quinta-feira, 23 de março de 2023

Thomas Hobbes e a fala de Moro no Senado

Por Fernando Castilho

Imagem: detalhe da capa de Leviatã


"se eles vêm para cima com uma faca, a gente tem que usar um revólver. Se eles usam um revólver, nós temos que ter uma metralhadora. Se eles têm metralhadora, nós temos que ter um tanque.” (Sergio Moro)


Thomas Hobbes, o autor de Leviatã (1651), deu um pulo dentro de seu caixão, o que lhe rendeu um galo na cabeça.

Hobbes, em sua obra, descreve o surgimento do Estado e a necessária criação de um governo.

Há milhares de anos, quando o ser humano começou a deixar a vida nômade para se fixar em terras férteis, plantando e criando animais para sua subsistência, despertou a cobiça pelos bens que começava a acumular.

O medo de ser morto por alguém mais forte, mais bem armado ou mais inteligente era a tônica do período, pois sempre havia alguém de olho na terra que ele cercou para si e sua família. E quando havia o roubo de um animal ou o assassinato do dono da terra, a vingança quase sempre era desproporcional.

É o que Hobbes chama de guerra de todos contra todos.

Para que se conseguisse mais tranquilidade para as pessoas viverem, foi preciso que abrissem mão de parte de sua liberdade para delegarem-na a uma instituição criada para pôr ordem na casa, chamada de Estado.

O Estado, chamado por Hobbes de Leviatã, passou a criar leis e punir infratores. Um rei foi escolhido entre os proprietários de terras para governar e fazer o Estado funcionar.

Feito este preâmbulo muito raso sobre a obra, vamos falar sobre o motivo do galo na cabeça de Thomas Hobbes.

Na última quarta-feira, 22, o ex-juiz, ex-ministro, ex-sócio-diretor da empresa Alvarez & Marsal e atual senador da República, Sergio Moro, em discurso na tribuna do Senado, fez a seguinte afirmação: "se eles vêm para cima com uma faca, a gente tem que usar um revólver. Se eles usam um revólver, nós temos que ter uma metralhadora. Se eles têm metralhadora, nós temos que ter um tanque.”

Ora, Moro acabou de abolir o Estado!

Não, amigo leitor, o senador não é anarquista. Ele ainda vive no período da história pré-Estado.

Se Bolsonaro tentava nos impor uma agenda medieval, Moro defende uma agenda milhares de anos anterior.

Aliás, vem à lembrança uma cena do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida em que o herói se depara com um homem vestido de preto exibindo suas habilidades com uma espada.

Irritado e sem paciência, Indiana tira uma arma e mata o adversário com um único tiro. Revólver contra espada, certo, Moro?

Chama muito a atenção uma pessoa que passou num concurso para ser juiz, desconhecer a origem do Estado que, com certeza, é matéria nas faculdades de direito de qualquer país.

Ao fazer esse tipo de afirmação, agora do alto de seu importante cargo de senador, percebemos o quanto esse homem é medíocre, despreparado e desavergonhado.

A prevalecerem as ideias do ex-juiz, teríamos de volta a guerra de todos contra todos e ele seria um daqueles que não conseguiria dormir por medo de que alguém invadisse sua casa e o matasse e a sua família.

Talvez o próprio PCC.


quarta-feira, 22 de março de 2023

Os Bolsonaros em todo lugar ao mesmo tempo

Por Fernando Castilho



Com o cerco se fechando em torno do pai, Jair Messias, o senador percebeu que seria o momento adequado para apresentar uma versão bem universo paralelo sobre as joias trazidas para o Brasil ilegalmente.


Os diretores de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, Dan Kwan e Daniel Scheinert teriam se inspirado no bolsonarismo para fazer o filme que transita por multiversos? Poderiam ter utilizado o ex-presidente Jair Bolsonaro como ator principal, em vez de Michelle Yeoh? Ganhariam o Oscar de melhor história e roteiro com a temática bolsonarista? O senador Flávio Bolsonaro e seus irmãos venceriam como melhores coadjuvantes? E se vencessem, trariam a estatueta para o acervo privado de Jair?

Vejam como o bolsonarismo se encontra num outro universo e numa outra dimensão.

Flávio, o 01, concedeu rara entrevista à Folha de São Paulo nesta segunda (20).

Com o cerco se fechando em torno do pai, Jair Messias, o senador percebeu que seria o momento adequado para apresentar uma versão bem universo paralelo sobre as joias trazidas para o Brasil ilegalmente.

A Folha inicia a entrevista perguntando por que os presentes não foram declarados, ao que Flávio candidamente responde que não tem muito o que falar porque os mimos vieram lacrados e que não houve má-fé em entrar com eles no país sem declará-los. Se houvesse, não iriam passar pelo raio-x da Receita.

Ora, senador, ficou claríssimo pelas imagens das câmeras de segurança que havia dois pacotes, cada um em uma mala. Um passou sem ser incomodado e o outro, o de 16,5 milhões, foi pego na malha fina. Aliás, é justamente porque o ex-ministro Bento Albuquerque não era nenhum mané nessa prática, que dividiu os presentes nas duas malas. Se um é pego, o outro passa.

À maioria das perguntas dos repórteres Júlia Chaib e Thiago Rezende, Flávio respondia com um “não sei” ou “pergunta pra ele”. Parece mesmo que vive numa realidade paralela que desconhece os fatos noticiados pelos jornais.

Sobre as joias masculinas que ficaram em poder de seu pai e que deverão ser devolvidas por determinação do TCU, o senador afirmou que Jair foi ao Comitê de Ética da Presidência que o teria autorizado a manter o presente consigo. Só se aconteceu num universo paralelo, pois o TCU já tinha uma decisão desde 2016 que afirma que os presentes recebidos por presidentes passariam a integrar o acervo da União e não o particular de Jair.

Flávio, trazendo talvez de uma outra dimensão uma experiência de vida e de como as coisas acontecem num arcabouço legal diferente do nosso, afirmou que ninguém sabia o que estava dentro dos pacotes. Poderia ser simplesmente... água!

