sexta-feira, 8 de setembro de 2023

A utilidade e a ética da delação premiada

Por Fernando Castilho

Ilustração: Gustave Doré

Quando Mauro Cid delatar seus companheiros de crimes, os estará traindo. Na Divina Comédia de Dante Alighieri, vemos que está reservado o nono e último círculo do inferno aos traidores, portanto a traição seria o pecado mais grave de todos.


O tenente-coronel Mauro Cid decidiu, enfim, fazer delação premiada a ser avaliada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes.

A imprensa lavajatista agora nos alerta, cinicamente, para o risco de Moraes repetir as ações de Sergio Moro e Deltan Dallagnol.

Lembramos que Moro e Dallagnol espremiam prisioneiros até obterem a delação que almejavam. Foi assim com Leo Pinheiro, dono da OAS.

Pinheiro fora preso e, para poder sair precisava delatar Lula como proprietário do tríplex do Guarujá, porém, em seu depoimento, afirmou que o atual presidente não tinha nada a ver com o imóvel. Somente tinha ido visitá-lo, mas como não gostou, desistiu da intenção de compra.

Moro mandou Pinheiro para o xilindró de novo.

Meses depois, pressionado a delatar, Pinheiro, em novo depoimento, disse que Lula era o dono do apartamento sem apresentar uma única prova. Hoje sabemos que o empresário mentiu para sair do inferno da prisão.

Mas o que é, para nós, leigos em direito, o instituto da delação premiada?

Vamos começar pelos filósofos da corrente utilitarista, Jeremy Benthan e John Stuart Mill que pregavam que toda ação teria justificativa caso se destinassem ao bem-estar das partes afetadas, neste caso, a elucidação dos crimes.

Por este prisma, a delação premiada se justifica juridicamente porque pode ter o poder de jogar luz nos crimes praticados por uma quadrilha e prender seu possível líder, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Porém, na outra mão se encontra uma questão ética difícil de se aceitar.

Sempre ensinamos, ou devíamos ensinar, nossos filhos a serem éticos. Isso significa não ser dedo-duro, não trair a confiança de seus amigos. Muitos presos políticos dos tempos da ditadura, como Dilma Rousseff, por exemplo, sofreram torturas cruéis, mas nunca delataram seus companheiros. Isso é ser ético.

Quando Mauro Cid delatar seus companheiros de crimes, os estará traindo. Na Divina Comédia de Dante Alighieri, vemos que está reservado o nono e último círculo do inferno aos traidores, portanto a traição seria o pecado mais grave de todos.

Mas esse traidor será PREMIADO! Esta é a questão.

Alguém só delata seus companheiros se não for inocente, portanto, Cid é culpado. Portanto, Cid é bandido como os outros, mas poderá receber um prêmio: a redução de talvez dois terços de sua pena.

Uma sociedade que premia um bandido que ainda por cima trai seus companheiros de crime não pode ser dita como sã. Há problemas éticos insuperáveis nisso.

Mas voltemos a Benthan e Stuart Mill.

Embora antiética, essa delação, caso chegue ao mandante do crime e tenha o poder de puni-lo, será útil para toda a sociedade. Vamos dar o devido desconto a isso, então.

Porém, não será essa delação a condenar Jair Bolsonaro pelo seu crime maior, o de, por ação e omissão, ceifar as vidas de centenas de milhares de vítimas da Covid-19.

Para esse crime, como já afirmei antes, não há pena proporcional.

 

E você, o que acha?

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4 comentários:

  1. Negativo. Os crimes em que ele foi cúmplice interessado já é a traição a muitas coisas.
    Confissão é prova de arrependimento e aceitação da pena.
    Delação é risco grande que se corre. É o preço que se paga como parte da compensação devida pelo crime de traição à pátria, à sua instituição, ao dever e muitos outros etcéteras.
    Não esqueçam que criminosos e traidores da pátria, como seus mandantes, perdem o direito de querer qualquer atitude moral para eles mesmos, já que eles não concedem esse direito a ninguém mais.
    Me parece muito óbvia a questão e não vejo porque gerar polêmica sobre isso.
    O que o Brasil precisa agora é limpar o estado, que foi inundado de ratazanas roedoras e contaminantes . Não é o caso de ficar pensar se elas merecem alguma consideração humana, porque são desumanas.
    Além do mais, não se pode considerar uma quadrilha violenta como essa como sendo uma associação de amigos ou companheiros. Cada um entrou nessa pelo tanto que queria roubar, não "por nossa velha amizade construída com muita confiança". Até porque criminosos desse naipe não confiam em ninguém já que sabem que eles mesmos não merecem confiança alguma. Logo suas associações só poderão se dar através de corrupção, comprando todos os que puderem, que são exatamente como eles.

    Sabe, todos estão muito focados nessa questão do, digamos, evento bolsonaro, e não se dão conta de que o mais importante agora é se perguntar: O QUE POSSIBILITA QUE SEJAM ELEITOS TANTOS POLÍTICOS INCOMPETES, CORRUPTOS E ATÉ PSICOPATAS como é o caso bolsonaro?
    O fato é que o problema não é realmente o bolsonaro nem os corruptos. O problema é o que permite que eles sempre sejam eleitos.
    Eu sei a resposta. Fui profe de filosofía política 20 anos, investuguei a questão de muitas maneiras, cheguei a identificar todos os procedimentos, linguagem e etc dos políticos corruptos, incompetentes e agora bolsonaro me deu muito material para estudar os psicopatas.
    Até escrevi um ensaio sobre isso.
    Acho fundamental que se saiba isso. Porque o bolsonaro quase foi reeleito. Logo há uma massa que pode dar apoio a qualquer outro psicopata que não seja tão burro quanto ele.
    Então acho que agora o risco é ainda maior, mesmo que toda a quadrilha seja presa e apodreça na cadeia.
    Percebe?

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