domingo, 23 de janeiro de 2022

Cloroquina, temporada 2

Por Fernando Castilho


Quem diria que a cloroquina iria ter uma segunda temporada no Brasil, não?

A Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS), embora por votação apertada, decidiu o que todo o mundo  científico já apregoava, ou seja, a hidroxicloroquina, a ivermectina e demais medicamentos que compunham o chamado kit-covid distribuído amplamente pelo governo, são ineficazes contra o coronavírus ao passo que as vacinas têm sua eficácia comprovada.

Mas o Ministério da Saúde comandado por um médico negacionista inverteu a decisão da Conitec.

A primeira reação dos brasileiros foi a expressão “INACREDITÁVEL!”

Sim, é inacreditável, surreal, absurdo e todos os sinônimos que vêm à mente.

Mas será que é só isso?

O que pode estar por trás além da necessidade que o ministro Queiroga e seus asseclas têm de agradar ao Capitão Morte, custe as vidas que custar?

É fato que o governo fez grande distribuição dos medicamentos, inclusive para indígenas. E é fato, porém fora das estatísticas, que grande parte das pessoas que usaram esses medicamentos tiveram sequelas e algumas morreram. Outras, por não se vacinarem e confiarem cegamente na hidroxicloroquina prescrevida pelo presidente, contraíram o vírus e vieram a óbito. Novamente, não há estatísticas sobre isso, mas os números devem ser alarmantes.

Também se sabe que o governo e os militares possuem grande quantidades de medicamentos do kit-covid que não foram desovadas e certamente o TCU (Tribunal de Contas da União) questionará o presidente sobre isso.

É óbvio que a decisão do Ministério da Saúde não salvaguardará o governo de seus ilícitos, portanto, não adianta tentar se vacinar contra os processos que virão.

O povo brasileiro, de maneira geral, aprendeu que a vacinação está sendo a grande responsável pela grande redução do número de mortes de pessoas infectadas. Dificilmente se deixará seduzir pela cloroquina como fez no passado.

De qualquer forma, o capitão, faltando sete meses para as eleições, segue cerca de 16 pontos atrás de Lula e se mantém fiel a seu cercadinho, embora 86% da população seja favorável à vacinação de seus filhos.

Resta saber se ele tem uma carta na manga capaz de reverter os índices ou se estuda um outro tipo de saída.

O que sabemos com certeza é que as emas do Palácio do Alvorada continuarão a fugir de seu ocupante.



sábado, 22 de janeiro de 2022

Lula e Alckmin

Por Eliara Santana


Queridos, eu tenho visto o rebuliço, e algumas pessoas têm me chamado in box para conversar, aflitas que estão com o cenário e a possibilidade ou efetividade da chapa Lula-Alckmin. Eu gostaria então de fazer alguns comentários a partir de algumas coisas que tenho ouvido e lido. Já adianto – para evitar a falta de educação – que não estou me colocando como porta-voz de nenhuma verdade suprema, ok? São comentários, percepções que acho pertinente compartilhar para pensarmos o momento político desafiador desta enorme Nação.

A primeira questão para mim é que não se trata de um pleito apenas, não é uma disputa para ganhar uma eleição. A disputa, na minha compreensão, é para termos o poder e a chance de retomarmos o processo civilizatório no Brasil – o que o bolsonarismo fez em quatro anos é devastador, o país está fraturado, a economia em frangalhos, o tecido social totalmente esgarçado, a desigualdade aviltante. Além desse quadro perceptível, há ainda toda a articulação e consolidação de um projeto de poder de extrema-direita, em curso e com bastante grana, com suporte da interface entre sistema religioso e sistema midiático, que ancora esse ecossistema de desinformação.

Em segundo lugar, penso também que este pleito de 2022 é a possibilidade concreta de uma retomada significativa para o PT, Lula à frente, que, após mais de sete anos de muita pancada, tem a chance de novamente eleger um presidente da República, governadores de estado (com a chance de ganhar São Paulo) e bancadas de apoio no Legislativo.

E por mais críticas que tenhamos ao modus operandi do PT, às escolhas feitas, às jogadas incoerentes, de minha parte, eu reconheço que foi a mais exitosa experiência em termos de governos que colocaram o pobre no orçamento, que pensaram políticas públicas inclusivas, que dialogaram com os movimentos sociais e deram a eles condições de atuação, que pensaram que a educação deve ser, sim, para todos, que reconheceram direitos das minorias (socialmente colocadas nesse patamar) – mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros. Portanto, para mim, vale apostar de novo nessa experiência.

Em terceiro lugar, cabe indagar se o PT, mesmo com Lula muito à frente nas pesquisas, reconquistará o poder sem alianças com a centro-direita. Creio ser impossível neste momento. O Brasil é gigante, está fraturado, tem uma base grande conservadora. Se estivéssemos na Suécia, na Islândia, na Dinamarca ou na Finlândia, em condições normais de temperatura e pressão, ter uma chapa pura de esquerda raiz seria maravilhoso – Lula e Benedita, ou Lula e Jandira, ou Lula e Manuela… haveria muitas possibilidades incríveis.