Lá no outro universo, talvez. Aliás, lá poderia ser água, Baygon, urânio enriquecido, míssil ou balas 7 Belo. Aqui na Terra, no Brasil, logicamente o presenteador diria o que estaria dentro dos pacotes e certamente eles seriam abertos antes do desembarque para que nosso ilustre ministro, segundo posto mais alto do executivo, tivesse a responsabilidade de declarar o conteúdo à Alfandega.

Não posso esquecer de criticar os repórteres por não terem apertado Flávio Bolsonaro em nenhum momento. É próprio da profissão contestar respostas do entrevistado que não correspondem à realidade dos fatos, apresentando a realidade daquilo que já se sabe. Teria sido por medo?

Perceberam a oportunidade que Dan Kwan e Daniel Scheinert perderam de superar o filme vencedor do Oscar?

E se muita gente não gostou de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, aqui no Brasil, pelo menos, o filme Os Bolsonaros em Todo Lugar ao Mesmo Tempo teria um público fiel garantido de 44% da população, a mesma percentagem de pessoas que acreditam haver no país uma ameaça comunista.


quinta-feira, 16 de março de 2023

A necessidade de punir o malfeitor e controlar nossa ansiedade

Por Fernando Castilho



É possível que, com o clamor popular, os magistrados apressem os trâmites dos processos contra Bolsonaro, mas deveremos esperar longamente por uma condenação.


Tenho acompanhado pelas redes sociais a ansiedade que as pessoas de mentalidade progressista vêm demonstrando pela prisão de Jair Bolsonaro.

Após quatro anos de desgoverno, com a destruição de programas sociais, de descaso para com uma pandemia que matou mais de 700 mil pessoas, com incentivo ao garimpo em terras indígenas que quase extinguiu a etnia Yanomami, com mentiras e agressões verbais toda vez que se manifestava e pela tentativa de melar o processo eleitoral e ainda dar um golpe no país para se perpetuar no poder, é totalmente compreensível que não consigamos controlar nossa ansiedade e revolta toda vez que a mídia, juristas e ministros do STF opinam que não será possível prender o ex-presidente imediatamente.

Explico.

Bolsonaro perdeu o foro especial por prerrogativa de função. Vários processos que estavam nas mãos do PGR, Augusto Aras, estão sendo enviados para a justiça comum para serem julgados em primeira instância. Se condenado, caberão recursos até que se conclua o trânsito em julgado e seu destino seja, enfim, a cadeia.

Cabe aqui esclarecer que poderão se passar longos anos até que seu julgamento seja concluído. Com Paulo Maluf foram décadas de espera até a conclusão final que lhe impôs a prisão domiciliar devido à idade avançada e problemas de saúde. Revoltante, mas real.

É até possível que, com o clamor popular, os magistrados apressem os trâmites dos processos, mas não vamos manter falsas esperanças.

A outra possibilidade é a prisão preventiva, mas para isso é necessário que, caso venha a ser réu, Jair tente fugir, destruir provas ou continuar a ser uma ameaça à sociedade.

Para ser uma ameaça à sociedade, é preciso que Bolsonaro volte para o Brasil o quanto antes para assumir o papel de líder da oposição a Lula, como quer Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.

Explico.

Com Bolsonaro no poder de liderança da extrema-direita, será criado um novo cercadinho (talvez virtual) que voltará a ser frequentado pelos seus apoiadores. Embora não seja mais presidente e, portanto, não seja blindado pela grande imprensa como foi durante quatro anos, o homem é falastrão e se empolga toda vez que seus apoiadores o encorajam. Daí, desata a falar absurdos, a ofender, mentir e atacar. Então, para prendê-lo preventivamente, basta ficar atento à sua fala. Oportunidade não vai faltar.

O que podemos esperar realmente é sua praticamente certa inelegibilidade por oito anos. Bolsonaro está completando 68 anos e terá 76 ao fim de sua quarentena. A depender do sucesso do governo Lula, seja de 4 ou 8 anos, e da luta da esquerda para desmontar a extrema-direita, teremos um Jair envelhecido e sem importância.

Lembremos que, para liderar uma oposição a Lula, será necessário que Bolsonaro trabalhe muito, mas todos sabemos que trabalho não é com ele. Quando estava na Câmara e no Palácio do Planalto, trabalhou muito pouco.

Resta o Tribunal Penal Internacional de Haia que já possui processos em andamento por genocídio. Alguns consideram uma condenação difícil, mas não impossível.

De qualquer forma, o que queremos ver é punição exemplar para que nunca mais o povo brasileiro passe por tsunami avassalador como esse.

O Estado Democrático de Direito tem que prevalecer, mesmo para o julgamento desse malfeitor, portanto, não é o caso de se passar por cima das leis.

Mas não haverá punição dura o suficiente para compensar o sofrimento daqueles que perderam seus amigos e parentes pela Covid-19.

Nunca haverá.


sábado, 11 de março de 2023

O perigo do plano "Política Nacional de Longo Prazo" de Bolsonaro

Por Fernando Castilho

Imagem: Revista Piauí

A certeza de vitória de seu Jair e de seus comparsas nas eleições de 2022 era tão grande que até um plano de governo de 36 anos, elaboraram, vejam só.


No segundo semestre de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro e seus aliados militares estavam preparando um documento intitulado “Política Nacional de Longo Prazo”. Em suas 65 páginas, às quais a revista Piauí teve acesso, o plano não citava o combate a fome, nem políticas para mulheres, negros ou indígenas, enfim, nada voltado à melhoria de vida das pessoas.

A intenção de parte dos militares não era somente vencer as eleições presidenciais, mas se perpetuarem no poder através do governo de seu fantoche, Jair.

Seriam 36 anos, nove mandatos consecutivos, pelo menos.

