segunda-feira, 9 de março de 2015

A sacralidade das vacas

Por Fernando Castilho


Primeiro ato:
Paulo Freire disse: ''Luto por uma educação que nos ensine a pensar, e não por uma educação que nos ensine a obedecer.''

Segundo ato:
Mauro Santayana escreveu em seu portentoso texto O PT, O PSDB E A ARTE DE CEVAR URUBUS: ''Perdeu-se a oportunidade - e nisso também devemos nos penitenciar - de aproveitar o impulso democrático, surgido da morte trágica de Tancredo Neves, para se inserir, no currículo escolar de instituições públicas e privadas, obrigatoriamente, o ensino de noções de cidadania e de democracia, assim como o dos Direitos do Homem, estabelecidos na Carta das Nações Unidas, e esse tema poderia ter sido especificamente tratado na Constituição de 1988 e não o foi. ''

Terceiro ato:
O jornal O Globo, no domingo, 8, Dia Internacional da Mulher, publica na primeira página uma charge de Chico Caruso mostrando a Presidenta Dilma Rousseff prestes a ser decapitada por alguém vestido à moda dos militantes do Estado Islâmico. Na legenda, ela diz: ''Também não é assim. Vamos negociar...''
Quarto ato:
À noite, durante o pronunciamento da Presidenta, transmitido para todo o país, moradores, em sua grande maioria, de bairros nobres de várias cidades do Brasil começaram um panelaço e buzinaço, ao som de gritos histéricos e xingamentos como ''vaca'', ''vagabunda'' e ''puta''.

A esquerda pode discordar das medidas econômicas divulgadas por Dilma na TV, por terem caráter conservador, pode discordar de medidas que podem prejudicar o trabalhador, aumentar o desemprego e reduzir programas sociais.

A direita não pode, uma vez que, embora haja contradição com o discurso proferido durante a campanha eleitoral, as medidas são muito tímidas se comparadas ao que Aécio Neves defendia.

Nada, mas nada mesmo do que Dilma falou atinge a classe que a xingou.
Portanto, não foi esse o motivo.

A Presidenta não está na lista do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Não está porque não há citação a ela. Dilma não é corrupta.

Portanto, não foi esse o motivo.

Então, por que a xingaram?
O ex-ministro da Fazenda de Sarney, ex-ministro de Reforma do Estado no 1° mandato e ex-ministro da Ciência e Tecnologia no 2° mandato de FHC, Luís Carlos Bresser-Pereira mata a charada em sua entrevista ''Ricos nutrem ódio ao PT'', publicada na Folha e endossada por Luís Fernando Veríssimo. 

O teólogo Leonardo Boff, vai na mesma linha em seus textos O que se esconde atrás do ódio ao PT (I)? O que se esconde atrás do ódio ao PT (II)?

Sim, o ódio ao PT, e por extensão à Dilma tem origem na inversão de políticas de governo implementadas já no primeiro mandato de Lula, que acabaram por tirar mais de 30 milhões de pessoas da linha de pobreza, vindo a dar fim a mais de 500 anos de desprezo dos governos com relação ao menos favorecidos. Só isso.

É a boa e velha luta de classes, que nunca deixou de existir num país de tanta desigualdade. 

É perfeitamente normal que pessoas descontentes se manifestem e expressem democraticamente suas razões, afinal, todo dirigente minimamente sensível tem o dever de ouví-las, colocá-las em pauta para discussão e tomar ou não medidas cabíveis.

O Dia Internacional da Mulher simboliza a luta de mulheres que morreram em razão da reivindicação de direitos, e poderia muito bem ter Dilma como mulher-símbolo, já que ela própria foi uma lutadora pela democracia que vivemos hoje.

Mas ela foi xingada.

E os xingamentos são todos machistas, vindos de homens e mulheres!

No Dia Internacional da Mulher!

Por homens que pela manhã entregaram flores às suas esposas e mães.

Por mulheres que durante o dia homenagearam umas às outras pelas redes sociais.

Muitas gentilezas.

Vaca!
Fosse homem, não seria possível. Touro seria elogio.

Vagabunda!
Não cola pois essa mulher trabalha, e muito.

Puta!
Não, Dilma não é prostituta.

Epílogo: Dia 15 de março haverá uma manifestação pelo Impeachment de Dilma. Para os impeachloides tanto faz que assuma Michel Temer, Eduardo Cunha ou Renan Calheiros, pela ordem.
Não estão nem um pouco preocupados com a corrupção.

O que querem é o PT fora.

Dia 8 foi uma amostra do que está por vir.


É perfeitamente normal que pessoas descontentes se manifestem e expressem democraticamente suas razões, afinal, todo dirigente minimamente sensível tem o dever de ouví-las, colocá-las em pauta para discussão e tomar ou não medidas cabíveis.

Mas ela foi xingada, por machistas, homens e mulheres...



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