Mas nós não estamos. Estamos no Brasil de Jair, o incomível, que detona a economia e não quer vacina para crianças. Estamos no país em que milhares de pessoas comem osso e pele de frango – quando podem pagar por isso. E antes que também me lembrem, nós não somos o Chile, nossa trajetória é bastante distinta, somos vários brasis aqui dentro.

Um quarto ponto é que precisamos minar as bases do bolsonarismo, essa doença de extrema-direta que vai perdurar mesmo sem Bolsonaro. Por isso, consolidar uma chapa que tenha condições de levar a disputa já no primeiro turno é muito importante. Pessoalmente, não gosto muito de Alckmin, tenho críticas à gestão dele, mas reconheço plenamente que ele não é uma figura política abjeta como Aécio Neves. Portanto, é sim um nome palatável. Ademais, ele não estando na disputa pelo Palácio Bandeirantes amplia muito a chance de Haddad levar em São Paulo. O que seria uma grande conquista.

O editorial de hoje do Estadão fala que Bolsonaro quer sangrar as contas públicas. Sim, ele quer e vai fazê-lo. Portanto, o Brasil deixado por Jair estará numa situação dificílima, e quem herdar esse espólio terá de se desdobrar. O ano de 2023 não será fácil – além de todas as gigantescas dificuldades, haverá uma expectativa gigantesca acumulada – os brasileiros querem pão, trabalho, alegria. Será preciso dar um choque de esperança para começar a governar.

Para mim, a única figura política simbólica capaz de fazer isso é o filho de dona Lindu. E se ele vem acompanhado de Alckmin, Angélica, Xuxa, Huck, Neymar ou Magazine Luiza pouco importa em termos do meu voto pessoal. Porque existe um programa, que já foi bem-sucedido e foi capaz de levar o Brasil a ser a sexta economia mundial e de possibilitar aos brasileiros de todas as cepas estudarem no exterior e fazerem churrasco no domingo (sim, houve problemas e falhas, como existe em várias configurações).

O meu desejo pujante é que Lula e o programa do PT sejam capazes de dar esse choque de esperança e que possam reafirmar com grandeza o compromisso de fazer com que as pessoas neste país voltem a ter três refeições por dia.

O resto se ajeita.




O que minha netinha teria a ensinar para Paulo Guedes



Por Fernando Castilho


A TV estava noticiando a tragédia de Brumadinho, quando a barragem da empresa mineradora Vale se rompeu causando mais de duzentas mortes ao longo do tempo.

A menina logo perguntou o que estava acontecendo.

Sophia, minha netinha, tinha apenas 5 anos à época.

Com muita paciência e procurando as palavras mais simples para lhe explicar, certamente perdi vários minutos, mas fui cada vez me sentindo mais encorajado a continuar porque ela foi ficando cada vez mais interessada.

Nos dias que se seguiram as notícias sobre Brumadinho continuavam. Invariavelmente Sophia parava imediatamente o que estava fazendo, ia para a frente da TV e ficava ali, parada, em pé, compenetrada, tentando compreender o que os narradores explicavam.

Hoje, com 8 anos, Sophia veio passar as férias em casa.

Durante o almoço contou que na escola municipal onde cursa o Fundamental I há crianças que às vezes não levam o lanchinho das 10:00 por suas mães não terem o que preparar.

A escola fornece uma espécie de complemento aos lanchinhos levados pelas crianças, geralmente salada e às vezes macarrão.

Sophia disse que costuma dividir sua merenda com a Tífani, uma das coleguinhas carentes. Revelou que as duas ficam muito felizes com isso. Para meu espanto, ela sabe a diferença entre estar sentindo fome e viver a fome.

Este texto não é para mostrar as qualidades de minha netinha, mas para falar sobre o que nossas crianças estão passando.

Provavelmente os pais de Tífani estão desempregados como milhões pelo país. Se estiverem, a probabilidade de que, se não conseguirem emprego logo, tenham que passar fome, entregar a casa onde moram e ir para a rua, no pior cenário, é alta.

Não há nada mais triste que isso.

E não há nada, absolutamente nada, que o governo esteja fazendo para resolver essa situação. Aliás, o ministro da Economia, Paulo Guedes ainda não voltou da férias e anda sumido. Ao contrário de Tífani e de Sophia, ele não tem a menor ideia do que é fome. Já chegou a defender  que se distribua restos de comida aos pobres, aquilo que antigamente chamávamos de lavagem. Isso num país que produz alimentos para todo o mundo.

Ah, mas Bolsonaro criou o Auxílio Brasil de 400 reais por família carente em substituição ao Bolsa Família, não é?

Sim, criou, mas somente neste ano eleitoral de 2022. Se vencer as eleições, provavelmente extinguirá o programa do qual é inimigo declarado (lembram de quanto ele execrava o Bolsa Família por considerar que o programa gerava vagabundos). Se perder, ficará para o próximo governante resolver sobre a continuidade ou não do auxílio.

O fato é que a economia está entregue aos cidadãos do país. Cada empresário que se vire. Cada empregado ou desempregado que se vire.

O Estado como instituição está totalmente ausente.

Não há uma política sequer de geração de empregos. Nada.

O pior é que assistimos a este estado de coisas inertes, como que paralisados diante das estupefações diárias a que somos expostos.

Felizmente, no momento em que escrevo, faltam 9 meses, cerca de 270 dias para voltarmos a ter esperança de que o Brasil, enfim, possa voltar a ser uma Nação e seu povo, alimentado.