Mas, caro leitor, não pense que para isso Bolsonaro teria que vencer nove eleições consecutivas. A ideia era, já no segundo mandato, apresentar projeto de lei em uma Câmara majoritariamente bolsonarista, de continuidade no poder, baseado na tal ameaça comunista que só o capitão teria força para enfrentar, na ameaça da ideologia de gênero que transforma nossos jovens em trans e na vontade de Deus. O projeto poderia ser aprovado.

A certeza de vitória de seu Jair e de seus comparsas nas eleições de 2022 era tão grande que até um plano de governo de longo prazo elaboraram, vejam só.

Para isso, não mediram esforços. Bilhões de reais de dinheiro público foram gastos com motociatas, cartões corporativos, orçamento secreto em redutos eleitorais, etc. Não hesitaram em mobilizar a Polícia Rodoviária Federal para impedir eleitores de Lula a votar. Um vale-tudo que pode custar a inelegibilidade do capitão por oito anos.

Apesar de todo esse escândalo, Bolsonaro não venceu.

Lula venceu e, logo que começou a governar, revelou ao Brasil e ao mundo o genocídio que vinha sendo cometido contra os Yanomami. Se Jair vencesse, certamente, já neste ano os Yanomami poderiam estar em franco processo de extinção. Ao longo de nove mandatos, não só eles, mas todas as etnias indígenas poderiam não mais existir, com o garimpo ilegal tomando todas as reservas. Era um programa de governo.

O governo Lula descobriu também que não foi deixado dinheiro para combate a tragédias. Foi preciso grande mobilização de recursos para tentar minimizar a dor e o sofrimento do povo pobre do litoral norte. Se reeleito, Bolsonaro estaria passeando de jet-ski enquanto as enchentes aconteciam.

Agora descobriu-se que o capitão tentou por nove vezes recuperar joias no valor de 16,5 milhões de reais que ficaram retidas na alfândega quando do retorno do então ministro Bento Albuquerque da Arábia Saudita.

Essas joias teriam sido um presente do país e deveriam passar a integrar o acervo da presidência da República, mas Bolsonaro entendeu que deveriam pertencer a ele.

Dois dias antes de fugir para os Estados Unidos, Jair empreendeu sua última tentativa de roubo de patrimônio público, mas não conseguiu êxito.

Outro estojo, porém, conseguiu passar pela alfândega e se encontra no poder do capitão, possivelmente em Orlando.

Trata-se, portanto, de pilhagem feita por um presidente da República. E isso é crime gravíssimo.

Como todo o staff de governo tinha a mais absoluta certeza de reeleição, esse escândalo pode ser apenas a unha de um elefante. Agora que o capitão perdeu o poder, é bem possível que muitos outros casos semelhantes venham à tona.

O método de seu Jair faturar nunca foi o tradicional dos que ocupam o poder executivo, as fraudes nas licitações e o atendimento à grandes empresas. A gatunagem e a pressão são alguns dos métodos típicos das milícias e, por que não dizer, das máfias.

O Brasil se salvou de sua quase extinção, pois, caso a tal Política Nacional de Longo Prazo fosse implementada após a reeleição de Bolsonaro, certamente teríamos uma gatunagem oficializada como nunca se viu.

É imperioso agora que haja punição severa contra essa corrupção oficializada para que nunca mais volte a acontecer.


terça-feira, 7 de março de 2023

Sim, a boiada passou, realmente. Resta saber seu tamanho.

Por Fernando Castilho




Os casos de vantagens indevidas seriam só esses, ou seja, a boiada se limitou a essas poucas cabeças ou estamos diante de um enorme rebanho que só agora começamos a descobrir o tamanho?


Em 22 de abril de 2020 aconteceu aquela horrível reunião ministerial cujo vídeo foi divulgado pela imprensa após decisão do então ministro do STF, Celso de Mello.

Em meio a xingamentos, palavrões, ofensas e ameaças de intervenção na Polícia Federal por parte do então presidente Jair Bolsonaro, chamou particularmente a atenção a frase do então ministro do meio-ambiente, Ricardo Salles, que dizia que era preciso aproveitar que as atenções da imprensa estavam todas voltadas para a Covid-19 para passar a boiada. Vamos ver se ela passou, realmente?

Salles foi pego com a mão na botija ao tentar vender madeira ilegal para os Estados Unidos. Pergunta-se: foi sua primeira tentativa? Quanto de madeira ilegal ele teria conseguido vender antes de ser flagrado? Como conseguiu se eleger deputado federal após esse incidente?

Salles fez também reuniões com garimpeiros e até os recebeu em seu gabinete. Pergunta-se: quanto de ouro e pedras preciosas ele teria recebido de “presente” para facilitar o garimpo em terras indígenas?

Obviamente, não há provas, por isso, coloco tudo no terreno das suposições.

Ainda supondo, quanto o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, após ter liberado um trilhão de reais aos bancos no início da pandemia, teria despachado para terras estrangeiras como “presente”?

Quanto o ex-ministro, Pazuello e seu chefe teriam recebido de “presente” da indústria farmacêutica para imporem à população medicamentos comprovadamente ineficazes para o combate ao Coronavírus?

Ainda na onda do ouro, o ex-ministro da educação, Mílton Ribeiro, permitia, segundo ele, sob orientação de Bolsonaro, que pastores negociassem obras nas cidades do interior, recebendo ouro em troca. Quanto receberam de “presente” o ministro e seu chefe pela facilitação da corrupção?

Os mimos recebidos por esse governo devem ter sido inúmeros e, somente agora começam a ser revelados.

O novo fato que nos chegou através da reportagem do Estadão foi o das joias no valor de 16,5 milhões de reais que ficaram retidas na alfândega.

É certo que Bolsonaro tentou o quanto pôde por suas mãos nelas, afinal, foram 8 tentativas, inclusive com um ofício dele.

