sábado, 14 de setembro de 2024

Pobreza política

Por Palas Atena

Retirantes, de Candido Portinari em livre leitura


A gente viveu a década de 80, com a redemocratização, a era sarney, collor. O PT atuando na defesa do trabalhador, da democracia. O império da glogolpe abortando toda tentativa de a esquerda (PT em específico) ganhar eleições.

Vivemos os anos 90 de domínio do tucanato no país, com fhc sucateando universidades, vendendo o patrimônio e sendo considerado o "príncipe" da Sociologia, mesmo depois de mandar esquecer o que ele tinha escrito. A política neoliberal posta em prática, com d. Ruth Cardoso tentando dar uma humanizada enquanto o pavão marido vivia romance com jornalista global e era incensado na mídia, nos meios acadêmicos, vendido como moderno.

Quem viveu essa época sabe o que foi Lula chegar ao poder. Passamos a viver o melhor dos mundos. Ali, havia um projeto de país menos desigual sendo gestado, com suas falhas, contradições, mas tinha um projeto de país mais inclusivo.

Penso que vocês não têm noção do que foi a miséria legada pela ditadura e mantida pelos governos sarney, collor e fhc. Não têm a ideia.

Me lembro de que, criança e adolescente, vi isso de muito perto. Minha mãe era da Pastoral na cidade onde nasci, interior do Norte de Minas. Era da Legião de Maria, ministra da eucaristia, superatuante na igreja. Além de atuar na igreja, minha mãe trabalhava na prefeitura dando assistência às escolas rurais e, também, na secretaria de uma escola estadual do bairro onde morávamos.

Nossa casa mais longe do centro (bairro dos ricos), era o bairro de classe média baixa, perto da periferia, onde a miséria grassava. Miséria, miséria mesmo. Na rua, a maioria das mulheres eram viúvas, todas amigas. Aquela coisa de bairro do interior.

Nossa casa era referência porque minha mãe era um elo entre o poder público, a igreja e o povo pobre. Todos os problemas possíveis e imagináveis passavam por essas instâncias de poder. E nossa casa era a dos "desvalidos".

Eles iam lá pedir comida, receber cesta básica que a Pastoral coletava (a atuação da igreja católica era intensa na população pobre). Para terem uma ideia, quando Betinho lançou a campanha Fome Zero, ele que é da minha cidade, lá em casa foi um dos pontos de distribuição dos donativos. O povo pobre, quando alguém estava à beira da morte, ia lá em casa atrás de minha mãe para fazer oração e até extrema-unção.

O que a gente vê hoje em relação aos pastores era feito pelas mulheres e homens que atuavam na igreja católica nas pastorais. Só que, naquela época, era acolhimento de verdade, era exercitar o princípio de que, sendo filhos de Deus, as pessoas precisavam ser amparadas.

Tinha uma lavadeira, que trabalhava lá para casa (a roupa mais bem lavada e passada da vida). Ela ia na semana pegar as trouxas de roupa para lavar e passar. Ela era alcoólatra. A nossa rua era o caminho para a casa dela.

Quando ela bebia à noite, estava às vezes tão ruim que, sabendo não conseguir chegar à casa dela, abria o portão de casa, entrava no alpendre onde ficavam as cadeiras para ver a vida passar na rua. Ela se deitava lá e dormia. Não batia na nossa porta porque já estava todo mundo dormindo e havia o respeito de não se mostrar naquele estado para pessoas de família. Quem é do interior sabe como funcionava essa ética das relações. Mas essa lavadeira se sentia confiante e segura o suficiente para dormir no alpendre.

De manhã, minha mãe ou outra pessoa de casa se levantava para sair para o trabalho ou buscar pão e ela estava lá no alpendre. Minha mãe a acordava. Dava o café da manhã, conversava com ela, dando os conselhos. Essa lavadeira me fascinava porque ela usava brincos de argola dourada, batom vermelhíssimo e fazia um pinta no rosto quando saía para os bares. Não tinha os dentes da frente, mas só saía nos "trinques", no que a pobreza lhe permitia.

