Por Carla Jiménez
A empresa O Boticário publicou uma peça publicitária na TV em que pessoas se preparam para presentear seus namorados. Para surpresa geral, no final os casais poderiam ser de sexos diferentes ou do mesmo sexo.
A
reação foi imediata. Os hipócritas de plantão se manifestaram no
Youtube e nas redes sociais contra aquilo que segundo eles destroi a
família. A existência do diferente.
O
pastor estelionatário (redundância?) reagiu para variar, com um
discurso de ódio contra O Boticário e aqueles que consomem seus
produtos.
A
empresa peitou as reações e não arrredou pé da campanha.
Provavelmente tem em mãos alguma pesquisa de mercado que lhe garante
a certeza de que a empreitada vale a pena, afinal gays consomem, e
muito, perfumes. E dentro do regime capitalista, para ela o que
importa é lucro.
Estava
escrevendo este texto quando me deparei com a matéria do El País
Brasil, escrita pela jornalista Carla Jiménez que ia na linha do meu
texto, mas que inegavelmente aborda o caso de maneira mais completa.
Vamos
ao texto
Vamos
tirar a hipocrisia do armário
Por
Carla Jiménez
Uma
pena que seja uma empresa, e não lideranças políticas, a tomar a
dianteira numa briga contra o preconceito homofóbico
Se
vai boicotar O Boticário, deixe de lado também Facebook e Apple.
A
ousadia
do
Boticário
parece ser naturalizar num comercial algo que é natural de fato.
Gays votam, trabalham e são consumidores - e se perfumam, até com
produtos da Boticário! - , por isso podem e devem se ver
reconhecidos como seres completos numa propaganda. Algo, inclusive,
que ajuda a combater a intolerância que hoje custa vidas de
homossexuais inocentes, atacados por quem discorda do que é
diferente.
Até
pouco tempo, a sociedade brasileira era vista como referência no que
diz respeito aos costumes por seus vizinhos na América Latina. O
divórcio, por exemplo, promulgado no Brasil em 1976, só veio a ser
aceito juridicamente no Chile, em 2006. Nos últimos anos, esse
mérito brasileiro de encampar tendências tem dado um passo atrás.
O mesmo Chile tem avançado mais rapidamente na questão gay. A
presidenta Bachelet acaba de sancionar a lei
da união civil de homossexuais, admitindo que pessoas do mesmo sexo
constituem uma família.
O
Brasil, por outro lado, embora aceite a união civil por causa de uma
decisão do Supremo Tribunal Federal, não tem uma legislação sobre
o tema. A fragilidade legal da situação permite a existência de um
projeto
de lei sobre o Estatuto da Família , que reconheceria apenas casais formados por um homem e uma mulher e
ameace o que já foi conquistado. O debate não é só chato, mas
começa a ficar perigoso. Qual seria a próxima investida dessa onda
ultraconservadora? A hipocrisia não pode pautar o cotidiano do país.
Por
isso, tomar posição em momentos como este é importante para não
retroceder. A revista Exame, uma das mais respeitadas no Brasil,
soltou um edição, um mês atrás, com uma capa intitulada “Chefe,
sou gay”
de várias páginas trazia o relato de executivos em cargos de
destaque falando abertamente sobre sua escolha afetiva por parceiros
do mesmo sexo, em seus respectivos empregos. O assunto, na verdade,
já é normalizado no mundo corporativo, que há anos estende o
benefício dos planos de saúde, por exemplo, para cônjuges de
casais homossexuais. Mas é importante que um meio de comunicação
provoque o debate, para aumentar a sua exposição.
É
uma pena que uma empresa, como O Boticário, esteja peitando a
conversa, em vez de lideranças políticas. No meio jornalístico,
todos sabem quem são os políticos homossexuais, que preferem ficar
no armário por temer perder votos. Isso num mundo onde já se elegem
a cargos públicos políticos que tomam essa bandeira. É o caso da
pequena Slupk, na Polônia, que elegeu seu primeiro prefeito gay,
Robert Biedron, no ano passado, ou do premiê de Luxemburgo, Xavier
Bettel, que se casou com seu companheiro fazendo uso da lei que ele
mesmo assinou.
Pergunto-me
se o país é tão conservador de fato, ou se o marketing do
conservadorismo é mais eficiente – por isso o medo de enfrentá-lo.
Quando leio reações de religiosos ao assunto, me vem à mente o
Papa Francisco, que está voltando às origens da Igreja para falar
mais de perto a língua do povo. “Quem
sou eu para julgá-los?”
, disse ele quando perguntado sobre os homossexuais. Vira e mexe
volta ao assunto, provocando a reflexão. “Deus
não tem medo de novidades
e nos leva a caminhos imprevistos”, disse Francisco durante o
Sínodo de Bispos em outubro do ano passado. É a sensatez que está
em falta, e não regras para dizer quem deve ou não deve ser
retratado num comercial de TV.
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