Por José Luiz Teixeira
Há latas vazias de leite condensado espalhadas pelo chão, restos de caixas de bombom calçando as portas e mesas, pílulas de cloroquina jogadas nos cantos
Bem
que poderia ser título de filme de terror, misturado com comédia. O chamado
Terrir. Trata-se de um relatório exclusivo e minucioso sobre a situação do
Palácio da Alvorada, que constata o estado de terra arrasada em que o imóvel se
encontra, após a saída dos últimos inquilinos.
Uma
mesa, lascada numa das pontas, tem a marca dos dentes de alguém muito raivoso,
feroz, que se descontrola facilmente quando se sente contrariado, especialmente
nas redes sociais. Para surpresa dos agentes, foi encontrado um implante de
dente encravado na madeira.
O
vidro da janela da sala principal foi provavelmente trincado por uma vigorosa
cabeçada de uma pessoa careca com chumaços de cabelo nas laterais. As marcas de
caspa nas trincas denunciam a ação.
O
piso de madeira está muito arranhado. Há marcas visíveis de unhas compridas e
afiadas. Um exame microscópico detectou vestígios de esmalte Risqué nas cores
verde e amarelo dentro dos sulcos, além de restos de cutícula.
O
teto tem sérias infiltrações. Manchas escuras na parede, muito mofo, bolor e
rachaduras. No andar de cima fica o banheiro presidencial, de onde escorre da
bacia sanitária um fio de água escuro e mal cheiroso. Na porta, foi encontrado
um calendário, denominado "Cocô, dia sim, cocô, dia não". O 30/12/2022
era o dia "sim". Estava lá, no espaço correspondente, a frase
"Adeus, cambada, não saiam dos quartéis".
Nas
paredes da sala, sobressaem palavrões e desenhos feitos a mão livre, com caneta
esferográfica. Aparecem caralhinhos voadores, caricaturas estranhas e frases do
tipo "eu comi sua namorada", bem no estilo
porta-de-banheiro-de-rodoviária. Coisa de adolescente desocupado.
O
sofá não tem mais serventia. Está irrecuperável. O couro natural está cheio de
rachadinhas em toda a sua extensão, e a espuma do estofamento adquiriu o
formato do corpo do seu principal usuário. Se jogar gesso, vai formar a imagem
do antigo inquilino - uma escultura que poderia se chamar "O
preguiçoso".
Há
latas vazias de leite condensado espalhadas pelo chão, restos de caixas de
bombom calçando as portas e mesas, pílulas de cloroquina jogadas nos cantos,
uma revista de palavras cruzadas praticamente intacta e uma bíblia, rasurada
por frases do tipo "eu não sou coveiro", "um dia todo mundo vai
morrer"; logo abaixo daquele trecho sobre a verdade que o libertará, há um
apontamento conhecido: "é só uma gripezinha".
Mas
o que mais chamou a atenção da equipe foi um cilindro de oxigênio abandonado
pelos antigos inquilinos. Novinho em folha. Ainda carregado. Estranhamente,
estava numa prateleira, na sala de troféus, e continha milhares de marquinhas
feitas com um canivete.Talvez explique tudo. Um forte sinal.
(Texto
ficcional, baseado em fatos reais)
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