Por Fernando Castilho
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil |
Eles não acreditaram no que viam, afinal, eu também estava ali na comemoração. Esse é o paradoxo do qual a inteligência artificial me alertava. Sentei-me do lado de mim mesmo, saquei a foto do bolso e a exibi triunfante! Olha aqui, ó! A posse do Lula em 2023!
Logo
após a festa da posse de Lula como presidente do Brasil pela terceira vez, ainda
eufórico pelo acontecimento histórico, decidi escolher uma das fotos da subida
da rampa e, desafiando a Segunda Lei da Termodinâmica, montei em minha máquina
do tempo. Queria compartilhar com antigos amigos a alegria de ver restaurada,
enfim, nossa democracia.
No
painel à minha frente, ajustei a data para 1º de janeiro de 2011, à noite,
algumas horas após Dilma Rousseff tomar posse como a primeira presidenta do
Brasil, recebendo de Lula a faixa presidencial. A intenção era clara: se a festa havia sido
muito bonita e cívica, a de 1º de janeiro de 2023 foi de um simbolismo até
então inédito no país.
A
inteligência artificial que, uma vez ligada a máquina, assume seu controle, imediatamente
desaconselhou a viagem devido à possível criação de paradoxos temporais, mas
mesmo assim, empreendeu a viagem à contragosto.
Após
minutos de grande turbulência pelo espaço-tempo, cheguei ao bar onde certamente
meus amigos estariam comemorando a vitória. Estacionei a máquina nos fundos do
bar e entrei sorrindo.
Eles
não acreditaram no que viam, afinal, eu também estava ali na comemoração. Esse
é o paradoxo do qual a inteligência artificial me alertava. Sentei-me do lado
de mim mesmo, saquei a foto do bolso e a exibi triunfante! Olha aqui, ó! A
posse do Lula em 2023!
Todos
se entreolharam e ninguém entendeu nada.
Meu eu
de 2011 pegou a foto e a examinou demoradamente.
Finalmente,
arriscou-se a comentar com os demais: olha, gente, Lula tá velhinho, quase sem
cabelo, mas é ele mesmo, sem dúvida. Quer dizer que você, digo eu, voltei mesmo
do futuro para nos mostrar que Lula se elegeu pela terceira vez? Dê cá um abraço!
Isso!
Respondi. Todos se abraçaram.
-
Mas tem um monte de gente subindo a rampa com ele! Este aqui atrás é o Alckmin?
Por que ele está aqui?
- Porque
ele é o vice-presidente.
- O quê?
Perguntou o Miguel com sua barba sempre espessa. Como pode?
Outro
amigo, bigodudo Luiz, notou o indígena ao lado de Lula.
- É
o Raoni? Ele está aqui por quê?
Tive
que explicar que o governo anterior adotou uma política de dizimar aos poucos
os indígenas e que, por isso, Raoni simbolizava a redenção dos povos
originários.
Os
olhares agora eram de pavor.
A
Natália comentou: esse presidente que saiu devia ser terrível, não? Mas, cadê
dona Mariza?
Expliquei
que a ex-primeira-dama falecera e que Lula havia se casado com a moça de calças
compridas de seda que segurava uma cadela chamada Resistência.
-
Fale mais sobre isso, pediu a ansiosa Natália.
-
Bem, a Janja era uma das pessoas que permaneceram 580 dias na vigília próxima
onde Lula estava preso em Curitiba. A cadelinha havia sido adotada por ela.
-
LULA PRESO? Perguntaram em uníssono.
Tive
que me demorar em longas explicações, enquanto os copos secavam rapidamente.
- MAIS
CERVEJA!!! Todos pediram berrando. E CACHAÇA! MUITA CACHAÇA! Porque o baque
está sendo grande!
- E
essas outras pessoas? Quem são? Perguntou Laura, a morena esguia.
São
um deficiente físico, um professor, um menino negro de 10 anos, uma catadora...
Foi ela quem passou a faixa pro Lula. Todos simbolizam a diversidade do povo
brasileiro.
- Muito
legal a ideia e é muito bom que tanta gente tenha comparecido como a gente vê
ao fundo tomado pela cor vermelha, mas o antecessor não passou a faixa? Quem é
ele? Perguntou o barbudo Miguel.
Tive
então que explicar o que foram os 4 anos de Bolsonaro.
-
Pera lá, esse Bolsonaro não era um deputado reacionário? Esse cara chegou a ser
presidente? Cê tá de brincadeira? A comemoração virou uma zona com todos
falando ao mesmo tempo.
-
Sei que tudo parece uma loucura, mas é isso mesmo, tentei acalmar. Ele fugiu
pra Orlando e, pelos inúmeros crimes cometidos, deverá ser preso em breve.
Meu eu
antigo não se conteve.
- Olha,
eu sei que você não mentiria para mim porque você sou eu no passado, mas dizer
que Alckmin virou vice de Lula, que Lula ficou preso injustamente por causa de
um juiz que o perseguiu e que a vitória foi apertada contra um ex-deputado
medíocre que zombou da população que morria por causa de um vírus que vitimou
700 mil pessoas é demais! A viagem no tempo não mexeu com sua cabeça? Ou minha
cabeça? Nem sei mais o que estou falando.
- É
tudo verdade e tem muito mais, mas não quero colocar água no chope, já que vocês
estão comemorando.
Essa
foi a coisa mais besta que falei. Já tinha colocado.
Todos
se entreolharam demoradamente, já bêbados. Os olhares eram um misto de pavor e
de tristeza.
Meu
eu antigo eu, então, levantou um copo e propôs um brinde.
-
Comemoremos então a vitória de Dilma e de Lula!
-
VIVA A DEMOCRACIA! VIVA O PROGRESSO! VIVA O POVO BRASILEIRO!
Enquanto
a euforia voltava, Laura levantou-se e veio cochichar em meu ouvido: e quem
será o sucessor de Lula em 2026? Alckmin?
-
Xiiii...
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