Sophia ficará feliz, com certeza.

 

 


O bolsonarismo sem Bolsonaro



Por Fernando Castilho





O Capitão Morte, por sua estratégia de falar e fazer somente aquilo que os 30% do cercadinho querem dele, nos permite projetar que chegará às eleições com esse mesmo número ou até menos e será derrotado.


A mais nova pesquisa Poderdata mostrou que Lula está à frente com 42% e Bolsonaro com 28% das intenções de voto para as eleições presidenciais de 2022.

Já assimilamos tanto esses 28 a 30% com naturalidade que nem nos apercebemos mais o que esse número significa.

Por mais que o Capitão Morte tenha sabotado a compra de vacinas sendo responsável indireto pela morte estimada de pelo menos 400 mil pessoas, tentado dar um golpe no 7 de setembro, agido para protelar a vacinação de crianças, usado dinheiro público para se esbaldar por duas semanas enquanto a Bahia e Minas Gerais enfrentavam o caos com as enchentes que desabrigaram mais de 600 mil pessoas, a verdade é que ainda há cerca de 30% de pessoas que aprovam seus mal feitos e votariam de novo nele em 2022. Isso representa cerca de 44 milhões de eleitores!

Recentemente a Folha publicou um artigo de Antônio Risério que falava de um tal racismo reverso que, segundo ele, existe no Brasil. Algo como um branco ser abordado e espancado por um grupo de PMs negros ou um branco ser vigiado desde sua entrada num supermercado ou um shopping até sua saída. Pode ser que Risério não seja bolsonarista, mas a maneira como ele entende o racismo é. Portanto, existe bolsonarismo sem Bolsonaro.

Há no Brasil (e também no resto do mundo) um certo contingente de pessoas contrárias à vacina e, mais ainda, à vacinação de crianças. O que isso tem a ver com conservadorismo e ideologia de extrema-direita? Aparentemente nada, mas 100% dessas pessoas votam em Bolsonaro e o chamam de mito.

O Capitão Morte, por sua estratégia de falar e fazer somente aquilo que os 30% do cercadinho querem dele, nos permite projetar que chegará às eleições com esse mesmo número ou até menos e será derrotado.

Certamente festejaremos a saída do pior presidente que o Brasil já teve, mas temos que admitir que o bolsonarismo veio pra ficar e poderá aflorar novamente caso apareça algum outro líder para preencher o espaço deixado vazio. Foi assim com o fascismo e o nazismo, mesmo após sete décadas sem Mussolini e Hitler.

Definitivamente aquelas pessoas com as quais convivíamos em alegres churrascos aos domingos, que faziam piadas homofóbicas e racistas e que hoje são bolsonaristas, não voltarão mais a nos ser próximas.

Bolsonaro pelo menos teve o mérito de explicitar a nossos olhos que estávamos dormindo com o inimigo.

           

 


sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

O Planeta Fome



Por Elza Soares


Um dia descobri que cantava.

O meu filho mais velho João Carlos estava morrendo e eu já tinha perdido 2 filhos e não queria perder mais um.

Eu não tinha dinheiro pra cuidar do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros Nota 5, estava com o prêmio acumulado. Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse prêmio!

Fiz a inscrição e me avisaram que eu precisava ir bonita. Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada! Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60kg e vesti, só que eu pesava 32kg, já viu né? Ajustei com alfinetes. Tudo bem que agora é moda ne? Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu? Alfinetes na roupa é muito meu, é coisa de Elza!

No pé coloquei uma sandália que a gente chamava de “mamãe tô na merda”, e fui!

Quando me chamaram, levantei e entrei no palco do auditório. O auditório tava lotado, todo mundo começou a rir alto debochando de mim

Seu Ary me chamou e perguntou:

_ O que você veio fazer aqui?

_ Eu vim Cantar!

_ Me diz uma coisa, de que planeta você veio?

_ Do mesmo planeta seu Seu Ary.

_ E qual é o meu planeta?

_ PLANETA FOME!

Ali, todo mundo que estava rindo viu que a coisa era séria e sentaram bem quietinhos.

Cantei a música Lama.

O Gongo não soou e eu ganhei, levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus!

De lá pra cá, sempre levo comigo um Alfinete.

Naquela época eu achava que se tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome. O tempo passou e eu continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim.

Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência.




A mãe do capitão

Por Fernando Castilho


"Com pesar o passamento da minha querida mãe. Que Deus a acolha em sua infinita bondade."

Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro reagiu nas redes sociais ao ser informado do falecimento de sua mãe, Olinda Bolsonaro.

Ela estava com 94 anos e não reconhecia mais seus filhos.

O Capitão Morte visitou sua mãe pela última vez em agosto do ano passado e, durante seus dias de folga remunerados ilegalmente, pois não passou o cargo para seu vice, Hamilton Mourão, não se dignou a dar uma passadinha para ver como ela estava. Preferiu se esbaldar em pescarias, jet-ski e cavalos de pau.

Na segunda-feira, graças a complicações na saúde já debilitada, dona Olinda foi internada às pressas no hospital de Registro, distante de sua cidade, Eldorado.