Tinha outra figura lá, que era bipolar ou esquizofrênica. A mania dela era ir lá para os meios dos matos pegar lenha. Atravessava a cidade de uma ponta a outra para buscar essa lenha e levar para a casa dela. Passava na porta de casa de manhã indo para uma fazenda buscar a lenha e por volta do meio-dia, carregando a lenha.

Quando estava mais desequilibrada, ela falava palavrão, mas tanto palavrão hahaha. O povo a chamava só para vê-la responder com página inteira de xingamentos. Mas ela reconhecia nossa casa, minha mãe. Nunca a xingou.

Tinha vezes que entrava lá em casa para ganhar comida. É, gente, naquela época as pessoas pediam comida, roupa. Não tinha essa coisa de pedir dinheiro porque todo mundo era pobre (a gente era classe média baixa, passava muito aperto).

Quando vocês leem os contos de Guimarães Rosa, Vidas Secas de Graciliano Ramos, mas principalmente Guimarães, podem pensar que vivi e vi todo aquele sertão bruto e riquíssimo, demasiadamente humano. Aqueles personagens todos, com suas complexidades e fascínios, povoaram minha infância e adolescência.

Por que estou nesse relato de memória? Porque vi a vida das pessoas, a minha se transformarem com a chegada do PT à presidência. Porque acompanhei toda a trajetória de Lula, desde o sindicalista que era tratado como comunista, terrorista, povoando o imaginário do povo e aterrorizando a classe dominante por falar em nome do trabalhador.

Em minha cidade, conservadora, que tinha uma família se perpetuando no poder (direita), a miséria só começou a ser vencida quando o PT chegou à presidência, implantou as políticas de distribuição de renda, como o Bolsa Família.

Vocês não têm noção do que é miséria, pobreza, falta total de desenvolvimento, precariedade, falta de água de um Norte de Minas, irmanado com o Nordeste. Não têm noção.

E hoje vejo gerações que nasceram no pós-fhc ou eram crianças nessa época. Pegaram a bonança dos governos lulistas. Vejo essas gerações se dizendo de esquerda e progressistas, exercitando o mais ferrenho antipetismo, antilulismo. Uma geração, em geral urbana, que pegou um país institucionalmente mais organizado pela Constituição de 88, com seus avanços.

Vejo o desprezo e a arrogância como criticam Lula, como se fosse alguém ultrapassado, até de pelego o chamam porque ele faz conciliações. Eu fico por entender o porquê de tanto desprezo, travestido de suposta crítica. Vejo tudo isso e penso: vocês não estão entendendo nada, nada, nada.

Agora mesmo, estão batendo no governo e no PT porque supostamente não estão enfrentando arthur gângster lira para salvar a pele de glauber braga. A culpa é de Lula e do PT. Querem que o presidente assuma esse B.O. psolista. Só olho e penso: não estão entendendo nada, nada, nada.

A soberba é uma forma de húbris. Essas gerações tanto estão fazendo que vão conseguir minar o PT. Tanto desprezam Lula que ficarão no vazio quando não o tiverem mais para desprezar. De minha parte, vejo um grande vácuo quando Lula não mais estiver aqui, segurando todas essas pontas que impedem o país de sucumbir de vez a mais uma barbárie.

Aí essa gente toda, do alto do seu antipetismo, antilulismo, talvez saiba o que é pobreza, miséria, de fato.

 


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

PL da anistia - Velhinhas de Bíblia na mão ou terroristas?

Por Fernando Castilho




ANISTIA NÃO!


O deputado Rodrigo Valadares (União – SE) é o autor do projeto de lei que propõe anistiar caminhoneiros, empresários e todos os participantes das manifestações contra o resultado das eleições de 2022, incluindo aqueles que financiaram ou apoiaram os atos nas redes sociais. Durante uma entrevista na Globo News, o deputado defendeu a proposta argumentando que ela protegeria, entre outros, as "velhinhas de Bíblia na mão" presentes nos eventos de 8 de janeiro de 2023.

