domingo, 8 de maio de 2016

Informados e inteligentes

Por Aderbal Freire-Filho 


Charge: Bruno Barros


Ao me considerar relativamente bem informado, quero dizer que não sou informado da situação política do Brasil exclusivamente pela chamada grande imprensa. Se me orientasse pela Folha, por exemplo, ia saber que o fato mais importante do dia primeiro de maio foi que uma mosca pousou na testa, no olho, no queixo, no nariz da presidente da República.

Em respeito a grandeza da poesia de Ferreira Gullar, não me animo a comentar suas opiniões políticas, expostas semanalmente no jornal Folha de São Paulo e das quais discordo. No entanto, lendo sua coluna do domingo, 01/05, me considerei, talvez indevidamente, parte do diálogo que ele de certa forma propôs. Digo indevidamente porque não devo ser, com certeza, uma das pessoas "reconhecidamente inteligentes e bem informadas" a que Gullar se referia, mesmo me considerando relativamente bem informado e tendo uma inteligência mediana, suficiente ao menos para juntar lé com cré.
Gullar é a favor do impeachment e se surpreende com a reação dessas "pessoas reconhecidamente etc...." em face da crise pela qual passa o país e com "os tipos de argumentos que adotam, contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a nossa vida politica e social". E diz que "a única explicação para tal atitude só pode ser a necessidade de, fora de toda lógica, insistir na defesa de determinada posição ideológica, seja ela razoável ou não".
Ao me considerar relativamente bem informado, quero dizer que não sou informado da situação política do Brasil exclusivamente pela chamada grande imprensa. Se me orientasse pela Folha, por exemplo, ia saber que o fato mais importante do dia primeiro de maio foi que uma mosca pousou na testa, no olho, no queixo, no nariz da presidente da República. Um estudante de jornalismo que se dedicasse a preparar uma tese sobre a manipulação da imprensa nesse período e para isso compulsasse as coleções dos jornais dessa época, teria um material abundante, extravagante, caudaloso para fundamentar sua tese.
Gullar, em sua coluna, reproduz de boa-fé a frase "o maior fenômeno de corrupção da história", como fazem os muitos brasileiros informados pelos grandes jornais. Um leitor do The Guardian, comentando matéria publicada naquele jornal inglês que denuncia o golpe brasileiro, é certeiro: diz que essa falsa premissa sozinha é suficiente para desacreditar os argumentos da imprensa brasileira. Considerando que propina e corrupção são quase invariavelmente não documentados, ele se pergunta como alguém pode asseverar que um esquema é o maior da história? E sugere que a imprensa deveria parar de divulgar como fato o que não passa de uma hipérbole.
De fato, não é preciso ir longe para comprovar que essa hipérbole faz parte da Gramática Portuguesa pelo Método de Confundir da Imprensa. Basta estar informado sobre tantos desvios bilionários de patrimônio público, sobre a origem de inúmeros dos personagens dos escândalos de hoje, sobre as práticas de ocultação que, ao longo da nossa história, passaram pela censura e a perseguição na ditadura militar, indo até a conivência judicial, etc.
A corrupção – em qualquer partido, nas empresas, nas igrejas, no futebol, na imprensa, onde quer que ele exista – deve ser combatida tenazmente. Não pode ser bandeira exclusiva de um partido. É uma bandeira da sociedade. Apoio os partidos de esquerda e voto neles, mas não acredito na imunidade de nenhum partido a contaminação pela corrupção. Para combater a corrupção só acredito no aperfeiçoamento dos organismos de combate a corrupção (nem eles imunes, aliás). Aperfeiçoamento que vi acontecer pela primeira vez nos governos do PT.