Não, caro leitor. As joias não eram um presente para a então primeira-dama, Michelle, como o capitão sugeriu. Se fossem, já seria crime porque qualquer presente ofertado de país estrangeiro se destina obrigatoriamente, segundo decisão de 2016 do TCU, ao estado brasileiro. A ex-primeira-dama, inclusive, logo após a matéria do Estadão, se manifestou surpresa e até a ironizou.

Não ficou esclarecido o motivo de a Polícia Federal que também está presente nos aeroportos, não ter prendido em flagrante o auxiliar do então ministro, Bento Albuquerque.

As peças que fazem parte do estojo apreendido pela Receita Federal, em seu conjunto, constituem uma mercadoria de pequeno tamanho, mas muito valiosa. Porém, muito difícil de se vender para fazer dinheiro. Mas, percebam que, desmembradas em pequenas peças, podem ser vendidas mais facilmente, afinal, quanto vale um daqueles pequenos diamantes?

Não podemos esquecer que falta no estojo um bracelete ou um anel, já que o suporte está vazio. Quem pegou?

Há um outro “mimo” do governo da Arábia Saudita que conseguiu passar pela alfândega. São caneta, relógio, abotoaduras, etc. que não se sabe com quem estão. Será que o capitão conseguiu passar a mão nesse?

Por que coloco “presente” e “mimo” entre aspas?

O estojo com as joias apreendidas foram ofertados a Bolsonaro em seguida à venda da refinaria Landulpho Alves à Arábia Saudita por praticamente metade de seu valor. Vejam que 16,5 milhões de reais equivalem praticamente a 1% do valor de venda da refinaria, que foi de 1,6 bilhão. Cheira, digo, fede a propina.

Nossa grande imprensa decidiu denominar o crime por “entrada ilegal” de mercadoria, quando o certo seria designar pelo seu nome verdadeiro, contrabando. E contrabando é crime. Por isso, a PF deveria ter prendido o rapaz da mochila. Parece que ainda há certos cuidados em poupar Bolsonaro.

Há agora, à luz da frase de Salles, inúmeras perguntas.

Os casos de vantagens indevidas seriam só esses, ou seja, a boiada se limitou a essas poucas cabeças ou estamos diante de um enorme rebanho que só agora começamos a descobrir o tamanho?

Foram somente esses os agentes públicos envolvidos nesses crimes ou figuras como Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Ramos fizeram também seus pés de meia enquanto recebiam polpudos soldos?

E a enorme quantidade de picanha, uísque, Viagra e outros produtos adquiridos pelo exército?

O fato é que o governo que findou parece que inovou em sua forma de tomar para si bens públicos. Enquanto a forma mais clássica de se apropriar de uma fatia do estado é a comissão sobre grandes obras tocadas por grandes empreiteiras que conseguem driblar a lei de licitações, devemos lembrar que desta vez o estilo foi à la baixo clero, aquele mesmo das rachadinhas.

Agora aguardaremos os resultados da investigação a cargo da Polícia Federal que deverá revelar mais detalhes da tentativa de roubo, porém, já está mais do que clara a autoria do crime. O que não pode é haver impunidade.

É possível que na esteira desse delito grave, apareçam outros na medida em que servidores, encorajados pelos novos ares da administração pública federal, tomem coragem para denunciá-los.

A boiada foi grande e passou realmente, mas temos a possibilidade de reuni-la e prendê-la de novo no estábulo.


domingo, 5 de março de 2023

Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko

Por Fernando Castilho




Sumire e Kiyo, duas moças recém-formadas no ensino médio em Aomori, norte do Japão, decidem se mudar para Kyoto onde a Casa Saku, tradicional escola de maikos (aprendizes de gueixas) as aguarda.

Chegando lá, a primeira coisa que aprendem é o cumprimento especial utilizado pelas maikos, proferido com extrema delicadeza. Sumire tira de letra, mas Kiyo, por mais que repita, não consegue a entonação correta.

As aulas de dança e expressão corporal se iniciam e, mais uma vez Sumire se destaca, mas Kiyo simplesmente não consegue. Embora carregue sempre um sorriso, ela percebe aos poucos que ser maiko não é sua praia.

É aí que a senhora Sachiko, a makanai da casa, devido a dores na coluna, fica impossibilitada de cozinhar. Kiyo, então, se aventura na cozinha preparando alguns pratos típicos de Aomori. A dona da casa e as demais moças que lá vivem, gostam tanto que ela acaba assumindo o posto de makanai. Makanai é algo parecido com chefe de cozinha, porém, os pratos que prepara não se destinam a clientes, mas somente às pessoas que vivem na casa.

A direção desse J-dorama está a cargo de Hirokazu Koreeda, vencedor do Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes pelo filme Assunto de Família, em 2018. Koreeda consegue segurar a atenção de todos, mesmo que a série não tenha grandes conflitos nem reviravoltas.

O único acontecimento mais tenso é quando o pai de Sumire aparece para levá-la de volta para casa. A dona da casa, acompanhada pela maiko mais velha, tenta convencê-lo de que Sumire tem realmente grande talento e precisa continuar seus estudos. Não há um único tom de voz elevado na conversa. É através da delicadeza que o pai é convencido de que ser maiko é realmente o melhor futuro para a filha.

Enquanto isso, Kiyo vai se aperfeiçoando cada vez mais na cozinha e ganhando a simpatia e admiração de todas as moças que lá vivem. Kiyo descobre seu lugar no Universo e, assim como Sumire, encontra a felicidade naquilo que faz. Aristóteles, que afirmava que, para atingir a felicidade é preciso que encontremos nosso lugar no Cosmos, ficaria feliz com esses exemplos.

Aliás, a série de 9 episódios é pródiga em mostrar como, aos poucos, todas as moças, embora com algumas decepções, vão encontrando seu caminho para alcançar a felicidade.

O dorama é uma bela adaptação do mangá Kiyo in Kyoto: From the Maiko House (Maiko-san chi no Makanai-san), de Aiko Koyama, publicado desde 2016 na revista Weekly Shonen Sunday, da editora Shogakukan.

