É
lógico que não me preocupo aqui, neste texto, em sequer insinuar
que, do jeito que as coisas vão, algo tão grotesco poderá vir a
acontecer ao Brasil.
Porém, no ano passado, quando se completaram 50
anos do golpe militar, alguns colunistas de jornais flertaram com
novo golpe ao publicarem comentários e até uma pesquisa de opinião,
lembram-se?
As
pessoas que na época se manifestaram a favor da volta do regime militar não
conseguiriam lotar uma Kombi, e acabamos por rir muito.
No
dia 15 de março, o número dos que querem a ditadura subiu muito,
mas continuamos a rir muito, não sem motivo, dada a ausência do
mínimo de sanidade.
Porém,
até quando riremos?
Embora
não haja como dialogar, argumentar com quem não consegue articular
seu discurso com racionalidade, devemos nos lembrar que também não
se discute com tsunamis.
Todos sabemos como se deu a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, de Mussolini na Itália, de Franco na Espanha (golpe militar), de Salazar em Portugal.
Embora
haja diferenças entre elas, todas tem em comum o fascismo (no caso
de Hitler, nazismo), o autoritarismo, censura, repressão, torturas,
assassinatos, etc..
No
Brasil Getúlio Vargas, através de golpe militar, comandou o país
seguindo a mesma cartilha com seu Estado Novo, governando com mão de
ferro de 1930 a 1945 quando foi deposto por outro golpe.
Em
1964 chegou a vez dos militares derrubarem Jango, dando início aos
chamados 21 anos de chumbo, de triste memória.
Todos
sabemos também, através dos livros de História e de filmes que,
embora costumem retratar somente os heróis americanos comandando os
aliados contra os alemães, que a subida de Hitler ao poder se deu em
meio à uma enorme inflação e a uma carestia e desemprego sem
tamanho, herança ainda da crise mundial de 1929.
Para
que Hitler subisse ao poder, a imprensa teve um papel muito
importante, destacando-o como a grande salvação da pátria.
Após
ter assegurado o poder político sem ter ganho o apoio da maioria dos
alemães, Hitler tratou de o conseguir, e na verdade, permaneceu
fortemente popular até ao fim do seu regime. Com a sua oratória e
com todos os meios de comunicação alemães sob o controle do seu
chefe de propaganda, Joseph Goebbels, ele conseguiu convencer a
maioria dos alemães de que era seu salvador.
Para
todos aqueles que não ficaram convencidos, a SS e a Gestapo davam um
jeito, colocando-os em campos de concentração.
Para
isso não faltaram delatores.
Vizinhos
e amigos que não compactuavam com o regime eram denunciados.
Filhos
entregavam pais, irmãos entregavam irmãos.
O
desfecho todo mundo sabe.
Um
milhão de pessoas mortas, fora as torturadas e mutiladas. Judeus,
homossexuais, ciganos, mestiços, negros e...comunistas.
Mas
por que Hitler foi apoiado pela grande maioria da população,
excetuando-se operários de Berlim e de outras cidades grandes, que
resistiram bravamente até onde puderam?
O
que fez homens, donas de casa, meninos e meninas, pessoas comuns
amarem tanto o fuhrer?
Há
anos atrás conheci um alemão que veio pela Ford alemã, trabalhar
em sua unidade de Camaçari, Bahia.
Lá,
Joseph conheceu e se casou com uma baiana, o que fez-lhe valer um
diferente sotaque alemão.
Em
conversa com amigos brasileiros, alguém lhe perguntou sobre o que
levou o povo alemão, notadamente a classe média a apoiar tão
fortemente Hitler.
Joseph
fechou a cara. Nós outros pedimos para ele deixar pra lá, mas o
alemão, recomposto, resolveu falar.
Disse
que a geração de seus pais, filha dos que fizeram a guerra, viveu
sua vida nas sombras, com um sentimento de culpa tão forte que ele
não se lembra de alegria em sua casa.
Joseph
não conversava com seus pais, não era levado à festas ou
comemorações. Assim também era com seus amiguinhos de infância.
Sua
cidade era cinzenta, triste, soturna.
Mas
arrematou em seguida que ele e seus contemporâneos não tinham nada
a ver com o que seus avós fizeram, portanto não carregavam esse
sentimento de culpa.
Sua
cidade agora era alegre, colorida e festeira com muita música, dança
e cerveja.
Assegurou
que aquele pesadelo não iria mais se repetir pois o repúdio da
população ainda é muito forte.
O
nazismo é proibido por lei na Alemanha, embora ainda existam
pequenos grupos neo-nazistas.
O
nazismo não pode ser comparado à ditadura militar que o Brasil
viveu a partir de 1964. Ou pode?
Tiremos
a matança de judeus e minorias. Substituemo-las por quem discordava
do regime, inclusive os comunistas e socialistas.
Tiremos
a matança de homossexuais. Substituemo-la pela pregação homofóbica
que tem causado a morte de tantos jovens Brasil afora.
Hitler
subiu ao poder com apoio maciço da imprensa.
Por
aqui os jornais O Globo, Folha de São Paulo, Estadão, O Dia,
Correio da Manhã e Jornal do Brasil apoiaram a ditadura, sendo
responsáveis diretos pela mobilização em torno da derrubada de
Jango.
Enquanto
na Alemanha era fomentado o ódio, indispensável para chocar o ovo
da serpente, por aqui não foi diferente em 1964.
Dominar o mundo também não estava nos planos dos generais brasileiros, uma vez que para eles o Brasil já tinha dono, os Estados Unidos, que fomentaram o golpe.
15
de março foi o dia em que os defensores da democracia ficaram
horrorizados.
Claro
que a grande maioria dos que compareceram aos protestos quer a saída
de Dilma Rousseff e o fim do PT, não por motivo de corrupção, nem
por crise econômica. Apenas, correndo o risco de generalizar, luta
de classes.
Embora
haja muita falta de informação e muitos grupos com ideias as mais
diversas, há que se considerar que a discordância é elemento
próprio da democracia. Isso não se discute.
Mas,
ao contrário dos primeiros protestos pedindo impeachment da
presidenta, já em janeiro, desta vez o número de pessoas exigindo a
volta da ditadura militar, inclusive com suásticas, foi considerável.
Isso
é muito preocupante.
Em
comum com a Alemanha de 1933 e o Brasil de 1964, o ódio e a histeria
coletiva, o firme apoio da Rede Globo e de outras mídias, e a quase
ausência de negros e pobres, mesmo em Salvador, onde eles são 80¨%
da população.
A
diferença com a Alemanha fica por conta da situação econômica do
Brasil de hoje, que não pode ser comparada à daquele país na
época.
Enquanto
no país europeu, passados 70 anos, ainda há repúdio ao nazismo, no
Brasil, após somente 30 anos, já tem gente sentindo saudades do
regime militar.
Na
Alemanha o nazismo é criminalizado, enquanto um atentado à democracia.
No Brasil, quem defende a ditadura sai cantando como passarinho, embora a Constituição o proiba.
Tanto os regimes da Alemanha, quanto da Espanha, Itália e Portugal presenciaram o surgimento de um líder que os levou à ascensão e à queda. No Brasil esses grupos ainda estão difusos. Vale lembrar que Jair Bolsonaro, o mais cotado, foi vaiado.
Outra
diferença são as faixas em inglês.
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