, caso não se interesse em ler toda a entrevista, é especialmente revelador.



Entendeu? As pessoas não pensam mais por onde estão indo. Nem sabem mais os nomes das ruas. O Waze te leva lá e pronto. Quase que um piloto automático.

Bingo! Bauman tem razão!

Antigamente (e isso não faz muito tempo) podíamos atravessar São Paulo admirando sua paisagem ou odiando-a. Mas de qualquer forma, fazíamos uma leitura dela, o que nos capacitava a tecer críticas e sugerir mudanças.

A gente se apropriava da cidade. Agora a força da grana ergue e destrói coisas belas virtualmente, já que você deixa de vê-las e senti-las.

O Waze, neste aspecto, tem semelhança com o metrô subterrâneo. Não vemos nada da paisagem, só queremos chegar à estação desejada e fim. Nosso dia é corrido e não temos tempo para essas coisas que pertencem ao mundo sólido.

Quando o teletransporte chegar, será muito pior que isso.

Meu texto não é uma ode ao passado, visto que sou progressista, mas uma perspectiva histórica pode nos indicar aonde poderemos chegar, se levados por pessoas que estão mais preocupadas em se tornar bilionárias, como Levine.

A modernidade líquida está aí, não adianta reclamar nem lutar contra ela pois que é inexorável.

Mas ainda há iniciativas pertencentes ao mundo sólido que podem contrabalançar e reduzir um pouco a velocidade das coisas. E são muito legais.

Uma delas é a iniciativa da criação de ciclovias na cidade de São Paulo, de autoria do prefeito Fernando Haddad.

Sei que há muita gente revoltada com isso, mas isso acontece porque entraram inconscientemente de cabeça na modernidade líquida, preocupam-se somente em ganhar dinheiro o mais rápido possível e se esqueceram de tolerar aqueles que vivem mais distendidos.

Com as ciclovias é possível que se desloque de maneira menos tensa (desde que os motoristas respeitem as faixas e os ciclistas), que se interaja mais com a paisagem urbana e que se pratique mais exercícios reduzindo o sedentarismo. Além de contribuir para a redução de emissão de gases.

Outra iniciativa é a abertura da Av. Paulista aos domingos para o lazer.

As pessoas ainda gostam de dançar, cantar, fazer piquenique, papear, namorar, passear a pé ou de bicicleta com as crianças ou tomar sol.

Nessas horas esquece-se até os lap-tops e i-phones.

Afinal, temos um corpo físico e ainda não deixamos totalmente o mundo sólido.


quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O que 1% da população mundial tem a nos dizer?

Por Fernando Castilho



Grande parte da situação de intolerância de hoje em dia se deve a um sentimento de impotência diante de um sistema opressor que não permite ao pobre o consumo de bens que a própria mídia exige dele.

Esse sentimento vai se acumulando até que uma hora explode em violência urbana.


O jornal Valor Econômico noticiou esta semana que 1% da população mundial passa agora a deter mais riqueza que os restantes 99%.

Além disso, 62 pessoas tem tanto dinheiro quanto a metade mais pobre da população mundial.

Há apenas 5 anos atrás eram 388 pessoas que acumulavam esse capital.

Ou seja, esse gráfico cresce numa proporção assustadora e nos faz imaginar se pode piorar ainda mais.

Mas se esses números, mesmo que sem uma análise mais apurada, já revelam uma situação extremamente preocupante, compreender o que eles significam pode nos tirar noites de sono.

Antes de mais nada, embora o capitalismo afirme que é o único capaz de gerar riqueza, não nos iludamos pois nos encontramos num sistema isolado chamado Planeta Terra cujos recursos são limitados.

Para agravar o quadro, esses recursos naturais e energéticos vão se esgotando à medida em que a população cresce em ritmo exponencial.

Então, primeiramente, os pobres.

O fato de o Brasil ter retirado 30 milhões de pessoas da linha de miséria pode ter evitado que os números divulgados fossem ainda piores. Porém, como a maior parte da população mundial é de pobres, podemos esperar que o número de miseráveis em situação de fome tenha aumentado e ainda aumentará significativamente. E pensar que gente morrerá de fome e de doenças ligadas à falta de alimentação por essa espécie de genocídio econômico nos entristece e revolta.

Em seguida a classe média.