Contudo, independentemente de quem tenha participado, o artigo 60, §4º da Constituição impede a aprovação de projetos de lei que visem abolir cláusulas fundamentais, como os direitos e garantias individuais e a separação dos Poderes. Isso implica que ataques diretos ao Estado Democrático de Direito e à Constituição, como os que ocorreram em janeiro, não poderiam ser legalmente anistiados, pois comprometeriam a própria ordem constitucional.

Além disso, anistia é um instrumento possível de ser utilizado para anular condenações já feitas e não impedir que pessoas que ainda não foram condenadas, como o próprio ex-presidente sejam presas. Aliás, há um forte cheiro de que o PL foi pensado exatamente para livrar Jair Bolsonaro da prisão.

O projeto está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Inesperadamente, a assessoria jurídica da Câmara, cuja função é filtrar projetos inconstitucionais, não se manifestou contra o caso, permitindo que o PL tenha grandes chances de ser aprovada na comissão.

Se aprovado pela CCJ, o PL será votado no plenário. Embora não se espere sua aprovação, ainda há riscos. Se passar, o processo seguirá nesta sequência: o presidente Lula vetará, a Câmara poderá derrubar o veto, e a lei, se aprovada, será contestada por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, que deverá declará-la inconstitucional. Portanto, esforço e perda de tempo dos deputados da oposição.

A insistência no PL parece ter um objetivo maior: manter mobilizado o rebanho bolsonarista, que precisa ser mantido unido, já que parte dele está migrando para o curral de Pablo Marçal. E, sobre as "velhinhas de Bíblia na mão", caso haja alguma, seria mais adequado que utilizassem o livro para orar pedindo perdão por seus pecados, visto que, caso o golpe tivesse sido bem-sucedido, o Brasil poderia ter passado por um cenário de confrontos, prisões, torturas e mortes.


terça-feira, 3 de setembro de 2024

Silêncio injusto: a luta dos aposentados pela Revisão da Vida Toda

Por Fernando Castilho




Há alguns meses, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, recebeu em audiência os representantes do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev). A pauta não poderia ser mais crucial: a Revisão da Vida Toda, uma conquista que os aposentados obtiveram com muita luta, reconhecida em uma decisão histórica do STF. Na reunião, Lupi demonstrou sentir profundamente o peso dessa causa, compreendendo que a vitória dos aposentados estava sendo ameaçada de forma injusta, sob a alegação de um rombo colossal de 480 bilhões de reais. O instrumento utilizado para a derrubada vitória dos aposentados foi o ressuscitamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de 1999.

Com a responsabilidade que lhe cabia, Lupi concordou em receber do Ieprev um estudo científico que revelaria os números reais envolvidos, derrubando de vez esse espantalho de um prejuízo astronômico aos cofres públicos. Em uma demonstração de transparência e compromisso, Lupi afirmou à imprensa que os valores divulgados eram nada mais do que um “chutômetro”, reacendendo a esperança no coração dos aposentados. Eles acreditaram que, finalmente, o ministro levaria essa questão tão delicada ao presidente Lula, um líder que sempre se destacou na defesa dos mais vulneráveis.

Mas o que veio a seguir foi um silêncio que ressoou como um golpe seco e cruel. Apesar das inúmeras oportunidades, inclusive em reuniões ministeriais, o assunto foi deixado de lado, e a esperança dos aposentados começou a se esvair.

O estudo encomendado pelo Ieprev, agora finalizado, trouxe à tona uma verdade avassaladora: o impacto financeiro seria de apenas 3,1 bilhões em 10 anos (310 milhões por ano), um valor insignificante comparado aos 480 bilhões alegados pela AGU – apenas 0,5% do montante! Para os aposentados, esse valor mensal é muito menor do que os milhões que o governo planeja destinar ao resgate de uma empresa privada que administra o aeroporto de Porto Alegre, destruído pelas enchentes.