Na quinta-feira Bolsonaro embarcou para o Suriname para discutir acordos de cooperação com um país que tem nada ou quase nada a oferecer ao Brasil com seu PIB equivalente à metade do PIB do estado de Roraima (3,8 bilhões). A viagem funciona mais como um passeio pago pelo contribuinte.

Portanto, ao embarcar, o capitão já sabia das complicações de saúde de sua mãe, mas como empatia não é seu forte, manteve a inútil viagem.

Hoje foi às redes sociais proferir a frase inicial deste texto.

A Folha reproduziu as mensagens de vários políticos ligados a Bolsonaro, inclusive seus filhos. Todas tinham conteúdo maior que a do presidente.

É de se estranhar que a Folha e, por enquanto, nenhum de seus colunistas, esboçou sequer um pequeno comentário sobre a atitude fria do capitão em relação à sua mãe. Atualmente a grande mídia parece estar poupando o presidente de críticas, afinal, se a terceira via não vier, talvez para ela ele seja um mal a suportar por mais quatro anos.

Bolsonaro volta hoje para o funeral.



 


quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A Copa que não comemorei

 Por Elza Soares




Além de ter sido um período muito difícil para o Brasil, a ditadura militar foi quando tive minha casa metralhada. Estávamos todos lá: eu, Garrincha e meus filhos. Os caras entraram, metralharam tudo e nunca soube o motivo.

Era 1970, já tínhamos recebido telefonemas e cartas anônimas, nos sentíamos ameaçados e deixamos o país. Acredito que fizeram isso por conta do Garrincha, mas também por mim, pois eu era muito inflamada e então, como ainda hoje, de falar o que penso. Eu andava muito com o Geraldo Vandré e devem ter pensado que eu estava envolvida com política. Mas eu sou uma operária da música, e qual é o operário que não se revolta?

Fomos para Roma, e lá o Garrincha, que não tinha sido convocado para aquela Copa, estava em desespero por não estar jogando e por não ter onde morar. Estávamos num hotel, vendo o Brasil ser campeão. Foi quando o Juca Chaves foi comemorar na Piazza Navona, onde fica a embaixada brasileira.

Estávamos trancados dentro de um apartamento, e o Garrincha queria sair de qualquer maneira: queria participar da festa, mas ao mesmo tempo estava altamente deprimido. Ele perdeu a casa, teve de deixar o país e não sabíamos como voltar.

Enquanto se celebrava o fato de o país se tornar o primeiro tricampeão na história da Copa do Mundo, o Brasil fazia barbaridades com sua população. O Garrincha sentia um misto de alegria e dor, porque ele queria comemorar, mas, ao mesmo tempo, sentia repulsa por tudo que nos havia acontecido.

Imagine o que é para um homem que, para mim, está acima de qualquer nome no futebol brasileiro, ser mandado embora do país. Isso já é tenebroso, vergonhoso; imagine então esse homem vendo aquela conquista, confinado numa selva de pedra, no exterior, sem entender nada, sem saber o que havia acontecido com nossa casa.

Aquela foi a época em que ele mais bebeu, e não saía de casa, pois tinha vergonha de aparecer embriagado. Eu fazia de tudo para ele não beber, mas não adiantava.

Era tão grande a minha angústia que eu tinha vontade de invadir a embaixada brasileira em Roma. Mas segurei a onda. Continuamos vivendo num hotel e tivemos grande ajuda de Chico Buarque e Marieta. Eles tinham se exilado na cidade e foram dois amigos de alma.

Ali eu tive um bom empresário, trabalhei muito e fui ganhando o dinheiro com o qual pagava todas as contas. Durante um jantar, conheci Ella Fitzgerald, que estava fazendo shows com repertório de bossa nova e teve um problema de saúde. Eu acabei substituindo-a.

Mas, quando descobriram que eu estava trabalhando na Itália sem documentação, tivemos de sair de Roma -então fomos para Portugal por um tempo.

Um dia, estávamos no Cassino Estoril, perto de Lisboa, e encontramos o apresentador Flávio Cavalcanti e o Maurício Sherman, que dirigia um programa na TV Tupi. Eles deram ao Garrincha uma camisa do Brasil, querendo homenageá-lo -mas quem queria camisa da seleção naquela altura?

"Obrigado o..., cadê minha casa, cadê minha moradia? Já vesti a camisa do Brasil anteriormente, já dei tudo que eu poderia ter dado ao Brasil", ele disse.

Passados 50 anos do golpe, ninguém jamais tomou nenhuma atitude sobre o que nos aconteceu naquele 1970, e eu continuo brigando pelo Mané, até hoje.

Quando eu canto "Meu Guri", canto com muita força, e essa é uma maneira que eu tenho de cantar uma música do Chico, mas homenageando o Mané. Eles são os dois guris de "my life".


A terceira via e a fome

 Por Fernando Castilho


Nossa grande imprensa é incrivelmente hipócrita e cara-de-pau.

Durante os governos FHC, Veja, IstoÉ, Folha, Estadão e Globo faziam matérias o tempo todo denunciando a fome e a enorme desigualdade social no Brasil.

Lula entrou em 2003 e imediatamente começou a combater a fome, afinal, havia prometido que nenhuma família iria ficar sem três refeições diárias.

E cumpriu! O Brasil saiu do mapa da fome da ONU e 35 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza.

Qual o destaque? Praticamente nenhum.