Os cenários são os típicos das casas de gueixas do bairro Gion em Kyoto, cidade que não foi atingida pelos bombardeios americanos durante a Segunda Guerra e que, por isso, se mantém quase original, como era há alguns séculos.

É interessante ver que As duas Irmãs de Gion (1936) e Os Músicos de Gion (1953), dois filmes de Kenji Mizoguchi, mostram, quase que exatamente os mesmos cenários e a mesma temática Nada mudou muito de lá para cá, sinal de que as tradições ainda são muito fortes no Japão.

Enfim, Makanai: cozinhando para a Casa Maiko, é sobre o caminho da delicadeza e da sutileza e da tolerância para se chegar à felicidade. Algo que precisamos muito nos dias de hoje.


quarta-feira, 1 de março de 2023

Precisamos conversar sobre o futuro da Petrobras

Por Fernando Castilho



Em 2021 a Petrobras, ainda sob o governo Bolsonaro, decidiu se retirar totalmente da produção de energia limpa, indo na contramão do mundo que procura fontes renováveis e mão poluentes. Vivíamos sob a égide do negacionismo.


Circula nas redes sociais um texto apócrifo, escrito em português de Portugal, intitulado: “Algumas previsões muito interessantes, mas também assustadoras”.

Para início do tema que abordarei, destaco dois itens:

7.  Grandes fabricantes de automóveis inteligentes já destinaram dinheiro para começar a construir novas fábricas que só constroem carros eléctricos.

8.  As indústrias de carvão irão embora.  As companhias de gasolina/petróleo irão fechar. A perfuração de petróleo irá parar.  Portanto, diga adeus à OPEP! O Oriente Médio estará em apuros.

Quem se interessar pelo inteiro teor, pode acessar este link.

Previsões sobre o futuro costumam falhar, mas neste caso, o futuro está tão próximo que já pode ser considerado presente.

Realmente, montadoras presentes ou não no país, já estão dando mais ênfase a modelos com motores elétricos do que a combustão. Algumas já elegeram a data de 2025 para encerramento da produção de motores movidos a gasolina e a diesel. Já há também ônibus e caminhões rodando com energia elétrica.

O futuro (presente) já é, portanto, dos veículos movidos a eletricidade.

Tendo esse dado como certo, surge a primeira indagação: se em poucos anos haverá mais veículos elétricos do que movidos a gasolina, etanol e óleo diesel, de onde tiraremos a energia elétrica para alimentá-los? Nossas usinas hidrelétricas darão conta dessa demanda? Afinal, quando os reservatórios baixam seus volumes em tempos de estiagem, não há racionamento? E a tarifa não fica mais cara?

Essa é uma discussão que precisa ter início assim que o governo Lula se sentir mais acomodado no Planalto.

O outro item que devemos considerar é o 8, um pouco alarmista, mas nem por isso, despreocupante.

Além da mudança da matriz energética dos veículos, devemos lembrar que a produção de nosso parque eólico vem aumentando ano a ano. Segundo o Anuário 2020 da Empresa de Pesquisa Energética, a participação da geração de eletricidade a partir de pás eólicas, foi de 8,9%, dados de 2019, sendo que, de lá para cá, a produção saltou de 14.706 GW para 22.000 GW. Portanto, há de se supor que terminamos o ano de 2022 com cerca de 12% ou mais de participação de energia eólica em relação à todas as outras matrizes energéticas.

A geração de energia a partir de placas fotovoltaicas também vem crescendo enormemente no país. Saltamos de 7,9 GW, ao final de 2020, para 13 GW ao final de 2021, crescimento de 65%.

Parece claro que nossa matriz energética, aos poucos vem se transformando.

Há décadas o fantasma do esgotamento do petróleo preocupa a humanidade, mas a realidade nos mostra que antes que isso ocorra, ele já vem sendo substituído, e para melhor, afinal, fontes não poluidoras são o que desejamos para baixar a emissão de gases de efeito estufa e reduzir os impactos ambientais das mudanças climáticas.

Mas, para nós, brasileiros, que criamos, graças a Getúlio Vargas, a empresa orgulho do país, a Petrobras, um pensamento sombrio começa a rondar vez ou outra nossas mentes.

Todo brasileiro tem por obrigação preservar a Petrobras como um patrimônio do país, pois a empresa é referência mundial, gera milhões de empregos diretos e indiretos e ainda, neste momento, é responsável por colocar o Brasil em movimento.

Mas a preocupação levantada no item 8 do texto apócrifo é verdadeira e dessa discussão não podemos fugir a médio prazo.

Assim como empresas que produziam aparelhos analógicos tiveram que se reinventar e mudar toda a sua linha, desde projetos até plantas fabris, para passar a atender o mundo digital, a Petrobras, em algum momento próximo, terá que fazer essa reflexão.

Mas vejam que interessante: em 2021 a estatal, ainda sob o governo Bolsonaro, decidiu se retirar totalmente da produção de energia limpa, o que foi questionado pelo pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), Henrique Jäger. Segundo ele, a concentração da estatal em energia pesada vai na contramão do mundo que procura fontes renováveis e mão poluentes. Ou seja, outros gigantes do petróleo começam a se movimentar para a produção de energia limpa, mas o antigo governo negacionista preferiu seguir sua linha.

Mas o governo mudou e, com ele, novos ares voltados ao meio-ambiente têm que voltar a circular.

É perfeitamente possível que o gigante petrolífero passe aos poucos a explorar matrizes energéticas não poluentes como a eólica, a solar e mesmo a das marés.

Essa tem que ser a meta de um governo progressista preocupado com o Brasil e com o meio-ambiente.

É preciso que nos adiantemos ao que o futuro próximo nos reserva, já que todos os sinais nos apontam para ele.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Bolsonaro será mesmo preso?

Por Fernando Castilho




Ministros do STF, não identificados, já estariam conformados e trabalhando com a hipótese de que Jair Bolsonaro nunca será preso?