A missão do ministro da Previdência Social é clara e inquestionável:

  1. Implementar o plano do governo eleito em 2022;
  2. Proteger e melhorar a vida dos segurados do INSS.

Embora Lupi tenha mostrado competência em seguir essa missão, falta-lhe a coragem de enfrentar, com firmeza e determinação, o desrespeito brutal aos direitos de 102 mil aposentados que o STF deveria garantir.

Pode-se alegar que há um crescente rombo na Previdência que o governo precisa combater com seriedade, mas é preciso lembrar que a RVT é um direito conquistado que não pode ser anulado.

Enquanto isso, há duas semanas, os aposentados enfrentavam uma amarga derrota no julgamento virtual dos embargos de declaração das ADIs, com quatro votos desfavoráveis, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, interrompendo a votação e levando o caso ao plenário presencial, onde tudo recomeçará do zero.

Essa pausa oferece uma nova chance. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Bruno Fischgold, os advogados contratados pelo Ieprev, terão agora a oportunidade de apresentar os verdadeiros números aos ministros, dissipando a principal justificativa para a derrubada da Revisão da Vida Toda. Além disso, tentam convencer os ministros da necessidade, pelo menos, de modular os efeitos da ação, garantindo os direitos a quem entrou com a ação, por exemplo, antes da publicação do acórdão. Porém, os advogados não terão a oportunidade de conversar diretamente com o presidente.

Em um julgamento onde a política econômica parece prevalecer sobre a justiça, é urgente que surja um defensor de peso em favor dos idosos vulneráveis. Exceto Lupi, justamente o chefe da pasta e um grande defensor da RVT, parece não haver mais ninguém com a força política necessária para lutar pelos segurados.

Se o presidente Lula prometeu garantir a segurança alimentar de todos os brasileiros até o fim de seu mandato, é vital que ele saiba que essa promessa está em risco. Porém, se Lupi não apresentar os números verdadeiros ao presidente, a pressão sobre o Supremo para anular a decisão que deu vitória aos aposentados continuará, e a justiça arduamente conquistada poderá se perder no vazio da omissão.


domingo, 1 de setembro de 2024

7 de setembro terá encontro de escorpiões no carro de som.

Por Fernando Castilho



Havia dois escorpiões num galhinho que flutuava num rio.

O tempo passava e nada do galhinho aportar nas margens.

De repente, os dois escorpiões sentiram ferroadas ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo também, perguntaram um ao outro: por que me deste uma ferroada? Os dois, como num jogral, responderam: porque é da minha natureza.

Dia 7 de setembro haverá manifestação convocada por Silas Malafaia pelo impeachment e pela prisão de Alexandre de Moraes. Bolsonaro afirmou que ia; depois cancelou a ida; em seguida, cancelou o cancelamento.

Durante a semana, Malafaia e Pablo Marçal protagonizaram verdadeira batalha nas redes sociais. Um falou verdades para o outro. O outro falou verdades para o um. A sujeira é muito grande dos dois lados.

Ao ser indagado por Marçal se poderia comparecer, Bolsonaro disse que não via problema algum porque o evento seria suprapartidário. Portanto, Marçal vai.

Valdemar Costa Neto, o dono do PL de Bolsonaro, ficou uma fera porque seu candidato e, teoricamente, o do capitão à prefeitura de São Paulo, é Ricardo Nunes. Valdemar também já não vê sentido em pagar 60 mil reais de salário para o bozo, já que este não consegue emprestar prestígio aos candidatos do PL Brasil afora.

No carro de som, portanto, deverão estar Bolsonaro, Nunes, Marçal e Malafaia.

Já sabemos que, muito provavelmente, Bolsonaro ficará calado para não ser preso, afinal, pedir impeachment e prisão para ministro do STF é crime de obstrução de justiça.

A presença de Marçal no carro de som deverá levar milhares de pessoas pela pura curiosidade em saber qual será a polêmica que ele levantará. Ou qual será a mentira. E será a grande chance do coach para derrubar Nunes e fazer com que Bolsonaro traia Valdemar e passe para seu lado.

Aquele espaço no carro de som é o galhinho flutuando pelo rio. Só que nesse galhinho não há somente dois escorpiões.

7 de setembro será um dia de fortes emoções.