Os feitos de Lula e Dilma foram solenemente ignorados pelos grandes veículos da imprensa.

Durante o segundo governo Dilma, interrompido por um golpe de estado levado a efeito pelas tradicionais oligarquias do país, atingimos o pleno emprego, mas a mídia, mais uma vez, preferiu ignorar isso.

Agora, durante o desastroso governo do capitão morte, a grande imprensa volta a fazer matérias contra a fome, mostrando-se indignada ao ver nossos irmãos tendo que comer restos para sobreviver.

Mas de Lula não querem nem ouvir falar. Preferem buscar freneticamente uma terceira via, algum candidato de direita, como se esses fossem mover uma palha para alimentar os brasileiros famintos.

Ou alguém acredita que Moro esteja preocupado com isso?

As recentes pesquisas demonstram que a maioria da população acredita que o único candidato que realmente se preocupa com a fome no Brasil é Lula.




Minha bandeira

Por Fernando Castilho


Caminhando pelo meu bairro, constatei que algumas casas ostentam a bandeira do Brasil em suas janelas ou varandas.

Ao voltar pra casa, passei a refletir sobre isso.

Há alguns anos minha impressão sobre isso seria de que esses moradores certamente são patriotas e amam o Brasil.

Porém, é preciso lembrar que o Brasil não é uma porção de terra, um território, somente. O Brasil é o povo que nele habita. Com sua cultura, sua diversidade e sua enorme desigualdade social.

O Brasil, mais do que nunca, hoje é um povo sem emprego, passando fome, cozinhando o pouco que tem com lenha e sem futuro.

Tenho certeza de que as pessoas que exibem essas bandeiras de maneira tão ilegítima não são patriotas. Não amam e nem se preocupam com os mais desvalidos. Pior, não hesitam em vender o país para os americanos do norte.

Com toda a sinceridade de quem deixou a bandeira de lado, sinto hoje ojeriza por essas pessoas.

Sonho com o dia em que possamos vestir o verde e amarelo naturalmente pelas ruas sem que hajam manifestações pelo fim da democracia.

Sonho com o dia em que voltemos a enaltecer o significado das cores de nossa bandeira, orgulhosos de que estejam realmente em sintonia com a preservação de nosso meio-ambiente.

Verde, amarelo, azul e branco.




Lula

Por Luiz Marques


Comentário sobre a biografia recém-lançada por Fernando Moraes do líder político brasileiro

Em um conto de Jorge Luis Borges, O imortal, o autor observa: “Com exceção do homem, todas as criaturas são imortais, pois ignoram a morte. Tudo, dentre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perigoso. Dentre os imortais, de outro lado, nada é preciosamente precário”. A imortalidade não estaria ao alcance dos seres humanos. Para os solipsistas só o que existe é o eu e suas sensações imediatas. Se o eu morre, o que era sólido desmancha no ar e se mistura ao pó. Adeus imortalidade.

No entanto, existem causas que conferem uma aura transcendental aos indivíduos por expressar uma vontade de emancipação coletiva. A luta contra o patriarcado (sexismo), o colonialismo (racismo) e as desigualdades sociais rompe os grilhões do individualismo. A luta que articula esse conjunto de ideias é o que alça Lula à imortalidade, no panteão da humanidade. Tem sentido filosófico o desabafo: “Eles tentaram matar uma ideia, e ideia não se mata”. Vero.

Fernando Morais tem o carisma da prosa (Olga, Chatô, O Mago), que descreve os fatos enquanto comove os corações. O volume 1 da “primeira biografia de vulto” sobre Lula é de leitura fácil e atraente. Lê-se como um romance, ansiando pelo segundo volume. Gramsci dizia que é impossível escrever a história de um partido, sem ao mesmo tempo escrever a história do país. Parafraseando-o, podemos dizer que se debruçar sobre a personagem encarnada por Lula é redescobrir a história do Brasil nas últimas cinco décadas. Fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Lula se singularizou como um “intelectual (não-convencional) orgânico” das classes laboriosas. Construiu uma “nova visão” teórico-organizativa sobre as relações do capital e do trabalho, com uma excepcional e apurada “intuição programática”, na acepção gramsciana .

A obra começa com a narrativa sobre a injusta prisão do líder popular. Menciona a vergonhosa sentença condenatória de Sérgio Moro, com mais de duzentas páginas e sem uma mísera prova contra Lula no affaire do Triplex, o conluio com a força tarefa da Lava Jato chefiada por Deltan Dallagnol e o tempo recorde da confirmação da penalidade pelo Tribunal Regional Federal (TRF-4), sediado em Porto Alegre. O calhamaço fazia crer uma coleção de “provas robustas”. A mise-en-scène provinciana maculou o Judiciário e o Ministério Público (MP). As revelações da Vaza Jato, sim, reuniram um cabedal de provas contrárias a urdidura que sequestrou a soberania do eleitorado nas eleições de 2018. Para fechar a encenação sórdida, o ex-juiz integrou o ministério de Jair Bolsonaro. Que a figura repulsiva, julgada incompetente e suspeita pelo Superior Tribunal Federal (STF), tenha o desplante de candidatar-se agora afronta a decência mínima.