Na semana passada o portal Uol publicou uma matéria em que a articulista dizia, genericamente, que “ministros do STF consideram difícil a prisão de Bolsonaro, mas têm como quase certa sua inelegibilidade”.

Sempre que surge uma matéria como essa, a pergunta a se fazer é: quais foram os ministros que se posicionaram dessa forma e como essa informação foi obtida?

Se foram Nunes Marques e André Mendonça, não há nenhuma novidade, já que eles sempre votam a favor do ex-presidente. Mas, confesso que é inevitável desconfiar da veracidade da informação que, se verdadeira, transfere a Alexandre de Moraes a árdua tarefa de se ver isolado na defesa da democracia e do estado de direito.

Segundo a colunista, Bolsonaro, agora entregue à justiça comum, poderá ter seus vários processos se arrastando por muitos anos até o trânsito em julgado de uma possível sentença condenatória devido à falta de materialidade, de provas e aos recursos que impetrará. O capitão, de 67 anos, estaria muito idoso quando, enfim suas sentenças definitivas de seus 28 processos forem confirmadas.

Sobre isso, o jurista Walter Maierovitch afirmou que, se procedente a afirmação dos ministros, seria a falência da justiça. E seria mesmo.

Caso os ministros tenham se esquecido, Bolsonaro foi, durante 4 anos, mestre em produzir provas contra si próprio.

Só no caso da pandemia da Covid-19 foram várias, ou alguém não se lembra de quando o ex-ministro da saúde, general Pazuello, anunciou a compra da vacina Coronavac? No dia seguinte, ao ser indagado por repórteres sobre a compra, Bolsonaro reagiu rispidamente dizendo que quem mandava era ele e que a vacina só seria comprada se passassem por cima de seu cadáver. Em seguida, apareceu ao lado do sorridente general que disse que um manda e o outro obedece, confirmando que, a mando do presidente, acabava de cancelar a aquisição. Quantas mortes aqueles sorrisos maldosos causaram devido ao atraso na compra de imunizantes que só acabou ocorrendo depois de muita pressão popular, da mídia e de parlamentares?

Existe um sem-número de provas de crimes, mas, se apenas esse único episódio não servir como prova de que deliberadamente o capitão boicotou a vacina, não sei o que mais serviria. Aliás, a CPI da Covid-19 encontrou vários indícios de crimes que acabaram nas mãos do PGR, Augusto Aras que os ignorou e varreu para baixo de seu tapete.

Neste país das contradições, é particularmente notável que o senador eleito, Sergio Moro, esteja justamente neste momento, buscando aprovar seu projeto de trânsito em julgado de sentenças condenatórias após a segunda instância, o que poderia fazer, caso não fosse inconstitucional, com que seu ex-inimigo, agora reconciliado, Jair Bolsonaro, fosse enviado ao xilindró mais rapidamente.

Mas, além das contradições, este é um país em que se procura o tempo todo perdoar a quem nos tem ofendido. Antigamente se chamava de “jeitinho brasileiro”.

Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil, afirmou que o brasileiro é um homem cordial, ou seja, pensa mais com o coração (“cordial” vem de “coração”) do que com a razão. No passado já distante, a atriz comediante norte-americana, radicada no Brasil, Kate Lyra tinha um famoso bordão na TV: “brasileiro muito bonzinho”.

A justiça frequentemente esquece a gravidade de crimes cometidos e dá uma segunda chance ao meliante, mas só se este for poderoso, caso da recente liberação de Sérgio Cabral que, acumulando 436 anos de pena, cumpriu 6 e voltou para casa com uma tornozeleira.

Caso diferente, mas com a semelhança da impunidade, foi o de Paulo Maluf. O ex-prefeito de São Paulo, ao longo de décadas foi conseguindo protelar o trânsito em julgado de sua sentença, usando e abusando de recursos. Quando, enfim, esgotaram-se todos, foi enviado para casa com tornozeleira devido à idade avançada e à saúde fraca.

Portanto, caso os processos contra Bolsonaro se arrastem por muitos anos, como sugerem os ministros, teremos mais um caso em que o crime terá compensado.

E o pior de tudo é que Bolsonaro, mesmo inelegível, ao final, rirá da cara de Alexandre de Moraes e de todos nós. Com a certeza da impunidade, continuará a atuar politicamente para causar ainda mais males ao povo brasileiro.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O editorial de O Globo e seus indisfarçáveis objetivos

Por Fernando Castilho





O contrato do Válter chegara ao fim e Seu Durval foi convidado a voltar para salvar a empresa, enquanto o larápio fugia para não ser preso pelas falcatruas que cometeu. O chefe, Irineu, pôs toda a culpa no Válter e recebeu cinicamente Seu Durval com um grande abraço.

Seu Durval ficou assustado com o que encontrou. As finanças todas fora de ordem, planilhas inconsistentes ou faltando, documentos extraviados, fluxo de caixa zerado, enfim, um caos.

 

Seu Durval, um autodidata e gênio da contabilidade, trabalhou por anos numa grande empresa onde teve a oportunidade de levantar suas finanças e fazê-la crescer e prosperar. Era um homem que se fez por seu próprio esforço.

Um dia, sentindo que já tinha cumprido sua missão, decidiu que era hora de se retirar.

Sua sucessora, Matilde, alguns anos depois, acabou sendo demitida devido a uma trama de seu subordinado puxa-saco, que assumiu seu lugar. Ele não ficou muito tempo no cargo e acabou sendo substituído pelo Válter, numa trama urdida por Irineu, o chefe.

Seu Durval ainda tentara voltar, pois sabia que a empresa ia mal das pernas, mas o Irineu, que nunca gostara dele, empenhou-se pelo Válter. Na verdade, ele sempre desejou que um amigo próximo, totalmente sem experiência, assumisse o cargo, porque assim, ele poderia comandá-lo como a um fantoche e mandar no caixa da empresa. Poderiam juntos combinar certos esquemas que não seriam possíveis com Seu Durval.

Sem Seu Durval na parada, chegara a hora do Válter ser admitido no cargo.