Certamente essa também vem perdendo seu poder de compra e consumo, já está engrossando as fileiras dos pobres e em alguns anos teremos uma massa sem poder aquisitivo.

Mas, e os ricos?

Os ricos teoricamente, como disse Marx, dependeriam dos pobres para gerar sua riqueza. Isso, se o acúmulo de capital fosse ainda hoje totalmente proporcionado pela exploração do trabalho. Nesse caso, os ricos também precisariam depender da classe média e de parcela dos pobres para consumir aquilo que é produzido, os bens de capital.

Porém, hoje em dia não é mais só a atividade produtiva que acumula riqueza, mas também a especulação financeira.

Muita gente se faz rica ao comprar ações na baixa e vender na alta sem que isso signifique produzir alguma coisa.

Além disso, o não pagamento de impostos, coisa de que os pobres não podem escapar por ter descontos efetuados já no pagamento de seus salários, e a remessa de grandes quantias para paraísos fiscais onde são criadas holdings especiais para esse fim, fazem a delícia dos ricos.

E acúmulo desmedido de capital faz bem?

Vejamos o caso do bilionário brasileiro, Paulo Lemann, dono e sócio de marcas com Imbev, Burguer's King, Heinz, etc..

Consta que sua fortuna é estimada em cerca de 84 bilhões de reais. Se parasse de trabalhar e investisse seu patrimônio em caderneta de poupança, teria garantidos só de juros e correção monetária a quantia mensal de cerca de 420 milhões de reais. Mesmo que mantivesse uma vida de luxo, não conseguiria gastar todo esse montante e reinvestiria a maior parte dele. Ou seja, ficaria ainda mais rico.

Bem, mas aonde essa situação de acúmulo de capitais nas mãos de poucos pode nos levar?

Já está nos levando a revoltas no mundo inteiro.

Grande parte da situação de intolerância de hoje em dia se deve a um sentimento de impotência diante de um sistema opressor que não permite ao pobre o consumo de bens que a própria mídia exige dele.

Esse sentimento vai se acumulando até que uma hora explode em violência urbana.

E quem mais paga o preço é a classe média que insiste em defender os do andar de cima, que são poucos, enquanto protesta contra políticas de distribuição de renda.

Como disse Marx, o capitalismo gera o seu próprio coveiro.

Como disse Étienne de La Boétie, acostumamo-nos a nos curvar a um único soberano sem que percebamos que somos muitos e ele um só.





terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A estranha carta a Chico Buarque

Por Fernando Castilho


Imagem: blog Léo Simões


''Fui motivado pelas mulheres que estão dando à luz nas calçadas, aos velhos sem atendimento nos chãos dos hospitais...”


Já se falou tanto sobre Chico Buarque que quase nem há mais o que escrever sobre ele, as ofensas que recebeu no Rio de Janeiro e os xingamentos que recebeu em rede social.

Bem, Mas ainda há mais um pouco.

Chico decidiu processar o antiquário e jornalista João Pedrosa após este ter postado no Instagram de Sílvia Buarque a mensagem “Família de canalhas!!! Que orgulho de ser ladrão!!!”

Pedrosa é anti-PT e como Chico Buarque apoiou e apoia Dilma Rousseff, mereceu dele o xingamento mesmo que não haja indicativo algum de que o compositor tenha passado a mão em qualquer quantia, seja ela pública ou privada. Por isso Chico o processa por calúnia e difamação.

Embora toda a unanimidade possa ser burra, Chico Buarque, pelo menos até surgir essa onda de ódio ao PT, era um artista sobre o qual pousavam toda a admiração e respeito, não só pela qualidade de suas letras e músicas, mas também pela capacidade de ter, durante a ditadura militar, conseguido driblar a atenta censura com letras sensíveis, sutis, inteligentes e corajosas que a truculência dos censores não conseguia relacionar com críticas ao regime.

Além disso, essas músicas se tornaram verdadeiros hinos de resistência por terem vencido o cerco e por injetarem ânimo naqueles que sonhavam com a volta da democracia.

Definitivamente Chico era e continua a ser de esquerda, numa demonstração inequívoca de coerência política. Ele é o que sempre foi.

Bem, Pedrosa capitulou. Ficou com medo do processo e escreveu uma carta ao Chico pedindo desculpas. A moda agora é escrever cartas.