Na sequência, a obra mostra a semelhança das estratégias eleitorais ancoradas em fake news, distribuídas a milhões de incautos em segmentos sociais específicos. A regra era não ter escrúpulos em espalhar mentiras. A intenção não era divulgar um programa, mas manipular o medo dos setores conservadores frente aos vetores civilizatórios da modernidade: respeito às diferenças e aos direitos das mulheres, dos negros e negras, dos grupos LGBTQIA+, dos povos originários e da biodiversidade. Fica-se conhecendo o papel do marqueteiro, Steve Bannon, na campanha de Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil. Bannon “dirigia o site Breitbart News de extrema-direita financiado e difundido por supremacistas brancos, neonazistas, antissemitas, nacionalistas radicais” (p. 132).

Quando o ex-presidente saiu do cárcere injusto, foi até à Vigília instalada defronte o prédio da Polícia Federal, em Curitiba. “Todo santo dia vocês eram o alimento da democracia que eu precisava para resistir à safadeza e à canalhice que o lado podre do Estado brasileiro fez comigo e com a sociedade brasileira”. Para não dizer que não falou do amor, emendou: “Quero lhes apresentar minha futura companheira. Vocês sabem, consegui a proeza de – preso – arrumar uma namorada e ainda ela aceitar casar comigo”. Aos apelos “beija, beija”, retrucou com “um beijo cinematográfico em Janja” (p. 165).

Morais não segue a ordem cronológica dos eventos, uma opção literária que conferiu dinâmica para acontecimentos, sob vários aspectos, já conhecidos. Ao recordar a primeira prisão de Lula, quando encabeçava massivas greves (1978-79-80) no centro industrial mais avançado do país, o ABC paulista, pinça um episódio que mostra a maturidade do dirigente sindical em uma região conflagrada, que fazia assembleias com cem mil participantes. Lula e membros da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, durante os movimentos paredistas, eram seguidos de forma ostensiva por agentes a mando do comandante do II Exército/SP. “Um dia apareceram uns companheiros propondo um grupo de quarenta peões. Eles pegariam um balde de gasolina, viriam por trás da viatura, despejariam o combustível sobre ela e meteriam fogo, com os tiras dentro. Eu achei que era uma loucura e não deixei fazerem isso” (p. 169). Uma forte eletricidade pairava na conjuntura.

O movimento recebeu auxílio do exterior. “No auge da greve, dois jovens interioranos, um baixinho paranaense e um gaúcho, metalúrgicos ligados à Pastoral Operária, faziam um giro pela Europa, destacados pela Igreja para participarem de cursos e estágios em sindicatos e organizações sociais. O objetivo era aprender como consolidar as comissões de fábrica, uma extensão do sindicato dentro do local de trabalho. Em Paris, foram incumbidos de uma tarefa política. Entregar à Diocese de Santo André um envelope pardo e razoavelmente gordo, com dólares (cerca de R$ 340 mil em 2021) doados pela Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT).

O dinheiro chegou intacto às mãos de d. Cláudio Hummes (hoje um dos principais assessores do Papa Francisco). A inesperada contribuição era tão generosa que o bispo chamou Lula à matriz para receber pessoalmente a valiosa ajuda. Trêmulos ao ver o ídolo de perto, nenhum poderia imaginar que seria ministro daquele barbudo descabelado. D. Cláudio anunciou: Lula, este garoto é o Miguel Rossetto, de São Leopoldo, e o colega dele é o Gilberto Carvalho, de Londrina” (p. 178). Igrejas de diversos países e inclusive dos EUA recolhiam os donativos.

Tendo um irmão, Frei Chico, que pertencia ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), e fora torturado nos porões do Doi-Codi, Lula sentiu um temor no momento em que foi feito prisioneiro, cercado por policiais armados. Barrington Moore, em Moral purity and persecution in history (Princeton), comparou os modos de perseguição – incluindo os que levavam à tortura e à morte – por motivos religiosos, políticos ou econômicos daqueles que eram considerados uma fonte ameaçadora de impureza ou poluição, a partir do Antigo Testamento, guerras de religião em França na segunda metade do século XVI, Revolução Francesa, impuros na Índia. A perseguição foi a norma sob as truculentas ditaduras militares na América Latina, no período. Todos tinham ciência das covardias cometidas. O temor decorria da intolerância e brutalidade do regime de caserna.

O cardeal d. Paulo Evaristo Arns, acusado de instigar a célebre greve, propôs três pontos para resolver o conflito: (a) reabertura do estádio de Vila Euclides; (b) libertação dos presos e; (c) um encontro entre representantes dos trabalhadores e dos empresários. “O que queremos é um diálogo com dignidade, para que os operários voltem com alegria e não humilhados sobre as máquinas tão duras” (p. 189-90). O arauto religioso, que abrigou o levantamento sobre as sevícias oficiais aos opositores, em Brasil: Nunca Mais (Vozes), estimulado pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo, ao sublinhar a relevância da dignidade exprimia a dimensão moral da saga dos oprimidos.

As pesquisas de E. P. Thompson, “A história vista de baixo”, em As peculiaridades dos ingleses e outros artigos (Unicamp), e de Jessé Souza, em Como o racismo criou o Brasil (Estação Brasil), revelam que “o sentimento cotidiano de ausência de dignidade e a sensação de não ser tratado como ‘gente’ têm um papel central na compreensão da experiência subjetiva da humilhação social entre os marginalizados e excluídos”. Por esta via, aqueles são interpeláveis nos hemisférios Norte e Sul.

