sábado, 9 de maio de 2015

Estar no século XXI é tão ruim assim?

Por Fernando Castilho

Esta semana ocorreu na Câmara dos Deputados em Brasília um episódio que evidencia de uma vez por todas como certos homens estão na realidade se sentindo inferiorizados, nem sempre pela maior capacidade das mulheres, mas muitas vezes por terem sua própria capacidade colocada em xeque.

Imagem: internet
Dos tempos da juventude, guardo várias lembranças.

Eram os anos de chumbo, mas também a época do paz e amor, dos Beatles e dos Rolling Stones.

Ficava difícil para um jovem, participante em certo grau do Movimento Estudantil, ver tanta gente sendo presa e torturada e ao mesmo tempo ouvir frases como ''faça amor, não faça a guerra'' ou ''all you need is love''.

A mim parecia que o Brasil estava na periferia do mundo, onde tudo acontecia ao contrário.

Mas se a ditadura nos impedia de pensar livremente, fazendo-nos crer que tudo ia às mil maravilhas, vivíamos o milagre econômico, o Brasil fora tri-campeão mundial, ''Brasil, Ame-o ou deixe-o'', etc., também nós, o povo brasileiro acabávamos por nos tornar de certa forma, cúmplices do regime, ao nos acomodarmos e nos conformarmos numa situação.

Explico.

Na TV eram inúmeras as piadas com gays, negros, mulheres, pobres e portugueses, japoneses, etc..

Todo mundo brincava com gays porque eles eram praticamente invisíveis numa sociedade extremamente machista. Onde eles estavam? Escondidos, confinados nos salões de cabeleireiros, nas oficinas de corte e costura e nos balés. Ah, e nos quadros humorísticos dos programas de TV, como por exemplo, Haroldo o hétero, personagem homossexual de Chico Anísio, que tentava se tornar hétero, mas sempre dava suas recaídas. Bastante conveniente.

Os negros, onde se encontravam? Nas fábricas, nas roças, nas estivas, nos esportes e em todas as atividades que demandassem força física e resistência. A exceção só ocorria na música, no samba, no carnaval. Ah, eles estavam também nas telenovelas, sempre fazendo papeis de escravos, mucamas, empregadas domésticas...

As mulheres? Começavam a ingressar no mercado de trabalho, mas sempre foram retratadas nas novelas como donas de casa e mães, emotivas demais e incapazes de pensar com a razão. Enfim, subalternas ao marido. Nos programas humorísticos, por exemplo, eram a mulher do marido Oscar, que torrava torna a fortuna dele com supérfluos, ou a Terta do Pantaleão, outro personagem do Chico Anísio, que nunca tinha coragem de desmenti-lo. E os programas de receitas, então?

Os pobres eram retratados na TV como caricaturas. Geralmente eram mendigos, ou seja, o lumpen da sociedade. Nas novelas, pobre não aparecia, aparecia só a classe média baixa. Ou seja, havia um hiato entre a classe média baixa que morava nos bairros e os mendigos. Onde estavam os pobres, a grande maioria deste Brasil?

Víamos tudo isso com certa naturalidade e galhofa.

Passados muitos anos, a situação mudou muito, principalmente na última década.
Os gays começaram a sair do armário e buscaram visibilidade em outras profissões como engenheiros, advogados e até deputados.

A reação foi imediata.

Pastores começaram a pregar contra eles e a estimular agressões físicas e até assassinatos. Surgia a homofobia. O ódio, que era para ser escondido, passou a ser explícito. Antes, gay bom era o enrustido ou aquele confinado aos seus guetos de trabalho. Agora gay bom é gay morto.

Devido à políticas sociais como as cotas nas universidades, o negro também vem conseguindo aos poucos exercer profissões que dependam mais de seu intelecto do que de sua força física.

A reação foi imediata.

As manifestações de racismo se multiplicaram em todo o país. Brancos não conseguem engolir negros vestindo paletó e gravata, a não ser que sejam seguranças ou porteiros.

O ódio, que era para ser escondido, passou a ser explícito. Antes, negro bom era aquele que se colocava em seu lugar. Agora negro bom é negro fora das faculdades e submisso.

No maior programa de erradicação da pobreza do mundo, o Brasil conseguiu tirar 35 milhões de pessoas da linha da pobreza, fazendo com que surgisse uma nova classe social, ávida por consumir, viajando de avião e comprando em shoppings.

Logicamente que isso não poderia ficar impune, afinal, enquanto havia pobres quietinhos no seu lugar, a elite estava satisfeita em mandar no país.

Então a luta de classes voltou a dar o ar de sua graça.

Não foi por outro motivo que a classe média foi às ruas nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Se tivesse sido pelo motivo alegado, o da corrupção, teriam ido às ruas também contra Alckmin e Beto Richa pelos seus desgovernos. Teriam ido às ruas contra Aécio Neves, por ter sido responsável pelo rombo de bilhões em seu governo de Minas, por ter construído um aeroporto em terras de seu tio-avô, e por ter sido citado na lista de Furnas.

As mulheres agora ocupam postos de trabalho em grandes empresas e se destacam por ter capacidade de fazer uma administração diferente, senão melhor.

Temos até a primeira presidenta do Brasil, quer queiram ou não. E creiam, boa parte da rejeição contra ela vem do fato de ela ser mulher.

A reação não foi imediata, mas vem acontecendo aos poucos.

Recentemente o deputado ultra direita Jair Bolsonaro (que deveria renunciar ao seu mandato, uma vez que não concorda com eleições) afirmou que não estupraria a Deputada Maria do Rosário só porque ela é feia.

Troquemos os dois de lado para perceber que jamais uma mulher diria o mesmo quanto a um homem. Machismo exacerbado às últimas consequências. Para Bolsonaro, como pode uma simples mulher ocupar o mesmo cargo que ele, recebendo o mesmo salário? Raiva de mulher.

Esta semana ocorreu na Câmara dos Deputados em Brasília um episódio que evidencia de uma vez por todas como certos homens estão na realidade se sentindo inferiorizados, nem sempre pela maior capacidade das mulheres, mas muitas vezes por terem sua própria capacidade colocada em xeque.

A Deputada Jandira Feghali (PcdoB) tem se destacado muito na Câmara, por sua assiduidade, coerência, oratória, presença física, honestidade, inteligência e coragem. Ou seja, ela é Deputada!

Foi essa postura que ''obrigou'' o deputado Roberto Freire (PPS) a segurar seu braço, fazendo valer não sua capacidade intelectual de debater com argumentos, mas sua força física.

Como a Deputada reclamasse e ameaçasse enviar o caso à Comissão de Ética, outro deputado saiu em socorro a Freire. Alberto Fraga (DEM), tomou o microfone e, aos gritos, disse que “quem bate como homem deve apanhar como homem”.

Como não dá para calar a deputada com argumentos, cala-se com agressões.

Assim como na última década presenciamos grandes transformações no país, no sentido do progresso, notadamente justiça social a LGTB, negros, pobres e mulheres, de um ano para cá, a reação no sentido contrário só se fez crescer.

Gente que quer a volta ao passado, onde tudo era mais conveniente, desde que se aceitasse e se conformasse com as injustiças escondidas.

A eleição de um Congresso conservador, capitaneado na Câmara por Eduardo Cunha e no Senado, por Renan Calheiros, é ameaça constante aos grandes avanços sociais conquistados.

O apoio da mídia é explícito, já que ela é um quarto partido conservador no país.

Aonde isso vai nos levar, não sabemos, mas desde já é preciso começar a desenhar a contra-reação.

Ainda ouço os Beatles.







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