Por
Aderbal Freire-Filho
|
Charge: Bruno Barros |
Ao me considerar relativamente bem informado, quero dizer que não sou informado da situação política do Brasil exclusivamente pela chamada grande imprensa. Se me orientasse pela Folha, por exemplo, ia saber que o fato mais importante do dia primeiro de maio foi que uma mosca pousou na testa, no olho, no queixo, no nariz da presidente da República.
Em
respeito a grandeza da poesia de Ferreira Gullar, não me animo a
comentar suas opiniões políticas, expostas semanalmente no jornal
Folha de São Paulo e das quais discordo. No entanto, lendo sua
coluna do domingo, 01/05, me considerei, talvez indevidamente, parte
do diálogo que ele de certa forma propôs. Digo indevidamente porque
não devo ser, com certeza, uma das pessoas "reconhecidamente
inteligentes e bem informadas" a que Gullar se referia, mesmo me
considerando relativamente bem informado e tendo uma inteligência
mediana, suficiente ao menos para juntar lé com cré.
Gullar
é a favor do impeachment e se surpreende com a reação dessas
"pessoas reconhecidamente etc...." em face da crise pela
qual passa o país e com "os tipos de argumentos que adotam,
contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a
nossa vida politica e social". E diz que "a única
explicação para tal atitude só pode ser a necessidade de, fora de
toda lógica, insistir na defesa de determinada posição ideológica,
seja ela razoável ou não".
Ao
me considerar relativamente bem informado, quero dizer que não sou
informado da situação política do Brasil exclusivamente pela
chamada grande imprensa. Se me orientasse pela Folha, por exemplo, ia
saber que o fato mais importante do dia primeiro de maio foi que uma
mosca pousou na testa, no olho, no queixo, no nariz da presidente da
República. Um estudante de jornalismo que se dedicasse a preparar
uma tese sobre a manipulação da imprensa nesse período e para isso
compulsasse as coleções dos jornais dessa época, teria um material
abundante, extravagante, caudaloso para fundamentar sua tese.
Gullar,
em sua coluna, reproduz de boa-fé a frase "o maior fenômeno de
corrupção da história", como fazem os muitos brasileiros
informados pelos grandes jornais. Um leitor do The Guardian,
comentando matéria publicada naquele jornal inglês que denuncia o
golpe brasileiro, é certeiro: diz que essa falsa premissa sozinha é
suficiente para desacreditar os argumentos da imprensa brasileira.
Considerando que propina e corrupção são quase invariavelmente não
documentados, ele se pergunta como alguém pode asseverar que um
esquema é o maior da história? E sugere que a imprensa deveria
parar de divulgar como fato o que não passa de uma hipérbole.
De
fato, não é preciso ir longe para comprovar que essa hipérbole faz
parte da Gramática Portuguesa pelo Método de Confundir da Imprensa.
Basta estar informado sobre tantos desvios bilionários de patrimônio
público, sobre a origem de inúmeros dos personagens dos escândalos
de hoje, sobre as práticas de ocultação que, ao longo da nossa
história, passaram pela censura e a perseguição na ditadura
militar, indo até a conivência judicial, etc.
A
corrupção – em qualquer partido, nas empresas, nas igrejas, no
futebol, na imprensa, onde quer que ele exista – deve ser combatida
tenazmente. Não pode ser bandeira exclusiva de um partido. É uma
bandeira da sociedade. Apoio os partidos de esquerda e voto neles,
mas não acredito na imunidade de nenhum partido a contaminação
pela corrupção. Para combater a corrupção só acredito no
aperfeiçoamento dos organismos de combate a corrupção (nem eles
imunes, aliás). Aperfeiçoamento que vi acontecer pela primeira vez
nos governos do PT.
O
que é escandaloso é ir para as ruas ao lado dos políticos e
partidos historicamente corruptos, que nunca foram investigados
seriamente, defendendo ingenuamente ou hipocritamente o combate a
corrupção. A hipocrisia é comprovada sempre no dia seguinte: com o
prefeito de Montes Claros, o deputado da merenda, o candidato a
prefeito com milhões não declarados e tantos outros fotografados na
véspera nas manifestações da TV.