Morais aborda a infância de Lula repleta de enormes dificuldades materiais. Proveniente de uma família desestruturada, em que o pai mantinha uma relação de “crueldade com os filhos”, teve na mãe dona Lindu a constituinte ética na formação dos valores morais do futuro mandatário da República. “Eu sei o que é morar no fundo de um bar, tendo que usar banheiro em que um bêbado tinha acabado de vomitar na pia, cagar num pedaço de jornal. Era aquele banheiro que a gente utilizava… No quarto dormiam minha mãe, duas irmãs e eu, que era o caçulinha e podia dormir junto com as mulheres. Na cozinha, em caminhas de abrir, dormiam sete ou oito” (p. 210). Triste vida de retirante.

Dona Lindu esbanjava empatia. “Se alguém batesse palmas no portão pedindo comida, ela convidava a pessoa, por mais maltrapilha que estivesse, a entrar em casa, sentar-se à mesa e comer com os demais. Sentar significava acomodar-se num caixote ou banquinho” (p. 211). Coisas do tipo forneceram lições de solidariedade ao menino que crescia na pobreza. As precárias condições levaram a que mudassem de endereço.

Os ganhos dos Silva iam para um caixa comum, controlado pela matriarca. “Muitos anos depois, Lula diria – candidamente – que o Orçamento adotado no seu governo para tentar diminuir as iniquidades sociais não viera de nenhum compêndio de pós-doutores ou PhDs em Economia, mas da forma como sua mãe (que nunca soube ler ou escrever) administrava a receita e as despesas de uma família pobre. Os reembolsos não eram proporcionais à contribuição, mas às necessidade de cada um”. Traduziam em essência o lema socialista: “De cada um segundo sua capacidade, a cada qual segundo as suas necessidades” (p. 228). Inteligente é quem sabe aprender com a experiência.

As tentações à honestidade – uma prosaica maçã. “Uma vez por semana, no caminho entre a escola e a casa, ele passava em frente a barraca de um feirante que vendia maçãs argentinas – embaladas uma a uma em papel de seda azulado, onde se podia ler, impressa, a origem da fruta (o Brasil só se tornaria produtor dez anos depois). Lula sabia que bastava esticar a mão para pegar uma sem que o dono visse. O risco era que fosse obrigado a devolver a fruta. Mas na hora do bote o espectro de dona Lindu baixava em sua consciência e ele desistia” (p. 214). Nas vezes em que o tio Odorico pedia-lhe para tomar conta do balcão do bar, Lula tinha comichões diante do pote cheio de chicletes Ping-Pong. “O estoicismo que impedia o adolescente de surrupiar um, apenas um chiclete, não era por receio de ser flagrado, era pela vergonha de um dia a mãe saber que ele houvesse se apropriado de algo que não lhe pertencia” (idem). A genitora assumira a função de superego.

Entende-se que, com extração social nas classes subalternizadas, reputasse a aprovação no teste para o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai), instituição mantida por uma fatia de 2,5% das folhas de pagamento das indústrias para trabalhadores técnicos como o paraíso. “O Senai foi a melhor coisa que aconteceu. Eu fui o primeiro filho da minha mãe a ganhar mais que o salário mínimo, o primeiro a ter uma casa, o primeiro a ter um carro, o primeiro a ter uma televisão, o primeiro a ter uma geladeira. Tudo por conta dessa profissão. Acho que foi a primeira vez que eu tive contato com a cidadania”. Mais tarde, no Palácio do Planalto, interpretaria: “Nós não éramos simples torneiros mecânicos. Éramos artistas que transformavam um pedaço de ferro em obra de arte” (p. 217).

Lula então não tinha muita informação sobre o que sucedia no continente latino-americano. No jornal Diário da Noite escavava notícias sobre o Corinthians. “Sua alienação podia ser medida pelo fato de, mesmo apoiando os militares, alimentar silenciosa admiração pelos nomes dos ex-governadores Leonel Brizola e Miguel Arraes, inimigos jurados do novo regime, que despachara ambos para o exílio” (p. 225). A consciência de classe surgiria com a participação ativa nas lutas e greves do operariado brasileiro.

A época era de aparente cisão nas Forças Armadas entre as linhas branda de Ernesto Geisel e, dura, de Sílvio Frota e Ednardo D’Ávila Melo. Com a repressão fora de controle foram assassinados o metalúrgico Manuel Fiel Filhao e o jornalista Vladimir Herzog. Posteriormente, documentos mostraram não haver diferença de natureza entre as alas “moderada” e a “tigrada” ultradireitista, como se supôs nos anos de chumbo. De forma gradativa e definitiva, o economicismo cedia à dialética do classismo.

No sindicato, Lula bancou as mobilizações pela reposição de 34,1%. Os dados sobre a inflação tinham sido manipulados, graças a uma artimanha sob a batuta do ministro da Fazenda, Delfim Neto. O prejuízo precisava ser reparado. “Não vamos entrar com processo (jurídico). Vamos recuperar as perdas ao longo do tempo, com campanhas salariais” (p. 270). Se a batalha foi perdida, a organização sindical amplificou-se em empresas como a Volks, a Scania, a Ford. Despontava o “novo sindicalismo”, dito “autêntico”. O 1° de Maio comemorado com quermesses e atividades recreativas passou a ser preparado com um mês de antecedência, “com sessões de cinema e peças de teatro, tudo seguido de debates e discussões sobre a temática exibida” (p. 294). Ideias afloravam.

