domingo, 22 de maio de 2016

Quase tudo pode ser de esquerda ou de direita

Por Walter Falceta



Nem de longe, a definição binária de esquerda e direita oferece caminho na busca de uma filiação ideológica.
Considerando que a interrogação se apresenta todos os dias, seguem as pistas.

Nosso problema de grosso calibre é a referência da cartilha. Segundo ela, a esquerda cerra fileiras com o trabalho; a direita, com o capital.
Nem de longe, no entanto, essa definição binária oferece caminho na busca de uma filiação ideológica.
Considerando que a interrogação se apresenta todos os dias, seguem as pistas.
O humano de esquerda busca a felicidade. Ponto! O humano de direita também, mas pelo sucesso. E quase sempre o sucesso se mede pelo patrimônio.
Não bastou?!
Sigamos, pois!
O humano de esquerda busca o avanço. O humano de direita também, mas não se importa de chegar sozinho (ou com poucos pares) ao destino.
Percebeu agora a diferença? Não? Vamos em frente...
Durante a caminhada, o humano de esquerda usa a mão como apoio. Ela frequentemente está voltada para trás ou para baixo, para trazer ao trajeto aquele que se atrasou ou caiu.
O humano de direita também, mas sua mão busca a corda que o levará antes ao outro lado do rio. É aquela que vai remar mais rapidamente. E agarrará, ainda que solitária, a última passagem no trem que atravessa a fronteira.
O humano de esquerda tende a adorar sua família, aquela que começou na África e que hoje habita todos os continentes. Ela se inaugura em anônimos remotos e se resume em seus filhos.
O humano de direita também adora sua família, mas é aquela de seu núcleo particular e privado. Em defesa desta pequena célula social, ele estabelece seu código particular de valores.
O humano de esquerda busca a satisfação, é evidente. Porém, muito mais satisfeito está quando seus semelhantes gozam do mesmo conforto físico, mental e espiritual.
O humano de direita igualmente busca a satisfação, mas contenta-se com a própria ou aquela de seu clã.
O humano de esquerda adora competir, mas consigo mesmo. Ele pretende fazer melhor do que fez ontem e contribuir com seu coletivo. Quer dar a ele de acordo com suas possibilidades.
O humano de direita também compete, todos os dias, nas horas todas em que permanece desperto. Mas assim o faz para superar seus semelhantes. Quer dar a si mesmo todas as oportunidades.
O humano de esquerda coopera, cultivando um sentimento de solidariedade que atravessa as classes sociais. O humano de direita também coopera, mas com suas corporações de ofício, na defesa de seus interesses classistas.
O humano de esquerda exercita dia e noite a projeção dialética. Ele se sente também na pele dos famintos, dos desterrados, das vítimas do preconceito, dos escravizados, dos injustiçados, de todos os excluídos.
O humano de direita também se projeta dialeticamente no outro. Ele se mira nos que seguem no pelotão da frente. É essa conduta que pretende emular. É este êxito que pretende reproduzir.
O humano de esquerda ama as pessoas, especialmente quando elas se chamam comunidade. O de direita também, especialmente quando elas se chamam mercado.
O humano de esquerda pensa em compartilhar seu excedente. O de direita também, mas costuma cobrar juros altos pelo que entrega.
O humano de esquerda, diante do colega sem merenda, é generoso e divide parte da sua própria.
O humano de direita também é generoso. Diante do famélico, aconselha-o gentilmente a trabalhar mais.
O humano de esquerda tende a compreender a causa da miséria. Associa-a à exploração, à restrição de acessos e à negação de direitos.
O humano de direita também compreende bem a causa da miséria. Para ele, é resultado da falta de esforço.
Nesse sentido, o humano de esquerda valoriza demais o talento. Para isso, luta para que todos desenvolvam suas potencialidades.
O humano de direita também venera o talento, e lamenta que os pobres tenham nascido sem essas qualidades especiais.
O humano de esquerda pode ou não acreditar em Deus. Quando crê, imagina que Ele instrua a mais perfeita comunhão. O humano de direita também. Mas imagina que Ele defina e premie os escolhidos.
No fundo, ninguém é 100% de esquerda ou 100% de direita, mas não é tão difícil assim definir qual caminho desliza melhor sob nossos pés.
E você, viaja de que lado?



Walter Falceta é jornalista, pintor e músico

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