A
grande diferença do PT está nos seus programas de governo.
Programas que se cumprem, como o PT comprovou. Um exemplo: os
governos de Lula e Dilma abriram 18 universidades públicas, os de
FHC nenhuma; FHC criou 11 escolas técnicas, Lula e Dilma 214.
(As
vezes me pergunto o que pensa Fernando Henrique quando lê seu
ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da École des
Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, um dos fundadores do
PSDB, eleito Intelectual do Ano, em 2015, escrever que: "em nome
da Economia, estamos trocando um ministro da Fazenda competente,
Nelson Barbosa, que está buscando retomar o investimento público e
impedir a revalorização do real para enfrentar a recessão...";
"a direita e a classe média tradicional venceram. Paralisaram o
Brasil, desestabilizaram a democracia, tornaram o país sujeito a
crises políticas sempre que a popularidade do presidente da
República cair, trocaram o acordo pela luta de classes, mas
satisfizeram seu desejo de poder. Que desastre, que loucura, que
irresponsabilidade!")
O
PT, sobretudo, não foi na conversa de que é preciso aumentar o bolo
para depois distribuir. Com o PT, o povo, finalmente, começou a
comer o bolo.
A
propósito. Lembro de um almoço há muitos anos em que um candidato
a prefeito convidou uma meia dúzia de artistas para uma conversa às
vésperas da eleição. O Gullar era um dos convidados. Eu, outro.
Lembro do Gullar calado durante o almoço. E nós, os outros, a dizer
a cultura precisa disso e daquilo, é preciso apoiar o cinema, o
teatro, etc e tal. Já na sobremesa, finalmente, o Gullar falou. Foi
curto e grosso: "prefeito, e o povo? Eu só quero saber o que o
senhor vai fazer pelo povo". Um silencio, o candidato titubeou,
tal e coisa, até logo, obrigado, boa sorte. Eu lembro que saí dali
pensando: porra, eu falando de nós e o Gullar... esse é o cara. E o
povo, o que o senhor vai fazer pelo povo? Nunca esqueci.
Sei
que falta muito bolo ainda por dividir. No Brasil, por exemplo, a
maioria da estrutura tributária está baseada em impostos indiretos.
Assim, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. O PT não conseguiu
mudar isso, mas seu lema é continuar mudando. Vem daí a reação
dos poderosos: pelo que esses caras já fizeram, vão chegar nos
nossos "sagrados direitos".
No
domingo, 10/04, a Ilustríssima, caderno da própria Folha, ouviu
intelectuais –inteligentes e informados – sobre suas posições
em relação ao impeachment. Eram cerca de 30. Alguns não se
definiram. Mas 20 se declararam contra o impeachment e 7 a favor
(entre os 7 estava o Fernando Henrique, cujo voto talvez fosse melhor
anular, pois ele é parte; então, votos válidos a favor do
impeachment: Ferreira Gullar e mais 5). Ou seja, entre os bem
informados e inteligentes a grande maioria votou contra o
impeachment. Uns poucos votaram como os deputados que vimos desfilar
naquele domingo vergonhoso: aparentemente nada inteligentes,
desonestos, obscurantistas...
Não
parece mais lógico, então, que esses 20 homens que se declaram
contra o impeachment se surpreendam com pessoas reconhecidamente
inteligentes e bem informadas como o Gullar adotando argumentos
contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a
nossa vida política e social?
Não
consigo atinar com a razão que qualquer deles iria sugerir para tal
atitude do grande poeta. Não acredito que dissessem ser a
"necessidade de, fora de toda lógica, insistir na defesa de
determinada opção ideológica, seja ela razoável ou não".
Não vejo Ferreira Gullar ao lado dos defensores de uma ideologia de
direita, como Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e tantos, tantos
outros."
Aderbal Freire-Filho é diretor e autor teatral, ator e apresentador.