Mas as justificativas revelam o quanto esse ódio ao PT, inoculado aos poucos pela grande mídia, torna qualquer um insensato e incapaz de ter uma compreensão que um jornalista, pela sua formação, deveria ter.

Ele diz: ''Quero crer que nós queremos a mesma coisa para os brasileiros por vias opostas, uma vida digna e próspera. A sua via é o socialismo, e a minha, o capitalismo.''

Ora, pela via do capitalismo, tudo estaria como nos tempos de FHC. Inflação alta, PIB baixo, reservas internacionais baixas, desemprego alto, corrupção impune, etc..

Mas péra! Nós estamos no capitalismo e não no socialismo!

Bem, os resultados todos inversos aos de FHC foram conquistados pelos governos Lula e Dilma ainda dentro do capitalismo, mas com uma visão social diferente.

''Fui motivado pelas mulheres que estão dando à luz nas calçadas, aos velhos sem atendimento nos chãos dos hospitais...”

Caro jornalista, se mulheres estão dando à luz em calçadas e velhos estão sendo atendidos no chão de hospitais, isto é descaso dos governos estaduais como o do Rio de Janeiro, uma vez que nunca se destinou tantos recursos federais à Saúde. E isso ocorria em muito maior escala no governo capitalista de FHC.

Essa carta é reveladora de como corações e mentes têm em sua frente uma nuvem densa que os impede de fazer uma leitura factual e racional do que acontece no país.

É por isso que as manifestações fascistas de ofensas em restaurantes, hospitais e até em velórios só fazem crescer.

Quem sabe, após esse processo, os língua-soltas mantenham a boca mais fechada.

Mas imagino que Chico, por sua serenidade, talvez desista do processo por perceber que Pedrosa é só mais uma vítima.


Atualização em 19/01/2016:
Chico Buarque mantém o processo contra Pedrosa




quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Adivinhem quem vai ser manchete amanhã

Por Fernando Castilho





É o que o jornalista Joseph Pulitzer afirmou: Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma.


Que países tidos como não democráticos possuam órgãos de imprensa que busquem noticiar somente aquilo que os detentores do poder desejam, todos sabem, não é novidade.

A mídia da Coreia do Norte é uma das mais rigorosamente controladas do mundo. Como resultado, a informação é rigidamente controlada tanto nas notícias internas, quanto nas externas.

Em Cuba as emissoras de televisão estão ligadas ao Instituto Cubano de Rádio e Televisão (ICRT), do Estado. O ICR é claro em sua política: os meios de comunicação devem ser um instrumento de orientação político-ideológico.

O Granma, jornal de maior tiragem do país, com mais de 700 mil exemplares diários, publicado pelo partido, umpre uma missão de salvaguarda dos ideais revolucionários.

No Brasil, durante a ditadura, todos os jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão sofreram censura rigorosa após o Ato Institucional N° 5, o AI-5. A maioria também colaborou com o regime, pricipalmente a Rede Globo e a Folha de São Paulo que inclusive fornecia veículos para o Dops.

Faz parte dos regimes não democráticos.

Todos sabemos que hoje vivemos em plena Democracia, por isso a mídia não sofre censura nem intimidação por parte do governo.

Pelo contrário, o que vemos diariamente são nossos jornais fazendo exatamente o inverso do que órgãos de imprensa costumam fazer em regimes autoritários. A defesa cega da oposição, enquanto atacam o governo.

Os parvos, aqueles que acreditam que vivemos em uma ditadura comunista do PT, logicamente discordam. Mas sobre essa falta de neurônios não vale nem a pena comentar.

Foi recentemente publicada uma pequena nota nos jornais dando conta da citação do governo FHC como tendo recebido o aporte de 100 milhões de dólares que em dias de hoje equivaleriam a cerca de um bilhão de reais.

Ao mesmo tempo, a segunda manchete principal (a primeira noticiava o falecimento do músico inglês David Bowie) mostrava uma vaga delação ao ex-presidente Lula, que não faz parte do governo, mas sim do partido que governa, o PT e que poderá vir a ser candidato em 2018.

A delação que envolveu Aécio Neves também foi discreta e os jornais já se esqueceram.

