Por Fernando Castilho
O governo Bolsonaro, que muitos chamam de “governo da morte”, em que até havia um gabinete paralelo intitulado “gabinete do ódio”, responsável por disseminar o ódio e a violência na sociedade, atingiu atingiu crianças e jovens em cheio.
Era
uma tarde ensolarada de domingo em Santos, onde vivo. Perto do segundo turno
das eleições de 2018.
Caminhando
pela avenida da orla, de repente ouvimos, minha esposa e eu, um buzinaço que se
tornou ensurdecedor à medida em que uma grande fila de carros e caminhões com
faixas Bolsonaro 17 e Bolsodória 45, começou a avançar ostensivamente.
Tudo
normal, pensei eu, afinal, faz parte da democracia.
Porém,
o inédito nessa carreata eram as crianças nos bancos de trás, numa espécie de
frenesi, fazendo arminha com os dedos para os transeuntes, enquanto seus pais
buzinavam meio que enlouquecidos. Horripilante!
Para
nós, que já participamos de inúmeras campanhas eleitorais, o normal seria o gesto
de fazer um coração com as mãos para conquistar mais eleitores, mas os tempos
mudaram.
Lembro
que comentei com minha esposa: “isso não vai dar boa coisa”. Não deu.
Tecnicamente
não é possível atribuir aos 4 anos de governo bolsonarista a tragédia ocorrida
na Escola Estadual Thomázia Montoro, afinal, violência contra professores por
parte de alunos é um fenômeno que já existia antes de Bolsonaro, mas, cá entre
nós, vem aumentando muito nos últimos tempos.
É
praticamente inédito que um menino de apenas 13 anos, da 8ª série do
fundamental II, que a imprensa insiste em chamar de adolescente, tenha
planejado e anunciado em rede social um assassinato com faca e tentado matar
outros professores e alunos, além da professora Elisabete Tenreiro de 71 anos,
que teve parada cardíaca e faleceu.
O
menino participava de conversas com outros de sua idade através de um grupo no
twitter, em que exaltavam as façanhas de outros que lograram matar e até se
suicidaram logo após. Ele havia anunciado que iria no dia seguinte à escola
para matar e se lamentava por não ter conseguido uma arma de fogo para a “missão”.
Não
vejo como o twitter, com seus poderosos algoritmos, não consiga detectar
conversas como essas e eliminá-las da rede. Consegue, mas não quer.
O
professor da rede pública estadual e editor do canal Tiago na Área, Tiago Luz,
lembrou muito bem em vídeo que soluções rápidas e fáceis não funcionam para
assuntos complexos como este. Além do mais, logo se esquece o fato, até que
nova tragédia aconteça e reapareçam as mesmas soluções fáceis. Ele propõe um
amplo debate com a sociedade e especialistas, tanto em educação, quanto em
segurança e até com psicólogos.
Na
escola onde eu lecionava até o fim do ano passado, havia inúmeros casos de
depressão, de alunos que tentaram suicídio e de automutilação. Parece que não
só os 4 anos de incentivo ao armamento e ao uso de armas são os responsáveis,
mas também 2 anos de reclusão domiciliar devido à Covid-19. Houve uma espécie
de dessocialização em que as crianças passaram a adquirir uma forma de vida
mais individualizada do que em grupo.
Havia
uma psicóloga que uma vez por semana dava atendimento online a grupos de
alunos. Numa das vezes, num auditório com grande número de adolescentes do
ensino médio, ela tentava falar sobre ansiedade, mas absolutamente ninguém a ouvia,
preferindo assistir vídeos “engraçados” no Tik Tok.
Penso
que atendimentos assim não devem ser generalizados e em grandes grupos, pois é
justamente em grupos que os alunos se sentem à vontade para se recusar a
participar.
O
atendimento psicológico deve ser presencial e para grupos de até 3 crianças,
sob pena de fracassar.
O
governo Bolsonaro, que muitos chamam de “governo da morte”, em que até havia um
gabinete paralelo intitulado “gabinete do ódio”, responsável por disseminar o
ódio e a violência na sociedade, atingiu os jovens em cheio, mas, felizmente,
apesar da sobrevivência do bolsonarismo ou extrema-direita, acabou.
Agora
o pesado nevoeiro cinza escuro está se dissipando e uma nova aurora nasce com o
governo Lula.
Além
da árdua missão de consertar tudo aquilo que foi destruído em termos de economia,
saúde (700 mil mortos pela Covid-19), educação, direitos humanos, meio-ambiente
e corrupção, Lula tem ainda por cima que dissolver a atmosfera de ódio que
contaminou grande parte dos brasileiros e criar ares claros e límpidos para a
sociedade.
Para
isso terá também que compartilhar com estados e municípios políticas públicas
que propiciem emprego e renda para a população mais pobre, sem o que esta não
verá futuro para seus filhos, sob risco de, por falta de perspectivas, a
violência aumente.
Antes
de encerrar, sinto ser necessário lembrar que já há algumas gerações estamos
naturalizando morte violentas influenciados que somos, principalmente por
produções do cinema americano que nos bombardearam e ainda bombardeiam com
filmes de ação em que, invariavelmente se mata muito. Ao vermos tantos tiros,
sangue e morte, ficamos anestesiados a ponto de não mais nos chocarmos com
assassinatos violentos.
Felizmente,
com o streaming, Hollywood deixou de ser a principal fonte de entretenimento.
Hoje há produções de outros países que abordam temas mais cotidianos como
dramas familiares ou amorosos. E é disso que precisamos muito.
Por
fim, fica a sugestão do professor Tiago Luz de se promover um amplo debate
sobre a violência infantil com a sociedade.
Será
um longo processo, mas que, ao seu fim, talvez nunca mais vejamos crianças
fazendo arminha com os dedos nem utilizando armas reais.
Inês Duarte Fernandes
ResponderExcluirMuito bom o texto Fernando. Você abordou detalhes que ninguém falou ainda na grande mídia. Tornar nossa sociedade semelhante a norte americana era só questão de tempo e começou pelas armas amplamente distribuídas na população.
Muito obrigado pelo comentário. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo pediu aos professores para preencherem um questionário pelo google forms sobre saúde mental e segurança nas escolas. Uma das questões era sobre a necessidade ou não de policial armado dentro da escola. Na sala de professores da escola onde leciono, uma professora disse que não só deveria ter um policial armado como também ele, ao constatar que um aluno estava tentando entrar armado na escola, deveria atirar para matar. Vivemos num país extremamente armado no sentido psicológico do termo. É preciso substituir o ódio cultivado por 4 anos, por amor.
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