Os ganhos não eram computados apenas com a régua dos reajustes econômicos. Interessava o saldo político-organizacional. “Fomos ganhando força, conquistando liberdade de atuação dentro das empresas. Daquele jeito, em um ano estaríamos controlando as fábricas. ‘Lugar de diretor não é no sindicato, mas na fábrica’, virou um refrão. Desde as greves de 1968 em Contagem/MG e em Osasco/SP, esta liderada pelo jovem metalúrgico de vinte anos José Ibrahim, ligado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), ocasião em que quatrocentos trabalhadores foram presos, não se viam agitações tamanhas nas portas de fábricas” (p. 311). O Sudeste desenvolvido se convertia num barril de pólvora.

Sintomaticamente, o capítulo 13 tem como chamada: “Após passar anos excomungando a classe política, Lula começa a preparar o caminho para criar o PT”. O cap. 14 se ocupa da abertura política e dos estertores da ditadura. O cap. 15 da fundação do PT. Para uns, Sérgio Buarque de Holanda foi o primeiro intelectual a se colocar favoravelmente à iniciativa petista. Para Morais, contudo, “o número um do mundo acadêmico a aderir ao partido do Lula foi o crítico de arte (e trotskista) Mário Pedrosa” (p. 348). A ficha um do PT foi assinada por um revolucionário histórico, o velho Apolônio de Carvalho, herói da Resistência Francesa e das Brigadas Internacionalistas que lutaram contra o fascismo na Guerra Civil Espanhola. Homenagem merecida à práxis política, em qualquer quadrante.

O derradeiro cap. 17 remete à injeção de ânimo que Fidel deu em Lula depois da sua derrota nas eleições para governador de São Paulo, em 1982. Lula obteve 1, 2 milhão de votos, uma proeza. Um apêndice sobre “o comportamento dos grandes veículos de comunicação na guerra contra Lula e seu partido” é anexado ao final. É um privilégio ser contemporâneo de um expoente público tão singular da história nacional e internacional, que caminha a passos largos para governar pela terceira vez o Brasil. Valeu, Fernando.


Luiz Marques é professor de ciência política na UFRGS. Foi secretário estadual de cultura do Rio Grande do Sul no governo Olívio Dutra.



 


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Este planeta azul

Por Fernando Castilho


Em setembro de 1977, a Agência Espacial norte-americana, NASA, lançou uma espaçonave não tripulada chamada Voyager 1, irmã da Voyager 2, com a missão de estudar o Sistema Solar exterior e, caso tudo desse certo, numa ousadia sem precedentes, deixar nosso sistema e se lançar ao espaço desconhecido. Embora desprovida da tecnologia digital atual, a Voyager 1 foi a primeira sonda espacial a fornecer imagens detalhadas de Júpiter, Saturno e suas principais luas.

Os cientistas inicialmente esperavam somente que a Voyager 1 alcançasse Saturno, mas Carl Sagan, uma das mentes mais brilhantes de nosso planeta, sugeriu que a nave voltasse suas câmeras para a distante Terra e a fotografasse, num lance de ousadia que deixou os astrônomos da NASA surpresos e, ao mesmo tempo, curiosos.

Logicamente, tanto os cientistas quanto Carl Sagan sabiam que o tamanho com o qual a Terra apareceria na foto seria praticamente insignificante, mas mesmo assim, prosseguiram no feito, pois nós humanos poderíamos ter uma ideia das dimensões dos planetas e de nossa pequenez diante do nosso sistema solar.

Havia o risco de que, ao assestar suas câmeras para trás, todo o sistema da nave fosse comprometido, por isso a decisão demorou a ser tomada.

Mas somos humanos e nossa curiosidade vence nossa prudência muitas vezes, por isso, a autorização foi dada e pudemos ver, enfim, uma das grandes obras da humanidade e de Carl Sagan que batizou a foto de Pálido Ponto Azul.

Quando olhamos para aquele pequeníssimo pixel solto no espaço negro não conseguimos enxergar que dentro dele cabem impérios que cometeram inúmeros genocídios, duas guerras mundiais que mataram milhões de pessoas, duas bombas atômicas que destruíram duas cidades, a luta incessante pelo poder, milhões de pessoas morrendo de fome, a desigualdade social, a discriminação entre os seres humanos, uma imensa floresta sendo desmatada, o clima sendo alterado pela ação de uma espécie...

Nesse pontinho azulado cabem também uma flora e uma fauna exuberantes com toda sua diversidade, culturas ricas de povos diferentes, invenções humanas como a matemática e a poesia, a arte em todas as suas formas, o amor, a paixão, a curiosidade que impulsiona uma espécie para sua evolução e a Ciência.

Sem perspectivas imediatas para prosseguir na construção da saga humana em outro planeta que não seja o nosso, esse pequenino pálido ponto azul é nossa morada e dele devemos cuidar. Essa é a responsabilidade que a evolução nos delegou.