Não há um dia sequer em que a presidenta Dilma, Lula ou um expoente qualquer do governo ou do PT não seja capa dos jornais ou de seus portais.

A bola da vez agora tem sido o ministro Jaques Wagner. Ele andou dando entrevista e de certa forma ganhou um pouco de notoriedade. Foi preciso então cortar suas asinhas, antes que ele se sinta a vontade para voar e disputar o Planalto.

Os factoides aparecem sempre em manchetes, uma vez que pouca gente se dispõe a comprar jornal e ler o artigo completo. Depois os autores da ''notícia'' emitem uma notinha de rodapé em algum lugar dentro do jornal com um ''ERRAMOS''. Esta tem sido a estratégia preferida.

O intuito não poderia ser mais claro, insuflar o ódio contra um só partido para que as pessoas com opinião ''formada'' sejam usadas como massa de manobra na luta para que os que detiveram o poder por 500 anos voltem.

É o que o jornalista Joseph Pulitzer afirmou: Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma.

Mas se no Brasil temos uma mídia tão desprovida de confiabilidade, não pensem que ela é a pior do mundo.

Não, nesse quesito a Argentina vem dando um baile até nos jornais da Coreia do Norte.
Rogério Macri, o presidente recém-eleito é comprometido em extinguir a Ley de Medios que a ex-presidenta Cristina Kirchner lutou para aprovar e que fazem as famílias donas da mídia brasileira perderem o sono.

Em virtude disso, os principais jornais como o Clarin fazem o inverso do que fazem os jornais do Brasil. Elogiam cada ato, cada detalhe, cada fio de cabelo de Macri, como se ele fora um ídolo pop juvenil. Só falta ter um poster dele em cada repartição das redações.

É quase o mesmo que as empreiteiras fazem no Brasil: financiam um candidato para cobrar obras mais tarde.

Minha amiga, Renata Gouveia Delduque se deu ao trabalho de coletar as manchetes do Clarin em um único dia que, a título de ilustração, exponho aqui:

A estratégia de comunicação de Macri: informar 18 horas por dia”: “Após doze anos de governo Kirchnerista, com a preferência pelas cadeias nacionais e aversão aos jornalistas, a estratégia da nova administração federal é “atuar e gerar notícias” todos os dias”.
Governo de Macri tenta retomar controle de agência reguladora de comunicações”
O primeiro desafio do novo governo será controlar as manifestações de rua”
Macri mandou fazer oito auditorias para avaliar como Cristina deixou o governo”
Chega ao fim herança kirchnerista de restringir importação de livros”
Receita do setor agrícola argentino cresce 100% após medidas do governo”
Esperamos uma colheita de 120 milhões de toneladas”
Ministros brasileiros elogiam fim do controle cambial e dos bloqueios ao comércio na Argentina”
Primeiros anúncios econômicos de Macri interessam diretamente ao Brasil”
E A CEREJA DO BOLO:
Pesquisa indica que a maioria dos argentinos acha que 2016 será melhor que 2015”

Ou seja, ao contrário do pessimismo brasileiro, a Argentina é otimista para 2016.

Essas manchetes me lembram aquela narradora de notícias da televisão norte-coreana que não se limita a narrar, mas o faz com uma retórica ufanista e emocionada.

Mas se a mídia argentina conseguiu ser pior do que a brasileira, não tenham dúvidas que se Aécio Neves tivesse sido eleito em 2014, o ano de 2015 seria considerado o mais exitoso em 12 anos. Não haveria crise econômica, Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg mostrariam dados diários de um Brasil que enfim se recuperou e atravessa um período de pujança em todos os setores.

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do Reich na Alemanha Nazista afirmava que uma mentira contada mil vezes virava verdade.

É o que as mídias argentina e brasileira fazem diariamente, apenas com os sentidos ideológicos invertidos.

A quem tenta adivinhar quem vai ser manchete nos jornais de amanhã, não esperem que seja esta:

Cerveró não confirma propina a Lula em delação oficial!

sábado, 9 de janeiro de 2016

O Estado de Direito e o Estado de direita

Por Mauro Santayana



Mauro Santayana é um dos jornalistas mais experientes e sagazes que o Brasil já teve.

Vai aqui sua análise comparativa entre dois mundos: o que se pretende e o que na prática está prevalecendo hoje em dia no Brasil.