O que é escandaloso é ir para as ruas ao lado dos políticos e partidos historicamente corruptos, que nunca foram investigados seriamente, defendendo ingenuamente ou hipocritamente o combate a corrupção. A hipocrisia é comprovada sempre no dia seguinte: com o prefeito de Montes Claros, o deputado da merenda, o candidato a prefeito com milhões não declarados e tantos outros fotografados na véspera nas manifestações da TV.
A grande diferença do PT está nos seus programas de governo. Programas que se cumprem, como o PT comprovou. Um exemplo: os governos de Lula e Dilma abriram 18 universidades públicas, os de FHC nenhuma; FHC criou 11 escolas técnicas, Lula e Dilma 214.
(As vezes me pergunto o que pensa Fernando Henrique quando lê seu ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, um dos fundadores do PSDB, eleito Intelectual do Ano, em 2015, escrever que: "em nome da Economia, estamos trocando um ministro da Fazenda competente, Nelson Barbosa, que está buscando retomar o investimento público e impedir a revalorização do real para enfrentar a recessão..."; "a direita e a classe média tradicional venceram. Paralisaram o Brasil, desestabilizaram a democracia, tornaram o país sujeito a crises políticas sempre que a popularidade do presidente da República cair, trocaram o acordo pela luta de classes, mas satisfizeram seu desejo de poder. Que desastre, que loucura, que irresponsabilidade!")
O PT, sobretudo, não foi na conversa de que é preciso aumentar o bolo para depois distribuir. Com o PT, o povo, finalmente, começou a comer o bolo.
A propósito. Lembro de um almoço há muitos anos em que um candidato a prefeito convidou uma meia dúzia de artistas para uma conversa às vésperas da eleição. O Gullar era um dos convidados. Eu, outro. Lembro do Gullar calado durante o almoço. E nós, os outros, a dizer a cultura precisa disso e daquilo, é preciso apoiar o cinema, o teatro, etc e tal. Já na sobremesa, finalmente, o Gullar falou. Foi curto e grosso: "prefeito, e o povo? Eu só quero saber o que o senhor vai fazer pelo povo". Um silencio, o candidato titubeou, tal e coisa, até logo, obrigado, boa sorte. Eu lembro que saí dali pensando: porra, eu falando de nós e o Gullar... esse é o cara. E o povo, o que o senhor vai fazer pelo povo? Nunca esqueci.
Sei que falta muito bolo ainda por dividir. No Brasil, por exemplo, a maioria da estrutura tributária está baseada em impostos indiretos. Assim, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. O PT não conseguiu mudar isso, mas seu lema é continuar mudando. Vem daí a reação dos poderosos: pelo que esses caras já fizeram, vão chegar nos nossos "sagrados direitos".
No domingo, 10/04, a Ilustríssima, caderno da própria Folha, ouviu intelectuais –inteligentes e informados – sobre suas posições em relação ao impeachment. Eram cerca de 30. Alguns não se definiram. Mas 20 se declararam contra o impeachment e 7 a favor (entre os 7 estava o Fernando Henrique, cujo voto talvez fosse melhor anular, pois ele é parte; então, votos válidos a favor do impeachment: Ferreira Gullar e mais 5). Ou seja, entre os bem informados e inteligentes a grande maioria votou contra o impeachment. Uns poucos votaram como os deputados que vimos desfilar naquele domingo vergonhoso: aparentemente nada inteligentes, desonestos, obscurantistas...
Não parece mais lógico, então, que esses 20 homens que se declaram contra o impeachment se surpreendam com pessoas reconhecidamente inteligentes e bem informadas como o Gullar adotando argumentos contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a nossa vida política e social?
Não consigo atinar com a razão que qualquer deles iria sugerir para tal atitude do grande poeta. Não acredito que dissessem ser a "necessidade de, fora de toda lógica, insistir na defesa de determinada opção ideológica, seja ela razoável ou não". Não vejo Ferreira Gullar ao lado dos defensores de uma ideologia de direita, como Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e tantos, tantos outros."

Aderbal Freire-Filho é diretor e autor teatral, ator e apresentador.


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