Como era inexperiente, incompetente e totalmente inepto, o chefe passou a disfarçar os balanços escondendo os prejuízos, mas sempre levando algum por fora.

A diretoria, aos poucos, começou a perceber o mal que o Válter causava à empresa, mas ele era autoritário e ligado a elementos perigosos e isso intimidava a todos.

Mas o contrato do Válter chegara ao fim e Seu Durval foi convidado a voltar para salvar a empresa, enquanto o larápio fugia para não ser preso pelas falcatruas que cometeu. O chefe, Irineu, pôs toda a culpa no Válter e recebeu cinicamente Seu Durval com um grande abraço.

Seu Durval ficou assustado com o que encontrou. As finanças todas fora de ordem, planilhas inconsistentes ou faltando, documentos extraviados, fluxo de caixa zerado, enfim, um caos.

O trabalho de reparação dos males causados pelo Válter demoraria vários meses e a diretoria foi informada disso.

Porém, Irineu, ainda sonhando com a volta do Válter para retomarem os esquemas de falcatruas, começou a atacar Seu Durval cobrando-lhe resultados.

“Onde estão os lucros? Não era para levantar a empresa que você voltou?”

Seu Válter tentou explicar que o caos que encontrara era maior do que pensara e que mudanças profundas teriam que ser feitas. Além disso, havia um amigo do Válter, o Campos, no departamento financeiro, que sabotava as medidas que precisava tomar.

Irineu, então, bradou: “Em vez de ficar reclamando, você deveria apresentar resultados! Saiba que o cara de quem você reclama atua de maneira independente dentro da empresa!

“Você deveria fazer avançar a agenda de crescimento pro[1]metida quando assinou contrato!”

Seu Válter estava há apenas 40 dias no cargo e sabemos que é concedido aos novos funcionários um prazo de 3 meses para experiência, mas o chefe não quis nem saber disso. Queria seu protegido de volta ao cargo porque assim manteria seus lucros.

A última frase entre aspas proferida por Irineu está no editorial de hoje, 08/02, de O Globo.

 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Falhou mais um plano infalível do Cebolinha

Por Fernando Castilho




O plano de Bolsonaro, Daniel Silveira, Braga Netto e Augusto Heleno para dar um golpe mais se assemelha a um dos inúmeros planos infalíveis do Cebolinha.


Todo mundo sabe que a Mônica é a dona da rua e que o Cebolinha está sempre engendrando um golpe para conquistar esse poder.

Como não consegue fazer isso sozinho, sempre busca a ajuda do amigo, Cascão.

Para este último plano, Cascão achou melhor procurar o apoio logístico do Louco. Como todos sabem, o Louco é um personagem com personalidade conturbada e cheio de maluquices. O ideal para a missão.

Como era de se esperar, mais um plano que não deu certo. O Louco acabou revelando-o à Mônica e os três acabaram sendo surrados por ela, que continua a ser a dona da rua.

Fim da história infantil. Vamos para o assunto que é muito sério. Ou infantil, como veremos mais adiante.

Dois outros planos infalíveis cujos mentores provavelmente foram Jair Bolsonaro, Augusto Heleno e Braga Netto, também não deram certo: os atentados à bomba antes da diplomação de Lula e a depredação dos edifícios dos três poderes em 08/01.

Não vou gastar linhas aqui contando toda a história na cronologia apresentada pelo senador Marcos Do Val, por demais já conhecida de todos, mas comentarei algumas possíveis incongruências e esquisitices.

A história contada pelo senador à Veja colocava o ex-presidente Jair Bolsonaro na chefia direta do golpe, como o autor da coação que teria sofrido para participar da “missão”, como Do Val chama a incumbência que lhe foi dada.

Após ter sido pressionado pelo senador Flávio Bolsonaro, Do Val mudou a versão. O capitão não o teria coagido, limitando-se a ficar calado durante a reunião de planejamento do plano que o recolocaria no poder. Só no final teria dito que aguardaria sua decisão em ser o protagonista principal da “missão”.

Foi essa a versão apresentada à coletiva de imprensa e ao depoimento à Polícia Federal.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, confirmou a veracidade do que Do Val apresentou à PF na conversa que tiveram.

O senador, ao ser procurado pelo então deputado Daniel Silveira para participar de uma reunião com ele e o presidente, segundo suas palavras, optou por primeiro consultar Alexandre de Moraes se deveria ou não comparecer ao encontro. Moraes teria dito que sim.

Ora, o senador ainda não tinha conhecimento da proposta que lhe fariam. Poderiam conversar sobre qualquer assunto. Então, por que consultar o ministro?

Do Val se diz especialista em inteligência e repetiu isso várias vezes durante sua coletiva. Mas, nessa condição, não seria ele uma pessoa mais apropriada que Silveira a propor um método para tentar captar alguma fala que pudesse ser usada contra Moraes?

Por que, passados quase dois meses, só agora decidiu levar o caso a público?

Não resta dúvida de que a reunião golpista existiu. Se foi Bolsonaro que a convocou e a conduziu, como foi afirmado à Veja, já há motivos claros para sua prisão.

Na nova versão, o capitão teria deixado Silveira conduzir a reunião e propor a “missão”, mas é óbvio que isso não o isenta de responsabilidade, uma vez que, pelo seu cargo, deveria ter encerrado a conversa logo no início e ter dado voz de prisão ao então deputado.

Não há como Bolsonaro se safar desse planejamento golpista. Ele não pode dizer que foi chamado ao encontro sem saber do que se tratava. Seria uma reunião secreta para conversar sobre futebol?

Felizmente, Do Val, em depoimento à PF, não negou a presença do capitão na reunião. Se o fizesse, uma simples convocação do motorista do carro presidencial e dos funcionários presentes no palácio (estranhamente o senador disse que não sabe se o evento ocorreu na Granja do Torto ou no Alvorada) bastariam para confirmar sua presença.