É curiosa a situação que vive hoje o Brasil.

Estamos em plena vigência de um Estado de Direito?

Ou de um “estado” de direita, que está nos levando, na prática, a um estado de exceção?

Afinal, no Estado de Direito, você tem o direito de ir e vir, de freqüentar um bar ou um restaurante, ou desembarcar sem ser incomodado em um aeroporto, independente de sua opinião.

No estado de direita, você pode ser reconhecido, insultado e eventualmente agredido, por um bando de imbecis, na saída do estabelecimento ou do avião.

No Estado de Direito, você pode cumprimentar com educação o seu vizinho no elevador, desejando-lhe um Feliz Ano Novo.

No estado de direita, você tem grande chance de ouvir como resposta: “tomara que em 2016 essa vaca saia da Presidência da República, ou alguma coisa aconteça com essa cadela, em nome do Senhor.”

No Estado de Direito, você pode mandar “limpar” o seu computador com antivírus quando quiser.

No estado de direita, você pode ficar preso indefinidamente por isso, até que eventualmente confesse ou invente alguma coisa que atraía o interesse do inquisidor.

No Estado de Direito, você tem direito a ampla defesa, e o trabalho dos advogados não é cerceado.

No estado de direita, quebra-se o sigilo de advogados na relação com seus clientes.

No Estado de Direito, a Lei é feita e alterada por quem foi votado para fazer isto pela população.

No “estado” de direita, instituições do setor público se lançam a promover uma campanha claramente política – já imaginaram a Presidência da República colhendo assinaturas na rua para aumentar os seus próprios poderes? – voltada para a aprovação de um conjunto de leis que diminui – em um país em que 40% dos presos está encarcerado sem julgamento – ainda mais as prerrogativas de defesa dos cidadãos.

No Estado de Direito, você é protegido da prisão pela presunção de inocência.

No estado de direita, inexistem, na prática, os pressupostos da prisão legal e você pode ser detido com base no “disse me disse” de terceiros; em frágeis ilações; do que “poderá” ou “poderia”, teoricamente, fazer, caso continuasse em liberdade; ou subjetivas interpretações de qualquer coisa que diga ao telefone ou escreva em um pedaço de papel – tendo tudo isso amplamente vazado, sem restrição para a “imprensa”, como forma de manipulação da opinião pública e de chantagem e de pressão.

No Estado de Direito, você pode expressar, em público, sua opinião.
No estado de direita, você tem que se preocupar se alguém está ouvindo, para não ter que matar um energúmeno em legítima defesa, ou “sair na mão”.

No Estado de Direito, os advogados se organizam, e são a vanguarda da defesa da Lei e da Constituição.

No estado de direita, eles deixam agir livremente – sem sequer interpelar judicialmente – aqueles que ameaçam a Liberdade, a República e os cidadãos.

No Estado de Direito, membros do Ministério Público e da Magistratura investigam e julgam com recato, equilíbrio, isenção e discrição.

No estado de direita, eles buscam a luz dos holofotes, aceitam prêmios e homenagens de países estrangeiros ou de empresas particulares, e recebem salários que extrapolam o limite legal permitido, percebendo quase cem vezes o que ganha um cidadão comum.

No Estado de Direito, punem-se os corruptos, não empresas que geram riquezas, tecnologia, conhecimento e postos de trabalho para a Nação.

No estado de direita, “matam-se” as empresas, paralisam-se suas obras e projetos, estrangula-se indiretamente seu crédito, se corrói até o limite o seu valor, e milhares de trabalhadores vão para o olho da rua, porque a intenção não parece ser punir o crime, mas sabotar o governo e destruir a Nação.

No Estado de Direito, é possível fazer acordos de leniência, para que companhias possam continuar trabalhando, enquanto se encontram sob investigação.

No estado de direita, isso é considerado “imoral”. Não se pode ser leniente com empresas que pagam bilhões em impostos e empregam milhares de pessoas, mas, sim, ser mais do que leniente com bandidos contumazes e notórios, com os quais se fecha “acordos” de “delação premiada”, mesmo que eles já tenham descumprido descaradamente compromissos semelhantes feitos no passado com os mesmos personagens que conduzem a atual investigação.

No Estado de Direito, existe liberdade e diversidade de opinião e de informação.

