Por Fernando Castilho
Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil | Evaristo Sa / AFP
Mas, na verdade, parece que foi montada uma peça de teatro que só faltou ser gravada em vídeo.
A divulgação da existência de
uma gravação em áudio de uma conversa entre Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e o ex-presidente Jair Bolsonaro
suscitam preocupações sérias sobre a integridade das instituições democráticas
no Brasil. Analisar se esse evento constitui um fator de risco à democracia
requer examinar vários aspectos relacionados ao conteúdo do áudio, ao contexto
político, e às consequências do vazamento.
O conteúdo do áudio trata
de analisar estratégias para livrar o filho de Bolsonaro, o senador Flávio, das
acusações de rachadinha (prática corrupta que fere a ética e a legalidade no
serviço público, configurando-se em crimes como peculato, concussão e corrupção
passiva, além de envolver associação criminosa) em seu gabinete.
A gravação, sabe-se,
tem a duração de uma hora e oito minutos, portanto é longa e contém grande
número de detalhes reveladores do modus operandi da quadrilha que se instalou
no Planalto.
Mas, na verdade,
parece que foi montada uma peça de teatro que só faltou ser gravada em vídeo.
Vejam os personagens
principais:
1 – Alexandre
Ramagem, chefe da Abin. Seu papel principal é o de gravar a peça. Porém, em
todos os momentos o ator representa o agente republicano que procura rechaçar
propostas para a salvação do Flávio que ele considera ilegais.
2 – Advogadas
Luciana e Juliana. Seus papéis são o de defensoras da legalidade. Elencam
possíveis atos ilegais cometidos por auditores fiscais para justificar que ações
devam ser empreendidas pela Abin e pelo GSI contra eles para defender Flávio.
São elas as protagonistas.
3 – Augusto Heleno,
então ministro chefe do GSI. Seu papel é o de coadjuvante. Porém, ele devia
estar um tanto longe do microfone, sendo difícil ouvi-lo e entender o que ele
fala. Mau ator.
4 – Jair Bolsonaro,
então presidente. A personalidade do capitão impõe a ele que seja o comandante
de toda e qualquer reunião, como vimos em duas reuniões ministeriais em que
bradava a todo momento amedrontando os demais. Porém, desta vez ele não foi o
protagonista e, por isso, se superou como ator. Foi capaz de controlar seus
impulsos representando um personagem que mais ouve do que fala. Papel muito
difícil para ele. Sua fala mais importante e reveladora foi: “Tá certo. E
deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que
não estamos procurando favorecimento de ninguém.”
Nessa frase o
capitão entrega o jogo. A reunião parece ter sido uma armação para tentar
emplacar a tese, caso o caso chegasse a PF para uma possível investigação, de
que nunca houve intenção alguma de defender seu filho das acusações de
peculato. Algo que revela a primariedade de seu raciocínio, pois a reunião em
si foi ilegal. Usar a máquina pública para vantagens pessoais é crime.
A ideia parece ser a
de tentar se vacinar contra possíveis acusações no futuro. Fica patente, ao
deixarem as duas advogadas livres para falarem durante quase toda a reunião,
que, se houve alguma coisa ilegal, a culpa foi delas que propuseram soluções
criativas (falsamente rechaçadas em sua maioria por Ramagem) para salvar Flávio
Bolsonaro.
Portanto, Jair,
Ramagem e Heleno procuraram sair blindados da reunião.
Assim como no caso
das joias roubadas, em que desconhecemos com que frequência esse crime vinha
sendo cometido, já que houve 150 viagens à Arábia Saudita (o que pode implicar
em inúmeros outros presentes que conseguiram entrar ilegalmente no país),
também não sabemos por quantas vezes conversas entre Ramagem e Bolsonaro foram
gravadas e de quais crimes elas trataram.
Que as investigações da PF não parem por aí.
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