A partir da revelação de Marcos Do Val, fica mais fácil ligar essa reunião à minuta de golpe descoberta na casa do ex-ministro da Segurança, Anderson Torres. Uma pisada na bola de Moraes, segundo o raciocínio de Bolsonaro e Silveira, serviria para tornar a minuta, oficial e dar o golpe.

Só que as coisas não funcionam assim. E, por isso, o plano é infantil.

Mesmo que Moraes confidenciasse alguma impropriedade, não seria suficiente para um golpe. E sabemos muito bem como o ministro é cuidadoso. Ele não cairia numa armadilha ridícula, como ele mesmo se referiu à tentativa de golpe.

Resta considerar a participação de Augusto Heleno e Braga Netto, já que Silveira, em mensagem, citou 5 partícipes. E ainda soltou uma frase enigmática: “cinco estrelas”. Provavelmente em alusão aos 2 generais da reserva.

Moraes precisa pedir que a PF convoque Silveira e Bolsonaro para depor, mesmo que a fala do capitão seja tomada por vídeo conferência.

O ministro chamou o plano de golpe Tabajara e Gilmar Mendes afirmou que “estávamos sendo governados por gente do porão”.

Nada mais apropriado para descrever mais um plano infalível frustrado do Cebolinha.

Cebolinha não pode ser preso, mas Bolsonaro, sim.

 

  


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Se for preciso, que se intervenha no estado de Roraima

Por Fernando Castilho


Foto: Ricardo Stuckert


O que transparece, pela fala do governador de Roraima, é que, por ele, o solo da Amazônia pode ser revirado totalmente do avesso, desde que se extraia dele o máximo de riqueza possível. E claro, não sem contrapartida.


Todo presidente tem o poder de mudar a situação do povo que governa, para o bem ou para o mal.

Jair Bolsonaro debochou o tempo todo da pandemia que matou 700 mil pessoas, chegando a sabotar as medidas sanitárias e até a receitar remédios de ineficácia comprovada.

Sua agenda presidencial revelava que trabalhava muito pouco nos dias de semana e saía de “férias” de maneira irregular, enquanto as chuvas tratavam de matar e desabrigar milhares de pessoas pobres.

Reunia-se com garimpeiros, na verdade, donos de mineradoras, aliando-se a eles para pôr em prática seu antigo projeto de extinção dos povos indígenas.

Jair se empenhou em mudar a situação do brasileiro para pior. E conseguiu.

Lula, apenas 20 dias após a posse, arregaçou as mangas e foi conhecer de perto, in loco, a situação dos indígenas Yanomamis, acompanhado de 3 ministros.

"Se alguém me contasse que, aqui em Roraima, tinham pessoas sendo tratadas da forma desumana que eu vi o povo Yanomami sendo tratado, eu não acreditaria. Não podemos entender um país que tem as condições que têm o Brasil deixar os nossos indígenas abandonados como eles estão aqui", afirmou o presidente.

A visita causou um alvoroço nas redes sociais e repercutiu significativamente na imprensa internacional. A nacional não deu muita bola no início, talvez preocupada em não dar pontos para Lula, mas, devido ao volume na Internet, teve que se render e fazer reportagens.

O presidente, nem bem começa a governar e já muda a situação de todo um povo para melhor.

Hoje, em reunião com ministros, Lula exigiu que os tráfegos aéreo e pluvial dos garimpeiros em Roraima sejam cortados o mais rápido possível.

Se a nova administração federal já consegue reverter em parte um dos maiores crimes do capitão, classificado como genocídio, é preciso também que se olhe com atenção para o estado de Roraima.

O governador, Antônio Denarium, manifestou-se sobre os Yanomamis, não deixando dúvidas de que ele e grande número de prefeitos da região, não só são a favor do garimpo ilegal em terras da federação cedidas aos indígenas, como também incentivam e apoiam.

Enquanto o capitão nega seus crimes, Denarium, bolsonarista convicto, prefere seguir o caminho da hipocrisia ao dizer que não é novidade os Yanomamis passarem fome e que deveriam eles próprios explorar suas terras.

O que transparece, pela fala do governador, é que, por ele, o solo da Amazônia pode ser revirado totalmente do avesso, desde que se extraia dele o máximo de riqueza possível. E claro, não sem contrapartida.

As matérias sobre as terras Yanomamis e o garimpo ilegal não deixam dúvidas de que há um plano de enriquecimento de grupos compostos de mineradoras, militares e políticos em execução, cujo obstáculo são alguns milhares de indígenas. Se, principalmente as crianças forem envenenadas pelo mercúrio ou mortas por doenças e fome, a população originária será reduzida a ponto de se tornar inviável sua multiplicação, o que, na prática, significa sua extinção.

O governo Lula tem que fincar pé na região, implementar ações de salvamento dos indígenas e de corte do tráfego das mineradoras, como foi decidido na reunião ministerial, mas também aumentar e concentrar na região contingentes de fiscalização e segurança para, não só prender, mas também confiscar aviões e helicópteros e destruir barcaças e outros equipamentos, afetando assim significativamente o poder econômico desses grupos. Não será uma tarefa fácil e, muito menos, rápida, mas é preciso que se comece a sufocar os donos dessas atividades mineradoras, aumentando-lhes os prejuízos.

Além disso, é preciso que a tragédia Yanomami não saia tão cedo dos noticiários, já que vem sensibilizando a opinião pública, a ponto de criar uma massa crítica contrária ao bolsonarismo, ao governador e aos prefeitos da região.

O governador, metido até o pescoço com a extração ilegal de ouro, verá aumentada a pressão das mineradoras contra ele e poderá reagir às medidas adotadas por Lula e seus ministros.

Antecipando-se a isso, é bom que o governo federal já tenha um plano elaborado para pôr em prática uma intervenção no estado, caso seja necessário.

Lula termina seu primeiro mês de governo já cumprindo com êxito uma amostra-grátis do que prometeu em campanha: acabar com a fome do povo.

Neste caso, a fome do povo Yanomami.