No estado de direita, as manchetes e as capas de revista são sempre as mesmas, os temas são sempre os mesmos, a abordagem é quase sempre a mesma, o lado é sempre o mesmo, os donos são sempre os mesmos, as informações e o discurso são sempre os mesmos, assim como é sempre a mesma a parcialidade e a manipulação.

No Estado de Direito você pode ensinar história na escola do jeito que a história ocorreu.

No estado de direita, você pode ser acusado de comunista e perder o seu emprego pela terceira ou quarta vez.

No Estado de Direito você pode comemorar o fato de seu país ter as oitavas maiores reservas internacionais do planeta, e uma dívida pública que é muito menor que a dos países mais desenvolvidos do mundo.

No estado de direita você tem que dizer que o seu país está quebrado para não ser chamado de bandido ou de ladrão.

No Estado de Direito, você pode se orgulhar de que empresas nacionais conquistem obras em todos os continentes e em alguns dos maiores países do mundo, graças ao seu know-how e capacidade de realização.

No estado de direita, você deve acreditar que é preciso quebrar e destruir todas as grandes empresas de engenharia nacionais, porque as empresas estrangeiras – mesmo quando multadas e processadas por tráfico de influência e pagamento de propinas em outros países – “não praticam corrupção.”

No Estado de Direito você pode defender que os recursos naturais de seu país fiquem em mãos nacionais para financiar e promover o desenvolvimento, a prosperidade e a dignidade da população.

No estado de direita você tem que dizer que tudo tem que ser privatizado e entregue aos gringos se não quiser arrumar confusão.
No Estado de Direito, você pode defender abertamente o desenvolvimento de novos armamentos e de tecnologia para a defesa da Nação.

No estado de direita, você vai ouvir que isso é um desperdício, que o país “não tem inimigos”, que as forças armadas são “bolivarianas”, que o Brasil nunca vai ter condições de enfrentar nenhum país poderoso, que os EUA, se quiserem, invadem e ocupam isso aqui em 5 minutos, que o governo tem que investir é em saúde e educação.

No Estado de Direito, é crime insultar ou ameaçar, ou acusar, sem provas, autoridades do Estado e o Presidente da República.

No estado de direita, quem está no poder aceita, mansamente, cotidianamente, os piores insultos, adjetivos, acusações, insinuações e mentiras, esquecendo-se que tem o dever de defender a Democracia, a liturgia do cargo, aqueles que o escolheram, a Nação que representam e teoricamente, comandam, e a Lei e a Constituição.

No Estado de Direito, você pode interpelar judicialmente quem te ameaça pela internet de morte e de tortura ou faz apologia de massacre e genocídio ou da quebra da ordem institucional e da hierarquia e da desobediência à Constituição.

No estado de direita, muita gente acha que “não vale a pena ficar debatendo com fascistas” enquanto eles acreditam, fanaticamente, que representam a maioria e continuam, dia a dia, disseminando inverdades e hipocrisia e formando opinião.

No Estado de Direito você poderia estar lendo este texto como um jogo de palavras ou uma simples digressão.

No estado de direita, no lugar de estar aqui você deveria estar defendendo o futuro da Liberdade e dos seus filhos, enfrentando, com coragem e informação, pelo menos um canalha por dia no espaço de comentários – onde a Democracia está perdendo a batalha – do IG, do Terra, do MSN, do G1 ou do UOL.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Haverá um dia sequer em que Dilma não errará?

Por Fernando Castilho


Charge: Aroeira


Já a culparam pelos estádios e aeroportos não ficarem prontos a tempo para a Copa do Mundo.

Já tentaram carimbar na sua testa a palavra ''corrupta''.

Já quiseram meter-lhe um impeachment sem razão prevista na Constituição.

Um ex-presidente exigiu sua renúncia.

A novidade agora é culpar Dilma pela pior crise econômica que estamos vivendo na História.


Não que Dilma Rousseff nunca mereça críticas. Há casos em que merece sim.

Por exemplo, quando escreve artigo na Folha de São Paulo, jornal matreiro que se aproveita do convite feito à presidenta, atendido com cortesia, para inserir na primeira página a foto de um balão onde se lê ''fora Dilma, fora PT!''

É golpe. E rasteiro.

Mas é um erro de Dilma, também. Não precisa escrever para a Folha, escreva para os blogs que não vão lhe aplicar nenhum golpe.

Mas há críticas não merecidas também.

Recentemente Jaques Wagner, ministro da Defesa e Casa Civil criticou o governo pelo excesso nas desonerações. Lula também fez a mesma crítica recentemente.

Lula, no seu segundo mandato, zeloso quanto à crise econômica decorrente da falência do banco Lehmann & Brothers em 2008, desonerou vários produtos, passando assim quase que incólume pela marolinha enquanto o mundo inteiro enfrentava um tsunami. O ex-presidente foi aclamado internacionalmente pela sua visão bem mais ampla do que qualquer economista que teria adotado medidas recessivas.

Dilma atravessou seu primeiro mandato mantendo e até ampliando as desonerações, fazendo com que o Brasil, ao contrário dos países de primeiro mundo, atravessasse um período de calmaria e bem estar econômico.

Esse bom momento, que estava representado nos bons índices de aprovação do governo, de uma hora para outra, com as ''jornadas de junho'', acabou de maneira artificial quando a mídia se aproveitou do protesto inicial do Movimento Passe Livre e mudou totalmente o foco das manifestações a seu favor.

Pronto, agora Dilma era uma incompetente.

Para a mídia, a Copa do Mundo seria um fracasso, os estádios não ficariam prontos, os aeroportos não comportariam o número de turistas e as obras de mobilidade não se concluiriam.

A Copa foi um sucesso (menos o 7 a 1 para a Alemanha), mas isso não impediu que Dilma fosse vaiada e xingada de vaca na cerimônia de abertura.

A presidenta vence o pleito de 2014, sendo reeleita.

Passado um ano sem que houvesse um dia sequer de trégua por parte da mídia e da oposição que querem sua cabeça a qualquer custo, assistimos enfim uma crise econômica se desenhando.

Rebaixamento da nota de investimentos do Brasil, aumento no desemprego para 8,3%, corte de recursos e aumento de inflação para 9% ao ano.

Para aqueles que desde o governo Fernando Henrique, há 13 anos atrás, não sabem o que é uma crise econômica, esta é a primeira.

Não há portanto como avaliar, simplesmente por falta de uma referência.

Isto poderia ser resolvido com simples pesquisas no Google, mas a preguiça é tanta que os jovens preferem hoje somente ler as manchetes dos jornais que, malandramente, escondem os dados que poderiam servir como comparação.

Pior, a mídia alardeia esta como sendo a pior crise de nossa História. O desemprego é o maior, a inflação a maior, assim por diante.

Se tomarmos como referência o próprio governo FHC, veremos que o Brasil naquela época foi ao FMI três vezes, o desemprego atingiu 15% e a inflação 12,5%.

Se formos mais para trás, no governo Sarney, embora o desemprego fosse baixo, 2,9%, a inflação chegou a insuportáveis 1764%! Dá para imaginar o que é uma crise de fato?

Voltando a Wagner, Lula e muitos outros, inclusive blogueiros de esquerda, que já criticaram a presidenta sobre o exagero nas desonerações, afirmo que estão entrando no jogo da mídia e da oposição que tenta desqualificar Dilma como se ela não fosse uma boa gerente.

A imprensa tenta desconstruir a imagem de boa gerente que a presidenta tem ao forçar a barra em questões como aquela da mandioca ou mesmo da acumulação de energia eólica que, como já vimos, têm explicações fora da caixinha da mídia.

Logicamente há que reconhecer que do ponto de vista político e de oratória ela é uma negação, mas sua qualidade justamente é ser uma boa técnica, haja vista sua atuação enquanto ministra de Minas e Energia no governo Lula.

Mas isso não é motivo para um golpe, como quer o derrotado Aécio Neves.

Política econômica não é uma ciência exata em que se pode prever os resultados de um equacionamento.

As variáveis são tantas, políticas, internacionais, estruturais, financeiras, que as melhores medidas a serem tomadas são aquelas que são tomadas no momento em que se precisa decidir.

E foi o que Dilma fez.

Afirmar, passados alguns anos, que ela errou é ser no mínimo leviano.

O mais honesto seria dizer que as medidas não surtiram o efeito esperado.

Um currículo não se destrói sorrateiramente.